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0 - PODER ORIGINÁRIO
26/04/2013 09:20O PODER ORIGINÁRIO da SOCIEDADE,
nas CIRCUNSTÂNCIAS dos INSTRUMENTOS de COMUNICAÇÃO NUMÉRICA DIGITAL.
Círio SIMON
Porto Alegre - 26 de abril de 2013
OBJETIVOS.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais Art. 1º Parágrafo único da Constituição Brasileira de 1988.
O poder emana do povo. Este poder uno é a origem da autoridade e do poder de um Estado contemporâneo. As funções administrativas de um Estado contemporâneo são exercidas, na clássica divisão montesquiniana em três vertentes. Esta administração em três vertentes do poder é contemporânea e simétrica aos primórdios da linha de montagem da era industrial, transposta ao âmbito da administração de um Estado contemporâneo. A operacionalização da fabrica supõe um sistema de entrada, processamento e saída controlada. A entrada de insumos é prevista e regulada pelo planejamento (Legislativo). Segue-se a operação de processamento destes insumos na linha de produção (Executivo). Na saída, a qualidade do produto, é controlada (Judiciário). Contudo esta tripla atividade da fábrica só é operante quando existir o meio e a finalidade (teleologia) que necessita estar em sintonia fina (just of time) com o seu planejamento, sua execução e seu controle. Esta sintonia age coerente com uma origem e um fim. Na era pós-industrial cabe o questionamento e o contraditório na concepção de Hannah Arendt[1] na sua crítica ao HOMO FABER. Cabe o questionamento e o contraditório na medida em que o HOMO FABER naturaliza, oculta a origem e o fim da organização do Estado Nacional. O HOMO FABER contrapõe-se a si mesmo como origem, fim único, hegemônico e perpétuo. De outra parte, por mais afinadas entre si mesmas que estejam as três vertentes das funções administrativas de um Estado, elas não se bastam a si mesmas sem o recurso continuado à origem e à finalidade do poder que emana do povo.
A origem e a finalidade do poder, que emana do povo, necessitam serem reconhecidas, não só no momento concedido à uma constituinte nacional, mas ao longo de todo o processo de sua implementação, maturidade e decadência de uma constituição. Nem a expressão do Estado nacional, nem o acatamento da individualidade diferenciadora garante, por si mesmas, este reconhecimento, da origem e da finalidade do poder.
Uma das razões que fazem da Constituição Brasileira, de 1988, uma “Constituição Cidadã” é a menção ao exercício direto do poder pelo cidadão. Este exercício direto, evidente só poderá tornar-se efetivo e legítimo no âmbito estatal, nos termos da Constituição. Esta possibilidade de exercício direto do poder impõe ao cidadão esforços coerentes na busca do conhecimento, cultivo da vontade continuada para usufruir este direito sem falsificações e sem corrupções. Inteligência que ele transfigura no direito de expressar a totalidade da nação em si mesmo. Expressões para contribuir com ações positivas para todos os brasileiros e sem causar qualquer prejuízo, apropriação daquilo que pertence à maioria da humanidade. Este exercício da vontade não pode representar diante de si mesmo a mentalidade de que o agente é portador. Chartier desvela o que parece evidente a todos. Para ele (1998: 38)[2] o que a mentalidade “é o que escapa aos sujeitos individuais da história porque revela o conteúdo impessoal do seu pensamento”. Leonardo da Vinci[3] trata (1944: 165) o mesmo tema sob a ótica da Arte. Este contraditório ocultamento da mentalidade exige constante e profundo esforço axiomático que inclui o agente atordoado pelo seu fazer mecânico.
O texto relativo ao Poder Originário constitui um dos numerosos esforços axiomáticos que se lançaram na busca de conhecimento, de vontade para que o cidadão usufrua este direito ao conhecimento de sua própria mentalidade. Conhecimento sem os prejuízos das máscaras das naturalizações, mitificações e corrupções. Para tanto, estudam-se plataformas para a sua ação pública no exercício do seu poder no âmbito desta sociedade. O autor leva em conta, para este estudo[4], a circulação de informações e os inúmeros paradigmas de poder que estas informações trouxeram ao palco da política pública. Considera-se, sem otimismo ou pessimismo, que a política foi competente, em todos os tempos, para transformar a potência individual e coletiva em autoridade.
No entanto o autor está bem consciente daquilo que Aristóteles advertia (1972: 211) a quem busca a ciência para compreender o espaço empírico. Nesta busca dialética “é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da ciência. Nenhum deles é fácil de aprender, pois, nem o rigor matemático se deve exigir em todas as coisas, mas somente naquelas que não tem matéria”. O Poder Originário possui matéria e circula nas ações dos seus agentes. Ao apresentar matérias e ações este autor vale-se do pensamento de Marc Bloch[5] quando ele afirma (1976: 29) que “o historiador pensa tanto o humano como o tempo”. Neste pensar, tanto o humano como o tempo, Cabral de Melo[6] distingue (1995:14) “os amadores discutem estratégia, mas os profissionais preferem falar de logística, bem se poderia dizer que os historiadores preferem falar de documentos, deixando a outros o cuidado de descobrir o sentido da história”. Sem discutir ou avaliar, se o autor é amador ou profissional, ele busca, nos seus limites e parcas competências, um conhecimento e uma vontade para que ele como cidadão usufrua também o seu direito ao seu poder, sem subterfúgios ou corrupções. Devido aos limites das suas competências, este autor, pede ao seu leitor que este lhe conceda três das qualidades que Nietzsche[7] solicitou (2000: 27) ao leitores dos seus textos “espero do leitor três qualidades: 1) - deve ser tranqüilo e ler sem pressa; 2) - não deve fazer intervir constantemente sua pessoa e a sua cultura, e 3) - não tem direito de esperar – quase como resultado – projetos”.
Na perspectiva de um contrato interativo com o leitor o autor trabalha e acredita que ele possui os seus próprios paradigmas adultos, íntegros e integrais. O autor resume o seu interesse pessoal apenas em fazer circular algumas ideias, pelo meio digital e numérico, em relação aos diversos paradigmas que sustentam no paradigma que ele adotou para viver a cidadania e a democracia republicana.
No entanto reconhece que o presente material tentou acumular concepções primitivas e materiais empíricos de sua época e lugar. Contudo, para os que virão depois, servem como desafio para construir ago mais coerente, inteligível e completo. Para um artista criativo não existe melhor desafio do que encontrar no seu caminho obras incompletas e primitivas às quais ele pode usar e imprimir a sua marca do seu tempo e do seu lugar.
Este material possui uso restrito ao apoio do processo continuado de ensino-aprendizagem
Não há pretensão de lucro ou de apoio financeiro nem ao autor e nem aos seus eventuais usuários
Este blog é editado e divulgado em língua nacional brasileira e respeita a sua formação histórica
Círio SIMON
mail ciriosimon@cpovo.net
1º blog :
https://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/sumario-eletronico-do-1-ano-do-blog.html
2º blog https://mathiassimon1829.blogspot.com/2011_04_01_archive.html
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Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=qdqXEg7ugxA
SUMÁRIO
O UNIVERSO TEÓRICO
Introdução
0.1 – Objetivos e as dificuldades a serem vencidas...
0.2 - Posicionando e distinguindo os termos ...
0.3 – O Estado como superestrutura...
0.4 – A clara consciência dos seus projetos. ...
0.5 – Filtros e mediações da autoridade ...
0.6 – O Poder Originário e a era numérica digital. .
CAP. 01 A PROCURA de PROPORÇÃO e da COERÊNCIA
1.01 – Os estragos do gigantismo. ....
1.02 – A procura da proporção...
1.03 – A proporção da representação do povo. ..
1.04 – O ser humano comprovadamente não nasce social...
1.05 – Competências da autoridade...
1.06 – O Poder Originário e o “quarto poder”....
1.07 – A autoridade e os atravessadores de influências...
1.08 – O poder, a autoridade e a informação...
1.09 – O pátrio poder, o município e a sua administração. .....
1.10 – O preço para administrar um grande país a partir da base dos seus municípios. ..
1.11 – O, Poder Originário a informática e as suas luzes. ....
1.12 –A democracia como virtude complexa e característica das sociedades evoluídas. ...
1.13 – Voto não é democracia..
1.14 - Estados soberanos da América...
CAP. 02 – LIMITES do PODER ORIGINÁRIO
2.01 – A sustentação do . Poder Originário..
2.02 – A ditadura na era da informática. ...
2.03 – A guerra social para contornar a guerra real...
2.04 – O projeto do. Poder Originário...
2.05 – A participação popular. ..
2.06 – Povo como sinônimo de pobre e de desqualificado...
2.07 – Muito cacique – pouco índio. ..
2.08 – Utopias generalistas como contratos sociais ocultos. ..
2.09 – A senha de identidade cidadã. ...
CAP. 03 – A CORRUPÇÃO do PODER ORIGINÁRIO
3.01 – No Brasil todos são poder: - menos a autoridade. ..
3.02 – A corrupção do voluntariado. ....
3.03 – Piratas e paraísos fiscais. ...
3.04 – Quando o povo irá eleger os seus banqueiros. ...
3.05 – O Estado Nacional como empresa...
3.06 – O infinito progresso linear. ..
3.07 – O “Big Brother” e o “Pig Brother” ...
3.08 – A pressão social como ficção no Brasil. ...
3.09 – A política dos répteis. ..
3.10 – Os percalços do poder legislativo. ...
3.11 – A medida e a proporção da “fofoca”. ..
3.12 – A desqualificação da célula municipal.....
CAP. 04 PARTICIPAÇÃO – COOPERAÇÃO – INTERAÇÃO.
4.01 – A era da informática desconcentradora. ..
4.02 – A sincronia no caos. ..
4.03 – A unidade nacional e o discurso desenvolvimentista..
4.04 – A participação, a cooperação e a interação. ....
RESUMINDO e CONCLUINDO....
ANEXOS....
GLOSSÁRIO..
O UNIVERSO EMPÍRICO....
Decreto n.o 1 de 15 de novembro de 1889 que proclama a república federativa e dá outras providencias.....
Notícias relativas ao PODER ORIGINÁRIO ...
Sumário das noticias relativas ao PODER ORIGINÁRIO ..
BIBLIOGRAFIA RELATIVA ao PODER ORIGINÁRIO...
SUMÁRIO dos GRÁFICOS
[ ver as IMAGENS do GRÁFICOS no setor FOTOS deste blog ]
Gráfico 01 – A infra-estrutura e o poder humano na diacronia e sincronia. .....
Gráfico 02 – Três vetores..
Gráfico 03 – Quatro pólos da democracia .....
Gráfico 04 – Franceses e a confiança em suas estrutura governamentais ..
Gráfico 05 – Estrutura da carteira com senhas cidadãs ....
Gráfico 06 – Calendário mensal da circulação do poder da origem até o vértice...
Gráfico 07 - As três primeiras etapas do amadurecimento do indivíduo segundo Piaget ...
[1] - ARENDT, Hannah (1906-1975). Condition de l’homme moderne. Londres : Calmann-Lévy, 1983. Em Português: A Condição humana – The human condition (2ªed) Rio de Janeiro: Forense Universitária 1983, 338 p
[2] - CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise: l´histoire entre certitudes et inquiétude. Paris : Albin Michel, 1998. 293p.
[3] - VINCI, Leonardo (1452-1519). Tratado de la pintura y del paisage, sombra e luz. Buenos Aires : Gil, 1944. 602p.
[4] - O presente estudo iniciou e foi registrado, de forma manuscrita, a partir do dia de 19.03.1989 até julho de 2006, num caderno da FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) do Ministério da Educação. Quando se iniciou este registro manuscrito apenas havia nascido a Constituição Cidadã no Brasil, celebrava-se o bicentenário da Revolução Francesa e o século XX ainda teria doze anos pela frente. Os PCs domésticos, pesados e problemáticos, já haviam desembarcado para o uso do população civil instaurando a realidade da informática. Estes PCs iniciaram a mostrar as suas performances na década de 1940, fazendo a criatura humana a mergulhar no âmago da matéria. Já na década de 1960 a realidade da informática guiou esta criatura até a Lua. Pergunta-se:
- Por que as ciências humanas aplicadas resistem ainda ao seu uso em pleno século XXI ?.
[5] - BLOCH, Marc (1886-1944). Introdução à História. (3ª ed).Lisboa :Europa- América 1976 179 p
[6] - CABRAL DE MELLO, Evaldo. A fronda dos mazombos. São Paulo : Companhia das Letras, 1995. 530p
[7] - NIETZSCHE, Frederico Guillermo (1844-1900).Sobre el porvenir de nuestras escuelas. Barcelona: Tusquets, 2000. 179 p.
00 - INTRODUÇÂO ao texto PODER ORIGINÁRIO
26/04/2013 07:57INTRODUÇÃO
O que se espera e as ferramentas conceituais para entender o Poder Originário.
Trata-se da vigilância crítica renovada continuadamente por meio do polo epistemológico objetivando a ruptura dos objetos do estudo deste capítulo com os do senso comum.
- – Objetivos e as dificuldades a serem vencidas; 0.2 - posicionando e distinguindo os termos; 0.3 – o Estado como superestrutura; 0.4 – a clara consciência dos seus projetos; 0.5 – filtros e mediações da autoridade; 0.6 – o Poder Originário e a era numérica digital.
0.1 - OBJETIVOS e as DIFICULDADES a serem VENCIDAS.
“Não se deve confundir desmantelamento do estatismo
com a liquidação irresponsável do Estado”.
Merquior, (1990: 15)[1].
O presente texto possui como objetivo imaginar soluções para problemas que afligem o ser humano, física ou simbolicamente. O termo problema é aceito aqui como um obstáculo que impede uma solução imediata ou ao longo do tempo de algum projeto. Qualquer tese possui no seu núcleo um problema a ser solucionado. No caso do Poder Originário este pode ser estrutural ou e persistente ou ao contrário superficial, temporário e pontual. Os problemas estruturais e persistentes são basicamente problemas que necessitam do esforço coletivo de uma nação. Enquanto os episódicos e pontuais necessitam de da atenção dos municípios. O presente texto busca motivações para exercitar, nesta linha, a potência humana na representação dos seus projetos. Crença na forma da concepção de Sperber e que Oliven[2] registrou (1992 p.24) como “é o que chamamos de ‘convicções’, ‘persuasão’, ‘opinião’. Para, decidir se alguma crença é racional, necessitamos saber não somente seu conteúdo, mas também em que sentido ela é acreditada”. Esta convicção coletiva cria a opinião, a alimenta, faz circular e a reproduz, fundada na convicção de que o SER humano é portador das energias da sua nação, do seu povo e do seu Estado. As energias de uma nação surgem no lento e cumulativo das vontades aglutinadas e geradas por um povo. Esta nação alimenta o projeto de se transformar num Estado soberano conforme Weber (in Oliven, 1996: 15). Uma nação não se transforma num Estado soberano tão somente quando ela atinge o estágio da instalação do poder executivo, do judiciário ou do legislativo. Estes tendem a implantar, de fato, a perpétua estagnação num reducionismo que lhes é favorável e que bloqueia a necessária transformação continuada de um Estado. Estagnação que produz mais mal do que bem para esta nação. Mal que se expressa na heteronímia da vontade coletiva entregue a um indivíduo, grupo ou partido único.
Contra esta estagnação advoga-se, aqui, o fluxo perpétuo do poder[3] que possui uma origem, uma potência e um fim e que perpassa os seus agentes. Agentes que se encontram na origem do poder de um Estado. Estado ao qual o Poder Originário confia a decisão entre aquilo que é do mundo das mentalidades e o seu embate e contradições daquilo que é alienavelmente da Natureza[4].
Na busca teórica evita-se avançar em direção de uma definição única, linear e fixa do Poder Originário diante do amplo espectro de conceitos, de paradigmas e de axiomas que se levantam numerosas dúvidas, contradições e conflitos. Segue-se o conselho de Aristóteles 1973: 135 - Tópicos VII 5 155a 5)[5] de que “o mais fácil de tudo é demolir uma definição. Porque, devido ao número de afirmações nela implicadas, a definição nos oferece o maior número de pontos de ataque, e, quanto mais abundante for o material, mais depressa surgirá um argumento, pois mais probabilidade de se insinuar um erro num grade do que num número pequeno”. Apesar de carecermos de uma definição unívoca e linear do Poder Originário, muito poucas pessoas, do mundo empírico atual, podem-se julgar isentas de alguma relação, ou mesmo, da tutela de algum Estado nacional. De outro lado, poucas pessoas examinam igualmente a Natureza como examinam o mundo conceitual. Preliminarmente é necessário admitir que o mundo construído pelo homem deriva do seu universo conceitual. Este detido e minucioso exame daquilo que a nossa mente produz no mundo empírico Hannah Arendt colocou (1883: 188) diante de nós:
“à subjetividade dos homens opõe-se a objetividade do mundo feito pela mão humana, muito mais que a sublime indiferença da Natureza virgem cuja força elementar esmagadora nos obriga a girar sem descanso no círculo de sua biologia perfeitamente ajustadas a um vasto ciclo de economia da natureza. É somente porque que nós fabricamos a objetividade o nosso mundo com aquilo que a natureza oferece, porque nós o construímos inserindo no espaço da Natureza e que assim nos sentimos protegidos, que nós podemos olhar a natureza como alguma coisa «objetiva». Além de um mundo entre os homens e a Natureza, existe um movimento eterno, não existe objetividade”.
A delegação da potência de uma Nação conferiu ao seu Estado encontra ou inventa a formalização e a definição neste mundo conceitual na distinção entre potencia e força. Arendt acentuou (1983: 260/1) que:
“a potência é sempre uma potência possível, e não uma entidade imutável e segura, como a energia ou a força. A potência, como a ação, é ilimitada; ela não possui as limitações físicas na natureza humana, na existência corporal do homem, como a força”.
Esta potência possibilitou a origem da nação e transformação num suas próprias competências e que nenhuma força corporal pode aniquilar. Neste amplo e indefinido campo da potência que se materializa num Estado que necessita fazer emergir, conservar e reproduzir um governo nacional. Governo que na contemporaneidade é proveniente das circunstâncias provocadas pela era industrial onde recebeu sua forma legível e as três funções do seu poder. Um governo, central monolítico é a forma histórica mais legível e forte da potência da cultura do poder.
Os conceitos e os termos são admitidos aqui como ‘entes primitivos’ de uma narrativa. São concebidos como algo sobre o qual se fala sem uma definição possível. Porém são admitidos e constam do núcleo de uma ciência. Não esgotam significados e não tornam o seu significado unívoco, linear, reversível. Quando as Ciências Exatas afirmam que ‘todo triângulo é um polígono de três lados’, estão próximas do significado unívoco, linear, reversível. Reversibilidade possível na medida em que o inverso também é verdadeiro. Assim podem afirma que ‘todo polígono de três lados é um triângulo’. O ponto, a linha e o plano são entes que não possuem matéria, contudo a Geometria é construída com eles. Na Geometria é impraticável a sua concepção com ENTES do mundo real. Um ponto, uma linha ou uma superfície não possuem matéria nas Ciências Exatas. Toda a construção da teoria gira ao redor deles sem que seja possível delimitar a sua natureza e a essência, muito menos a sua materialização unívoca. Os entes primitivos discursivos constroem as suas narrativas das histórias nacionais. São arbitrariamente delimitados pelo hábito discursivo da cultura política dos seus usuários. Os governos centrais criam as suas narrativas ao estilo das dinastias dos faraós egípcios. A narrativa do histórico do Poder Originário não é evidente diante da potência discursiva dos governos centrais. O Poder Originário aceita as narrativas estatais como próprias carente de análise do discurso de suas próprias versões. Os olhares, a atenção e os votos são para aqueles que se dizem representa-los e exibem narrativas eivadas de vanguarda. Assim produzem uma alodoxia que se sustenta na narrativa da última novidade europeia ou norte americano. Escapa do horizonte conceitual do Poder Originário fazer a pergunta de Schwartz (in Mota, 1980: 245)[6] “- o vanguardista está na ponta de qual corrida?”
Conforme os autores Maturana e Varela afirmaram que as respostas irão depender das perguntas que dirigirmos a esta realidade camuflada. Escreveram (1996: 148)[7] “admitimos conhecimento cada vez que observamos uma conduta efetiva (ou adequada) em um contexto assinalado, quer dizer, um domínio que definimos como uma pergunta (explicita ou implícita) que formulamos como observadores”. O conhecimento que se busca descobrir e evidenciar estão relacionadas com as perguntas relativas às competências, às proporções e aos limites de circulação do Poder Originário no âmbito das nações, das instituições e dos grupos humanos. Os ardis que encobrem o Poder Originário geram os mistérios que ocultam o seu fluxo, a sua potencialidade e a sua natureza. Porém eles se evidenciam para a História naquilo que Pierre Bourdieu denominou de “habitus”. Ele escreveu (1994: 91)[8] que o:
“produto da história, o habitus produz práticas, individuais e coletivas, portanto história, conforme esquemas engendrados pela história; ele assegura a presença ativa de experiências passadas que, depositadas em cada organismo sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação, tendem, mais eficazmente do que todas as regras formais e de todas as normas explícitas, garantir a conformidade das práticas e sua constância através do tempo”.
Para redescobrir, e evidenciar o Poder Originário impõe-se enxergar por cima da “escravidão voluntária”[9] inculcada pelo “habitus” seculares de uma heteronímia e um dos obstáculos subliminares. A ‘escravidão voluntária’ é conveniente para os ardis de obscurecimento do Poder Originário. Ardil que encobre a heteronímia da inteligência, da vontade e do direito individual do Poder Originário. O seu lucro é contornar qualquer sanção moral cuja culpa é assumida ou e jogada sobre o poder estatal personalizado em um único líder.
Para evitar resvalar para o abismo do “governo é culpado de tudo” é preciso distinguir o executar (fazer) do agir . Hannah Arendt realiza esta distinção quando afirma (1983 p.286) que “Executar (archein) e agir (prattein) podem tornar-se duas atividades absolutamente diferentes, e o inovador é um chefe (arhon no duplo sentido do termo) que «que não tendo como agir (prattein) governa aqueles que são capazes de executar”.
0.2 - POSICIONANDO e DISTINGUINDO os TERMOS.
Apesar dos ‘entes primitivos’ serem indefiníveis é possível posicionar os termos nos seus devidos lugares de qualquer discurso. Aristóteles, o mestre da Retórica, recomendava fazer estes posicionamentos e distinções no inicio de uma argumentação, texto ou narrativa. Ele afirmava (1973: 139. Tópicos VIII 1 155b):
“cabe discutir os problemas relativos à ordem e ao método que se deve seguir ao propor questões. Todo aquele que tenciona formular questões deve, em primeiro lugar, escolher o terreno de onde lançará o seu ataque; em segunda, deve formulá-las e dispô-las uma por uma; e, por fim, passar a apresentá-las ao seu adversário”
Mesmo que estes termos constituam metáforas, eles servem para o discurso como “metaforai” atravessam a atual cidade Atenas sem se confundir ou definam a atual polis. Certeau valeu-se (1998: 199) desta imagem dos “ônibus da Atenas atual são denominados de metaphorai;[10] os relatos atravessam e organizam lugares, selecionam e reúnem num só conjunto, fazem frases e itinerários, são percursos de espaços”
O titulo Poder Originário reúne dois termos como uma metáfora o que necessitam serem sinalizados e considerados como “entes primitivos” do discurso. Nesta metáfora nem o conceito de PODER e nem o de ORIGINÁRIO é suscetível de receber um sentido único, linear e reversível, ao estilo daquelas usadas nas Ciências Exatas. Para as Ciências Humanas parece que vale o que o literato mineiro Guimarães Rosa sentenciou (1963: 62)[11] que “o, real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Nesta travessia que nos socorre de novo é Aristóteles (1972: 243 Metafísica-II cap. II (4)) “é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da ciência: nenhum deles, pois, é fácil de apreender. Nem o rigor matemático se deve exigir em todas as coisas, mas somente naquelas que não tem matéria”
No discurso coimbrão legalista percebe-se mais atenção ao método. A verdadeira ciência aberta a experiência e contradições no uso da natureza do Poder Originário petrificou-se e permaneceu restrito exclusivamente ao evento de uma Constituição. Torna, assim, o seu conceito único, linear e apenas reversível ao seu antigo hábito e cultura e uso histórico. O presente texto discorda radicalmente deste hábito, desta tradição e do histórico da opinião geral deste uso restrito. Com esta discordância da opinião geral o presente estudo envereda pelo caminho da tese na concepção que Aristóteles lhe conferiu, ao afirmar (1973: 20. 104b 30 Tópicos I-11) que:
“uma tese também constitui um problema, é evidente: pois se deduz necessariamente que ou a grande maioria dos homens discorda dos filósofos no tocante à tese, ou uma ou a outra classe está em desacordo consigo mesma, já que a tese é uma suposição em conflito com a opinião geral”.
Admitindo este problema, porém, como um dos brasileiros cordiais, é possível ceder a precedência conceitual para o hábito desta respeitável Faculdade de Direito de Coimbra e mãe de todas as faculdades congêneres brasileiras. Porém o Brasil ainda continuaria no Regime Colonial se tivesse dobrado e seguido a tradição das leis de Coimbra. O Brasil teria remendos de uma constituição lusitana de origem arcaica e que pautaria os seus conceitos e as suas ações na sua lógica europeia de dominação. Contrariando esta lógica o Brasil tornou-se soberano e formalmente deixou de importar leis metropolitanas e o bacalhau. Ambos vinham secos e salgados da metrópole. Bastava hidratá-los com água doce tropical brasileira e ficavam prontos para o consumo humano.
Porém, no histórico deste uso do termo Poder Originário restrito ao evento de uma Constituição, o Brasil soberano, deveria seguir o velho hábito e a lógica coimbrã. Assim convocou e reuniu os seus constituintes. Queria mostrar ao mundo que possuía, de fato e de direito, um Poder Originário legítimo e legitimado. A convocação do cidadão (ou súditos) constituintes, deveria ser realizada sem o apoio da realidade e de uma tradição inexistente ao longo dos 300 anos do Regime Colonial. Para constituírem um apressado assento eleitoral os áulicos, os atravessadores e os mediadores, dizendo-se governo, tiveram de debruçar-se teve sobre o vasto território nacional. Adaptaram-se apressadamente às condições brasileiras de 1823 para esta convocação e oferecida para os potenciais candidatos. Na prática estes imaginados candidatos ao Poder Originário só podiam ser os libertos, serem homens e com posses suficientes para a viagem e a estadia na corte pelo tempo necessário para elaborar o texto da 1ª Constituição do Brasil. Com muita boa vontade, e com arranjos de toda ordem, estes candidatos formavam um punhado de um ou dois por cento da população brasileira da época. Raros entre eles afinal se apresentaram, assustados ainda com os hábitos do Regime colonial no qual se criaram. Poderia ser mais uma armadilha legal como de fato foi e este gesto político deu errado. Encorajados e convencidos pela propaganda e marketing imperial pensavam que a tarefa era séria e começaram a trabalhar. Mas eis que, diante de seus primeiros rumos que sonhavam para um Brasil soberano de fato, todos os alarmes começaram a soar em uníssonos. Os sábios áulicos, os mediadores e tuteladores do jovem e impetuoso imperador o levaram dissolver esta pouca vergonha e contrária a toda nobre tradição constituinte colonialista lusitana. Com esta tutela imperial o Brasil chegou à República. Esta se instalou provisoriamente em 15 de novembro de 1889. As antigas províncias imperiais foram elevadas a Estados “soberanos” por mágica da proclamação do seu decreto nº 01. No Rio Grande do Sul os constituintes - da famosa de 14 de julho de 1891, reduziram-se à uma única luminosa e mitificada cabeça do presidente do Estado “soberano”. Este gesto e tradição inspiraram e estiveram por trás da convocação e solene da Constituição de 1934 do Brasil, denominada a ”Polaca”. Novamente os sábios áulicos, os mediadores e tuteladores do mentor do governo provisório, saído das armas no dia 24 de outubro de 1930, resolveram ignorar todo o seu dito Poder Originário. No lugar da “Polaca” instalaram o Estado Novo. No dia da bandeira nacional de 1937 encenaram a queima de todas as bandeiras dos Estados “soberanos” regionais, ato que presidiram pessoalmente.
Estes são apenas alguns lances históricos dos mais conhecidos do que alguns querem como conceito definitivo de Poder Originário Brasileiro. Trabalham para ocultar o fato de que o poder circula permanentemente num sistema que se espelham naqueles que conseguiram capturar uma parcela mínima desta cultura nalgum tempo. Sistema e cultura Ladrière entende (1977: 206)[12] como
“se é possível usar o termo «sistema» para marcar a objetividade das formas culturais e seus modos de evolução, é necessário precisar que se trata de um sistema do tipo plástico, com ligações pouco rígidas, eminentemente deformáveis, e não um sistema do tipo determinista, no qual toda modificação local repercute inevitavelmente na totalidade das partes”.
Totalidade das partes que facilmente confunde inteligência com sabedoria. Distinção que Aristóteles já havia realizado quando afirmou (1973: 349 -1143ª.10) que “a inteligência e sabedoria prática não são a mesma coisa. Esta última emite ordens, visto que o seu fim é o que se deve ou não deve fazer; a inteligência pelo contrário limita-se a julgar”. Obstinam-se ao mero plano da inteligência na qual encontram argumentos e reconhecem o óbvio de que o Poder Originário possui a sua fonte. Porém atropela a sabedoria para infiltra-se como mediadores, tuteladores e atravessadores em tudo e se reproduz em qualquer grupo, atividade coletiva e ação humana. Tapam os olhos, os ouvidos e embotam toda a sua sensibilidade humana para arrastarem história afora o seu conceito coimbrão intangível de Poder Originário. Colocam como cláusula pétrea, esta sua elevada definição intelectual, premissa inarredável e com tabu intocável.
O Brasil continua a importar bacalhau seco e as leis. Bacalhau que agora pode vir dos países escandinavos e as leis de qualquer cultura. Bacalhau importado que ameniza o árduo labor de produzir alimentos para a sua rica variedade culinária no fértil solo nacional. No entanto o bacalhau seco confere, ao seu consumidor, o estatuto de rico. Ricos que não ignoram as altas taxas de esclerose da qual o sal é um dos responsáveis diretos. As leis importadas contornam e evitam o dolorido ato de ler e de pensar para transformar as suas contradições em complementariedades políticas para atingir um mínimo de identidade brasileira.
Não há recusa de que alguém continue a defender os conceitos arcaicos e do senso comum do Poder Originário confundir-se como formalismo de uma constituinte. Porém no presente texto este conceito e o senso comum são transgredidos. Didi- Huberman (1995: 20)[13] avisa “a transgressão não é uma recusa, mas a abertura de um conflito, de uma caminhada crítica, ao lugar no qual encontrará, num tal choque, transgredido”. Inicia-se, pois, uma caminhada crítica na qual um projeto preliminar é colocado para entender um mínimo de identidade do Poder Originário estranho ao conceito arcaico e do senso comum consagrado. No presente textos segue-se Giulio Argan na sua concepção (1992: 23)[14] de que projeto “é uma finalidade da ação, que realizando-se no presente, assegura um valor permanente histórico. Fundamenta a ideia da ação histórica”. Só mediante um projeto será possível medir o que foi atingido, avaliar os resultados e recomeçar o que eventualmente deu errado. Medição, avaliação e recomeçar que dependem do grau de consciência que o projeto original suscitou no universo conceitual e produziu no mundo prático. Em relação ao termo ‘texto’ o intelectual Chartier se posicionou (1989: 59 e153) que eles são “construídos segundo modelos discursivos e de recortes intelectuais característicos de cada situação da escritura [...]os autores escrevem textos”. Ou então o texto é maneira pela qual se deseja a historicidade de sua produção e a estratégia de sua escritura. Difere do livro no qual outros transformam os textos em objetos. Por esta razões este autor irá remeter os seus textos para o âmbito da comunicação numérica digital e no qual o objeto será virtual. Mas potencialmente aberto para o objeto múltiplo da era industrial e os manuscritos da era agrícola
Neste e noutros conceitos, que se seguirão, é necessário concordar com tradicionalista Paixão Cortes[15] quando sentenciou (1984: 7) "o brasileiro fala muito, documenta pouco, analisa menos e conclui definitivamente, a sua moda, na hora que interessa”. Reducionismo que é a salvação e sorte daqueles que não querem mudar. A leitura restrita ao mínimo das necessidades básicas, impede qualquer ruptura epistêmica e incapaz de deixar um espaço conceitual para um autêntico e coerente Poder Originário. Vazio que constitui o terreno fértil para a onipotência que para Arendt (1983: 40) “depende de acordos incertos” e circula muito distante da potencia que age no âmbito de acordos sociais possíveis.
Os conceitos apropriados para a percepção manutenção e reprodução de acordos sociais possíveis necessita preparação e correção para produzir algo de útil. O senso comum solicita apenas quer que o seu interlocutor ‘mostre’ competências. Estes ‘mostrar’ para o pensado e esteta Pedrosa (1986: 122)[16]
”o que se exprime por si mesmo na linguagem não o podemos expressá-lo por meio da linguagem’, o que equivale a afirmar, ‘o que se pode mostrar não se pode dizer’...Mostrar pertence a outras categorias de conceituação; não é fixado pelo esqueleto lógico; sua estrutura já não é intrinsecamente linguagem. Se ‘mostrar’ significa, com efeito, ‘expressar-se espontaneamente’, é do domínio ainda intrinsecamente psicológico , isto é, da expressão. Esta efetivamente surge, Quando da organização das partes sensoriais do todo perceptivo aparecem. Espontânea ou ingenuamente, com caracteres distintos dos dados sensoriais e físicos mensuráveis”.
Contra este senso comum do ‘mostrar’ o intelectual Danto afirma (1993: 204)[17] que “a filosofia é pois literatura tanto mais que entre as condições da verdade figuram aquelas pelas quais ela é lida: ler tais textos supõe revelar o que nós somos em virtude da nossa leitura”. Afinal mostramos o que somos naquilo que lemos.
Contudo todo este conjunto, objeto do presente estudo, pode ser remetido ao polo epistemológico que para Bruyne (1977: 35)[18]
“exerce uma função de vigilância crítica. Ao longo de toda a pesquisa ele é a garantia da objetivação - isto é, a produção - do objeto científico, da explicitação das problemáticas da pesquisa. Encarrega-se de renovar continuadamente a ruptura dos objetos científicos com os do senso comum”
Como estamos no começo dos trabalhos temos convir com o mineiro Guimarães Rosa que a verdade não está no início nem no fim: ele está ao meio das veredas. No momento posicionamos e distinguimos os termos que se configurem para atravessar estas veredas para atingir o meio e depois o seu final.
0.3 - O ESTADO como SUPERESTRUTURA.
O poder personalizado do Estado Nacional continua ativo e representa uma das construções mais constantes e poderosas da humanidade. Este Estado é artificial e distinto da Natureza e no mesmo caminho da obra de Arte. A humanidade realizou, através dos tempos, os seus maiores feitos por meio do Estado. Pensadores, de grande expressão, estiveram mergulhados na árdua tarefa de examinar o acúmulo que o Estado Nacional traz para a cultura e para a civilização. A criação humana do Estado foi endeusada por teóricos como Fichte[19] e Hegel, questionada por Schopenhauer ou colocada em exame, como Max Weber[20]. Este último estava preocupado em entender esta criação humana e planejar os processos do seu funcionamento no âmbito de uma determinada sociedade. No contraditório, o ser humano natural, sempre sentiu um mal estar para construir e para conservar ativo um Estado, em especial, como civilização[21]. Contudo a ruína de um Estado foi sempre prenúncio e sinônimo de barbárie.
O grande problema é a percepção equivocada do Estado Nacional como algo natural, obscurecendo ou negando o trabalho da sua construção artificial. De fato este projeto transcende em muito o senso comum e aquilo que é dado aos sentidos humanos na sua vida diária. Não se nega este senso comum e vida empírica. Ele é extremamente importante para que exista transcendência, é o que Arendt reitera (1983: 272-362) quando afirma “se desaparecer a imanência e o mundo dado pelos sentidos será impossível a transcendência”. O índice desta artificialidade é que esta construção recebeu as mais diversas formas, ao longo dos tempos e dos lugares onde foi implementado. O que parece atravessar a sua construção artificial é a sua base material (infraestrutura) que age poderosamente sobre as posições, as definições e as escolhas de suas formas (superestrutura). A busca em relação ao Estado Nacional orienta-se em direção de uma metafísica de generalidades idealistas, sem considerar estes dois vetores como determinantes e únicos.
Gráfico 01 – A infraestrutura e o poder humano na diacronia e sincronia.
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Não se pretende retomar os teóricos e pesquisadores que aceitaram, seguiram ou contestaram esta relação determinante, ou não, entre a infraestrutura e a superestrutura. Determinismo bebido e aceito num marxismo vulgar, divulgado à saciedade e experimentado na carne viva humana. Evidente que a mentalidade que defende o Poder Originário em oposição ao discurso por cima, fixo e unitário, realizado por um Estado central, abre as portas para o reducionismo de uma pretensa dialética da totalidade na concepção de Fávero[22] ao registrar (1980: 19) que
“a dialética da totalidade concreta não é um método que pretende reproduzir todas as implicações, fatores, mecanismo e efeitos sociais que interferem na produção de um evento, fato ou processo social. Ao contrário na explicação dialética, o conceito de totalidade é empregado como recurso interpretativo pelo qual visa compreender não a identidade, mas as diferenças em uma unidade, tal como se apresentam em determinada totalidade”.
O que se pretende aqui é o estudo do PODER ORIGINÁRIO e das circunstâncias para perceber como surge este fenômeno, se afirma e se reproduz nos grupos humanos distinguem e agem no espaço público entre as demais forças na totalidade da sociedade. Na concepção de Arendt, (1983: 260) “público o é espaço potencial da aparência entre os homens agindo e falando”. Nesta percepção trata-se de construir conceitualmente a partir de tendências comuns reunidas no espaço público em comunidade. Comunidade que possui traços de identidade de origem predominante de signos a partir de um determinado projeto humano. Projeto explícito ou subliminar, negado ou desqualificado por forças concorrentes.
Situa-se o estudo empírico do Poder Originário com as suas circunstâncias do espaço público da comunidade nacional brasileira do início do terceiro milênio. Buscam-se eventos empíricos e pensa-los na construção artificial do Estado Nacional por meio de experiências que são causas de vertigens aos despreparados para pairar no espaço do tempo presente e sem a aparente gravidade do poder. No caminho deste pensamento da construção artificial do Estado Nacional, segue-se o caminho de Schiller[23] quando afirmou (1963, p.12) de que “sabemos só aquilo que analisamos”. De outra parte nas Ciências Humanas esta análise supõe o que Durkheim[24] afirma (1983, p. 94) que “a primeira regra e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisa”. Esta operação é necessária, pois Argan, argumenta (1992: 38) que “ao colocar objeto como coisa o sujeito constitui-se como algo distinto na arte. A coisa é monossemântica enquanto o objeto é polissêmico”.
Existem evidentes dificuldades tanto nesta análise como na tentativa de tornar a construção do Estado nacional em coisa monossemântica. Esta tentativa enfrenta a imponderabilidade, vivida no espaço da 3ª onda[25], com uma não elaborada contradição entre a apregoada naturalidade e imortalidade de doutrinas e de ideologias, que teimam em se desmanchar no ar[26] junto com os seus tempos irreversíveis da fumaça das fábricas da era industrial. As doutrinas e as ideologias, vigentes e suportes da era industrial, tornam-se peças de museu. Como criações humanas, estas doutrinas e as ideologias, também seguem as leis de entropia. Situam-se no que Bruyne denomina (1977: 51/2) de: “objeto de conhecimento construído é uma tradução específica, do real, é um objeto que responde a leis de composição autônomas, construído por métodos explícitos. É um sistema simbólico, que difere, em natureza, do objeto real e, em complexidade, do objeto percebido”.
Os objetos de conhecimento apregoados pelas doutrinas, pelas ideologias e pelas práticas derivadas destes projetos, possuem destino semelhante daquelas que a humanidade teve quando terminou o tempo da era agrícola. Objetos que perderam a sua íntima e eficaz relação entre a sua forma e a sua função, tornaram-se peças de museu[27] o que não significa a sua destruição ou entropia. Ao contrário a humanidade os guarda e coloca estes objetos em evidência, em lugar privilegiado. Por meio deles quer lembrar pontos cruciais de uma civilização. Se for o caso das Ciências Exatas e estes momentos forem personalizados pode-se pensar em “Quarto Revoluções Tecnológicas. A 1ª a de Nicolau Copérnico dizendo que não estamos no centro do universo; a 2ª de Charles Darwin provando que não somos animais superiores e totalmente desconectados dos outros animais; a 3ª de Sigmund Freud afirmando que não somos seres totalmente racionais e a 4ª de Alan Turing mostrando que não somos seres autônomos, mas sim inforganismos” numa síntese de Luciano Floridi, na obra “Filosofia da Informação” (2011-in Ruy Queiroz UFRGS)[28]. Estes pioneiros são lembrados nos museus pela luneta ad Galileu Galilei, pelos esqueletos das espécies, pelas obras de arte do pai da psiquiatria e pelos primeiros e arcaicos computadores de válvula e depois transistores.
Vale acrescentar que nos museus virtuais, as doutrinas e as ideologias, adquirem uma função completamente estranha à sua função original, sendo alvos de curiosidade. Eles migram para a função de peças da indústria virtual do turismo de massa, como a casa de Carl Marx em Trier. Mesmo que este museu seja apenas virtual, ao estilo daquele da Wikipédia e que as massas de curiosos visitam pelas redes mundiais. Neste museus virtuais é possível apontar uma nova infraestrutura que está revolucionando a superestrutura e o exercício do poder coerente.
04 - A CLARA CONSCIÊNCIA dos seus PROJETOS.
Antes, de mais nada, é necessário concordar com Piaget quando afirma (1983: 231)[29] que “a tomada de consciência é sempre em parte uma reorganização e não uma tradução ou uma evocação”. Apesar da objetividade desta consciência, proveniente da reorganização, as suas consequências e os seus subprodutos mentais, ela sempre foram projetada subliminarmente no inconsciente coletivo como uma segunda natureza. Esta objetividade pode constituir paradigmas que para Kuhn (1997: 66) “não precisam ser determinados por regras” ou então no mesmo Kuhn, (1997: 13)[30] “considero «paradigma» as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Nestes paradigmas subliminares os grupos humanos reorganizam, elaboraram, em todos os tempos, formas de comportamentos coletivos que querem uniformes e gerais nas suas ações. Paradigmas subliminares que se abastecem na fonte do senso comum. Só se problematizam quando questionados em interrogações escancaradas e públicas ao senso comum. Questionamento que se realiza no presente texto em relação do Poder Originário que o senso comum quer derivado apenas de uma constituinte. Enquanto o problema permanece oculto ao senso comum prevalece o inconsciente coletivo que controla mentes e corações dos grupos humanos que adotam um repertório comum. Inconsciente coletivo que Pierre Bourdieu concebeu (1987: 103) como resultado material proveniente do mundo da ação comum, na qual “progressivamente, com a divisão do trabalho aparece uma categoria de objetos apenas como pura significação”. Seguindo esta pura significação, estes grupos humanos estão à vontade para seguirem caminhos e comportamentos diferentes. Seguem as suas próprias circunstâncias conforme o Tempo (Zeitgeist), o Lugar (Weltgeist) ou seu Grupo Social (Volksgeist). Zeitgeist no qual estes grupos encontram a duração que conforme Bloch afirma (1976: 29) “o historiador não pensa apenas o humano. A atmosfera que seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duração”. Enquanto nos grandes discursos hegemonistas planetários do Weltgeist[31] encontram saberes que são assumidos e convergem para núcleo da Ecologia que os recebe e os projeta de forma planetária para os mais variados campos. Já a Sociologia encontram acumulados relativos Volksgeist e provenientes de uma imensa gama de campos das Ciências Humanas.
No âmbito da História, da autêntica Ecologia e das Ciências humanas desenvolve-se uma epistemologia. Esta Bruyne concebe (1977: 42) como “um polo essencial da pesquisa no qual se situa a lógica da descoberta, como o da prova. Os pesquisadores estão na base, enquanto os filósofos estão no vértice, analisando os resultados dos pesquisadores”. Resultados que iluminam as concepções que suportam e que conferem a base do Estado Nacional como resultado da criação humana no âmbito da tripla dimensão do Zeitgeist, Weltgeist e do Volksgeist.
Gráfico 02 – Três vetores
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Os três eixos do Zeitgeist, Weltgeist e do Volksgeist podem ser associados ao resumo das três ontologias históricas de Foucault que Chartier apresenta (1998: 206) “do conhecimento quando a verdade que nos permite ser sujeitos, do poder dos sujeitos agindo sobre os outros e da ética como agentes da ação ética”. Nesta tríplice ontologia histórica de Foucault a dimensão do sujeito do conhecimento pode ser percebida como Zeitgeist. O sujeito agindo sobre os outros é evidente a dimensão do Volksgeist. Já o sujeito da ética nos remete à percepção e as práticas do Weltgeist.
Estas três dimensões possuem um poderoso suporte na vontade humana. Vontade humana expressa nas circunstâncias da informação numérica digital e que potencializam, como jamais, o conhecimento das necessidades humanas básicas e culturais. Esta vontade permite realizar o que Worringer expressou a partir de Alois Riegel (1858-1905)[32] que percebeu esta energia nas forças que movem a Arte como dos instrumentos humanos para perceber, recolher e sistematizar os vestígios deixados pelas práticas artísticas. Worringer escreveu (1957: 21)[33] que isto é significativo “ao considerar a história da arte não como uma simples história da capacidade artística, mas como uma história da vontade artística, adquire uma significação universal”. Esta vontade é universal na espécie humana na concepção de Mário Pedrosa ao afirmar (1949: 151)[34] que “a vontade da arte se manifesta em qualquer homem de nossa terra, independente do seu mediano, seja ele papua ou cafuzo, brasileiro ou russo. Negro ou amarelo., letrado ou iletrado, equilibrado ou desequilibrado”. O historiador Marc Bloch escreveu (1976: 60) que “a investigação histórica admite, desde os primeiros passos, que o inquérito tenha já uma direção. De início está o espírito. Nunca em ciência alguma, foi fecunda observação passiva. Supondo, aliás, que seja possível”.
No entanto as necessidades básicas humanas são incontornáveis no âmbito desta tríplice ontologia histórica e base de qualquer edifício cultural ou material. Em tudo aquilo que se quer coletivo e uniforme redobra a atenção sobre poderes centralizados na política, na economia, na religião, na informação. Conforme Giulio Argan um projeto torna histórico tudo aquilo que se quer coletivo e uniforme tanto num ente individual ou coletivo. O projeto do exercício destes poderes, de maneira uniforme e linear, necessita de uma consciência centralizada no âmbito da tripla dimensão do Zeitgeist, Weltgeist e do Volksgeist. Esta consciência centralizada e uniforme foi confiada ao Estado Nacional. Neste sentido Cohn[35] escreveu (1997 pp.10/11) que
“o Estado moderno e na sua existência e considerá-lo como ente “moral” que não se coloca acima da sociedade, mas é um órgão com funções especificas. Trata-se portanto de parcela da sociedade que não se destaca dela, mas da qual a própria sociedade exige iniciativa própria naquilo que ela não produz espontaneamente, que é a clara consciência das suas necessidades”.
O ente moral necessita ser coerente com seus limites no controle, que um grupo pode exercer sobre a parcela considerada. A criatura humana é competente para realizar distinções dos limites entre o fundo e forma. Esta operação e possível e Maturana e Varela escreveram (1996: 34) ela se realiza na medida em que:
“o ato de assinalar qualquer ente, objeto, coisa ou unidade, que está associado ao fato de alguém poder realizar um ato de distinção que separa o assinalado como distinto do fundo. Cada vez que fazemos referência a algo, implícita ou explicitamente, estamos especificando um critério de distinção que assinala aquilo de que falamos e especifica suas propriedades como ente, unidade ou objeto. Essa é uma situação inteiramente quotidiana e não única, na qual estamos submergidos necessária e permanentemente”
Na origem do Estado Nacional esta distinção é definida por grupos que se conhecem, interagem por meio de contratos implícitos ou explícitos. Estes se distinguem do fundo daqueles que são outros, estrangeiros e inimigos. Neste ambiente distinto do Estado como algo artificial a vista de todos, ele participa da mesma virtude da obra das artes visuais e que “não pode mentir” na concepção de Bereson[36]. O Estado contemporâneo não pode mentir quanto á sua origem industrial. Neste sentido Arendt escreveu 1983 : 375) que “na medida em que processos servem de modelo ao homo faber na época moderna, o Estado é reinventado para dar uma forma a esses modelos dos processos”.
Na medida da consciência da origem e do processo industrial o Estado Nacional guarda a sua proporção e espelhar-se na célula municipal na qual efetiva esta concepção de limite e de competência. É o que um jornal de Porto Alegre reconheceu, em 2000, no seu editorial[37]:
“prefeitos e vereadores são, até os limites longitudinais do eleitorado, as vozes mais respeitáveis, os referenciais mais certos e as garantias mais robustos de uma boa sugestão eleitoral. É que vereadores e prefeitos são do povo, como concidadãos, iguais a todos os outros. Atuam a sociedade no mesmo nível, com as mesmas reivindicações”
A célula municipal permite o conhecimento do ente moral da nação e das suas circunstâncias[38].
0.5 - FILTROS e MEDIAÇÕES da AUTORIDADE[39].
Os que desejam exercer o poder no paradigma da criação das circunstâncias da democracia[40] necessitam de filtros coerentes e de mediações competentes com o seu Poder Originário, quando constituídos em autoridades de um Estado contemporâneo. Para o conhecimento das mediações necessárias, entre a autoridade representativa e o poder do qual se origina, informação[41] numérica digital constitui um poderoso instrumento. Contudo são apenas mais algumas ferramentas, como tantas outras do presente e do passado. A sua simples identificação ou sua visão não possuem sentido maior para a criação das circunstâncias da Democracia. O dramaturgo, poeta e política Goethe[42] já se havia dado conta (1945: 13) desta falácia da simples e pura contemplação:
“o simples olhar não nos leva a parte alguma. Todo olhar transforma em considerar. Todo considerar em mediar, todo mediar em relacionar, assim cabe dizer que o pouco que se olhe com atenção se está em plena atividade teorizante. Mas para faze-lo com consciência, conhecimento de si mesmo, liberdade e, para usarmos uma palavra atrevida, com ironia, eis aqui o que requer se a abstração temida deve ser inofensiva e o resultado empírico, esperando, palpitante e proveitoso”.
Os resultados - desta simples e pura contemplação - estão sujeitos à entropia e ao caos como qualquer ferramenta. O grego Platão[43] já distinguira (1985: 128, 2º vol) ao afirmar que:
“estudaremos a astronomia, assim como a geometria, por meio de problemas, e abandonaremos os fenômenos do céu, se quisermos aprender verdadeiramente esta ciência e tornar útil a parte inteligente de nossa alma, de inútil que era antes”.
Como sujeitos somos convidados, pois, para superar todas as mediações tendenciosas, inadequadas e de tutelas desastradas, no exercício da autoridade herdada pelo Estado central brasileiro do passado para atingir esta utilidade para a parte inteligente do nosso ânimo civil. Sujeitos na medida em que “a produção não cria apenas um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto” na concepção de Marx (in Pedrosa, 1986: 119). Na contramão deste sujeito armam-se tutelas, mediações e intermediações que invadem todos os campos e saberes humanos que ignoram suas próprias competências e limites. Pior: naturalizam ou mitificam estas observações empíricas ou projetando utopias sem pé nem cabeça. “Os fatos em si mesmo não possuem sentido e são como pedras no caminho” escreveu Luís Fernando Veríssimo (1998: 12)[44]. Fatos neutros, mas passiveis de mitificados e assim somos convidados para a heteronímia da simples contemplação. Contemplação que admite o conceito e a prática da eternidade. Hannah Arendt coloca (1983 p.56) neste conceito e prática de eternidade:
“o que importa, é que a experiência do eterno, em oposição aquela da imortalidade, não corresponde e não pode dar lugar a nenhuma atividade: mesmo a atividade mental que se segue em nós com a ajuda das palavras é incapaz de exprimi-la, ao contrário só serviria para interromper e arruinar a experiência (do eterno) em si mesma”
O trabalho e ação humana buscam superar esta contradição entre Natureza e o ideal da Eternidade De um lado a Eternidade não abdica das exigências rigorosas para entender o ideal inatingível. No mundo atingível a autonomia dos campos sociais, políticos e administrativos não pode retornar às exigências da Natureza implacável nos seus vorazes ciclos que devoram a tudo e a todos. O pensador francês, Pierre Bourdieu[45], tratou (1996b. p. 159) de colocar a possibilidade de sua complementariedade ao afirmar que:
“todos os mundos sociais relativamente autônomos, que chamo de campos - campo artístico, campo filosófico, etc.,.. - exigem daqueles que neles estão envolvidos um saber prático das leis de funcionamento desses universos, isto é, um habitus adquirido pela socialização prévia e/ou pôr aquela que praticada no próprio campo”.
De outro lado estes mundos estão próximos e dependem da Natureza. Enquanto isto as leis aspiram a serem eternas e intemporais. Para Badiou[46], (1996: 109) “a natureza é o que do ser é rigorosamente normal”. Ele continua (1996:395) “a natureza é a normalidade recorrente. Assim o ser-natural realiza uma estabilidade, um equilíbrio maximal entre a apresentação e representação (+), entre presença (+) e a inclusão (+) entre situação (+) e o estado da situação(+)”. No plano estético o poeta Fernando Pessoa realiza com precisão as distinções entre razão e natureza ao escrever (1985: 64-5)[47] “porque se compreende a natureza por fora; e não se compreende por dentro; porque a Natureza não tem dentro senão era a Natureza”. Enquanto isto Gele (1980: 133) afirma que
“a razão exige a unidade como tal, isto é o genérico, enquanto a natureza solicita a variedade e a individualidade, e assim, cada uma delas procura chamar a si mesmo o homem. Perante o conflito entra duas forças cumpre a educação estética impor-se como mediadora, porque o seu fim consiste, segundo Schiller, em conferir às inclinações, tendências, sentimentos e impulsos, uma formação que as leve a participar na razão de tal modo que a razão e a espiritualidade ficam despojadas do caráter abstrato, para se unirem a Natureza como tal, e da carne e do seu sangue se enriquecerem”.
Estra busca de unidade pela razão constitui o terreno do mundo pragmático do administrador. O administrador é capaz de realizar o que o norte americano Rudolph P. Atcon[48] aplica ao conceito de Campo. Ele escreveu (1974: 3) como a razão se comporta no “ramo do conhecimento que reúne todas as matérias básicas, derivadas e aplicadas de sua competência”. Com este conceito a razão consegue a unidade na pluralidade da natureza. No entanto para atingir esta unidade, construída pela razão, ocorrem generalizações, apropriações e equívocos. As mediações desastradas, amadores ou de pura e simples tutela do bem público e universal pode ocorrer tanto na política como na administração. Nesta mediação da razão também é necessário distinguir o potencial da criação humana de sua eventual institucionalização pela razão unificadora. Esta distinção se evidencia em Genette no seu texto (1997: 262)[49] quando afirma que:
“o que «faz» de um objeto, durante algum tempo, uma obra de arte, não é sua eleição por uma instituição museológica, mas a atenção estética que, segundo Goodmenn, fundamenta essa eleição, e que pode muito bem faltar: basta uma pequena olhada”.
O bem público e universal necessita esta atenção para distinguir conforme o mesmo Genette quando reitera (1997: 252) que “a relação artística, quer dizer a atribuição a um objeto artístico o estatuto de obra de arte, repousa sobre a dupla hipótese, fundada ou não, sobre seu caráter de artefato e sobre a intenção estética de seu produtor”. Para aumentar a atenção e grau de acuidade é necessário afastar ruídos, filtros inúteis ou obstruindo e atulham de ruinas desta atenção em relação unidade, construída pela razão e que interpõem e impedem o exercício da autoridade nestes campos[50]. Os ruídos, filtros inúteis que obstruem e atulham de ruinas provocam mais aversões no mal estar natural de qualquer civilização. Os candidatos a conquistar este poder central, apresentam-se como “os salvadores da pátria” e aparentando “candura” para seduzirem os seus eleitores. Como tais prometem transformar o tabu das aversões, ruídos e catástrofes do passado, em totens da mudança para o bem querer universal, paz e progresso continuado. Bem querer, paz e progresso linear uniforme subsumido em violenta ‘doxia’ avassaladora que Pierre Bourdieu descreveu (1996: 144) acontece:
“quando as estruturas incorporadas e as estruturas objetivas estão de acordo, quando a percepção é constituída de acordo com as estruturas do que é percebido, tudo parece evidente, tudo parece dado. É, a experiência dóxica, pela qual atribuímos ao mundo uma crença mais profunda do que todas as crenças já que ela não se pensa como crença”.
O próprio portador desta crença oculta o seu projeto real nesta “candidatura” mesmo que esteja consciente que ela tenha apenas e tão somente a conquista do poder. Qualquer dúvida ou vacilo neste projeto suscitaria e espalharia a insegurança, a desconfiança e o medo[51]. Sabem que a memória coletiva nacional brasileira cultiva péssimas lembranças da distância geográfica da corte lusitana e os abismos entre o rei e a origem do seu poder colonial. Diante destes abismos a política Brasil assimilou a heteronímia da sua vontade e da impossibilidade de qualquer mediação ou interação efetiva e produtiva. Esta heteronomia da vontade continuou o processo na imensidade do território nacional independente ao longo do Império e se prolongou ao longo da República. Para vencer este vazio, proliferaram caciques, coronéis e doutores que mediavam e mascaravam, à sua maneira, este poder ausente, enquanto o povo respondia com ironia, deboche e escárnio desta pseudo mediação. Para o olhar do estrangeiro a nação brasileira aparentava uma falta total de coerência entre a sua administração e a sua autoridade[52]. Diante deste cenário o eleitor que cumprir formalmente a obrigação de votar e esqueceu nome em quem votou ao sair da urna. Como não autonomia da sua vontade também não haverá sanção moral do seu ato, conforme Kant[53]. Antes não prestou atenção ao projeto de quem depositou apenas mais um número de voto. O eleitor sabe de antemão, e por experiência própria, a falácia das promessas que o candidato não irá cumprir quando eleito e que ele percebe apenas como mais um ardil.
A linearidade administrativa e a sua unidade carecem de sentido diante esta pseudo autoridade resultante do estelionato eleitoral Os atravessadores de influências violaram e quebraram toda a coerência entre a hierarquia da autorização e o exercício efetivo do poder resultante desta dupla desmontagem. Quem de fato e de direito assume o poder são os atravessadores e mediadores de influências. O eleito, nas suas funções, jamais irá contrariar os interesses daqueles a quem deve o cargo.
Outro complicador desta coerência é o fato de que a pirâmide do poder federal brasileiro foi construída no vácuo e a partir do vértice e do centro[54]. A lei precede o fato e o urbano ao rural pelo fato de o Estado ser uma criação artificial. Não importa a pessoa humana que ocupe legalmente algum cargo neste poder artificial. Nesta pirâmide disfuncional, do poder brasileiro, o presidente, o primeiro ministro, o imperador, o rei ou o simples bedel, perderam a conexão com a origem do poder de seus cargos. A sua função é ocupar uma cadeira. Todos eles agem no vácuo deste poder central. Possuem chances mínimas de interagir com o conjunto desta estrutura construída no vácuo e a partir do vértice. Porém a tragédia se consuma quando estes ocupantes de cargos inventam funções, tentando preencher, ao se modo pessoal, este vácuo da pirâmide, que existe apenas legalmente e sem o reforço de um efetivo contrato nacional. Todos os ditadores caminharam e se orientaram por esta trágica vereda voluntarista.
Os atravessadores das influências ocupam este vazio e bloqueiam o espaço da autoridade legítima e coerente. Para atingir este projeto, danoso para a Nação, subvertem, reinterpretam, ao seu modo e para o seu proveito próprio e quebram toda a hierarquia da autorização do poder. A vítima preferida é a própria hierarquia do poder. Esta hierarquia é atropelada pelos atravessadores das influências. A forma preferida de atropelamento e desqualificação deste administrador e do servidor público é a “plantação” de meias verdades e o bombardeio com noticias alarmantes[55]. O administrador é desqualificado como pessoa como agente[56] do bem publico. Este administrador e servidor público vingam-se quando ele percebe algum vazio de uma lei. As descobertas ou alertas sobre destes vazios são graças à sua intimidade com esta lei. Conhecem as desastradas mediações, fraquezas e das aversões no exercício da autoridade, herdadas do passado, do Estado central brasileiro. Diante de tantos fatores, a impunidade ganha ares de certeza mesmo que seja para escravizar o seu semelhante[57]. Com esta certeza personaliza o poder nas suas próprias mãos e o naturaliza dando livre curso ao seu onisciente, ao seu onipotente, e o quer eterno e universal em atos de desvios funcionais. As narrativas históricas favoráveis a ele podem praticar também esta façanha. Isto é possível, pois a narrativa histórica para Chartier (1998: 246) abrange “a compreensão da história é construída na e pela narração. Coloca como central a possibilidade de inteligibilidade do fenômeno histórico a partir da localização dos seus traços acessíveis”. Para os corruptos e corruptores a construção desta inteligibilidade é mero detalhe. Hannah Arendt reforça (1983: 251) pois que “mesmo que a história seja o resultado das ações humanas, não é o ator, mas o narrador que ‘faz’ a história”. Os atravessadores busca fazer esta história. Dominam todo este arsenal do poder e gozam da fortuna de manter qualquer ordem que lhes é favorável. Não permitem que as informações relativas a qualquer das suas próprias corrupções cheguem ao conhecimento do ocupante do cargo máximo e, muito menos ainda, ao seu Poder Originário.
O trabalho intelectual não faz sentido e só atrapalham aos mediadores, atravessadores e aquele que se dizem tutelares da massa ignara. A posição do intelectual sempre foi esta ao longo da civilização pragmática ocidental. Hannah Arendt as expõe (1983: 137) estas circunstâncias do trabalho intelectual como
“é conveniente lembrar-se aqui que durante toda a História Antiga os serviços «intelectuais» dos escribas, tanto no domínio público como no domínio privado, foram executados por escravos e julgados como tais. É a burocratização do Império Romano, acompanhado com a elevação social e política dos imperadores, provocou uma revalorização dos serviços «intelectuais»”
Mediadores, atravessadores e os que se dizem tutelares da massa ignara editam versões filtradas por intelectuais e os metamorfoseiam em propaganda e do marketing nos quais escamoteia o seu interesse pelo poder em todas as dimensões.
Por mais neutro aparente ser o campo da própria Ciência, ela não escapa deste controle espúrio, legitimação duvidosa e validação externa à ela mesma. Submetem todo manual científico à sua autoridade de atravessadores e tutelares da Ciência. O teórico Kuhn, escreveu (1997 p. 174) que:
“grande parte da imagem que cientistas e leigos têm da atividade científica criadora provém de uma fonte autoritária que disfarça sistematicamente - em parte devido a razões funcionais importantes - a existência e o significado das revoluções científicas. Somente após o reconhecimento e a análise dessa autoridade é que poderemos esperar que os exemplos históricos passe a ser plenamente efetivos”
Os recentes trabalhos e as descobertas de Alan Turing (1912-1954)[58] ou os antigos de Galileu Galilei(1564-1642)[59] bastam para exemplos desta tutela externa que incluíram a prisão física e mortíferas investidas da Santa Inquisição. Tutelares para os quais basta serem portadores de qualquer título específico ou prêmio em qualquer evento pontual, para corromperem tudo que o cerca com seu “conhecimento” universal. A saudável publicidade administrativa é transformada, por estes doutores e premiados, num passo de mágica, em propaganda e em marketing do seu limitado mundo pessoal. A informática numérica digital possibilita, também, aos atravessadores interesseiros subverter, quebrar e esfacelar a saudável publicidade da lógica administrativa e desmontar qualquer hierarquia.
No contraditório, a mesma informática numérica digital permite conhecer diretamente a intimidade da realidade vivida pelo povo. Não há mais a necessidade das escapadas de D. Pedro I do palácio ou de Nilo Peçanha andar de bonde para conhecer o povo. Graças aos meios de comunicação numérica digital o povo chega diretamente ao núcleo do poder sem outros filtros e sem as mediações dos cortesões e vice-versa. A informática numérica digital permite a circulação das informações da realidade que ele vive. Não há necessidade de uma lei da transparência, além de servir de alerta aos novos e antigos atravessadores de interesses escusos.
A informática numérica digital permite a dupla via de circulação do poder e, ao mesmo tempo, não quebrar a hierarquia originária da Nação. Esta circulação é reforçada pela concepção da circulação do poder em rede e na prática. Na área de concepção desta rede Giulio Argan esclarece (1992: 58) que
“o importante é que a pesquisa não leve a isolar um fato ou um grupo de fatos, mas discernir um nó de relações, e que se tenha consciência de que, além da zona iluminada da pesquisa, essas relações se estendem e se ramificam ao infinito, a todas a área ilimitada dos fenômenos artísticos, não importa de que época e cultura”
Na prática este fluxo do Poder Originário circula nos âmbitos “das ciências organizativas incluem o distrito, a rede, lobby, manegement by objetives, project work, congresso permanente”, numa enumeração sumária (1997: 18) do italiano De Masi. Da mesma forma o Poder Originário circula envolvendo o pátrio poder, a célula municipal, passando pela região e dirigindo-se ao núcleo do poder central sempre em dupla via de ida e volta no âmbito da hierarquia. Hierarquia que emerge da soberania de um pacto nacional expresso, factível e aceito universalmente num contrato. Contrato que Hannah Arendt descreveu (1983: 311) como “a força que assegura a coesão, distinta do espaço das aparências nas quais se reúnem e do poder que conserva o espaço público, é a força das promessas mútuas, do contrato”. Arendt vale-se ainda do contraste com estágio anterior (1983 : 239) 311, 312) onde “a sociedade depois da retirada da coerção física (tirania) e espiritual (religião), estrutura-se, a partir do iluminismo, na esperança contratual celebrado nas promessas mútuas do contrato”. Contrato que permite a circulação continuada do poder, evidencia, afasta e reduz, ao mínimo, os filtros disfuncionais e mediações corruptas e corruptoras.
Esta circulação - resultante da informática numérica digital - contrasta com estágio anterior da lógica da era industrial. A informática numérica digital funciona em todos os dias do ano, sete dias por semana, 24 horas por dia e sem feriados ou interrupção de férias. Este processo é completamente diferente da fábrica das 40 horas semanais e dos prédios fechados nos finais de semana e que também determinava o ritmo do trabalho no poder estatal. Garante o funcionamento continuado do poder central conectado à todas as células locais com sua circulação ininterrupta.
Esta conexão passa pela expressão humana que é potencial sem idade e que ultrapassa os códigos falados e escritos. A criatura humana pode-se valer desta expressão em qualquer, cultura tempo e lugar. O poeta Goethe escrevia (1945: 11) que:
“definitivamente tratamos em vão expressar a essência de uma coisa. Percebemos efeitos sim, e uma história completa dos efeitos abrangeria melhor a essência da dita coisa. Esforçamo-nos em vão em descrever o caráter de um homem, mas se recolhermos os seus atos e ações surgirá deles, uma imagem do caráter”.
Esta imagem se tornará particularmente viva e nítida, se observarmos esta criatura, ou coletividade, mergulhada e reagindo perante dificuldades. Chartier constata (1998: 96) isto quando “a tensão inventiva dos indivíduos ou comunidade face aos constrangimentos, normas e convenções revela o que lhe é possível pensar, enunciar e fazer”.
Basta prestar atenção ao papel dos editoriais dos jornais que tratam normalmente de constrangimentos, normas e convenções de uma coletividade. Os editorais dos periódicos, podem ser apropriados e potencializados na era da informática numérica digital. Os editoriais dos jornais constituem um dos instrumentos da tradição vinda da era industrial. Na era industrial possuem normalmente circulação muito restrita. Os jornais e os seus editoriais são publicados em todos os recantos do território nacional por pessoas que percebem o mundo através de sua realidade e as circunstâncias que os cerca[60]. Este ‘setor’ da comunicação dos jornais periódicos congrega áreas afins por sua natureza e os seus objetivos Atcon, (1974: 5) que se reforçam ao prestarem atenção ao mundo quotidiano brasileiro do qual extraem o que é significativo e relevante para o Poder Originário. Sintetizam editam e fazem circular a no espaço público. Como tais trabalham não só para si mesmo e para o seu público de apoiadores, mas também em função dos seus ‘pares concorrentes’ na concepção de Bourdieu (1987: 108)[61]. Os editoriais possuem potencialidades insuspeitas na nova época numérica digital para poder gerado na origem na política e na administração de um governo. A informática numérica digital (Internet) permite enviar os editoriais em tempo real ao centro do poder ao mesmo tempo em que são impressos na linha de montagem gráfica. Ao longo da noite eles podem ser sistematizados por equipes de cada região brasileira e que abastecem as pautas do núcleo do poder central que as discute as 07h00 da manhã. Formam matéria de um macro-editorial do poder central nacional que retorna, no mesmo dia, à sua origem. Trata-se de vias de mão dupla da circulação de informações, distante do elogio reciproco, de filtragem ideológica e da mediação de atravessadores de interesses escusos e pessoais.
O presente texto está atravessado pela dúvida e pela desconfiança do trabalho do mediador. Ao mesmo tempo está consciente que este texto só possui sentido para os pares concorrentes. Pares concorrentes que Bourdieu caracterizou (1987: 108) como “o escritor escreve e o artista produz para pares concorrentes. Só existe na relação circular de conhecimento recíproco entre artistas, os escritores e os eruditos”. Pares concorrentes que alimentaram o positivismo. Estes pares concorrentes tutelaram e desenvolveram o pensamento do cidadão francês Isodore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1852) transfigurando-se nos seus mediadores Um cortejo funesto de tutelares e mediadores transformou o pensamento coerente de Karl Marx em comunismo e que se expressa nas mais contraditórias ideologias que obscurecem e corrompem os textos originais. O mesmo aconteceu com os textos do Corão, da Bíblia ou escritos religiosos de todos os tempos. Eles também oportunizaram o surgimento de outros tantos cortejos funestos de mediadores, de conflitos e de guerras de ortodoxia entre os ditos seguidores. Não se trata de fazer a distinção weberiana entre profetas e sacerdotes, mas do singelo fato de remeter aos textos originais a serem lidos pelos atuais observadores para que estes tirem as SUAS conclusões coerentes com o seu próprio tempo e lugar.
A leitura, o estudo, as conclusões e a socialização destes textos foram confiadas aos denominados intelectuais. Eles não formam uma classe pois Mota, afirma (1980: 220) que “a intelectualidade não constitui uma classe, mas acaba por plantar seus frutos em campos sociais específicos”. Arendt desmistifica (1983: 137) a sua origem e a sua função “é conveniente lembrar-se que durante a História Antiga os serviços «intelectuais» dos escribas, tanto no domínio público como no domínio privado., foram executados por escravos e julgados como tais. É a burocratização do Império Romano, acompanhado com a elevação social e política dos imperadores, provocou uma revitalização dos serviços intelectuais”. Com a queda deste Império voltaram para serviços manuais de copistas
Estes copistas foram substituídos pela imprensa e na era numérica digital estes textos originais estão disponíveis em rede mundial. Assim evoluem dos textos manuscritos e únicos na era agrícola, múltiplos na era industrial e cuja divulgação e sua hermenêutica eram pretextos e a motivações para os atravessadores e os mediadores armarem as cenas de marketing e propaganda oral e depois impressa. Porém o que é comum à era agrícola, industrial ou virtual é que os mediadores do marketing e da propaganda se percebem compelidos para rebaixar as mensagens originais para meia cultura. O nível intelectual deste marketing e propaganda é destinado a um receptor de aos 12 anos do ser humano.
0.6 - O PODER ORIGINÁRIO e a ERA NUMÉRICA DIGITAL.
Apesar de todas as potenciais vantagens da era da informática numérica digital, sobre a industrial ou agrícola, ela continua a impor a necessidade de escolher uma proporção. Neste aspecto a era da informática numérica digital continua a cultura industrial ou agrícola de querer abranger a amplidão de um país continental, como o Brasil, mantendo a proporção por meio da sua identidade na diversidade nacional.
Nesta busca da proporção não se pretende uma unidade monolítica e totalitária a ser implementada por meio da era numérica digital seja o “quarto poder” ao estilo do “Big-Brother” de Orwell”[62]. Ao contrário, especula-se que a informação numérica virtual ainda possui potencial para constituir-se em suporte e facilite a circulação do poder e da cidadania mantendo a unidade na diversidade e originalidade. Para tanto impõe-se alertar, ainda, sobre as complicações do uso deste poder para circunstâncias inadequadas[63]. Não se argumenta que ela seja o derradeiro estágio da civilização humana, mais uma arma ou, pior ainda, a naturalização da cultura.
A era numérica digital possui um limite drástico pelo fato de apenas constituir-se em MAIS UMA nova tecnologia. Como nova a era numérica virtual imprime uma nova velocidade no seu fluxo no tempo, possui uma abrangência cumulativa simultaneidade proveniente das informações anteriores das quais se apropria ao longo do trânsito por este mundo cultural . Esta base técnica garante a rápida reversibilidade para as fontes desta a informação numérica virtual, garantindo a sua cientificidade. Esta informação pode ser esmiuçada, em infinitas partes, permitindo a sua análise mais detalhada e, ao mesmo tempo inscrevê-la no continuo de uma conduta cultural[64] da qual se origina. No âmbito da continuidade de uma conduta cultural obedece e se concretiza no que Leonardo da Vinci já havia previsto: “tudo aquilo que é contínuo, pode ser dividido em infinitas partes“[65] Continuo dividido em infinitas partes e que permite a sua reprodutibilidade constante e fiel é por tempo e lugares indeterminados. Ao mesmo tempo estas partes são distintas como significantes de uma metáfora flutuante. Marchán Fiz esclareceu (1996: 242) que “na obra artística o significante e o significado são assimétricos, isto é não se relacionam de modo linear, não se acoplam como um molde”. Passado e presente não se acoplam apesar de pertencerem ao mesmo continuo. Apesar de na atualidade ainda predominam traços de hábitos de uma cultura proveniente do suporte tecnológico da era agrícola, estes presente é algo distinto e próprio do tempo e lugar. Apesar de autoridade e o poder resistem e se agarram aos hábitos disfuncionais está face à realidade que exige a percepção da cultura da era numérica digital pelos agentes deste poder. Este poder disfuncional é lento, está envolto em mitos e circula num bloco monolítico. Os seus suportes ideológicos estão caducos, pois pendem para o ritmo e exigência da Terra e do bloco monolítico da Natureza resistente a dividir-se em infinitas partes. Nestas culturas disfuncionais os infinitos desdobramentos estão fora de cogitação, pois desvelariam rapidamente às matrizes do poder unívoco, totalitário e parado no tempo. Este poder corresponde à posse física e inalienável de bens e de pessoas. Este poder forma uma pirâmide em cujo vértice coloca-se um único indivíduo legitimado e tido como sagrado. Esta posse do poder - por tempo indeterminado e de forma absoluta e eterna - é o ideal pretendido pelo regime colonial, reinol e imperial do Brasil. Porém não faltaram avisos contrários esta pretensão idealista e separada do poder. A voz de Michel Foucault em relação à microfísica do poder é cada vez mais contundente e é difícil ignorar. Segundo ele (1995) é força camuflada pela violência pontual e disseminada nos interstício sociais.
Esta micro física do poder destilou, ao longo da era industrial e injetou nestas interstício sociais uma forma de poder no qual o voto constitui uma autoridade individualizada por períodos de tempo predeterminados. Aparentemente busca contrariar a aparência da forma absoluta e eterna a linha de montagem. Contudo é só na aparência sobre quem recai a culpa de tudo continua intacto o sistema. Estes indivíduos são substituídos no final destes períodos como obsoletos e os devolvidos à multidão anônima. Apesar de funcionar na prática, os seus hábitos correspondentes ainda não foram assimilados pela cultura que se orienta ainda pela era agrícola. No Brasil o grande contingente populacional está muito próximo dos hábitos e da mentalidade rural, pois a urbanização e a era industrial são fenômenos recentes e ainda não assimilados pela maioria da população ainda que tenha nascida no meio urbano.
No meio urbano a informação numérica virtual permite desvendar a origem do poder. Permite transformá-lo rapidamente em autoridade mantendo aceso o ciclo desta renovação. Mantém coerente com as necessidades e os paradigmas diferenciados que emergem inesperadamente de uma forma continuada no tempo num meio em constantes mudanças. No lugar da clássica pirâmide estática da autoridade da era agrícola o poder, derivado da informação numérica e virtual. O poder está distribuído em núcleos nos quais circula em rede na qual se articula ao sabor de matrizes e da matemática quântica.
Contudo no contraditório, o meio rural - sob as condições da informação numérica virtual - surpreendente e responde mais rápido do que o urbano. A razão poder ser que o seu peso quantitativo é menor e se convence sem evidenciar muitas resistências da necessidade de mudanças imediatas e profundas.
Todo e qualquer sistema necessita de energia própria para fazê-lo circular de uma forma homeostática entre as pulsões contraditórias e vivas. Quando o poder necessita de permanente atualização desta homeostática seria desperdício de energia retornar insistir e cultivar sistemas obsoletos e já sem suporte de uma infraestrutura obsoleta. Estruturas obsoletas como os manuais aos quais Kuhn dedica acerba critica (1997: 17) pois:
“os manuais começam truncando a compreensão do cientista a respeito da história de sua própria disciplina e em seguida fornecem um substituto para aquilo que eliminaram. É característica dos manuais científicos conterem apenas um pouco de história, seja um capítulo introdutório, seja, como acontece mais frequentemente, em referências dispersas aos grandes heróis de uma época anterior. Através dessas referências tanto estudantes como profissionais sentem-se participando de uma longa tradição histórica. Contudo, a tradição derivada dos manuais, da qual os cientistas sentem-se participantes, jamais existiu”.
A mitificação ou a naturalização dos tratados e os exaustivos códices de leis de todos os tempos pode tornar-se exemplares, obras admiráveis e índices de civilizações passadas. São desafios que mergulham a sua forca cultural no presente. Porém no presente necessitam da energia para fazê-lo circular de uma forma homeostática entre as pulsões contraditórias e vivas. Este é papel do Legislativo é competente para planejar e prever o fato futuro por mérito da informação numérica virtual, e pelo uso de dados disponíveis da realidade. O Executivo ao dispor de abundantes e atualizadas informações numéricas virtuais segue um Legislativo competente para transformar a intenção em vontade e concretizando o fato previsto pela lei. O Judiciário julga o fato consumado concretizado no ato administrativo. Perscruta e interpreta a intenção em bases reais, julga o ato e confere o seu mérito. Esta é a lógica do poder da era industrial. O Poder Originário complementa a linha de montagem da fábrica superando-a, municiado por uma informação numérica virtual. Este tipo de informação confere um sentido para esta série linear e consecutiva da intenção, do ato e do mérito. Série que se admite como uma noção derivada da semiótica nascida em função e para o âmbito da indústria. Neste âmbito existe basicamente uma circulação que podem ser enumeradas como entrada de insumos, a sua elaboração, seu controle e distribuição seguida pelo seu consumo. Estas operações são separadas entre si. Nenhuma agente domina o processo todo e que se encadeiam mecanicamente pela linha de montagem central. Na maioria das vezes resulta em operações fragmentadas previstas pelo design e executada por mão de obra treinada e especializada para aquela operação específica. A informação numérica virtual em rede supera a lógica da fábrica devido à energia revelada pela do “tempo real” ou “just in time” na qual circula o poder com mais intensidade e potência e colocado entre a intenção, o ato e o mérito.
Diante da realidade proveniente da matemática quântica as formas do poder do passado não possuem mais condições de acompanhar a criação e a circulação de uma autoridade que obedece à matrizes arcaicas. O quotidiano da criatura humana é constituído, cada vez mais pelo conhecimento do código genético, pelo uso da vontade abastecida nas fronteiras inexploradas da origem da energia e do direito de usufruir da comunicação, próxima da velocidade e da energia da luz.
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[53] - KANT, Emmanuel (1742-1804). Crítica da razão prática. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d. 255p.
______. Crítica da Razão Pura. Trad. J. Rodrigues de Moraes. Rio de Janeiro: Tecnoprint. S/d. 271p.
[54] - VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro : José Olympio, 1938. v. 5
[55] - BRAGA, Políbio “As primeiras informações sobre as receitas e despesas são alarmantes” in «Funcionalismo» Correio do Povo, Porto Alegre, ano 101, n° 321, 16.08.1996.
[56] - DE MASI, Domenico. A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997, 419 p.
[57] - CORREIO do POVO «Quatro são libertados de trabalho escravo». Posto Alegre - ano 113, nº 314 p.30, Sábado , 9 de agosto de 2008
[60] - O presente texto valeu-se de numerosas editorias de jornais impressos. Ente elas alguns contam como anexos no final.
[61] - BOURDIEU, Pierre ( *1.8.1930 - †23.1.2002) Economia das trocas simbólicas. São Paulo: EDUSP- Perspectiva, 1987. 361p.
[62] - ORWELL, George 1984 (29ª ed). São Paulo : Nacional, 2008 301 p - O “Big – Brother” é uma figura do livro publicado em 1949 com o titulo “1984” pelo escritor George Orwell nascido na Índia em 1903 e que morreu na Inglaterra de tuberculose em 1950
[63] - PINHEIRO, Ibsen «Só a informatização não basta. Há ainda a questão política» Zero Hora, Porto Alegre, ano 27, n° 9.342 ,
01.04.1991
[64] Na concepção de Maturana e Varela, (1996, p. 174)“Entendemos por conduta cultural a estabilidade transgeracional de configurações adquiridas ontogeneticamente na dinâmica comunicativa de um meio social”.
[65] In - VALÉRY, Paul (1871-1945) Introdução ao método de Leonardo da Vinci (Ed Bilíngüe) São Paulo : Editora 34, 1998 256 p.
CAPITULI 01 - PODER ORIGINÁRIO
25/04/2013 09:03CAPÍTULO 01
A PROCURA de PROPORÇÃO e da COERÊNCIA
Na busca da proporção coloca-se uma rede objetos como modelos/cópias ou simulacros de problemáticas reais procurando enunciar as regras de estruturação da figura do Poder Originário conferindo-lhe certa ordem entre os seus elementos e sob a ótica do polo morfológico.
1.01 – os estragos do gigantismo.; 1.02 – a procura da proporção; 1.03 – a proporção da representação do povo; 1.04 – o ser humano comprovadamente não nasce social; 1.05 – competências da autoridade; 1.06 – o Poder Originário e o "quarto poder"; 1.07 – a autoridade e os atravessadores de influências; 1.08 – o poder, a autoridade e a informação; 1.09 – o pátrio poder, o município e a sua administração; 1.10 – o preço para administrar um grande país a partir da base dos seus municípios; 1.11 – o Poder Originário, a informática e as suas luzes; 1.12 – a democracia como virtude complexa e característica das sociedades evoluídas; 1.13 – voto não é democracia; 1.14 - estados soberanos da América.
1.01 - Os ESTRAGOS do GIGANTISMO.
"Todo contínuo pode ser divido em infinitas partes"
Leonardo da Vinci
No inicio coloca-se o objetivo geral que é do colaborar na construção de uma civilização contrapondo ao projeto da simples e da pura demolição, agressão e terra arrasada, para ver como fica. Esta construção conceitual será operada com a mediação do polo morfológico. Aceita-se a concepção de Bruyne quando esclarece (1977: 35/6) que:
"o polo morfológico é a instância que enuncia as regras de estruturação, de formação do objeto científico, impõe-lhe uma certa figura, uma certa ordem entre seus elementos. Permite colocar um espaço de causação em rede onde se constroem os objetos científicos, seja como modelos/cópias, seja como simulacros de problemáticas reais."
Nesta ordem e por meio desta figura há necessidade de examinar os dados concernentes à cidadania na sua individualidade no âmbito do espaço público do Estado no qual interage com outras individualidades. De posse efetiva destes dados necessários é possível lançar-se na aventura do projeto da construção pretendida. A etapa seguinte é da socialização deste projeto para obter a efetiva anuência para passar ao estágio do contrato e pacto. Uma ação efetiva e sadia exige este fundamento para passar ao mundo prático, manutenção e reprodução por tempo indeterminado
A responsabilidade do cidadão é inversamente proporcional ao tamanho físico e ideológico do Estado. Diante do seu tamanho continental e a sua diversidade cultural o Brasil necessita constante equacionamento da relação entre a forma do Estado e o seu cidadão. Para tanto não é suficiente incinerar as bandeiras e proibir os hinos dos seus estados federados. Antes de qualquer busca de proporção, há necessidade visual do conceito de forma. A Forma é o terreno permanente das artes. Nelas o teórico Wölfflin percebe (1990: 874) duas concepções distintas. Para ele "a forma é uma noção ambígua nas artes visuais: ela designa ali tanto a configuração do objeto representado como elementos e o sistema do qual se serve para dar conta dos objetos". Assim a forma do Estado pode-se materializar no seu tamanho físico e todo Estado luta para demarcar fisicamente, possuir e manter o espaço da sua ação. Esta ação vale-se de todo o sistema humano e ideológico para atingir os projetos da nação que se encarnou físico e relacional humano possível nesta forma.
Todos conhecem os nefastos estragos das escolhas equivocadas da proporção realizadas a partir do espaço físico e relacional humano possível nesta forma do Estado. Estes nefastos estragos são arrastados para a cena pública e ali prolongados pala aparente contradição entre micro e macro história. Este é equivoco denunciada por Guinsburg quando afirma (in Palhares-Burke, 1999: 9) que "a ideia de opor a micro história à macro história não faz sentido e é absurda a oposição entre história social e política". A contradição é perfeitamente transformada em complementariedade e ali brota uma forma de História Politica que é umas áreas mais promissoras das Ciências Humanas.
Sem a percepção e os recursos desta transformação desta contradição em complementariedade cidadão, ou é esmagado pelo gigantismo deste Estado. Ou pior, é pervertido, radical e definitivamente, pela força desproporcional de um Estado hipertrofiado e central. Foucault percebe esta armadilha humana quando escreveu (1995: 292) que "a supervalorização do problema do Estado tem uma forma imediata, efetiva e trágica: o lirismo do monstro frio frente aos indivíduos; a outra forma é a análise que consiste em reduzir o Estado a determinado número de funções". Contudo esta operação exige agentes capazes de reproduzir e renovar. Agentes capazes de vencer a desproporção do mongolismo estatal gera o contraditório que se manifesta na perversão do EGO incentivado ao crescimento desmesurado. Esta perversão do EGO faz com que o indivíduo não só perca a sua própria sombra, mas também a sua autonomia e seu senso crítico e ético. Este monstro desfila diante dos nossos olhos pronto para praticar qualquer crime como resultado e em nome do "seu" Estado e de si próprio.
As instituições possuem o papel de garantir uma escala, explicitado no seu projeto, entre o gigantismo do Estado - que se quer unitário - e as figuras a dos seus cidadãos que se querem absolutamente distintos entre si mesmos. A autonomia destes cidadãos sem a sua diferenciação e a sua individuação serio caminho direto para o "tipo" desejado pelos Estados totalitários que trabalha para comandar um povo com uma única cabeça. Este absurdo foi denunciado por Hannah Arendt ao escrever (1983 pp. 42 /3) que:
"a ação seria um luxo supérfluo, uma invenção caprichosa nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repetições reproduzíveis ao infinito de um e mesmo e único modelo, se a sua natureza ou essência fossem sempre a mesma, tão previsível como a essência ou natureza de um objeto qualquer. A pluralidade é a condição da ação humana, porque todos semelhantes, sem que jamais uma pessoa seja idêntica a um outro homem que já viveu, vivendo ou ainda por nascer".
No Brasil os regimes Coloniais e Imperiais chamavam todas as instituições para o seu trono metropolitano. Estas instituições arrastaram todos seus súditos, em cortejo, para a vassalagem unificadora, senão para à escravidão. O Regime Republicano contra-atacou conferindo soberania às províncias imperiais e remeteu para o espaço público do cartório as relações entre os cidadãos republicanos desfazendo a atração de vassalagem mítica ao trono. Porém o hábito da vassalagem, ao Estado Central, era forte demais e levou a lutas fratricidas. A novidade republicana de Estados regionais soberanos – inéditos na legislação política brasileira – arrastou a nação para a Revolta de 1893. Conduziu ao impasse que levou à Revolução de 1930. O Estado Novo totalitário, de 1937, queimou fisicamente as bandeiras dos Estados regionais e proibiu seus hinos e símbolos.
A cultura do súdito e o hábito da vassalagem ao Estado Central permaneceram vivos e ativos devido à falta de uma proporção moldada na cidadania. Este súdito adora e aplaude obras faraônicas e proporcionais ao Estado Nacional totalitário. Nesta cultura do súdito e hábitos da vassalagem ao Estado Central, permaneceram intocados e submersos os abismos sociais e étnicos dos desníveis sociais que se tornam instransponíveis. O Estado Nacional totalitário atemoriza, por todos os meios, aqueles que deveriam ser o seu poder originário. Mantém na vassalagem estatal, assim, este poder originário e alega que não possui instrumentos eficientes para impulsionar a circulação do poder da interação com ao nível da cidadania. Além disto, abrem-se gigantescas oportunidades para a exploração e a rapinagem econômica, praticada pelo mais forte e competente. Para tanto o Estado megalômano instala imediatamente, agentes submissos à cultura do súdito nos eventuais nichos de poder abertos por esta força desproporcional. As sobras sociais formam cinturões de favelas que cercam as cidades brasileiras cada vez mais numerosas e densas e visíveis sem esforço algum. O máximo que o Estado Nacional totalitário consegue é colaborar na carnavalizar estas relações injustas, por meio do marketing de eventos, como a propaganda da "Fome Zero".
Há necessidade de concordar com Accurso ao afirmar (1990 p.21) que "de maneira geral, no Brasil, o encaminhamento de soluções não guarda escala com os problemas brasileiros". Para construir uma escala deste gigantismo existem soluções. Estas soluções decorrem da imperiosa necessidade de entender as recorrentes crises e administrá-las no mundo contemporâneo. Uma crise na concepção de Kuhn ocorre, no âmbito da própria Ciência, ao escrever (1997, p.105 e p. 115) que "o significada das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos [...]Todas as crises iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o consequente relaxamento das regras que orienta a pesquisa normal". Inicialmente é necessário permanecer atento de que aqui se aponta o potencial decorrente do uso do ferramental da era numérica digital e distinto da época anterior. Este ferramental potencializa e permite soluções distintas reconduzir a origem do poder a partir da administração municipal destas, após as sucessivas crises de um poder central. Nesta administração nenhum cidadão é maior do que o seu próprio município. Este cidadão percebe e sente isto pelo fato e na medida em que ali estão ativas as três funções das vertentes administrativas de um Estado contemporâneo da clássica divisão montesquiniana. De outra parte o exercício e a circulação do poder municipal não são estranhos a este cidadão. O município foi o instrumento político brasileiro herdado da administração lusa. Esta por sua vez o recebeu da tradição e legislação romana. Nesta havia ainda a instituição do pátrio poder, constituindo um ponto de equilíbrio colocado entre o Estado e o indivíduo. De outra parte é necessário permanecer atento de que aqui se aponta o potencial decorrente do uso do ferramental distinto da era numérica digital.
A decadência do Império Romana foi acelerada pela destruição das austeras células republicanas e do pátrio poder. Células sociais por meio das quais a pessoa humana avulsa podia identificar-se, reconhecer-se e fazer sentido no seu pertencimento ao coletivo do Estado Romano. Diante do gigantismo do Estado, avassalador de todas as individualidades, o sobrenome familiar do cidadão ainda é uma tentativa atual para uma pessoa humana vincular o pátrio poder.
1.02 - A PROCURA da PROPORÇÃO.
"Na democracia não há grande bem ou grande mal"
Platão : 1983 308
Os regimes totalitários realizaram trabalhos gigantescos, mas também causaram desgraças monstruosas. As pirâmides egípcias ou a muralha da China foram frutos de imensa coerção social provocada pelo gigantismo desmesurado do Estado, e que, no seu final, arruinou os seus próprios criadores. Com as lanças ou as baionetas, dá para fazer tudo, menos ficar sentado confortavelmente em cima das suas pontas.
Neste "fazer tudo" reside a concepção da práxis. Esta constitui o mundo do fazer distinto do mundo do falar, cogitar e do ócio. Distintos da práxis podem ser incluídos, como tais, no mundo do agir e dos atos. Hannah Arendt percebe (1983: 194/5) que:
"o processo do fazer é em si mesmo inteiramente determinado pelas categorias do fim e dos meios. O objeto fabricado é um fim neste duplo sentido, que o processo da produção ali se conclui e apenas existe que um único meio de produzir esse fim"
No Para a mesma Hannah Arendt (1983: 235 e 266) a:
"palavra (lexis) adere mais estreitamente a verdade do que a praxis, segundo Platão [...] O sentido profundo do ato e da palavra não dependem nem da vitória nem da derrota, nem de um desvio eventual, de nenhuma consequência boa ou má".
Nesta maior adesão à verdade e no equilíbrio resultante reside "a felicidade da formação equilibrada de todas as forças humanas" nas sintéticas e sábias palavras de Schiller, o autor da ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven. A possibilidade de a criatura humana atingir a verdade sempre esteve em todos os horizontes dos mais diversos sistemas filosóficos. Pragmático Aristóteles (1973: 342/3 .1139b 15) listava "as disposições em virtude das quais a alma possui a verdade, quer afirmando, que negando, são em número de cinco: a arte, o conhecimento cientifico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva". Com um imenso acumulado de discussões a respeito deste tema Hannah Arendt discute (1983: 245 /6)
"a velha oposição da verdade dos sentidos e da verdade racional, da inferioridade dos sentidos, menos capazes de atingir a verdade, e da superioridade da razão, mas apta para a verdade, esta oposição se apaga diante desse desafio, diante dessa evidência implícita, que nem a verdade nem o real, são dados, que nem um nem outro aparecem tais quais, e que somente a operação sobre a aparência, a supressão das aparências, pode fazer aguardar um conhecimento verdadeiro".
Na supressão das aparências que uma narrativa de uma ação histórica pode propiciar no comprometimento da verdade é uma preocupação de Chartier que avisa (1998: 197)
"o historiador tem por tarefa especifica de dar um conhecimento apropriado, controlado, dessa «população de mortes- personagens, mentalidades, prêmios» que são seu objeto. Abandonar esta intenção de verdade, pode ser desmesurado mas seguramente fundador, seria deixar livre a todas as falsificações".
O intelectual Bereson encontrou uma tábua de salvação neste mar de incertezas quando afirma (1953: 112) que "a arte visual não pode mentir".
No universo pragmático a criatura humana aprendeu a unir a verdade no equilíbrio entre o racional com a dos seus sentidos. Assim manteve produtiva as suas linhas de montagem ao longo da era industrial e que necessitam acumular abundantes bens, insumos, máquinas, capital e uma diversificada mão de obra. Esta produção material projetou-se no mundo social e político gerando padrões culturais. Estes "padrões culturais sobrevivem na medida em que persistem as situações que lhe deram origem, ou alteram o seu significado para expressar novos problemas" conforme Durham (in Oliven, 1992: 20/1) Neste ambiente de aprendizagem da era industrial os agentes políticos transferiram e aplicaram aos entes estatais. Nestes entes estatais também acumularam agentes, capital e insumos que permitiram o funcionamento de mecanismos burocráticos, á semelhança das linhas de montagem industrial. Na unificação italiana (1865) e da alemã (1871) estes imperativos foram fundamentais para o efetivo funcionamento destes novos entes estatais. Nesta lógica industrial o colonialismo tornou-se necessário para estas potências coloniais emergentes. O projeto colonialista era garantia da continuidade do ingresso de insumos, de agentes baratos e para escoar a produção das suas máquinas. Na circulação do sistema de dominação completa, necessitavam de territórios cativos e exclusivos para remeter para estas colônias as sobras e os refugos da lógica industrial, constituindo-se em depósitos seguros dos desqualificados e inaproveitáveis no território metropolitano. O instrumento preferencial e quase único, foi a linguagem que Barthes universalizou (1967: 9) pois "o homem está condenada à linguagem e nenhuma empresa semiológica pode ignorá-la". Mais universal ainda Heidegger escreve (1983: 23) que a linguagem "corresponde e se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser, do ente. Esse corresponder é o falar". No plano somático Maturana e Varela concluíram (1996: 181) que "operamos em linguagem quando um observador registra que temos como objetos de nossas distinções linguísticos elementos de nosso domínio linguístico". A linguagem como instrumente da análise na linha do método cartesiano Recht afirmou (1998: 11) o:
"que não poder ser decomposto diretamente, é necessário tentar dissociá-lo indiretamente ou idealmente – quer dizer elevá-lo ao nível da linguagem – em seguida decompõe-se o fenômeno – a expressão – encontrando-se assim as partes constituintes e sua relação"
A era industrial desativou, na sua lógica cartesiana, aquilo construído ao longo da era agrícola. Em nome do sistema de dominação acumulativa completa, desqualificou qualquer circulação na proporção humana. No seu lugar instalou, fez funcionar e reproduzir um vigoroso fetichismo linguístico. O pensador brasileiro Ianni resumiu (1992: 11 /2) afirmando que:
"depois de mostrar como o valor de-uso esconde o valor-de-troca e ambos escondem o valor-de-trabalho, de mostrar, por tanto. que a mercadoria é trabalho social cristalizado e alienado, Marx se dedica a examinar o seu fetichismo. Isto é, se queremos encontrar uma analogia com este fenômeno, precisamos elevar-nos às regiões nebulosas do mundo da religião, onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria de existência independente, mantendo relações entre si, como com os humanos".
A linha de montagem e as máquinas, com esta "aparente vida própria" trabalhando em escala industrial, destruíram esta proporção construída do contato humano íntimo do ritmo da Natureza. Na concepção do sentido de um valor nesta busca de proporção e as suas relações com o todo.
Bourdieu afirmou (1996ª: 259) que "uma perturbação que se produz no sistema de valores, repercute profundamente não só no conjunto da cultura, mas também nas outras instâncias da vida social". O próprio autor de uma obra de arte é colocado em segundo plano diante do fetiche gerado pelo mercado. Bourdieu faz depender (1987: 109) este reconhecimento: "o valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que produz o valor da obra de arte como um fetiche ao produzir a crença no poder criador do artista". Esta distinção Hannah Arendt a percebe entre a obra pela ferramenta artesanal e aquela gerada pela máquina quando escreveu (1983 p. 200) que "a ferramenta a mais refinada permanece ao serviço da mão que não pode nem guiar nem substituir. A máquina, a mais primitiva, guia o trabalho corporal e eventualmente pode substituí-lo de fato". A ferramenta é típica da criatura humana ainda próxima da Natureza incluindo o agricultor. Já a máquina exige uma "aparente vida própria".
Esta desproporção contaminou toda a vida política, cultural e alastrou-se pelos templos, gerando multidões famintas por um "grande pai". Este se materializava e subiu ao palco da vida pública realizando gestos paternalistas grotescos e que os mais ferozes ditadores da História não escamoteavam. Não é possível sustentar que Stalin, Hitler, Mao-Tse-Tung ou Pio XII foram grandes personagens ou ENTES em si mesmos. Contudo a "mass-media" necessitava deles apenas para personificar o grande "grande pai" ou Leviatã estatal de Hobbes. Estes "grandes pais" prestaram o seu nome e a sua imagem para a lógica de sua época e seu local com o objetivo e a finalidade que lhes impunha o funcionamento do sistema industrial. Não é por acaso que as suas efígies e imagens constam cédulas do meio circulante da sua época. Transferiam para a era industrial a tradição das efigies de reis e imperadores. Porém as moedas, da era agrícola, tinham lastro físico em metais preciosos enquanto as contemporâneas se referem á informação em relação à força de trabalho, a sua produção e a sua circulação.
No contraponto, no interior da cultura, gerada pela informática numérica digital, este "grande pai" perde o seu sentido e o seu poder totalitário. Este sentido de poder totalitário é dissolvido na concepção de Bourdieu anotou (1994: 104 - nota) em relação aos:
"conflitos de gerações que não opõe classes de idades separadas por propriedades da natureza, mas habitus produzidos por maneiras de gerações diferentes, quer dizer através de condições de existência que, impondo diferentes condições do impossível, do possível ou do provável oferecem para provar, práticas ou aspirações, que para alguns parecem como naturais ou razoáveis e para outros como impensáveis ou escandalosos, ou inversamente".
Nessa dissolução e naturalização o grande Leviatã estatal, cuja figura e forma emergiam, além do medo que ele impunha, da era industrial também seguem a lei da entropia e vão parar no museu da História. Neste novo meio comandada pela informação numérica virtual é possível implantar uma rede de circulação do poder que questionar o poder totalitário personalizado ele é desmontado como arcaico e disfuncional ao exemplo das fábricas em ruínas. O medo residual do "Big-Brother" ainda é alimentado pelo medo daqueles que não conseguem a acompanhar e interagir com a circulação necessária à informação numérica virtual. Esta circulação constitui um novo modo de "ser entre" que um termo que também foi naturalizado sob a designação de "interesse". A refletir em relação ao "interesse" Hannah Arendt escreveu (1983: 239/40) que:
"a ação e a palavra, dirigidas aos humanos, tem lugar entre humanos, e elas guardam o seu poder de revelação-do-agente mesmo se seu conteúdo é exclusivamente «objetivo» e não diga respeito aos feitos do mundo dos objetos nos quais se movem os homens, que se estende materialmente entre eles o do qual provém seus interesses do-mundo, objetivos, específicos. Esses interesses constituem, no sentido o mais literal da palavra, que inter-est , que está entre as pessoas e por conseguinte pode aproximar e os ligar."
Resguardada esta concepção de "interesse" é impossível retornar para o âmbito, a prática e a mentalidade do poder dos pequenos feudos. O "interesse" hoje é planetário. A política os "interesses" restritos dos coronéis ou das tabas indígenas primitivas não possui nem proporção e nem sentido. A circulação do poder no meio de uma rede de informação numérica digital de natureza planetária é desproporcional e sem sentido presa e fixa aos feudos estáticos. Apenas são máscaras. Estas máscaras, valendo-se deste medo residual da era agrícola, reforçada pelas estratégias da era industrial, podem assustar e servir como estratégias para surpreender tanto o Executivo, o Legislativo e o Judiciário municipal. Mas, no meio de uma rede de informação numérica digital de natureza planetária, será sempre uma farsa do poder.
No contraditório há necessidade de revistar a experiência europeia, com evidência as repúblicas do Renascimento Italiano. Na passagem do mundo feudal para o moderno estas repúblicas teriam o plano do que hoje seria o poder municipal. Porem elas não nasceram no vazio. Os estudantes da universidade de Bolonha (a partir de 1088) formavam pequenas repúblicas. Estes mesmos estudantes, após o seu retorno dos seus estudos e com as suas experiências nas repúblicas estudantis de sua universidade, formaram pequenas repúblicas nas cidades italianas. A arte, a cidadania, formou ali a base da experiência renascentista que produziu grandes personagens cuja memória é universalmente cultivada. Contudo ignora-se a origem e a proporção que lhes foi propiciado pelas experiência republicana e cidadã estas repúblicas de sua origem. Os próprios gênios não entenderam as virtudes destas pequenas repúblicas e suas comunidades de origem. Estes gênios, originários das experiências primitivas das repúblicas italianas, colocaram-se a serviço dos grandes projetos expansionistas europeus. Agiram nos grandes reinos centralizados, onde trocaram a sua liberdade, cidadania e autonomia republicana pelo ouro das Américas. Mergulharam novamente na heteronomia da cultura européia tradicional. Cultura novamente comandada pelo inconsciente coletivo, agora sob o embate maniqueísta entre a Reforma ou Contra-Reforma. A "Propaganda da Fé" e o "Livre Arbítrio" foram os dois polos antagônicos dos motores que movem o capitalismo com reflexos até os dias atuais. Reflexos latentes e profundamente cravados no inconsciente individual e coletivo, e mantidos vivos pelos valores da eternidade e da dúvida universal.
Os Estados Nacionais Soberanos comportariam 3 milhões de habitantes no máximo, sonhados por Augusto Comte, não puderam ser implementados. Estados que dariam conta, de certa forma do conceito de nação que lhe confere Max Weber (in Oliven 1996: 15) ao afirmar que nação é "uma comunidade de sentimentos que normalmente tende a produzir um Estado próprio". Aos produzirem os próprios Estados Nacionais formariam, manteriam e reproduziriam comunidades de sentimentos expressas em unidades políticas soberanas, com territórios nos quais todos os habitantes manteriam estes sentimentos e até poderiam se conhecer potencialmente. Constituiriam um retorno a um local romântico e saudosista da era agrícola. Sonho romântico impossível, pois submergiu na barragem da acumulação de mão de obras, de capitais, de insumos, de equipamentos e nas megalópoles e nas colônias necessárias para o funcionamento da era industrial.
Diante desta monstruosa acumulação, existe a necessidade de perguntar-se:
- O que constitui um grande mal ou um grande bem?
Um dos termos da proporção é "criatura humana como medida de todas as coisas", e que não pode ser ignorado. Este termo humano foi retomado de Protágoras pelo ideal do Renascimento Italiano. No entanto este termo é interno e endógeno, pois é pensado pelo próprio ser humano. A Natureza é um termo externo. A cultura humana é um terceiro termo. Resta o quarto termo, como em qualquer proporção, e que resulta, neste caso, da interação dos três anteriores. As informações disponíveis em relação ao SER humano, a imposição ecológica inadiável e a coerência com uma cultura legada pelo passado, determinam o quarto termo da proporção e por meio do qual é possível realizar novas criações. O grande bem ou grande mal dependem das exigências, competências e os limites justos e proporcionais desta ação. Nenhum destes quatro termos possui sentido isoladamente e pode ser tomado como solução definitiva.
Estes quatro termos agem num homeostase que busca um equilíbrio entre forças contrárias sem que exista um ponto central, fixo, único e definitivo de equilíbrio. Esta homeostase que Aristóteles descreveu (1973: 278 Ética a Nicômaco, livro II, 1108 23-29) "em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de destingir o meio termo e o que é certo" . A atenção na relação às forças que se desenvolvem entre autor e o se leitor são polos opostos nesta homeostase que Compagnon descreveu (1996: 65/9) como:
"instituir um novo modelo de relação entre o sujeito e o objeto, entre o autor e o livro, modelo que, integrando de algum modo as condições de receptibilidade do texto fornecesse por si mesmo o principio de sua regulação, como um homeostato. A escrita só é possível quando um sujeito a sustenta, ela e as suas consequências."
Esta busca homeostática entre criatura humana impulsionada para a cultura após suprir as suas necessidades básicas da Natureza, como o alimento, aa saúde e a habitação conforme as concepções de Abraham Maslow. Esta criatura humana avança célere para a interação dos três anteriores depois de satisfazer as suas necessidades básicas. Hannah Arendt escreveu (1983: 363):
"seja o que for, a experiência fundamental na origem da inversão, da contemplação e da ação, foi exatamente que o homem não pode apaziguar a sua sede de conhecer senão depois de colocar a sua confiança na engenhosidade de suas mãos. Não foi porque a verdade e o conhecimento perdessem a importância, mas foi porque não se podia mais esperar que através da «ação» e não mais pela contemplação".
Porém esta dialética supõe um meio adequado e circunstâncias específicas para a criatura humana fazer surgir, desenvolver e reproduzir este potencial que lhe é imanente. Ela não nasceu preparada somática e psicologicamente para deflagrar, desenvolver e reproduzir este processo por si mesmo. No máximo necessitaria refazer, solitária, o acúmulo de milhões de anos de tentativas e erros da espécie toda. Como "a Vida é breve e a Arte é longa", Aristóteles já distinguia a bios da zoe. Nas palavras de Hannah Arendt (1983: 143) "É esta vida, bios em oposição ao simples zoè, que Aristóteles dizia que ela «era de alguma forma um espécie de praxis»". Nesta práxis despontam, amadurecem e se reproduzem as sementes da cultura humana a serem desenvolvidas ao longo da existência humana. Estas sementes, maduras e férteis, são transportadas para se reproduzirem em espaços novos e por tempo indeterminado. No sentido inverso, uma vez adquirida a cultura, permite lhe usar o potencial para realizar o diálogo diferenciado com a macro Natureza, recomeçando e ampliando o ciclo do crescimento. A criatura humana vale-se da Arte para expressar o estágio deste crescimento. De Masi percebe (1997: 13) a emoção é competente para ativar "a arte permite tanto amar a regra para corrigir a emoção (Braque) como amar a emoção que corrige a regra( Gris)" A Arte é distinta da cultura. Nesta discussão há necessidade de distinguir também os termos regra e paradigma na concepção de Kuhn (1997: 66) ao afirmar que:
"a ciência normal é uma atividade altamente determinada, mas não precisa ser inteiramente determinada por regras. É por isso que, no início deste e ensaio, introduzi a noção de paradigmas compartilhados, ao invés das noções de regras, pressupostos e pontos de vistas compartilhados como sendo a fonte da coerência para as tradições da pesquisa normal. As regras, segundo minha sugestão, derivam de paradigmas, podem dirigir a pesquisa, mesmo na ausência de regras".
Resumindo, a regra deriva dos paradigmas, enquanto estes não precisam ser determinados por regras. Afastando as diferenças superficiais e externas a Arte, a cultura, os paradigmas e as suas regras derivadas fornecem juntas um espaço de base universal para se constituir um índice de avaliação do "que constitui um grande mal ou um grande bem". Lucie Smith afirma (1981, p. 493) que:
"a sociedade nos ensina a interpretar a Arte. Com a arte podemos interpretar e entender a sociedade. O único meio para destruir a arte é destruir a sociedade. É a razão pela qual a vanguarda artística tentou interferir na sociedade existente".
As mais sólidas nacionalidades desmoronam aos nossos olhos na contemporaneidade. No plano individual: "os tabus são feitos para serem violados" na concepção de Didi-Hubermann (1995: 20) Assim cidade materiais ou tabus mentais não escapam da lei da entropia universal como em todos os tempos nos campos das construções mentais ou físicas. Esta não poupa qualquer criação humana, por mais geniais que sejam estas formas materiais ou imateriais. Para prorrogar esta ruína e contornar as forças da entropia universal a racionalidade administrativa humana aponta para dois caminhos opostos, de dialética constante e ativa. Nesta dialética podem contar e agir coerentemente com a Natureza com Ruben Oliven percebeu (1992: 27) esta força na Nação-tradição na qual "uma das razões pela qual a problemática da nação e da tradição permanece sendo extremamente atual, num mundo que tende a se tornar uma «aldeia-global» se deve ao fato de as pessoas continuarem a nascer num determinado país e região". Para agi coerentemente com a Natureza um dos caminhos são os pequenos Estados e com extensão territorial mínima como a Suíça, a Holanda e o Uruguai. No caminho oposto aos Estados minúsculos estão os blocos continentais em permanente estado critico e a beira de fragmentações como aconteceu com a Iugoslávia do pós Segunda Guerra Mundial.
Estados, com territórios minúsculos, como a Holanda, Israel e o Uruguai, produzem e exportam excedentes de alimentação e que concorrem com países de vastidões continentais. Esta produção de alimentos é potencializada pela informática numérica e digital que permitiu o acesso ao código genético, à energia e a difusão desta cultura entre seus cidadãos.
No caminho oposto ocorreu uma nova etapa da unificação da Europa, no início do ano de 1992, enquanto a URSS se fragmentava. O contrassenso é aparente, pois os Estados nacionais eslavos, que eram fortes e unidos pela coerência e pela lógica da era industrial, davam lugar aos Estados ocidentais europeus, já unidos pela lógica de uma cultura sustentada pelos instrumentos da era da informação numérica digital. Nesta era da informação numérica digital a pessoa humana possui uma visão e uma percepção planetária diferentes dos seus antepassados. Neste novo meio numérico digital a concepção de fractal de um todo é mais fácil. Conforme Leygonie escreveu (1994: 142) que a concepção de fractal foi:
"descoberta em 1903 por Von Koch e redescoberta em 1975 por Mendelbrodt. Na topologia, o desenho do litoral (ex: Grécia) e manchas reproduzem e sugerem essas características. Uso o conceito fractal na história no sentido de que não existe uma linearidade possível nos fatos observados e que cada fato institucional repete características do todo".
Esta percepção e aplicação do fractal permite expressar inclusive as lições provenientes do mundo de alguém que se criou e viveu nas cidades italianas do Renascimento. A nova visão decorre da aplicação da era da informação numérica digital e pela inserção da cultura humana nesta nova lógica. Esta inserção permite contraditoriamente contemplar do lado fora a origem da sua célula de origem. A exclamação do astronauta Iuri Gagarin de que "a Terra é azul" é uma das expressões desta contemplação externa. Contudo a cultura renascentista e aquela do astronauta russo, distante entre si de meio milênio, possuem em comum a busca do equacionamento entre o cidadão e o seu Estado nacional.
Em questões que relacionam à liberdade e à cidadania, Immanuel Kant sugere na Crítica da Razão Prática, Livro I, Teorema IV, que:
"a autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres correspondentes às mesmas. Por outro lado, toda a heteronímia do livre arbítrio, não só deixa de fundamentar qualquer obrigação, como resulta contrário ao princípio desse arbitrário e moralidade da vontade".
A responsabilidade do cidadão, a partir destas circunstâncias, é inversamente proporcional o tamanho físico e ideológico do Estado. Em Estados ideologicamente Totalitários é Mínima a autonomia de vontade dos seus cidadãos. Não existe espaço, consequentemente, responsabilidade, mérito ou demérito, do bem ou do mal que o indivíduo possa praticar. Este tipo de Ente estatal reivindica, para si mesmo, todas as responsabilidades nas condutas que impõe de forma tirânica. As anistias pós-golpes mostram que toda a culpa cabe ao estado totalitário. Os torturadores e os torturados desejam esquecer um passado de cumplicidade recíproca e onde ninguém se sente culpado pela sua vida em comum imposta por um feroz estado totalitário central.
O caminho oposto da vida planetária é o retorno às rígidas estruturas de uma sociedade primitiva dos clãs tribais, nos quais todos se conhecem pessoalmente. Nestes clãs tibais reina uma taxinomia das posições culturais dos campos dos valores. Para Pierre Bourdieu esta taxionomia (1987: 109) se traduz "num valor propriamente cultural atribui marcas de distinções reconhecidas pelo campo como culturalmente pertinente e portanto suscetíveis de serem percebidos e reconhecidas enquanto tais". Na sua radicalidade rigidez a política primitiva não conhece proporções elaboradas. Na estética diria-se "feio como santo de caboclo". Os gostos, os tabus destes grupos são eternos, como aqueles da Natureza. Não evoluem para além de um parco repertório do "gostar" ou "não gostar". Assim são condenados a serem comandados por emoções alimentadas pela gerontocracia. Para confirmar isto basta observar os rituais de iniciação que estas sociedades primitivas impõem aos indivíduos que caem sob a sua tutela.
A dialética entre a cultura e a Natureza, produz forças capazes de sustentar a política, na célula municipal, que se equilibram num ponto crítico entre os grandes bens e os grandes males. Esta dialética entre grande bem e grande mal necessita ser resolvido tanto no plano do seu conhecimento como na ação concreta do agir humano. Marc Bloch permanece na dívida se é a inteligência ou se as mãos estão na origem das forças politicas quando afirma (1976) que "o homem coloca em ação a sua sede de busca através do uso das suas mãos. Enquanto o saber procura ficar ao nível da contemplação. Não há evidências se a tecnologia conduz a ciência ou é o contrário" A célula política municipal não escapa à esta dialética entre a contemplação da cultura intelectual ou se ela entrega a energia das forças tecnológicas. Neste jogo homeostático permanente o Poder Originário tenta equilibrar-se entre a cultura e a Natureza. A cultura aciona os seus poderes, criados artificialmente pelos projetos subjetivos que as tornam históricas e conectáveis a projetos similares. O poder da Natureza trabalha com as energias como aquelas do parentesco e da gerontocracia. Como Natureza, separa, discrimina e controla os agentes destas energias com argumentos objetivos e externos. Porém a dialética entre a cultura e a Natureza sempre permite transformar esta contradição em complementaridade. Especialmente se quisermos dar atenção para Hannah Arendt quando ela constata (1983: 397) na condição humana atual "o que conta hoje, não é a imortalidade, é que a vida seja o bem supremo" É de se perguntar: "COMO" e "QUANDO" esta complementaridade irá ocorrer na vida quotidiana do Poder Originário brasileiro. O perigo é embarcar na "nau dos insensatos" do ecletismo. A multiplicidade e a diversidade no Brasil provoca tentação permanente do formalismo eclético que aparentemente soluciona e acaba com o problema. O populismo, o marketing e a propaganda busca esta solução provisória e pontual sem atingirem o âmago, a fonte e a raiz da causa do problema, nesta direção Pernoud advertia (1997: 60) que "diversidade não quer dizer ecletismo". Mário da Andrade era bem mais rigoroso quando, em 1938, na época do Estado Novo fustigava (1955: 13) como "acomodatício e máscara de todas as covardias". De outra parte não é possível uma existência vivida em linha reta e única. A vida de um ser humano atravessa a existência como numa obra de arte e numa metáfora flutuante. Na construção de uma obra de arte Marchan Fiz escreveu (1996: 245) que ela "atravessa sem linearidade fica ao critério do fluxo da libido e do inconsciente"
1.03 - A PROPORÇÃO da REPRESENTAÇÃO do POVO.
Para transformar a ampla diversidade das contradições em complementaridade, propõe-se, aqui, a cultura do Poder Originário. Cultura que para Argan significa (1992: 23) a existência de um projeto que "fundamenta a ideia da ação histórica". No sentido da sua intima interação deste projeto com o Estado Nacional para Marques dos Santos (1997: 132) "compreende, a contrapartida da afirmação política da institucionalização dos Estado autônomo, uma espécie de missão civilizatória". Chaves de Melo distingue (1974: 25) a "cultura de civilização, onde, civilização supõe instituições". Já a Prof.ª Dr.ª. Maria Amélia Bulhões argumenta (1992, p. 58) que "na sociedade brasileira, onde tudo parece estar por ser feito, a recorrência a projetos modernos enunciados como ideais, já é uma tradição. A cada projeto sócio-econômico e político corresponde um projeto estético a ele articulado num processo de mútuo reforço".
Neste amplo e gigantesco espaço nacional este projeto torna-se rarefeito e geral. Este projeto ganho peso e sentido na célula municipal. Além de potencialmente atingir o universal este pequeno espaço regional conforme Gullar (in Mota, 1980: 237) permite "clamar em países subdesenvolvidos, pelo estudo e conhecimento de sua própria realidade não é, como se pretende fazer crer, frequentemente, uma atitude retrógrada ou anti-internacionalista, mas, pelo contrário, a verdadeira atitude internacionalista". Isto pelo fato empírico do espaço regional municipal estar ao alcance empírico e intelectual do cidadão. Nele possui um feedback mais rápido de suas aspirações e necessidades concretas e com menos obstáculos ruídos e rupturas. A cultura do projeto é potencialmente competente para implementar a origem, amadurecer e reproduzir do poder na sua fonte primeira. Ali transformar a ampla diversidade das contradições em complementaridade. O populismo e o ecletismo puramente formais e acomodatícios podem ser transformados imediatamente em complementariedade pelo projeto municipal. Este projeto possui ali mais força e centralidade para ser testado, questionado e reenviado para a sua origem.
Com certeza entra-se no conflito entre memória nacional, já petrificada e a memória que brota viva e plástica. Conflito que Ortiz conceitua (in Oliven, 1992: 20) como "memória coletiva dos grupos populares é particularizada, ao passo que a memória nacional é universal". O próprio Oliven entende (1992: 20) como "a memória nacional refere-se a uma entidade mais ampla e genérica (a nação), aproximando-se mais da ideologia e, por conseguinte, estende-se à sociedade como um todo e definindo-se como universal". O tema foi objeto de considerações de Eric J. Hobsbawnentre as quais (1990:32) se destaca "o que caracterizava o povo-nação, visto de baixo, era precisamente o fato de ele representar o interesse comum contra os interesses particulares e o bem comum contra o privilégio".
Prossegue-se aqui nesta "vista de baixo" de Hobsbawn. Nela destaca-se a existência legal e as competências municipais que decorrem da Constituição Brasileira de 1988. Competências com potencial para implementar, amadurecer e reproduzir o Poder Originário a partir da proximidade das instituições da sociedade civil. A Constituição Brasileira de 1988 reconheceu e legitimou o município como um dos entes da Organização do Estado. No preâmbulo desta Carta Magna constam os "Princípios Fundamentais - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito". O capitulo 1º da ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA, qualifica no "Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". Enfatiza-se o ideal e distingue-se que a República Federativa do Brasil é soberana, enquanto, os Estados regionais, o Distrito Federal e Municípios são autônomos.
Esta Constituição Cidadã sustenta o paradigma contrário a uma monarquia. Uma monarquia, mesmo constitucional, busca argumentos para confundir-se com Natureza de um povo inteiro. Nesta confusão apropria se e proclama-se estável ao longo do maior tempo possível e personalizado numa dimensão uni-familiar hereditária comandada pela Natureza. A Constituição Cidadã trata de um paradigma proveniente da Cultura. Nesta Cultura artificial constrói, faz agir e torna significativas instituições com os seus cargos e as suas funções aptas para celebrar contratos com quem os irá exercer por tempo determinado. Popper caracteriza (1987: 33) as instituições que
"não agem, ao invés, sós os indivíduos agem, dentro ou para, ou através das instituições. A lógica situacional geral destas ações será a teoria das quase-ações das instituições. Poderíamos constituir uma teoria das consequências institucionais, planejas ou não, de ação intencional. Isto também conduziria à teoria da criação e do desenvolvimento das instituições".
As instituições operam na interação por meio dos contratos celebrados na célula política do município como as fontes e as origens mais próxima da cidadania. No âmbito municipal o discurso humano possui mais elementos comuns entre o Poder Originário e as eventuais autoridades para materializar os termos de qualquer contrato. Esta interação necessita buscar a significação que na concepção de Durham (in Oliven, 1992 p. 21) para a sua eficácia:
"é necessário que um discurso ao interpretar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois, para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos aos quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos."
Neste discurso é possível um repertório comum e próximo que favorecem a busca de forças e bases competentes no paradigma - que ora se apresenta - para celebrar contratos postos em exames continuados e em tempo real. De certa forma pode-se falar numa ‘franquia’ no sentido que lhe imprime Hannah Arendt diante da política da Grécia Clássica quando ela escreveu (1983: 291) que "na República, o rei-filósofo, aplica as ideias como o artesão suas regras e medidas; ele «faz» a sua cidade como o escultor sua estátua; e para finalizar, as ideias na obra de Platão, tornam-se leis que apenas é necessário colocar em prática". Certamente é possível valer-se do termo contemporâneo ‘franquia’ e fazer conexões entre os conceitos atuais e as bem mais antigas como da Grécia Clássica e aplicações do que este termo é portador. No entanto não se aceita aqui franquia no sentido que lhe confere uma organização concorrencial. Esta concepção não cabe, segundo Marilene Chaui, pois ela defende (2001: 15-32) a concepção de que uma instituição possui outra teleologia imanente do que uma organização concorrencial comercial do mundo capitalismo adiantado. Desta teleologia imanente não é possível afastar o trabalho da ideologia seja que tendência que for. As suas forças e suas energias foram identificadas e descritas por Oliven quando afirmou (1992: 21) que:
"uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos. Na medida em que uma ideologia se mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutem no imaginário social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar com noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na mente do pesquisador e não na dos agentes sociais. Permite dar a impressão de unidade de interesse de diverso grupos. Mede-se pela sua capacidade de produzir discursos que repercute, no imaginário social. Inclusive permite desqualificar como obsoletos discursos concorrentes."
Esta ideologia necessita dar-se conta que ela pressupõe a prestação de contas e a sua avaliada por uma teoria. Teoria que na concepção de Hannah Arendt (1983: 56 /7) signifique:.
"Theoria ou «contemplação» designa a experiência do eterno, diferente de outras que não podem dizer, em maior ou menor grau, respeito que a imortalidade. O que ajudou, talvez os filósofos a descobrir o eterno, é que eles duvidavam, por justa razão, das possibilidades da imortalidade e mesmo da duração da polis; talvez essa descoberta foi tão espantosa que não lhe restou outra chance do que desprezar como vã e fútil toda a procura de imortalidade, colocando-se assim, de vez, em flagrante oposição com a cidade antiga e com a religião que a inspirava. Contudo quando a preocupação com o eterno triunfou de todas as aspirações em direção da imortalidade, essa não foi o resultado da reflexão filosófica. A queda do Império Romano demonstrou com estrondo que nenhuma obra humana iria escapar à morte; na mesma época o cristianismo pregando a vida eterna tornava-se a única religião do Ocidente. Essa queda e essa pregação tornaram inúteis e fúteis todos os esforços da imortalidade terrestre".
Diante da teoria que orienta a sua ideologia a célula municipal está preparada para apresenta agilidade e viabilidade para examinar o acervo das diversas ideologias concorrentes e ativas no seu âmbito. De posse destas informações consolidadas, permite realizar projetos sob o quais são possíveis contratos com potencias franquias legais institucionalizáveis, implementa, controla o funcionamento e avalia em tempo real. Estes ágeis contratos, sob o olhar e a avaliação continuada de todos na sua execução, são significativos, pois materializam as aspirações da sociedade civil organizada do município. Estes contratos impulsionam e conferem sentido e proeminência para a ação dos partidos políticos. Não há novidade nestes contratos de exames contínuos e de amiudadas prestações de contas. A maioria dos povos civilizados possui a circulação de delegados dos poderes regionais com atenção constante sobre as vontades daqueles que eles representam e aqueles que são legitimados como seus porta-vozes. Os recursos numéricos digitais são instrumentos eficientes e suficientes para tal exercício. Estes recursos são armas na luta permanente humana contra o esquecimento que na concepção de Horkheimer e Adorno (in Marcuse (1981: 79) "toda a reificação é um esquecimento". Este exame permanente dos projetos, dos contratos, do controle e da avaliação em tempo real contraria também o hábito personalista no qual o presidente da República é uma reificação na medida em que esquece o Poder Originário e se julga detentor da única palavra verdadeira e última do Estado.
Nesta compreensão e ultrapassagem do hábito estabilizado do poder há necessidade de ultrapassar perspectiva clássica que coloca o cristal da entre o observador e o objeto de sua atenção. Na teoria e na prática da perspectiva desenvolvidas no Renascimento Italiano quando os matemáticos e artistas visuais desenvolvimento uma ótica precisa, universal e reversível da representação da Natureza. Etimologicamente é o "olhar através". Através de um cristal sobre o qual são calculados como num momento preciso são marcados, ponto a ponto, as intersecções das linhas retas entre o observador e o objeto colocado além deste vidro. A separação realizada, por este vidro [cristal, lente ou anteparo de projeção], colocado entre o sujeito e o objeto, distancia e neutraliza as interações entre observador e seu objeto de observação. Portanto o objeto não se mistura com o sujeito, o que constitui uma metáfora das ciências ditas objetivas. A teoria e práticas, deste distanciamento, foram quebradas na Arte pelo Cubismo, que reintroduziu o Tempo e pela Relatividade e demais Ciências que possuem por objeto a Natureza. Este novo paradigma das Ciências, incluindo a Matemática dos Cálculos Quânticos, influiu também nas pesquisas interativas das Ciências Sociais, incluindo as Ciências Politicas. Nestas últimas, o observador pode pertencer também ao conjunto, como do Poder Originário, por exemplo, sem ter, ou necessitar e ou reivindicar um lugar externo do seu objeto de observação e separado dele pelo frio cristal da perspectiva ótica linear e pontual.
Porém enquanto persistir o hábito da perspectiva clássica a única e última palavra presidencial interpreta a realidade nacional de forma pessoal e última. Esta interpretação penetra no espaço no qual Bourdieu coloca (1987: 126) a "relação ambivalente dos produtores com a autoridade escolar. Denúncia da rotina professoral contra a ambição profética até constituir o atestado de qualificação profética". Este paradigma pessoal da ‘relação ambivalente’ é construído e oferecido, ao primeiro mandatário da nação, pela sua corte de ‘apoiadores’. Como áulicos de um presidente detentor estável da única palavra verdadeira e última do Estado totalitário, estes "apoiadores" possuem evidentes interesses pessoais. Não só o governo é estável por quatro anos numa micro monarquia temporária e faz tudo para ser reeleito, arrastando consigo toda a sua corte de "apoiadores" por igual período. Neste período fechado a corrupção goza dos mesmos quatro anos para planejar e executar as suas ações veladas e fora do olhar do público. Por meio do poder originário do município enfraquece-se e se desestabiliza a corrupção endêmica e crônica dos assaltantes do poder de um presidente detentor estável da única palavra verdadeira e última do Estado totalitário.
Muitas nações indicaram e mantém uma família imperial como um represente vitalício. Esta família é proveniente da Natureza étnica do seu povo, cujo papel típico é o exercer o poder moderador e se quer como legitima represente deste povo. No caso do Brasil, esta solução, seria o retorno ao súdito imperial. De outra parte o meio social, sem pacto e contrato social, com larga e universal do presidencialismo, impede o caminho para o parlamentarismo. Sem este pacto nacional e sem uma tradição de um primeiro ministro, a fonte e a origem do poder seriam contornados. A corrupção da informação numérica digital poderia tornar-se um instrumento, um abismo e uma constante armadilha para desestabilizar o poder de um primeiro ministro sem vínculo com o poder originário.
Uma saudável e legítima célula municipal constitui um sólido contraponto de resistência e sobrevida para qualquer potencial desestabilização política de uma nação, como o Brasil, num eventual tsunami social continental. Neste contraponto os exames continuados dos projetos trazem atualizações consequentes dos contratos e dos pactos encontram agilidade e viabilidade para a célula macro nacional.
Neste ponto é impossível contornar a figura do projeto civilizatório compensador da célula macro nacional. O estudioso Marques dos Santos apontou um entre muitos na origem do Estado Soberano Brasileiro que ele descreveu (1997: 132) como:
"o partido estético adotado pela Academia (Imperial de Belas Artes), os vínculos com o classicismo e a experiência artística e cultural de seus integrantes estarão diretamente imbricados com o problema da construção da civilização no Brasil da primeira metade do século XIX, onde a institucionalização do Estado autônomo compreendia, na contrapartida da afirmação política, uma espécie de missão civilizatória.
Este projeto civilizatório compensador seguiu o caminho até a sua base no Poder Originário. A resposta desta base foi lenta, porém segura e continuada ao longo de todo o Regime Imperial. No âmbito governamental significou a passagem do emocional Barroco para o racional Neoclássico. A corte foi comandada por um imperador e não um rei que permitiu o amadurecimento de um Estado nacional único apesar das duras provas em contrário. Contudo neste centro de poder coercitivo e aversivo para o Poder Originário foram apontados caminhos tão, ou mais, importantes do que simples exercício da potencia imperial.
Nesta dialética entre o núcleo duro do poder do Estado Nacional unificado e o Poder Originário disperso as múltiplas parcelas refletem-se como num holograma ou fractal a macro célula nacional ordenada e completa. Neste holograma, ou fractal, circula o mesmo poder da célula macro nacional. Esta circulação contínua, em tempo real e sincronizado é potencialmente possível por meio das ferramentas da informatização digital numérica. Apesar de a célula municipal ser constituída por múltiplas partes, ela é coerente como um fractal e conecta-se perfeitamente com as mesmas divisões do poder da célula macro nacional. Os contratos, da vontade coletiva nacional e municipal, estão sujeitos à mesma estrutura administrativa tripla e pelos quais flui o poder a partir de sua fonte ou origem. Este fluxo pode estar em constante exame, expressar-se em linha, conhecida pelos meios e por meio de ferramentas numéricas digitais, acordadas por todos e cada um em particular. No entanto este fluxo é descontínuo, apesar de aparentar no mundo da linguagem, ser continuado e uniforme e correr pelos mesmos canais. Ele está sujeito aos seus ciclos, interrupções e descontinuidades, no mundo empírico. Esta descontinuidade impõe a manutenção de um permanente estado de vigilância para medidas preventivas em relação ao que a linguagem esconde. Sobre este fenômeno o intelectual Chartier avisa (1998: 61) que:
"a história intelectual não deve deixar-se prender no laço das palavras que podem dar a ilusão que os diversos campos dos discursos nos quais as práticas são constituídas de uma vez por todas, recortando os objetos dos contornos, como também dos conteúdos, são invariáveis: bem ao contrário ele deve colocar como centrais as descontinuidades que fazem com que se designem, arruínem e se dispersem, de maneiras diferentes ou contraditórios, segundo as épocas, saberes e atos.
O Poder Originário nunca dispôs, como na atualidade, de tão numerosas formas culturais e técnicas para estudar as causas destas crises e interrupções, para tomar, a seguir, os meios para fazê-lo circular sem solução de continuidade. Evidente que há necessidade de atenção e meios para ultrapassar os abismos e os desvios implícitos nesta potencial circulação pretendida. Abismos que se abrem na representação recíproca entre o campo de produção erudita frente ao campo das instâncias de conservação e consagração. Os contratos não necessitam confundir o Poder Originário e encobrir as instâncias de conservação e consagração e misturar o assaltante com o cargo e buscar perpetuar-se no poder. A autoridade consagrada e ungida com poder concedido a alguém ao longo de quatro anos, constituem uma eternidade sem um exame continuado. Não há razão para cultivar, ao longo de quatro anos continuados, o hábito personalista pelo qual o presidente da República é detentor da única palavra verdadeira e última do Estado. Os atenienses concediam um ano para o exercício do poder. Eles acreditavam que qualquer um dos seus cidadãos, educados nas suas leis e seguindo as práticas diárias da cidade, poderia ser guindado para qualquer um dos cargos criados por eles e, o escolhido, saberia e cumpriria as funções destes cargos. Os seus teóricos tinha esta convicção a partir da íntima conexão entre "empeiria" e "techné" que o filósofo e educar Aristóteles remetia (1972, p. 212 Metafísica - I cap. I (7) )..para a consideração dos seus leitores, pois:
"nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e outros não. Com efeito os empíricos sabem o ‘que’, mas não ‘porque’: a passo que os outros sabem o ‘porquê’ e as causas que os artistas conhecem. Por isso há mais saber na arte (techné) do que na experiência (empeiria). "
Nas suas atuais concepções, como aquelas que Leonardo da Vinci afirmou que "tudo o que é contínuo pode ser dividido em infinitas partes", os meios e ferramentas numéricas digitais vieram em boa hora. Vieram inclusive para reconectar a obra física de empirismo com o mundo mental.
A palavra do Estado Nacional, única, verdadeira e última poderia ser neutralizada por diversas estratégias. Numa delas o cargo e a função poderia ser cogitado, ao modelo de um PODER MODERADOR rotativo, e proposto em curtos períodos. Uma pessoa investida desta neutralidade ocuparia em cada município ao longo deste curto período. Esta pessoa, além de proceder diretamente de alguma instituição política na base do poder originário externa ao Estado, teria a função de compensar o peso e a rigidez dos quatro anos consecutivos e monolíticos do chefe do executivo nacional, estadual e municipal. O cargo desta pessoa teria a função de exercer a sua neutralidade ao perpassar ao longo do período de seu curto mandato toda a escala administrativa de um Estado a partir da célula municipal. Tal cargo e função seriam desprendidos de qualquer cargo público, tanto ao legislativo, do executivo e do judiciário. A função de tal cargo seria de interpretar e conectar a administração do poder municipal com aquilo proveniente diretamente do repertório e das necessidades da célula municipal. Esta pessoa exerceria o poder moderador como legitima represente desta célula municipal ao longo deste mês. Esta pessoa, testada entre os concorrentes originários das demais representações municipais, agiria para combater qualquer tendência a personificação dos cargos federais, estaduais e municipais eleitos para o período de quatro anos. Assim a maior novidade consistiria em que pessoa significativa seria legitimada a percorrer "toda" a escala da hierarquia nacional, ao longo de um único mês. A célula municipal escolheria, na primeira semana cheia do mês, uma pessoa significativa que provenha desta comunidade para ser legitimada a ocupar este cargo até o próximo mês. Na segunda semana esta mesma pessoa - representativa e moderadora - viveria e interagiria com o estado regional onde se encontra o seu município. Neste encontro estadual alguém receberia a função de interagir nacionalmente no âmbito dos demais estados federados. Este função estadual chegaria ao espaço federal na terceira semana quando interagiria com os representantes políticos dos demais estados federados. Estes representantes políticos dos estados federados destacam um entre eles que fará o discurso da nação. Na quarta semana do mês ela retornará para sua base estadual onde realizará o seu relatório que será remetido aos demais municípios. Novamente na sua comunidade de origem, ele prepara para recomeçar o ciclo mensal que escolhe e legitima a um outro representante do poder originário no município. Esta escolha e legitimação não são personagens cujas biografias editadas, manipuladas pelo marketing e propaganda. Trata-se de motivar para esta escolha os agentes e líderes de instituições ativas e bases de qualquer civilização. Evidente que estas instituições existem porem deprimidas, sem visibilidade, sem voz e vez. O estudioso Mota percebeu e registrou (1980: 179) em relação a "Faoro procura indicar que a principal consequência cultural do prolongado domínio do patronato do estamento burocrático é a frustração do aparecimento da genuína cultura brasileira". Na sua analise desta obra Chaves Melo, encontra (1974, p. 25) razões para que Raimundo Faoro não entre na discussão entre cultura e civilização. "Um dos méritos do estudo (de reside no fato de que, não entrando nos velhos debates sobre distinções entre ‘cultura’ e ‘civilização’ "
No caso das deprimidas instituições das células municipais ganhariam visibilidade, voz e vez nas suas figuras proeminentes, seus líderes e agentes. As células municipais lucrariam com folego autêntico e energias provenientes do seu Poder Originário e o colocariam no lugar de liderança e de prestigio proveniente destas energias.
1.04 - O SER HUMANO NÃO NASCE SOCIAL.
Antes de qualquer naturalização ou mitificação do termo ‘social’ é necessário escutar Torres Nafarrate apropriada pelo biólogo Maturana (1996: XXIII) quando distinguem o social do humano:
"o social nunca foi (e talvez nunca será) o espaço da realização absoluta das possibilidades mais humanas do homem. A sociedade manifesta consistência própria (ainda que dinâmica e evolutiva), uma regulação auto-referente que dá pé a que cada indivíduo a experimente em graus de profundidade (ou de decepção) e em direções diferentes. Contudo esses graus de vivência subjetiva não pertencem propriamente o âmbito do social: estão colocados no outro lado da forma do social, no entorno. A descoberta moderna da incomensurabilidade da interioridade humana, a partir de Freud, avisa que não é possível construir uma sociedade que possa corresponder a tais possibilidades de variação"
O conhecimento deste limite constitui um desafio permanente a quem quiser pensar, agir e fazer mudanças consistentes neste meio e potencia humana. Sigmund Freud, apontado acima, advertiu no seu "mal estar das civilizações" dos seus múltiplos aspectos e manifestações que distinguem o humano e o social. Já o filosofo francês Jean Jaques Rousseau passou por cima desta distinção e defendeu o contrário nas suas obras e que a criatura possui uma tendência e sentimento natural de altruísmo nas civilizações. O chileno Maturana também percebe muitos pontos de altruísmo entre as espécies vivas reforçando o filósofo francês com o seu bom selvagem. O ENTE humano necessita construir um SER social a partir deste potencial fundo natural e da sua própria ação.
Pelo seu lado natural o ser humano não nasce social. Esta construção encontra lugar especial na memória humana coletiva e na sua capacidade de refletir "sobre ela". Esta capacidade de refletir sobre sí mesmo é para o filósofo Aristóteles crucial (1973: 211.Metafísica. L.I cap.I) pois:
"é da memória que deriva aos homens a experiência: pois as recordações repetidas da mesma coisa produzem o efeito de uma experiência e a experiência quase se parece com a ciência e a arte. Na realidade, porém, a ciência e a arte vêm aos homens por intermédio da experiência".
O pesquisador e pedagogo Jean Piaget percebe (1983: 231) esta reflexão como algo circulara e potencializador a partir de:
"Erikson sustentou.. uma tese muito interessante: o presente afetivo é bem determinado, como demonstrou Freud, pelo passado do indivíduo, mas o passado é ele mesmo incessantemente reestruturado pelo presente"
No mundo da cultura humana Marcuse resumiu (1981: 79) "a autêntica utopia baseia-se na memória". Contudo esta mesma memória humana corre o perigo de ser petrificado pela palavra e pelos signos falsos, o que constitui a sua morte certa. O que a salva é a sua ação e sua renovação continuada. É o que Arendt escreveu (1983, p.313) ao afirmar que:
"a vida humana precipitando-se em direção à morte levaria inevitavelmente para a ruína, para a destruição, tudo o que é humano, se não fosse permitido interromper essa corrida e de começar tudo de novo, permissão que é inerente à ação, como para lembrar constantemente que os homens, ainda que devam morrer, não nasceram para morrer, mas para a renovação".
O longo e o enorme e continuado esforço da ação humana na busca da sua adequação à sociedade, a sua e a potencialização intencional e as necessárias e constantes renovações foram comprovadas cientificamente por Jean Piaget. Este ENTE humano realiza esta socialização visível na escola formal na continuação da daquilo que está difuso no meio social. O ENTE humano evolui - neste meio social e na instituição escolar - em direção à sua maturação do SER social, intelectual e cultural. Rubens Alves propõe (1984: 14) que o seu agente e o seu docente seja um educador em quem "habita em que a interioridade, visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos fazem a diferença. Muitas vezes o educador é um mau funcionário". Esta tensão passa entre o professor funcionário e o educador como pessoa. A instituição escolar foi projetada, moldada e funciona na cultura da era industrial para a lógica unívoca da linha de montagem típica. Em instituição escolar com esta característica, o professor é funcionário e muito distante e em conflito com o educador como pessoa. Na cultura ao modelo da linha de montagem - com prévio planejamento e gerido em sucessivas e rigorosas séries cumulativas - o ENTE humano evolui nesta mesma direção. O mesmo Rubem Alves é mais explicito (1984: 14-15) quando amplia o seu pensamento:
"O educador, pelo menos o ideal que minha imaginação constrói, habita em um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos. O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir de interesses do sistema. Frequentemente o educador é mau funcionário, porque o ritmo do mundo do educador não segue o ritmo do mundo da instituição".
Este mundo da instituição responde normalmente pela palavra escola. Aristóteles a percebe (1973: 212) como o "lugar e forma institucionalizado do lazer estudioso". : lugar do ócio) é o lugar ideal para a prática da suspensão dos juízos (epokhé). O francês Pierre Bourdieu livra a escola de uma série de parasitas e de sedimentos culturais que se acumularam em cima dela quando a livrou (1996b: 206) do fato de "não visar nem ao prazer nem a necessidade". Já Hannah Arendt afirma (1983: 182) que "a escola não é um lugar de consumação, mas de abstenção da atividade do trabalho e consumo. A frugalidade é sua característica". O mundo do educador no conjunto dos agentes da instituição escolar buscam neste mundo da instituição superar as suas contradições e transforma-las em complementariedades. O julgamento e a fortuna dos seus contratos afeta diretamente a cultura difusa do meio social do poder originário da nação. No entanto esta balança dos julgamentos ainda possui por fiel a linha de montagem, todos os esforços que visam construir um SER social numa arquitetura intencional que tende ao erro zero. Esta modalidade de socialização do ENTE humano busca lograr a eficácia controlável e reversível à sociedade de sua origem unívoca da linha de montagem. Assim a instituição escolar e a cultura difusa caem num processo de endogenia da era industrial.
Esta endogenia era perceptível na Universidade de São Paulo duas décadas após a sua fundação quando Souza Campos registrou, em 1954, que:
"a Universidade cresceu, a partir de década de 50, em um sentido que acabou sendo paralelo ao crescimento das grandes instituições empresariais e burocráticas. A divisão de trabalho, a competição em todas as juntas da hierarquia, e um difuso racionalismo técnico, que é a boa consciência do profissional, a afastou, em geral, de uma empatia mais profunda com a condição oprimida"
Processo cercado de imensas e insuspeitas dificuldades para romper com lógica da linha de montagem da cultura que lhe é imanente e difusa no meio social. Processo industrial da linha de montagem unívoca, em ciclos implacáveis e que arrastam a sociedade e a fecha na cultura da sua própria lógica. Visto pelo lado do estruturalismo o contínuo de um processo indústria é distinto das suas partes. Durkheim afirma (1983: 129) que "um todo não é idêntico à soma das partes que o constituem. É algo diferente cujas propriedades diferem do que revelam as partes de que é composto." Nisto Piaget acompanha (1983: 38) permitindo preciosas distinções no processo evolutivo humano bem distinto das etapas escolares formais e decorrentes do processo industrial da linha de montagem unívoca. Há necessidade de entender que esta busca é um objeto da Ciência. Para Bruyne (1977: 51) " o objeto de ciência é um sistema de relações construídas expressa e explicitamente, ele se opõe ao objeto pré-construído pela percepção, com o qual lhe é necessário romper continuadamente". Este formalismo torna presente numa alodoxia reforçada por um "fake-lore" e se materializa numa pseudo liberdade sob o comando da onipresente e subliminar indústria cultural. Os teóricos da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer escreveram (in Musse, 1997. Cad.5 p.6) que
"a liberdade de escolha da ideologia que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. A entonação no telefone e nas mais familiar situação, a escolha das palavras na conversas e até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural"
Desta lógica da indústria cultural não escapam as instituições de ensino superior, que no Brasil se autonomearam de universidades. Estes cursos superiores que se autodenomina de universidade, aproveitaram o vácuo da recriação, em 1816, da antiga Sorbonne rediviva na França sob os ventos da indústria cultural pós Revolução e Napoleão. As competências e os limites da autonomia destas universidades provisórias estão presos às rodas administrativas da indústria cultural e de ideológicas que denunciam e criticam este formalismo legalista industrial. O Estado contemporâneo permanece como observador desta estranha autonomia universitária onde ele entra apenas para pagar a conta. A alodoxia e o "fake-lore" universitários sob o comando subliminar da indústria cultura nas sucessivas administrações e de regimes, estão identificadas em Fávero (1980: 270) que escreveu:
"a Universidade é uma instituição que se apresenta, em geral, como um instrumento do sistema global, podendo em alguns momentos, viver em estado de tensão entre a necessidade de autonomia e o controle do Estado. A autonomia universitária, evidentemente, varia em função do regime político e do estágio de desenvolvimento da sociedade na qual a universidade está inserida"
Paira uma dúvida permanente sobre até que ponto um determinado governo brasileiro inclui nos seus quadros administrativos as suas próprias Universidades Federias ou Estaduais. Esta tensão de pertencimento oscila, de fato, entre alguns momentos de inscrição plena para outros de completo alijamento do corpo administrado do Estado. Esta dúvida ganha relevância e urgência na medida em que ocorre a mais alta velocidade de mudanças radicais quando este governo necessita fazer a passagem da mentalidade e dos comportamentos da era linha de montagem para era pós-industrial. Nesta velocidade e urgência de toda ordem, não é possível esquecer a síntese de Max WEBER em relação à Universidade ao afirmar (1989: 70) que
"o único elemento, entre todos os "autênticos" pontos de vista essenciais que elas (as universidades) podem, legitimamente, oferecer aos seus estudantes, para ajudá-los em seu caminho pela vida afora, é o hábito de assumir o dever da integridade intelectual; isso acarreta necessariamente uma inexorável lucidez a respeito de si mesma".
Nesta inexorável lucidez a respeito de si mesma a instituição escolar necessita reconhecer que o governo é um dos maiores e mais privilegiados destinos da produção proveniente da especialmente destina à sua sustentação burocrática governamental nos momentos de crises e de mudanças. Relações que inculcam o campo de produção erudita ao sistema das instituições que possuem a atribuição governamental específica de cumprir uma função de consagração. Esta mudança e diferença são particularmente visíveis na instituição escolar que ainda se move na mentalidade agrícola comparada com a industrial e pós industrial. A escola como instituição contemporânea visível, fez a sua estreia na passagem da era agrícola para a industrial. Durand escreveu (1989: 59) que a escola, na linha industrial, foi:
"a nova solução encontrada depois da destruição do artesanato e aprendizagem em guildas e atelieres na prática dos ofícios . Antoine Prost observa que a organização de escolas para a formação de artesãos e operários correspondeu a uma fase em que, com a destruição do artesanato pela indústria capitalista, e com a correlata desorganização das categorias de artesãos através da aprendizagem nos ateliers dos mestres credenciados, abriu-se a necessidade de nova solução institucional":
Porém o mais grave foi que "o vínculo entre Indústria e Escola não aparecia aos olhos ingênuos do liberalismo como aquilo que é: uma forma de reprodução planejada do sistema social" na observação reveladora de Bosi ( in Mota, 1980 : III Durand, 1989: 59 nota 9)
Os agentes tornam-se históricos apenas na busca de um equilíbrio na medida em que conseguem propor um projeto para romper com esta ingenuidade e a endogenia subliminar e que arrasta, por tempo indeterminado, estes projetos de bases mecanicistas e behavioristas. Projeto que rompa e se contraponha frontalmente a estes condicionamento mecanicista e behaviorista e que propicie ocasião para a observação de Maturana e Varela (1996 p.209):
"dar-se conta que o amor, ou se não queremos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a si na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social: sem amor, sem aceitação do outro junto a si, não há socialização, e sem socialização não há humanidade"
Necessita-se de um projeto que tenha a virtude da busca do êxito em fazer funcionar uma arquitetura na qual este ENTE humano materializa o processo da socialização intencional do seu SER ao longo de tempo. No entanto esta arquitetura social não possui o menor êxito no sentido de o SER revelar o seu ENTE. Esta revelação não ocorrerá ao olhar de todos, mesmo que ele seja exposto no espaço publico com os seus atributos e como herói ou imortal Isto Hannah Arendt registrou (1983: 244) como:
"quem é, ou quem foi alguém, não o sabemos a não ser conhecendo a história da qual ele é o herói- dito de outra forma - a sua biografia; todo o resto do que sabemos dele, incluindo aí a sua obra que deixou, nos diz somente o que ele é ou o que ele era".
Este processo crítico encontra-se em cheque continuado quando o ENTE humano coloca e instala o seu projeto de SER estudante. Diante da gravidade desta escolha este modo de SER estudante impõe-se como centro e culminância do processo educativo e a razão de existência da instituição escolar. Parte-se do pressuposto de que esta instituição, possua, honra e aplique o seu projeto pedagógico. Especialmente no ponto do seu projeto no qual se ela aspira a alguma coerência um elemento fundamental do Poder Originário. É o que afirmava Olinto de Oliveira o primeiro médico pediatra com tese defendida. Ele escreveu (1912: 40) o "aproveitamento dos alunos em uma escola de belas artes, mais do que nas de outros ramos, depende do talento e da aptidão de cada um". Souza Campos registrou (1940 pp.287/8 e 1954, p. 85) a frase pronunciada pelo Dr. Olinto em 1928 "o estudante está acima de todas as organizações escolares".
As causas presentes no processo desencadeado no sistema de ensino constituem elementos fundamentais para o Poder Originário atingir esta socialização e qualificação do seu estudante. Aceita-se Bourdieu (1987: 117) que o sistema de ensino "é uma instância qualificada para assegurar a reprodução do sistema de esquemas de ação, de expressão, de concepção, de imaginação, de percepção e de apreciação objetivamente disponíveis em uma determinada formação social". A criação humana da escola formal constitui um suporte para a eficácia deste sistema. Ela atingirá esta eficácia esperada, não só pelo controle, como pela liberdade, autonomia e dignidade que ela exigir do seu estudante. Implicam num esforço continuado de reflexão sobre si mesmo e as suas circunstâncias do aqui e agora. Bruyne é incisivo (1977: 77) "a reflexão fenomenológica exige um esforço constante para uma ‘compreensão’ cada vez mais elaborada do real, compreensão sempre um vir-a-ser". Enquanto isto Gleizal afirma (1994: 47) "a arte torna-se um processo sobre o qual é necessário refletir. Ela aparece indissociável de uma epistemologia da criação". Estes estudantes, agentes e comunidade escolar entregues a esta reflexão criativa são objetos reais que na concepção de Bruyne (1977: 51) constitui "causa presumida dos nossos sentidos. Os objetos percebidos são os efeitos supostos dos objetos reais latentes.". A concepção da liberdade possui um estágio intermediário que passa pela reflexão que desemboca na compreensão do que o mesmo Bruyne denomina (1977: 51) de:
"objeto percebido é aquele que se dá aos sentidos, sob a forma de imagens. Piaget denunciou o mito da origem sensorial de nossos conhecimentos, mito que postula que o sujeito cognescente é de algum modo um receptor passivo de informações vindas de fora; portanto, o próprio objeto percebido numa certa medida, construído por esquemas assimiladores e acomodares do espírito."
No caso da escola formal a compreensão pelo senso comum não ultrapassa os limites de um objeto percebido. Objeto percebido na sua disciplina, currículo e rituais coletivos. Porém, entre os objetos percebidos imediatamente, não se encontra a dignidade, a autonomia e nem a liberdade. Como também a sua negação e contrário não são objetos percebidos imediatos A liberdade se revelará gradativamente na sua relação ao Poder Originário. No presente texto o termo ‘liberdade’ que constitui um ente primitivo e não um objeto percebido imediato. Na mediação explicita-se o termo ‘liberdade’ em direção a sua etimologia latina, na qual a palavra deriva de ‘liber’ e que designava ‘o indivíduo apto para se reproduzir’ (Ferrater-Mora verbete liberdade 1994) etimologicamente liber é cidadão romano apto para se reproduzir. Para Espinosa "é a força da alma e virtude dos particulares". (1983: 55). Para Lauro de Oliveira Lima (S/d.: 164) "O que caracteriza a liberdade não é o constrangimento, mas deliberação". Para Hannah Arendt (1983: 170) "O homem não pode ser livre se não sabe que está sujeito à necessidade" . Porém o discurso mais apaixonado é do autor da "Ode à Paz" da 9ª Sinfonia de Beethoven. Schiller escreveu (1963: 35, 91 e 96) que:
"a Arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela carência da matéria [...] A liberdade, em que muitos colocam a essência da beleza não é ausência de leis, mas sua harmonia, não é arbítrio, mas máxima necessidade interior [...] O impulso sensível desperta pela experiência da vida (pelo começar do indivíduo) e o racional pela experiência da lei (pelo começar da personalidade), e somente agora, após terem se tornado existentes os dois, estará erigida a sua humanidade. Até que isto viesse a ser realidade tudo nele se fez segundo a lei da necessidade; agora abandonado pela mão da natureza, e passa a ser empresa sua afirmar a humanidade que ela estrutura e revela nele. Pois tão logo os dois impulsos fundamentais e opostos ajam nele, perdem ambos sua coação e contraposição de duas necessidades origina a liberdade "
O controle entre causa e o efeito não pode abdicar da liberdade na criatividade. A competência humana da criatividade é colocada aqui na concepção que Hannah Arendt lhe confere (1983: 188) ao afirmar que
"é somente porque nós fabricamos a objetividade, o nosso mundo, com aquilo que a natureza oferece porque nós construímos, inserindo-o no espaço da natureza e assim nos sentirmos protegidos, que podemos olhar a natureza como alguma coisa objetiva".
Esta concepção ganha os seus limites com os biólogos Maturana e Varela que lhe atribuíram (1996: 173) na forma na qual "o organismo restringe a criatividade das unidades porque elas existem para ele. No sistema social humano amplia a criatividade humana, pois esse existe para estes". Esta construção criativa e única supõe, também no campo político, a informação fidedigna, um projeto coerente com estas informações e o exame permanente dos seus fundamentos e com novos desdobramentos. Este exame espelha-se permanentemente na origem de seu projeto e retorna para as razões e as etapas da sua construção. Nesta construção os biólogos Maturana e Varela distinguem (1996: 60/1) o ESPAÇO PSÍQUICO é diferente O ESPAÇO RELACIONAL que não é suficiente para explicar o psíquico, pois:
"todo o ser vivo existe num espaço psíquico. Essa é uma afirmação ousada- Por que não dizer simplesmente: cada ser vivo existe num espaço relacional? Utilizo a expressão espaço psíquico porque quero sublinhar três coisas, a saber: as dimensões invisíveis do espaço relacional e também a extensão em todos os aspectos da maneira de viver do organismo; que os seres humanos diferem de outros seres vivos só nas muitas dimensões de seu espaço relacional o qual está completamente centrado em conversações; e que nada daquilo que chamamos psique humana esta de fato fora do ordinário. Se eu fosse fazer a afirmação contrária, dizendo que cada ser vivo existe em um espaço relacional, sem dúvida me perguntariam sobre o caráter evasivo da psique humana como se esta pertencesse a um domínio formal diferente, e para responder a essa pergunta iria referir-me ao que eu disse anteriormente"
O problema da diferença entre o ESPAÇO PSÍQUICO é o ESPAÇO RELACIONAL é perceptível na incoerência do projeto enunciado pela mentalidade e a competência da autoridade no espaço administrativo. É espantoso o abismo entre aquilo que autoridade sonha, enuncia e faz que ela diz acreditar no ESPAÇO PSÍQUICO no contraste com aquilo que ela pratica no ESPAÇO RELACIONAL. Este abismo é perceptível no seu fazer e a forma do seu fazer. Forma que se resume em marcar o seu espaço. Incoerência flagrante entre o cargo que ocupa e as funções que efetivamente exerce. Uma utopia competente e um sonho que uma autoridade pode acalentar possui uma sólida base na memória relacional. A característica desta memória relacional é descrita por Marcuse ao afirmar (1981: 79) que:
"a utopia na grande arte nunca é a simples negação do princípio de realidade, mas a sua preservação transcendente (Aufhebung) em que o passado e o presente projetam a sua sombra na realização. A autêntica utopia baseia-se na memória".
Esta memória se encarrega das conexões entre o ESPAÇO PSÍQUICO o ESPAÇO RELACIONAL e gera atos coerentes entre o projeto enunciado pela mentalidade e a competência da autoridade no espaço administrativo relacional. De outra parte uma utopia se sustenta no presente na medida em que tiver um pé solidamente apoiado no passado e com outro pé buscando autentica solidez no futuro.
1.05 - COMPETÊNCIAS da AUTORIDADE no BRASIL
"O culpado é o governo"
Dito popular.
No Brasil o problema inicia na incoerência do projeto enunciado e a competência da autoridade. A competência da autoridade, enunciada é algo absolutamente diferente daquilo que se pratica. Diferença tão flagrante como aquelas renovação radical determinada pelas revoluções da axiomática intelectual onde impera a lei ideal despojada do mundo empírico. Mundo empírico que difere completamente daquilo que se julga e do foi apresentado como ideal ao final do texto anterior em relação a instituição escolar e a cultura difusa. Este desvio deriva daquilo que é percebido no interior da cultura difusa cuja matriz ainda recende do colonialismo lusitano. Este desvio afeta a prática da autoridade e a representação do seu ideal. Prática dominada pela realidade do primitivismo vigente e determinante da heteronímia da vontade individual e coletiva. Este primitivismo afeta quem enuncia, mantém e renova a autoridade apenas pela tradição naturalizada na época do Brasil Colônia, sem que perceba esta origem e sem questionar a sua coerência com a atualidade e muito menos a sua legitimidade. Aquele que pratica a relação com a autoridade adota como expediente um primitivismo naturalizado sem que ele esteja esclarecido sobre o seu projeto, a natureza e os limites do contrato com o poder estatal. Para quem percebe esta representação forma- uma imagem reducionista. Representação fixa e única tanto no projeto como na prática da autoridade. Esta percepção reducionista é enunciada em relações imaginadas entre agentes do poder e a sua circulação. A prática desta autoridade depende de esferas imponderáveis e de intervenções não previstas no projeto enunciado. Neste caso o enunciado não é coerente com prática do poder. Incoerência entre projeto e prática abre rombos nos quais se instalam corruptores e corruptos. Estes distorcem ainda mais o enunciado e a prática da autoridade, se não conseguem falsificar definitivamente esta relação. Esta falsificação - do que é enunciado e do que é implementado - salta aos olhos devido aos obstáculos ou impossibilidade de uma avaliação correta das relações entre o projeto e a sua prática. Os corruptores e os corruptos pescam nessas águas turvas. Os corruptores, os corruptos jogam, assim, os agentes do poder no mais absoluto descrédito. Enunciam como inepta ou maldosa a autoridade imaginada e enunciada, por eles, nos seus próprios termos. Os corruptores e os corruptos se limitam a esperar que as suas meias verdades provoquem reações para lançar novos enunciados eivados de distorções ainda mais numerosas e maiores. De posse destes as distorcem e para nutrir com a passividade daqueles que são as vítimas do engodo. Reata-se o ciclo infernal de descrédito de toda a política pública e a autoridade brasileira continua mergulhada no caldo residual da cultura colonialista lusitana.
Este ciclo infernal - de descrédito da verdade e da autoridade - arrasta para a destruição qualquer possibilidade de uma vida pública. Destruição que atinge, em cheio, a vida de qualquer instituição fornecedora de suporte para a vida de uma civilização humana.
No contraponto desta potencial neutralização e destruição autoridade os seus agentes podem praticar o último aforismo do Tratado Filosófico de Wittgenstein de que "o que não pode ser dito deve ser calado". Este aforismo é reforçado pelo mestre de Alexandre Magno ao descrever esta cilada e aconselhava: "não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar". (Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo aforismo]). Aristóteles fez esta observação após apresentar todo o seu arsenal lógico e capaz de sustentar uma argumentação no interior de uma Retórica civilizada. Não se trata de julgar, discriminar ou desqualificar o "homem de rua". Trata-se de perceber que ele facilmente pode ser vitima da sua própria disposição ávida e ansiosa em relação à cultura. Pierre Bourdieu caracterizou (1987, p.144) esta ânsia e avidez como "boa vontade pura, mas vazia e destituída de referências ou de princípios indispensáveis à sua aplicação oportuna, conduzem os pequenos burgueses a todas as formas de falso reconhecimento que definem a alodoxia cultural". Evidente que os corruptores percebem esta ávida e ansiosa disposição do homem de rua em relação à cultura. Investem nesta falta de referências colocando neste vazio as suas próprias meias verdades que interessam aos corruptos como algo para preencher o seu vazio conceitual.
Agentes temerários da autoridade podem adotar, no contraditório, o contraveneno para as meias-verdades e praticar a exposição pública de TODAS as informações disponíveis e fazê-las circular. O verbo desempenha o seu papel primordial. Toda autentica autoridade sabe e pratica pelo verbo o sentido no qual o agente se identifica como ator, anunciando o que ele fez, o que ele faz, o que ele quer fazer. Este verbo, ou palavra, para Hannah Arendt percebe (1983: 235) que:
"a ação silenciosa não será ação maior porque não haverá mais ator, e o ator, o fazer de atos, não é possível se ao mesmo tempo ele é falante de palavras. A ação que ele começa é revelado humanamente pelo verbo, e ainda que se consiga perceber seu ato na aparência física bruta sem o acompanhamento verbal, o ato não toma sentido que pela palavra na qual o agente identificasse como ator, anunciando o que ele faz, o que ele faz, o que ele quer fazer".
Evidente que a prática do verbo necessita constar no início do seu projeto e com objetivo claro e avaliável ao longo de sua prática. Ao longo desta prática, além de constituir um expediente corajoso, com evidentes riscos, estes agentes temerários encontram um apoio inédito na era numérica digital. Estes oferecem instrumentos poderosos para desmontar os interesses fundados sobre meias verdades. O objetivo claro e avaliável ao longo da prática por meio dos instrumentos numéricos digitais é desmascarar as meias verdades semeadas pelos corruptores e os corruptos.
Reagir e frontalmente contra corruptores e os corruptos, na mesma medida e intensidade gera tensões e resultado imprevistos e frequentemente lastimáveis. O pensamento sábio e prudente recorreu em todos os tempos e lugares a aquilo que a cultura grega denominava de "épokhé". Para Bruyne (1977: 75c) nesta:
"parada reflexiva" antes da ação "trabalha-se com elementos essenciais dos quais se supõe uma suspensão de juízo, não se procura o núcleo de sua definição mas os fenômenos que pertencem ao objeto da nossa atenção distinguindo-os do fundo".
Pensadores, como Arendt, (1983: 215), Ricœur (1999: 5), Greenberg (1996: 244) e tantos outros reconhecem esta mesma estratégia em outras palavras. Antes deles o poeta Schiller já havia escrito (1963 pp. 97/8) que:
"o homem não pode passar de modo imediato da sensação ao pensamento; ele precisa retroceder um passo, pois somente quando uma determinação é negada surge lugar para outra que lhe seja oposta. É preciso portanto, para substituir a receptividade pela espontaneidade, a determinação passiva pela ativa, que o homem, por momento, esteja livre de qualquer determinação, atravessando um estado de pura determinabilidade".
Em geral ao longo desta suspensão de juízo (epokhé), nesta ‘parada reflexiva’ as meias verdades e os ecletismos forçados, não se sustentam com os seus recursos falso e saltam aos olhos de todos e expões o seu completo embuste diante de qualquer tipo de crítica. O escritor italiano Umberto Eco faz o seu registro (in Calligaris, 1995 p. 09) que "nenhum sincretismo é capaz de suportar a crítica. O espírito crítico faz distinções, e ser capaz de fazê-lo é signo de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica elogia o desacordo como maneira de aprimorar o conhecimento [...] O espírito crítico é capaz de fazer distinções. O sincretismo não a suporta". Mesmo que por Habermas aponte (1982: 118) que:
"a crítica de arte desenvolvida no romantismo existiram tendências conflitantes que polarizam de modo mais intenso com o surgimento das correntes de vanguarda: a crítica da arte ora reivindica o papel de complemento produtivos da obra de arte, ora o papel de advogados da exigência interpretativa do público em geral"
Esta distinção é facilmente estendível à politica e às práticas administrativas contemporâneas. O suporte e as condições de receber, iniciar e elaborar críticas são preocupações constantes na Educação e na Psicologia. A maturidade da crítica é revelada nas condições e competências que uma vontade e uma inteligência humana é capaz de receber, iniciar e elaborar rupturas epistêmica e estética. Vontade que Alois Riegel (1858-1905) percebeu nas forças que movem a Arte e que ele denominou de "Kunstwollenn" [vontade na Arte] no qual parte de um postulado, cuja validade necessita ainda ser provada, segundo o qual existiria alguma coisa, uma força, uma energia vital, que explicaria o desenvolvimento observado ao longo da vida de um artista ou na produção artística de uma escola, de uma região ou de uma nação, mesmo de uma civilização.
O que não dá para negar é que houve construções coletivas contemporâneas e que dão margem a esta especulação. Uma delas aconteceu com uma visibilidade particularmente nas forças do campo das artes. Trata-se do fenômeno que Hannah Arendt descreveu em relação á concepção da transcendência e a obra do gênio. Segundo ela (1983: 272):
"o que conta em nosso contexto, é que a obra de gênio, por oposição ao produto artesanal, parece haver absorvido os elementos da individualidade e da unicidade que não encontram sua expressão imediata que na ação e na palavra. A obsessão da assinatura do artista, a sensibilidade ao estilo, algo sem precedente, indicando que na época moderna que o artistas se preocupa acima de tudo dos traços pelos quais o artista transcende seu talento, seu oficio, de uma forma análoga pelas quais a unicidade de cada pessoa transcende a soma de suas qualidades. Por essa transcendência, que efetivamente distingue a grande obra de arte de toda a outra produção da mão humana, o fenômeno do gênio criador apareceu como justificativa suprema do homo faber convencido que as obras podem ser essencialmente superiores ao seu autor".
Esta concepção da transcendência e a obra do gênio já possui uma expressão temporã em Leon Batista Alberti(1404-1472) ao afirmar que o " o artista aspira fama". Fama que o norte Americano Andy Wahrol (1928-1987) estendeu a todos aos afirmar que "no futuro todos seremos famosos durante 15 minutos". A concepção da transcendência, e a obra do gênio, ultrapassaram as fronteiras da arte invadiu a cultura através da indústria cultural, a economia pela riqueza e a política pela figura do candidato divinizado.
Porém onde esta fez maiores estragos foi na sociedade na qual este gênio apresentou e desqualificou o pátrio poder. Pátrio pode que se corrompeu, gerou meias verdades que iniciam e se prolongam tragicamente até na área da reprodução humana. Meias verdades que enchem as ruas de gerações de pessoas resultantes da paternidade e a maternidade irresponsável e escamoteada através de hábitos herdados da cultura colonial brasileira. Nesta cultura colonial brasileira gerações de pessoas que tiveram o seu destino tolhido e abreviado em todas as direções. Se por acaso uma pessoa destas, estigmatizadas pela marginalidade, escapa ao seu destino, a sua vingança da paternidade e a maternidade irresponsável é certa. Vingança que ganha as formas do assalto à mão armada praticada para destruir vidas, os bens públicos e as instituições coniventes com estas meias verdades e com as suas trágicas consequências. A complacência irresponsável em relação à paternidade e à maternidade foi materializada pela "roda dos enjeitados" das Santas Casas. Desapareceu "a roda", permaneceram as consequências percebidas no hábito do assalto e promiscuidade. Promiscuidade como aquela de o senhor dos escravos ao intervir ativamente na reprodução do seu plantel de mão de obra gratuita e descartável. A religião, que administrava as consequências desta irresponsabilidade, nunca propôs, publicamente, qualquer reparação aos quatrocentos anos de silêncio conivente com a escravidão no Brasil. Para legitimar esta ignomínia e aplacar qualquer escrúpulo pessoal com esta situação desumana da escravidão, estas classes elevadas coloniais, praticavam traições contra esta religião oficial A classe dominante colonial mantinha a religião como fachada e a recompensavam com dádivas ostentosas, jogando-a assim na absoluta e ignominiosa heteronímia.
No contraste e para perceber esta corrupção brasileira, nada melhor do recuar para outras culturas e ali perceber o que pensavam e escreviam em relação à natureza da lei. Um texto de Hannah Arendt pode servir de inicio para o debate e onde ela escreveu (1983: 249 nota) que
"é bom notar que Montesquieu, que não se interessa pelas leis, mas pela ação que inspira seu espírito, define as leis como «relações entre os seres» ( Esprit des lois, livr. I ch. 1, cf livr. xxvi, ch.I) É uma definição surpreendente, porque sempre havia definido as leis em termos de fronteiras e limitações. A razão é que Montesquieu se interessava menos ao que ele denominava a ‘natureza do governo’- por exemplo república, monarquia, etc. - do que pelo princípio do governo ‘o que o faz agir’.. nas ‘paixões humanas que o fazem se mover’ (livr. III, ch. 1) ".
No Brasil colonial as Ciências Jurídicas foram colocadas na mesma heteronomia pela falta de qualquer forma definida na qual fosse possível contrariar os interesses das classes sociais colônias dominantes. A tolerância para a naturalização dos textos legais é porque eles tinham o objetivo que Schiller percebeu e escreveu (1963: 118) que o "escravo da Natureza quando apenas a sente, o homem torna-se o seu legislador quando a pensa". Como o colonizador tinha todo o cuidado para que os nativos não pensassem e nem representassem na Arte esta Natureza brasileira, tolerava qualquer ação uma vez que não questionasse o os contratos legais laços colonial. O pensamento e o núcleo deste poder jurídica residiam no além-mar, na Metrópole colonial e era algo inacessível ao poder originário brasileiro. Advogados, e muitos sacerdotes, eram filhos dos senhores das classes elevadas coloniais e não podiam contrariar a lógica e os paradigmas dos seus antepassados e nem aqueles do seu presente.
As Ciências Jurídicas continuaram na heteronímia no âmbito interno do REINO UNIDO PORTUGAL-ALGARVES e BRASIL. Elas enfrentavam atrozes discrepâncias e contradições que deveriam ser sustentadas legalmente por uma hermenêutica, no mínimo suspeita. Pergunta-se:
- De que forma a escravidão legal podia continuar no Brasil quando em Portugal continental era já havia sido extinta legalmente em 1761?
- Que "unidade" era esta?
Os holandeses no Brasil perceberam rapidamente esta tolerância na colônia lusa e escreveram que "não existia pecado abaixo do Equador".
Os imigrantes europeus foram trazidos ao país após a Independência formal brasileira. Foram colocados para ocupar os vazios geográficos na ótica do poder central. Outro objetivo era de branquear passivamente a raça. Para conseguir este contingente humano o Brasil acolheu as populações dos continentes europeus e asiáticos e que, na sua origem, eram considerados sobras da era industrial que ali se implantava. Estas populações de imigrantes traziam paradigmas já obsoletos nas suas pátrias de origem. Estes imigrantes entraram num violento processo de entropia cultural, quando instalados precariamente na nova terra Descompassados com o progresso de suas pátrias, além deste atraso e do pouco que traziam. A própria cultura lusa já experimentara esta mesma entropia da nova terra quando exportava a sua escassa população. Os seus degredados passaram inclusive a praticar os rituais indígenas de antropofagia.
A decadência e a corrupção moral sempre interessaram ao poder central. Constituíam uma forma de escamotear, pela divulgação do escândalo, a violência física, moral e política que este poder central praticava de forma continuada, silenciosa e impunemente. As fogueiras, as forcas e os suplícios públicos que este poder infligia pública e ostensivamente, estão no inconsciente coletivo. O réu indefeso pouco podia fazer diante dos cenários públicos, previamente armados pelo poder central, para escamotear a sua própria corrupção decadência e moral. Esta decadência e ignorância cavaram um fosso no inconsciente coletivo que mantém, de um lado, este povo que oferece assim todos os motivos para ser acusado de economicamente inadimplente e politicamente fraco. Do outro lado a decadência e a corrupção moral pública, prepara, selecionam e mantém poucos representantes e agentes que controlam o poder central. Este poder político, concentrado em poucas mãos, coloca e cria as condições formais jurídicas que perpetuam este poder político. Estes poucos aproveitam este poder político restrito para cercar-se com a muralha econômica intransponível e arrasam o pecúlio acumulado pelas pobres economias populares.
Estes poucos aproveitam também o poder mediático. Provocam, selecionam reações, editam e divulgam a decadência e a corrupção moral que induzem a ganhar forma publica. Provocam, selecionam reações processos que tramitam nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Editam e divulgam aquilo que lhes parece proveitoso para escamotear a corrupção decadência e moral é inerente à sua própria natureza
A ação para expugnar e derrubar esta muralha concentradora da economia, da política e da mídia social, recebe um poderoso reforço na circulação ampla e aberta do poder da informação em toda a nação e por fora desta muralha. Esta circulação ampla e aberta, passa pela sociedade civil instruída e organizada. Os municípios propiciam proximidade, proporção e índices concretos e confiáveis para a organização, execução e avaliação desta circulação do poder. Ali o equilíbrio - praticado no exercício dos três poderes - ainda é possível diante de um projeto, uma execução e uma avaliação coerentes com o tempo e o lugar da cultura de uma sociedade organizada.
Esta sociedade organizada exibe uma bela genealogia e que se evidencia no contraste das mazelas, das recorrentes corrupções e mentalidade atenta em socializar prejuízos e embolsar lucros.
Para perceber este contraste é indispensável um paradigma no qual está inscrito o código genético da liberdade, da civilização e da coerência com o aqui e agora. Nas artes o esteta Pächt escreveu (1994: 123) que
"da mesma maneira que na biologia existe uma ontogênese e uma filogênese, as relações entre indivíduos, que participam de uma evolução estilística, são considerados como relações de parentesco; traçamos a genealogia de uma arte ou de uma personalidade artística, de um ponto de vista biológico, com antepassados e posteridade artística, A pesquisa genealógica, sob a forma habitual de uma dedução genética das correntes artísticas, torna-se uma das preocupações essenciais de nossa disciplina, principalmente porque a história da arte e de sua «evolução» não há distinção ou exceção ao princípio de causalidade que faz depender uma obra da arte de uma outra, desconhece o fenômeno da partogênese e considera que as criações artísticas, as mais originais podem constituir o objeto, apesar das simples transformações progressivas, de uma dedução genética’.
Com pouco esforço é possível ampliar este projeto, para a política e administração pública e particular. Sem qualquer determinismo preliminar - fundado em férreas grades de causalidades ideológicas - é possível suscitar motivações individuais e coletivas para empreender e a sua execução e uma avaliação coerente com o projeto com o seu tempo e o seu lugar numa cultura de uma sociedade organizada.
1.06 - O PODER ORIGINÁRIO e o QUARTO PODER
Uma das soluções mais eficazes para organizar a sociedade parece consistir em estabelecer a origem de todo o poder, trabalhar e avaliar a partir do ponto de referência da célula municipal. O povo encontra ali uma proporção entre o minúsculo indivíduo e o Estado incomensuravelmente grande. Uma nação que ruma para a construção, a manutenção e a reprodução a sua soberania, necessita desta instância nuclear para a sua auto-organização. Se de um lado a idéia da sociedade organizada necessita pairar soberana sobre religiões, ideologias, interesses do capital e do trabalho, no extremo oposto ele necessita de vínculos coerentes, contratos sólidos e interações continuadas com os indivíduos avulsos que a compõe e aciona. Estes vínculos, contratos e interações ganham corpo e rostos legíveis e identificáveis no âmbito dos municípios e dos partidos políticos que ali possuem as suas bases. O município e o partido não são excludentes, bem ao contrário. A maioria dos povos experimentou o "partido" como a forma institucional de origem e organização do poder originário nascido, desenvolvido e reproduzido na célula municipal.
O Estado pós-iluminista colocou o suporte da sustentação do governo sobre o triângulo formado pelos vértices do executivo, do legislativo e do judiciário. No entanto a figura do triângulo é de equilíbrio mínimo e precário das forças, que nele agem, em permanente busca de um ponto de homeostase. As forças de um quadrado sustentam-se com muito mais eficácia do que aquelas estruturadas e limitadas por num triângulo. Que o digam as formas que tomavam as legiões romanas. Aos três poderes do Estado pós-iluminista acrescenta-se o Poder Originário para constituir este quadrado político administrativo. As forças que emergem e tomam formas ativas e legíveis pelos instrumentos das informações numéricas digitais apontam para este QUARTO PODER. Contudo é um poder que necessita de intensa, continuada e forte pulsação de sístole e diástole para impulsionar, manter e avaliar a circulação do poder que ali flui. De um lado é necessário deixa-lo imune a se constituir como objeto de conquistas definitivas de indivíduos, grupos e interesses menores do que a nação. De outro lado esta circulação necessita a sua constante reversibilidade para a sua origem e a sua fonte. Esta vigilância perpétua contra quem o possa conquistar este QUARTO PODER, naturalizá-lo e personaliza-lo, e, assim, torná-lo unívoco, linear e previsível para enfrentar a sua desqualificação, sua corrupção e falta de sentido para o Poder Originário. A homeostase entre estes extremos é obra da engenharia política quântica. As ferramentas numéricas digitais ganham função neste processo dinâmico, mostram a sua operacionalidade e produzem feedback continuado e fidedigno
No Brasil foram experimentadas velhas fórmulas que possuíam os quatro suportes, inclusive o parlamentarista do Império. Porém não faziam sentido e não vingaram devido à extensa e imponderável cultura colonial brasileira que excluída liminarmente uma altíssima porcentagem do Poder Originário da nação. Cultura que comprovou que ela é incompatível com o tamanho da Nação, tanto nos extremos da lenta sucessão no interior de uma dinastia familiar, como no contrário, quando se requer a troca rápida, ágil segura requerida no parlamentarismo pela figura de um 1° ministro. Na atualidade seria algo temerário requentar inopinada e precipitadamente qualquer destes contratos, leis e hábitos coloniais.
Os meios de comunicação podem representar, num Estado, os instrumentos eficazes para conhecer, deliberar e decidir em relação o fluxo do poder, além de identificar-se e corresponder à uma espécie de o "quarto poder" impessoal. Esta impessoalidade não poder ser apropriada e emperrada no interior de uma dinastia familiar. As tomadas de decisões exigem trocas rápidas, ágeis e seguras - mesmo de agentes - que não acompanham a eficiência. Neste âmbito é impossível pactuar com agentes que apenas querem ocupar cargos sem nada entenderem ou neutralizarem as funções destes cargos.
A corrupção, a entropia e os ruídos rondam também os meios de comunicação. O fluxo de informações ao cair nas mãos de quem desconhece a ética, arrasa o sentido e corrompe a prática do frágil triângulo do poder formado pelo executivo, pelo legislativo e pelo judiciário. A corrupção e a entropia podem dominar o puro poder, enquanto os ruídos e os eventos vazios de sentido abafam, amortecem e alienam este mesmo poder. Todos conhecem no Brasil, do passado e do presente, a atuação das corporações, dos ciber-piratas, dos coronéis, ou dos caciques ou de seus clãs infiltrados em cargos chaves da nação.
A maioria dos partidos adotou o presidencialismo como principio. Assim a pessoa do seu presidente também é potencialmente o vértice da autoridade partidário. O fórum destes presidentes nacionais de partidos representaria a convergência da sociedade organizada e se configuraria o espaço natural de interlocução do povo e da nação. Fórum apontado, aqui, como o vértice qualificado com o qual o executivo, o legislativo e o judiciário nacionais teriam uma sólida plataforma permanente se atualizarem e para negociar. A maioria das instituições republicanas age neste ideal.
No contraditório o maniqueísmo se instalou no Brasil, no início do terceiro milênio. Neste maniqueísmo os partidos se aglutinaram na prática de se constituírem em dois polos opostos do A FAVOR e do CONTRA. A sólida e variada plataforma permanente se encolheu e caiu num reducionismo voluntarista. Redução que se traduz num grupo "contra o executivo" e outro a "favor do executivo". Tal maniqueísmo denuncia e evidencia a falta de programas ou de contratos levados à sério de tais partidos. Isto sem insistir na constatação diária da infidelidade partidária, escancarando a falta total de qualquer contrato com a sociedade organizada.
Apesar disto o "partido" continua sendo um projeto de organização da sociedade e da palavra gasta pelas piores corrupções, de frequentes atoleiros, com do "partido único" ou do bipartidarismo determinado pelo interesse de um dos três poderes. A via partidária, saudável e coerente, oferece um projeto de contrato que versa publicamente em relação à organização de uma determinada sociedade almejada. O partido parece ser ainda a saída mais lógica e uma garantia para a estabilidade para os outros três poderes, e a própria segurança deste tripé.
Nesta segurança e estabilidade é necessário colocar a Politica acima de partidos. Estes por sua vez, vindo do Poder Originário, prosperam neste horizonte no qual seja possível ter um panorama do bem geral. Panorama geral no qual pode prosperar uma representação do Poder Originário que Villela enunciou (1997: 275) como mais coerente com a realidade:
"Na década de 80, desenvolveu-se uma nova trajetória que apropriando-se de novos estudos, surge como História Cultural, no momento que a visão dos historiadores passa a aceitar novos olhares sobre a realidade. Essa forma de ver a história se desloca da visão compartimentalizada do passado buscando a abrangência a totalidade, das coisas, objetos, sociedades, pensamentos, representações. Busca uma interdisciplinaridade entre múltiplas dimensões da realidade e de se ver essa realidade. Passa-se da análise das práticas da história social ao estudo de suas representações. Essas representações tanto podem ser a partir da construção das cidades, como na construção intelectual, literária, plástica e musical, permeando-se nos textos visuais e verbais".
Como esta abertura cultural está em quem a pratica e não naquilo que produz, a autêntica representação encontra-se em quem a cria, conduz e reproduz. Ela não se encontra no gênero que Aristóteles configura (1973, p. 14 Tópicos-I.5 [102]) como " é aquilo que se predica na categoria de essência, de várias coisas que apresentam diferenças específicas". Este mesmo conceito Willy Corrêa de Oliveira (in Barbosa, 1993: 37) transfere para a representação na qual:
"hoje os gêneros já não causam desavenças. Decisivo é o ato de fazer: o gosto, não o discutimos mais. Imersos no irenismo os autores do Organon são complacentes com todas as vocações-limites. Importa a arte e não o gênero no qual a arte vai se expressar".
Importa a Politica e não com a política irá se expressar. Qualquer contrato não pode incluir ingerências indevidas na medida em que coloca a Politica acima de partidos. A agremiação que possui a fortuna de prosperar no âmbito do Poder Originário é aquela cuja fonte esta nas representações coletivas. Isto Chartier explicita (1998: 78 - 178) que "a realidade é construída por diversos grupos que compõe uma sociedade; uma lei ou posto significa simbolicamente uma identidade e uma maneira própria de ser no mundo". Ou em outros termos, os seus lideres falam, sugerem e apontam as ações que estes diversos grupos pensam, sentem e querem fazer. Argan insiste no mesmo tom afirmando (1992: 23) que "as formas institucionalizadas e objetivas marcam de forma visível e perpetuam a existência do grupo, da comunidade ou da classe". Evidente que um partido necessita a fonte do Poder Originário para a sua autonomia econômica e sem favorecimentos ou contrapartidas governamentais de qualquer um dos três poderes. Porém as fontes do financiamento de forma alguma podem ser pretextos para ingerências indevidas destes partidos. Muito menos servirem posteriormente com fontes de ’mensalões’ corruptores das demais agremiações partidárias. Se examinarmos os voos curtos dos partidos brasileiros, certamente irão despontar os seus conluios obscenos com governos transitórios. Partidos que parecem criados e lançados apenas com os respectivos planos de vôos em direção aos fundos partidários governamentais.
Estes assaltos contra as concepções da Democracia - e os malefícios do populismo - estão sofrendo revisões, a serem conferidos em:
1.07 - A AUTORIDADE e os ATRAVESSADORES de INFLUÊNCIAS.
Há necessidade de distinguir o poder de autoridade. A autoridade resulta do contrato da autorização do exercício do poder e no interior de competências especificadas por limites.
O Brasil nasceu sob o signo de que «a lei precede o fato». A pirâmide da autoridade foi construída a partir de um centro que ficava na Europa. A lei, precedendo o fato, colocou o rei, o imperador ou o presidente no centro desta autoridade, por meio de frágeis contratos e a revelia da vontade da sociedade organizada, do povo e da nação. As culturas anglo-saxãs caminham no sentido contrário. Nelas o comportamental e o acúmulo dos fatos das sucessivas experiências do mundo empírico chega só depois ao mundo ideal abstrato de uma lei.
Contudo impõe-se admitir alguns conceitos de ‘mediação’ de ‘mediador’ e de ‘intermediário’. No conceito de ‘mediação’ Gleizal, percebe (1994: 48) que:
"designa o modo de funcionamento do político na arte política. É um verdadeiro conceito que permite pensar a autonomia de uma arte social e política. Pela mediação, a arte se socializa, mas segundo mecanismos que lhe são próprios. A arte abre-se ao político, mas sem aí se perder, podendo agir sobre o político".
No termo ‘mediador’ conforme Hennion et Latour escreveram (in Gleizal 1994: 24) que:
"o mediador transporta, redefine, desdobra e pode mesmo trair, enquanto o intermediário deixa intacto. Enquanto o mediador penetra naquilo que ele liga e pode mudá-lo, o intermediário fica externo em relação as partes sobre as quais trabalha. O intermediário é incapaz de produzir a alquimia que caracteriza a ação do mediador transporta, redefine, desdobra e pode mesmo pode trair" .
Já no termo ‘intermediário’ o teórico Ladriere distingue (1977: 17) que este "deixa intacto pois fica externo às relação as partes que trabalha"
Conforme os conceitos de ‘mediação’, de ‘mediador’ ou de ‘intermediário’ a cultura refere-se ao cidadão ou então aquela do ente publico. A cultura do cidadão o teórico Chartier resumiu (1998: 62) que "no plano individual pode ser um certo desenvolvimento de uma certa personalidade". No concerne àquela de uma coletividade o intelectual Ladrière assinalou (1977: p.16 e p.77) que
"a cultura de uma coletividade pode ser considerada como um conjunto formado pelos sistemas de representação, os sistemas normativos, os sistemas de expressão e os sistemas de ação desta coletividade [...] A cultura de uma coletividade é o conjunto dos sistemas de representação, normativas, expressão e ação".
A cultura de um cidadão converge com aquela do seu Estado na ocasião em que o poder público está na eminência de se esvaziar e o eleitor legítimo é convocado para preencher estre vazio por meio do seu voto. Na cultura brasileira o voto é um frágil e índice gasto de um frágil um contrato compulsório entre o indivíduo com a sua coletividade. Índice que pretende significar os vínculos de um cidadão com uma cultura gasta. Cultura na completa heteronímia de um eventual partido de plantão ou de uma pessoa que conquistou e se diz candidato num quadro cultural formal pré-existente.
Contudo a sociedade brasileira aprendeu cedo que este voto e esta delegação no interior de um quadro legal formal pré-existente podem ser corrompidos pelas mais variadas estratégias explícitas e subliminares. Corrupção realizada por mediadores, atravessadores e representação de promessas enganosas e de contratos apresentados pelos atravessadores de influências. A história destas votações - e das suas manipulações formais - abrange o Reino, o Império e a República. O longo período da heteronímia colonial brasileira deve ser avaliado indiretamente como literatura que produziu e as suas circunstâncias. Entre tantas manipulações e procrastinações da expressão das deliberações e decisões do Poder Originário basta lembrar que o voto feminino só passou a contar oficialmente, no Brasil, a partir do dia 24 de fevereiro de 1932. Porem estes atravessadores do poder não desistem e corrompem a realidade administrativa concreta e objetiva. Quais mascates da ilusão, estes atravessadores do poder venderam uma imagem genérica do Brasil como pais do futuro como aquele que vende terrenos na Lua. As velhas elites, incapazes de controlar as suas dissimulações, atravessam e atropelam, a qualquer pretexto, e a qualquer autoridade constituída. De fato conseguem apenas o contrário do que pretendiam com estes atropelamentos da autoridade e suas vigarices. Diante do histórico destes atropelamentos de sua autoridade, aqueles que ocupam cargos no Brasil se agarram, a qualquer pretexto, cada vez mais ao cargo, como o homem, castigado pelo vento frio, se agarra e se cobre cada vez mais ao seu capote. Como na fábula, só a garantia do calor dos raios solares da democracia permite ao ocupante retirar este capote do poder, e entregar-se à salutar alternância nos cargos.
Os atravessadores do poder quebram a espinha dorsal da autorização do exercício legítimo deste poder e arruínam toda a lógica institucional. Desmontam a linearidade administrativa pela denúncia vazia. Valem-se daquilo que Ruben Oliven (1992: 26) caracteriza como ‘mito da fala despolitizada’. Esta possui como:
"seu princípio transformar a história em natureza e a contingência em eternidade. Ele não se propõe a esconder ou ostentar algo, mas deformar. Na medida em que a função específica do mito é transformar um sentido em forma, ele é sempre um roubo de linguagem. O mito nas sociedades modernas é uma fala despolitizada que se imagina eterna".
Nesta deformação desqualificam e congelam a ação da autoridade das instituições destinadas ao bem comum e que lhe dão suporte.
Esta desmontagem teve apoio e processou-se no interior da seguinte contradição:
«1 - A lei precede o fato –
2 - O fato é a origem da lei»
Evidente que jamais os dois paradigmas entram num acordo. A cultura de a "lei preceder o fato", pode gerar, no máximo, explicações, leis secundárias e sem sentido para a sociedade organizada, o povo e a nação, Os atravessadores do poder encontram, neste vasto território penumbroso de indecisões, o seu nicho e desenvolvem a sua ação deletéria, parcial e interesseira. A autoridade torna-se cativa destes atravessadores. A autoridade é enquadrada na escravidão que ocorre quando um ente é impedido de deliberar e de decidir, nas concepções de Aristóteles,
O Brasil acumula um imenso capital e se constitui num celeiro de experiências da autoridade das mais variadas e contraditórias formas administrativas. De um lado o fato precedendo a lei escrita está presente na realidade do cacique no clã da tribo indígena ou do pátrio poder do coronel evidencia. No contrário - da lei determinando a natureza das províncias coloniais e imperiais - é um legado é sempre respeitado e que permanece incólume e se reproduz até o presente. Pouco adiantou que o Decreto da Proclamação Republica reconhecesse como "soberanos" os estados regionais brasileiros. O círculo nacional constituído pelo território e um povo, continua a alimentar a inteligência brasileira mergulhada nesta contradição ou dúvida se:
- a lei ou o fato impulsionam as suas vontades e os seus direitos?.
Os municípios responderam com mais desenvoltura a esta dúvida administrativa. As células municipais tornam-se mais aptas e dinâmicas, já na era industrial. Aceleraram esta aptidão e dinâmica antes do salto da era numérica digital. Dinâmica e competência que estão ampliando e fortificando o histórico de sua proximidade com a sua origem rural. Estas células municipais multiplicaram-se e foram capazes de comandar o fato concreto da sua própria autonomia, pois estavam conscientes dos seus limites e das suas competências especificas. Impõe-se, agora, manter fortificar e atualizar a sua correta e coerente conexão com a Nação brasileira. Um pacto municipal específico embasou a consciência das suas competências e possibilidades reais no seu interior de seus limites. No âmbito de uma Nação possuem condições, no plano externo, para evidenciar e objetivar a busca da complementação da sua competência, pois estão conscientes dos seus limites e das suas identidades próprias. As células municipais conseguem identificar mais facilmente os mascates, os mediadores e os atravessadores do poder do que aqueles que usam e recorrem aos ocos do poder central para vender as suas ilusões.
A informática numérica digital responde a toda esta busca de complementação, permitindo retornar às experiências mais diversas e primárias, fazendo circular o poder entre cinco ondas (ver fig. 001) que se entrecruzam no interior dos limites territoriais brasileiros. O indígena usando celular não é mais uma ficção, como também não era industrial, na época do Marechal Rondon, quando o índio embarcava num Ford Modelo 29 para ir ver um filme na cidade dos brancos.
Não se discute que um governo está colocado para exercer a sua ação nos limites de uma lógica administrativa no seu Estado e na sua nação. O apoio de um QUARTO PODER - no interior dos limites da lógica estabelecida entre os seus três poderes clássicos - não deveria gerar dificuldades. Ao contrário, a lógica administrativa, executiva, legislativa e judiciária na sua autonomia encontraria um referencial externo e impulsionado do poder comum aos três. Ao mesmo tempo o QUARTO PODER seria a conexão entre o município, o estado federado e da própria federação. Um diálogo constante e frutífero com a sociedade civil organizada é o meio de constituir, manter e recuperar a quarta base como referencial externo e impulsionador do poder comum. Poder comum mesmo que esta sociedade tenha como forma simultânea e viva da tribo de coletadores, do patronato agrícola, dos sindicatos industriais, das "ONG´s" ou "blogs" virtuais.
1.08 - O PODER, a AUTORIDADE e a INFORMAÇÃO.
A cultura social humana exige uma nova forma de autoridade. Esta forma do exercício do poder torna-se possível graças aos vetores da informática numérica digital. Esta possibilidade emerge da circulação da informação, em volumes expressivos, em tempo real, sob a orientação múltipla, simultânea e em tempo real. Emerge com a possibilidade do armazenamento das informações sem limites. Firma-se pela reversibilidade e da recuperação imediata e integral destas informações disponíveis 24 e abertas 24 horas do dia e 365 dias por ano. Eclipsa-se a forma de autoridade que se mantinha no poder com mistérios e a venda das suas ilusões.
Este eclipse é coerente com a natureza da norma ou "nomos" que Hannah Arendt reconhece (1983: 104 nota 4) na "palavra grega para lei, nomos vem de nemein que significa repartir, possui ( o que se possui) e residir...A palavra latina lex, possui um sentido diferente: ela indica relação entre homens mais do que separação". Da mesma forma Marcuse entende( 1981 p. 79) que:
"o nomos a que a arte obedece não é o do princípio da realidade estabelecida, mas a sua negação. Mas, uma mera negação seria abstrata, «má» utopia. A utopia na grande arte nunca é a simples negação do princípio de realidade, mas a sua preservação transcendente (aufhebung) em que o passado e o presente projetam a sua sombra na realização. A autêntica utopia baseia-se na memória".
Com esta concepção de lei, de norma ou de "nomos" é possível uma nova forma de autoridade. Autoridade que exerce a sua competência abastecida e abastecendo, com eficiência, a circulação do poder também com os vetores da informática numérica digital. Esta garante a continuidade e o potencial para reproduzir os conhecimentos, a vontade e direito desta nova forma de autoridade.
No contraste desta nova forma de autoridade e dos vetores da informática numérica digital, perduram resquícios da cultura da infra-estrutura agrícola quando o poder era delegado aos reis e à sucessão em famílias. Nos vestígios deste paradigma o poder continua a cultura do exercício autorizado do mando absoluto, universal e hereditário, confundindo-se com a própria divindade. Perduram também os recentes resquícios da cultura da era industrial subsumidos pelos vetores da informática numérica digital. Nela os cidadãos, que se consideram competentes, habilitam-se ainda ao exercício do poder por um prazo determinado. Para tanto, estes cidadãos submetem-se à eleições nas quais se estabelecem os termos de um contrato com os demais cidadãos que lhes delegam, pelo seu voto, o seu poder pelo período estipulado neste contrato.
Na administração reforçada pela infraestrutura proveniente da técnica e da cultura virtual das informações numéricas digitais impõem-se deliberações e decisões por tempos mais curtos e "just of time". A informática é capaz de dividir estas deliberações e decisões em frações cada vez menores para dar continuidade ao contínuum administrativo. Recorda-se Leonardo da Vinci quando escreveu que "todo o continuum poder ser dividido em infinitas partes". O continuum administrativo de uma nação exige que as infinitas partes que a constituem, possam agir para manter vivo este organismo composto de fractais coerentes com o todo. Esta coerência necessita enfrentar o desafio da criatividade linguagem humana intima e coerentemente associado à sua conduta. Este desfaio é apontado por Maturana e Varela quando afirmam (1996 p 173) que:
"a história evolutiva do homem, ao estar associada as suas condutas linguísticas, é uma história na qual foi selecionada a plasticidade condutual ontogenética que faz possível os domínios linguísticos, e na qual conservação da adaptação do ser humano como organismo requer de seu operar nos ditos domínios e da conservação de tal plasticidade De modo que ali onde a existência de um organismo requer da estabilidade operacional de seus componentes, a existência de um sistema social humano requer a plasticidade operacional (condutual) deles".
A íntima e coerente associação da conduta humana com a criatividade e a linguagem é também o campo dos vetores da informática numérica digital. Porem, esta nova tecnologia numérica digital, por mais abrangentes e avançados seja os seus estes vetores, revelam, reforçam e disseminam o que Gleizal escreveu (1994: 49) em relação á criatividade e ao testemunho histórico fornecido por uma obra de Arte. Para ele "a obra de arte como um documento histórico na medida em que revela a sua historicidade do homem com a sua visão limitada do mundo e sua gama limitada de expressão. O ser humano, pela apropriação artística do mundo, não perde o contato com ele mas o contrário, faz-se o seu testemunho". Numa concepção mais sintética Chartier, sentenciou (1998: 97) a obra de Arte "e o produto de uma negociação entre um criador, as instituições e as práticas da sociedade". Numa sentença mais longa Belting afirmou (in Gleizal, (1994:. 49) que:
"a obra de arte testemunha não só a arte, mas o ser humano que, pela apropriação artística do mundo não perde o contato com ele, mas ao contrário, faz-se o seu testemunho. Na obra de arte, o homem revela sua historicidade com a sua visão limitada do mundo e de sua gama limitada de expressão. Nesse sentido a obra de arte é um documento histórico".
Nestes raciocínios, provocados pelo campo estético, existe uma busca de proporção, de reconhecimento dos limites da criatividade e da imaginação humanas, sem renunciar a todas as energias campo de suas forças. Existe um estranho fato no mundo da administração pública brasileira que testemunha a falta de preocupação, ou medo, de incluir nos quadros administrativos públicos os profissionais eruditos do campo das artes. Esta verificação só se evencia por tabela em texto de Cunha onde ele registra (1980: 105) que:
"os alunos que pretendiam ingressar na Academia [de Belas Artes] precisavam apenas saber ler, escrever e contar, conforme os Estatutos de 1855. A razão, dessas diferenças está no fato do ensino das belas-artes não garantir aos formandos o privilégio de ocuparem cargos na burocracia do Estado, nem exercerem profissões liberais controladas por entidades corporativas".
No Brasil o vestibular tornou-se um mito sustentado por uma legislação que por sua vez e fruto de pressões oriundas de profissões que se consideram hegemônicas e com esta hegemonia ditam normas para a autonomia universitária.
Alguns consideram a criatividade como algo perigoso para a Ciência. Percebem a estética e a criatividade como algo imponderável e de significado flutuante. Em relação a um dos mais conhecidos expoentes das Ciências Marchán Fiz registrou (1996: 242 /3) que
"um representante (do estruturalismo) tão qualificado como Levi-Strauss, não só considerava a arte nas coordenadas do símbolo e a percepção estética como algo incompatível com o conhecimento científico, como também sustentava que a arte bebe do poço quase insondável do significante flutuante, quer dizer, dessa super-abundância ou excesso obscuro que escapa as análises definitivas, às formalizações exaustivas, já que na obra artística o significante e o significado são assimétricos, isto é, não se relacionam de modo linear, não se acoplam como ‘um molde’".
O que pode parecer um grave problema e motivo para colocar a arte de quarentena, abre do outro lado uma íntima e coerentemente criatividade humana para tecer e sustentar uma continua associação de linguagens. Uma linguagem permite transformar ‘o cru em cozido’ numa das mais conhecidas metáforas de Levi Strauss. A operação da linguagem é uma das tarefas da técnica da linguagem numérica digital. No campo político, a manutenção da circulação da criatividade de imaginação não constitui um poder para si mesmo com a sua conduta um poder central desta nação. A Obra de Arte é um patrimônio material e imaterial, para o indivíduo, para a sua nação e para toda a humanidade. O continuo administrativo supõe viver e se sustentar ao longo das 24 horas diárias, por sete dias por semana e ao longo do ano todo, sem férias ou feriados. Este contínuo e formado por séries de eventos que se encadeiam ao modelo de um padrão infinito islâmico. Na sua repetição incessante incorporam o novo do seu tempo e lugar. A série pode representada como uma ordenação sequencial em que todo o elemento novo é incorporado para ser repetido adiante. Hansen informa (1998: 113) que
"a série é o meio de construir uma repetição que nunca é a mesma, porque também implica uma diferença, como um perda ou um desnível do que se repete naquilo que é repetido. Na sua ordenação sequencial, a série implica uma organização do tempo de experiência".
Por sua vez Argan explica (1992: 33) que:
"entre as unidades de que é composta, não há apenas analogias, mas desenvolvimento ou progressão. Não há explicação sem a constituição de séries de fenômenos, econômicos, políticas, culturais. Sá há história por que certos fenômenos continuam".
Diante desta concepção de séries não adianta multiplicar a base administrativa com incontáveis ministérios e ministros dos mais variados setores seja na cultura da infraestrutura agrícola, da industrial ou da numérica digital. A quantidade presente numa série não é sinônima de sua qualidade intínseca. Basicamente o Brasil necessita de dois ministros (interior e exterior) e a quem estariam subordinadas hierarquicamente as diversas secretarias nacionais e internacionais mantidas pelo governo central e com sentido para o todo do Poder Originário. Estas secretarias do ministério do interior necessitam reunir-se no início de cada dia para examinar o seu sentido face ao poder Originário. Para este exame - realizado nestas reuniões diárias matinais - sob a presidência do executivo, recebem os informes de todos os estados e seus municípios, as conhecem estas informações e a sua origem, as discutem e as hierarquizam no interior de um projeto nacional e, então, passam para a prática. O ministério do exterior necessita de acesso continuado, e em tempo real, às informações fidedignas de todas as nações. Estas informações também seguem o mesmo processo do conhecimento diário, da discussão, da hierarquização, dentro de um projeto nacional, e passam, então, para a prática responsável no concerto das outras nações.
O Legislativo e o Judiciário necessitam a mesma circulação de informações para atingir consensos e coerências pontuais atingidos pelo Executivo por meio desta prática contínua e ininterrupta. Há necessidade do conhecimento em tempo real, da hierarquização, da discussão e das ações afetas aos três poderes.
O que se deseja ressaltar aqui é que este consenso e coerência não acabam internamente e se esgotam nos três poderes do poder central. Impõe-se o contraponto no qual a sociedade civil organizada também delibera, decide e delega continuamente o seu conhecimento, a sua vontade e o seu direito aos seus partidos. Para tanto buscam formas coerentes para delegar este conhecimento, sua vontade e o seu direito por meio de veículos perceptíveis e públicos. Estas formas públicas e vínculos externos, aos três poderes, podem materializar-se nas presidências nacionais dos partidos e que não sejam ocupantes de algum cargo no exercício de um dos três poderes do Estado Nacional.
Os poderes centrais deliberam e decidem pela manhã. O tempo, posterior ao meio dia, destina-se para tratar dos processos das implementações destas deliberações e decisões por meio de ações visíveis e externas.
Não há como os agentes, no exercício do poder central, falhar a estas reuniões deste mesmo poder central. Quem assume um cargo, em algum destes poderes, desta esfera do poder central, regula a sua presença física, nestas deliberações e decisões, por meio de contrato pessoal explícito. Os finais de semana podem ser reservados para eventuais presenças dos poderes centrais em outros locais do território brasileiro.
1.09 - O PÁTRIO PODER, o MUNICÍPIO e a sua ADMINISTRAÇÃO.
O Estado romano mantinha por base e por referencial o pátrio poder nas suas práticas administrativas. A soma de todos os "pátrios poderes" e de todos os "lares" com as suas divindades (antepassados) constituía o Estado ou a Pátria. Esta soma da base em direção ao vértice - para constituir o Estado Romano - é denominado, aqui, como PODER ORIGINÁRIO. Na prática administrativa romana não havia nenhuma intenção moral, religiosa ou filosófica. A sua prática administrativa era comandada pelo acúmulo econômico. A entrega do poder ao patrício, legitimado pelo Estado Romano, funcionou ao longo do período Republicano e com vistas deste acúmulo. Todos e tudo aquilo que pudesse questionar este processo de acúmulo centralizado num Estado era afastado. No rigoroso exercício administrativo do poder romano, a prática da austeridade e a transparência no espaço público eram as virtudes maiores. O vértice do Estado apregoava este projeto e a esperança de que este contrato tácito fosse respeitado e era o cimento que ligava as vontades singulares do Poder Originário romano. Para não prejudicarem este acúmulo e controle convergente no Estado romano os menores, os estrangeiros e os escravos, com seus descendentes, eram excluídos liminarmente desta estrutura.
A entrega do poder ao patrício, legitimado pelo Estado Romano, sofreu sérios abalos após a desobediência civil e antes da instalação do Império. Um dos atos visíveis desta desobediência foi a das legiões infringirem a lei ao atravessarem o Rubicão em desfile armado em direção de Roma. Contudo - numa visão panorâmica e abstrata - o poder do Estado Romano começou a confluir para um personagem central, que acumulou os poderes máximos nos seus ombros pessoais. Este imenso poder hipertrofiado começou a tornar-se incontrolável pelo Poder Originário na medida em que foi substituído e personalizado pelo imperador. Muitos destes imperadores romanos foram eliminados e mortos por estas forças incontroláveis, como já havia acontecido com Júlio Cesar. O Império Romano atingiu rapidamente os limites incontroláveis no interior das suas extensas fronteiras. A transparência e a austeridade republicanas deram lugar ao luxo e às negociações pessoais escusas, comandados por interesse particulares, de imperadores, generais e famílias patrícias enriquecidas pelo acúmulo de bens e de poderes. O controle, o equilíbrio e a proporção, deste Estado Romano hipertrofiado, tornaram-se impossíveis, perderam os seus limites e degeneraram. A corrupção do vértice chegou à origem do poder romano. Este poder de origem republicana não percebia mais nenhum sentido no seu trabalho, esforços e sacrifícios para manter vivo o processo de acúmulo centralizado num Estado corrompido no vértice. A entropia, o caos e a desobediência civil fizeram o resto da ruína do colossal Império romana. Não havia mais sentido em manter o processo de acúmulo centralizado num Estado. A colossal metrópole da Roma Imperial foi reduzida de 1.600.000 para uma modesta cidade de 20.000 logo após a sua queda.
Foi necessário recomeçar tudo a partir do Poder Originário. Os pequenos feudos medievais recomeçaram da base na busca de um vértice comum em o objetivo de reconfigurar o mosaico multicolorido que formavam. A monetarização das culturas levou estes pequenos estados a perceberem este vértice em comum era um Estado patrimonial. Isto é o Faoro percebeu (1975: 15) e escreveu que:
"a realidade econômica, com o advento da economia monetária e a ascendência do mercado nas relações de troca, dará a expressão completa e este fenômeno, já latente nas navegações comerciais da Idade Média. A moeda – padrão de todas as coisas, medida de todos os valores, poder sobre os poderes – torna esse mundo novo aberto ao progresso do comércio, com a renovação das bases de estrutura social, política e econômica. A cidade toma o lugar do campo. A emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores"
Ao acompanhar a História de Longa Duração é possível perceber que as diferentes moedas ganharam formas de mediação nas respectivas alfândegas entre estes feudos com rígidas fronteiras guarnecidos de assustadores castelos. Estas rígidas fronteiras gradativamente estabeleciam formas de comunicação e celebração de contrato. Assim é possível perceber com os Estados Nacionais, se reencontraram após um milênio da queda do Império romano. As somatórias sucessivas e gradativas das competências destes feudos passaram para a constituição dos Estados Modernos, Um destes estados nacionais - reconfigurado da base para o vértice - foi Portugal. Na base o município, o "concelho", a comarca e o retomaram o seu papel primordial de origem para o Poder Originário da Nação Lusa se organizar e conferir lógica e sentido nacional.
Na origem da cultura luso-brasileira o município foi a semente, a base de reprodução e o refúgio deste Poder Originário, em especial no que concerne ao pátrio poder. Este pátrio poder recebeu a posse da terra e da família monogâmica na medida em que significasse a manutenção da base de um poder estável e hereditário do Estado luso-brasileiro. O poder central, do rei e do imperador, era a expressão superior e aparente desta infraestrutura da era agrícola. Na era industrial o proletário assistiu à fragmentação desta família monogâmica. O pátrio poder tornou-se simbólico enfatizando e promovendo a autonomia do indivíduo.
No caso da informática e do "bebê de proveta" rompe a lógica da posse simbólica a família proletária. Esta nova infraestrutura impõe ao pátrio poder virtual a migração lenta e subliminar aos instrumentos numéricos digitais. Esta nova forma do poder materializam-se no exercício, na delegação e na circulação por meios comandados pelo número e da senha. Entre tantos outros o número da senha comandos de um sem número de instrumentos como o cartão de crédito. As conquistas da época da infraestrutura da era agrícola e industrial estão migrando fisicamente aos museus onde são reciclados e administrados como bens destinados ao turismo e ao lazer. O pátrio poder, o município e Estado Nacional pagam altos preços para terem o direito de conquistarem e manterem do seu lado o Poder instável que lhe deu origem.
1.10 - O preço para administrar um grande país a partir da base dos seus municípios.
O sonho do monarca mesopotâmico - do colosso de ferro e de bronze com os pés de barro – concretizou-se numerosas vezes. O sonho se concretiza cada vez que um governo de uma nação centralizou o seu poder no vértice e ignora a base do Poder Originário. Concretiza-se pelas mãos de um único mandatário de uma nação, de uma única cidade ou num partido político único sem vínculo direto e renovado com o poder originário de sua nação. Os pés de barro da população desta nação começaram a vacilar e a cobrar rapidamente as consequências dos descuidos na sua consolidação e mostram as suas fragilidades para sustentarem este colosso deficitário. Um Estado e um governo de uma nação, por mais poderosa que seja, são sempre o resultado das deliberações e decisões da pessoa humana. Pessoa humana que sempre foi comparada com a argila.
A origem daquilo que é sólido, mesmo na economia, resulta daquilo que é pequeno, humilde e até microscópico. Apostar no município é inverter esta lógica concentradora. Consiste em apostar no pequeno e humilde barro humano. No município é mais fácil chegar à origem do poder apesar de aparentar pensar pequeno. O poder de origem, proveniente de uma pequena e acanhada comunidade municipal, contrapõe-se dialeticamente a imensidade do Brasil tendente a se agarrar á mentalidade onipotente, onipresente, eterna e onisciente. No entanto o sentido, a coerência interna e a fertilidade provem do humilde barro humano da célula municipal. Esta confere a verdade e a base, tanto ao micro e ao macro poder. É possível aplicar ao município, a menor unidade do Estado, muitos dos atributos que Maturana descreveu (1996: 41) e que são perceptíveis numa célula viva:
"transporto da biologia a representação que a vida encontrou na organização da sua competência e os limites da membrana constituindo uma unidade. Essa unidade é capaz de se reproduzir e ao mesmo tempo constituir na ordem de outras células um organismo coerente e que por sua vez forma outra unidade. O artista possui sua unidade competência e os seu limites mas ao mesmo tempo possui a potencialidade de constituir um organismo institucional na qual soma e aumenta e sua autonomia".
Existe um preço para manter um país continental, por meio da política proveniente das pequenas células municipais. Porém vale a pena correr o risco se for considerado o recurso às comunicações como ferramenta eficiente para a potencial segurança de uma nação. A escolha desta política evita que uma nação seja refém de corporações ou de poucos indivíduos. Evita que ideologias associadas à estéticas irreconciliáveis leve para duras e esterilizantes maniqueísmos. Maniqueísmos como frente ao termo modernismo em relação qual Durand apontou (1989: 05) que
"a partir da conversão ao modernismo dos intelectuais mais ativos no jornalismo cultural e na crítica de arte, a história do campo das artes plásticas ficou clivado por uma espécie de periodização maniqueísta na qual tudo o que se refere à fase acadêmica como que lembra conformismo, subserviência ao estrangeiro e conservação estética e tudo o que diz respeito ao advento do modernismo como que se recobre de criatividade, ousadia e autenticidade nacional".
Maniqueísmos que conduzem para infindáveis paradigmas inconsequentes para uma nação. Maniqueísmos cuja saída é a imponderabilidade de um "laissez-faire" político, econômico, social e cultural.
No universo do uso adequado e coerente das ferramentas das comunicações numérica digitais vale a pena pulverizar este poder proveniente de um símbolo unificador. O apoio físico das comunicações instantâneas com a garantia da segurança repousa na possibilidade de controlar e unificar novamente esta dispersão nas pequenas células municipais. Esta possibilidade de unificar a dispersão foi apontada por um por jornal de Porto Alegre, em 2002 quando apontou que:
"o bem sucedido uso da Internet para o tributo tão universal como o Imposto de Renda parece indicar que a informática constituiria um caminho bastante transparente, econômico e facilmente finalizável para toda a estrutura fiscal".
No contraditório o poder indígena do México e do Peru pré-colombiano era uno, personalizado e havia se cristalizado num canon mitificado e onipresente em práticas cujos ciclos eram comandados pelo ciclos implacáveis da Natureza. Este poder cristalizou-se fisicamente e colocado nas mãos de um único indivíduo divinizado. Os europeus entenderam esta cristalização do poder num único indivíduo e esta falta de transparência. Apropriaram-se destes impérios ao aprisionarem o imperador indígena e, ao desconsiderar e desqualificar o mitificado canon indígena, o desmontaram do alto para baixo. Os conquistadores Cortez e Pizarro eram indivíduos vindos de baixo para cima e agiam como tais. A estes dois, e todos os seus semelhantes, pode-se atribuir-lhes as condições de "autonomia de gênio" na concepção de Pächt e derivados da cultura do Renascimento que anda acreditava que "a criatura humana era medida de todas as coisas". Estes indivíduos "gênios" agiam pessoalmente invocando como pretexto para a sua ação, o nome de um rei e de um projeto que acreditava ser coletivo e justo. Este rei não sabia o que estava sendo praticado em seu nome e muito menos concedeu a anuência para todas as ações destes "gênios". O rei havia sido transformado num símbolo coletivo que representava uma nação mantida por um pacto nacional coletivo. Em cima do rei e dos conquistadores pairava o projeto coletivo de sua nação que unia conceitualmente os indivíduos egocêntricos, temerários e singulares. O rei e o projeto coletivo da nação espanhola, caso Cortez e Pizarro tivessem fracassado, não seriam comprometidos com este revés pontual e individual. Estes dois indivíduos ibéricos nas suas ações temerárias revelam os fundamentos de toda a autêntica autoridade. Esta sabe delegar uma competência do seu poder no interior de limites contratais conhecidos e admitidos por todos de uma nação
No contraditório seria uma temeridade ignorar que as pequenas células municipais podem se tornarem cenários de desordem e de opressão. As rivalidades internas e as possibilidades de saque dos municípios mais fracos, de negociações desonestas, nos levam de volta ao horizonte dos feudos rivais. Basta observar as ações dos clãs rivais e antagônicos de morte, que ocorrem nos "Haitis", nas "Somálias" ou nos "Biafras" contemporâneos. Num cenário oposto, se alguns municípios escapassem desta desordem, sempre correriam o risco de constituir-se numa ilha de tranqüilidade e de prosperidade, no interior e no meio de uma nação cujo poder central estaria em perigo continuado e não confiável. Mas em ambos os casos constituem um câncer e uma excrescência mantida longe e a margem de um pacto nacional coerente.
Neste possível pacto nacional coerente da era da informática numérica digital, não se trata de um contrato arbitrário e inconsequente com o objetivo de pulverizar o poder e a autoridade. Contrato que no campo de forças e energias da educação formal escolar é dialético, mas permite contornar a pulverização do poder e da autoridade. Nas palavras de Hegel (1980: 133) esta dialética da educação formal institucional "deve impor-se como mediadora a razão que exige unidade enquanto a natureza solicita a diversidade". Pulverização que Schiller evitava e sanava (1963: 86) quando "a razão e a espiritualidade ficam despojados do abstrato unindo-se a natureza da qual toma sangue e carne, sendo que a tarefa da educação estética é fazer das belezas a Beleza". União dialética entre a Razão e Natureza potencializada na era da informática numérica digital pelos seus meios técnicos. Meios técnicos que são ferramentas potenciais para abrirem canais pelos quais circulam as energias de sangue único de um poder nacional. Circulação, que um lado opõe-se a tirania totalitária, neutra e impessoal do "Big Brother". Do outro neutraliza os egos que se julgam onipotentes, oniscientes, eternos e onipresentes de um único clã, grupo ou indivíduos. Estes são entes nocivos corrompem mais do que ajudam na circulação deste poder regenerador, pois capturam, como câncer, a energia de uma coletividade. O município constitui o termômetro da temperatura das forças, a medida da circulação dos poderes além de se oferecer como ponto do seu equilíbrio homeostático. Energia que matará as células municipais se deixar de circular ou a corromperá se for desproporcional e incoerente com aquela a quem pertence o poder originário de direito e de fato. Estas células municipais necessitam concentrar energias ao longo da construção de um longo, demorado e delicado processo para manter e reproduzir um projeto no interior dos respectivos contratos.
1.11 - O PODER ORIGINÁRIO, a INFORMATICA e as suas LUZES.
Não se trata do retorno à Era das Luzes e dos tiranos iluminados, onde predominavam a Razão Pura do cálculo sobre o pensamento e a Razão Prática transformada em prescrições de toda ordem. Tratam-se agora as luzes da informação, da imprensa e das comunicações. Elas constituem os faróis do coletivo. A luz não faz o carro, nem há carro por este carro por possuir faróis. Contudo as pessoas e os passageiros necessitam das luzes destes faróis para avançarem na escuridão.
Estes faróis da Razão Pura emitem luz linear e focal. No meio da Natureza complexa e incontáveis objetos esta luz focal da Razão Pura ilumina somente um único objeto, e um por vez. Além disto, é pouco seguro que este objeto seja o mais importante e determinante da civilização dada da cultura humana. Normalmente os fatos que chegam ao conhecimento coletivo são aqueles mais dramáticos aos sentidos humanos. Dai a importância da Arte como índice sensorial dos objetivos e dos objetos de uma civilização dada da cultura humana. Arte em companhia da História, que Marc Bloch (1976 : 30, 60) "situa-se entre o tempo que continua e ao mesmo tempo muda gera problemas de investigação". E que para Hannah Arendt representa (1983, p. 297) o:
"conceito central das duas ciências verdadeiramente novas da época moderna, a ciência natural e histórica, é o conceito de processo, que está fundada sobre uma experiência humana: a da ação. É apenas porque nós sabemos capazes de agir, de nos destacar do processo, que nós podemos conceber, e a História e a natureza como sistemas de um processo".
Arte e História que produzem, recolhem e divulgam informações provenientes no atrito dos incontáveis objetos na sua tensão com os objetivos humanos. Informações fidedignas e coerentes com o aqui e agora constituindo uma fonte da luz que orienta para o funcionamento do Estado. Este atrito alimenta-se das energias provenientes das tensões resultantes das percepções históricas entre a diacronia e a sincronia. Na simultaneidade e do acúmulo do presente (sincronia) interferem poderosamente as lembranças e heranças de um passado imutável e os receios, incertezas de um porvir sem garantias (diacronia). No seu Dicionário de Filosofia Ferrater Mora resume (1994: 860) diacronia como o "termo usado por Ferdinand Suassure (1857-1931) para a evolução no tempo da linguística". Esta tensão pode ser representados pelas eixos XY e que Anders Hansen traduziu (1998 : 99) como:
"a extensão horizontal do olhar é épica, pois pressupõe o tempo do percurso e o recitativo do ir a Tróia e volta para Ítaca. No eixo vertical situa-se o imaginário da experiência propriamente trágica: linha onde a máxima ascensão atingida pela potência já começa a desabar, transcendência vertical do destino irreversível, tal a flecha que cai quando atinge o auge do voo".
A tensão é gerada pelo acumulo vertical das diversas infraestruturas que se acumulam sincronicamente no atual Poder Originário. Estas luzes são essenciais e necessárias para a evolução diacrônica da origem, presente e futuro de um projeto e seus respectivos contratos. Contudo estas luzes não possuem significado algum se não estiverem focados em projetos e contratos específicos que se prolongam no tempo (diacronia). São meros relâmpagos ou fogos fátuos resultantes de energias acumuladas pontualmente (sincronia) e que se desfazem na instantaneidade de eventos pontuais. A humanidade só se encontra aquilo que procura. Para Descartes (1983: 43) "não há nada que esteja em nosso poder exceto os nossos pensamentos". Estes pensamentos necessitam, na sua busca incessante, de um projeto especifico fundado na Ciência e na Arte. Durkheim (1983: 111) não aceita barreiras "entre a Ciência e a Arte já não há um abismo, em vez disso, passa-se de uma para outra sem solução de continuidade". Esta passagem é realizado pelo ato de pensar que Hannah Arendt descreve (1983: 226) como:
"pensar é outra coisa do que conhecer. O pensamento, fonte das obras de arte, manifesta-se sem transformação nem transfiguração na grande filosofia, enquanto a principal manifestação dos processos cognitivos, pela quais adquirimos e acumulamos conhecimentos encontra0-se nas ciências. O conhecer persegue sempre um objetivo definido, que podem se fixar sobre consideração práticas, seja uma «vã curiosidade»; mas no momento que esse objetivo foi atingido, o processo cognitivo termina. O pensamento, ao contrário, não possui uma finalidade nem um objetivo fora de si mesmo: ele nem mesmo produz resultados".
O Poder Originário, orientado pelo pensamento contínuo, pode estabelecer objetivos finitos do seu conhecimento especifico e coerente com as suas competências e limites. Competente para decidir sobre o sentido que revelam as luzes de seus projetos específicos. Pensamento contínuo sensibilizado e humanizado pela Arte e lúcido pela Ciência e Razão. O papel do Estado é conhecer, conectar-se á energia e as luzes destes projetos proveniente da multiplicidade dos seus cidadãos e assim gerar, manter a tensão e reproduzir aquilo que constitui o bem, o belo e a verdade coletiva.
Para manter a autonomia destas decisões não existe espaço físico melhor do que os municípios nos quais seja possível organizar a sociedade civil. Os partidos possuem um papel fundamental nesta organização do poder originário. Este papel começa a dar corpo ao quarto poder no âmbito do município.
1.12 – A DEMOCRACIA como VIRTUDE COMPLEXA e
CARACTERÍSTICA de SOCIEDADES EVOLUÍDAS.
O pior prejuízo que a Democracia pode sofrer é reduzi-la a uma definição pinçada entre os seus incontáveis componentes e fixá-la definitivamente neste rumo exclusivo. A prática democrática seria reduzida a um catálogo daquilo que se deve ou não deve fazer com um único rumo exclusivo e preso à uma singela normatização. Este rebaixamento ao fazer encontra a sua justificativa numa interrogação axiomática que a semelhança da "arte pura leva ao paroxismo tendências de épocas anteriores ao submeter à explicação e à sistematização os princípios próprio a cada tipo de expressão artística se deve ou não se deve fazer" como escreveu Pierre Bourdieu (1987: 113). Esta interrogação axiomática encontra no campo político a sua redução ao simples e singelo fazer do voto. Ritual do voto e interrogação axiomática constituem a morte da Democracia. Outras vezes ela cai no extremo oposta e se cansa da interrogação axiomática quando é confundida com a tolerância ou com a preguiça para enfrentar as mudanças que são da sua natureza e necessárias para a sua vida e coerência. Mudanças que ela necessitaria fazer para enfrentar novos problemas e que desafiam outras formas da vigilância perpétua na qual ela se sustenta contra os seus inimigos naturais. Inimigos que lhe querem impor componentes fixos nos seus repertórios tirânicos e a prendem, como sendo os seus donos, em ambientes políticos fechados. Estes donos buscam ostentar para o mundo externo, com o mote da Democracia, a sua redução e o seu uso como de marketing, propaganda e máscara dos seus próprios interesses.
Entende-se a Democracia, no plano etimológico, como o governo do povo para o povo. Vista pelo lado da cidadania acompanha-se a concepção de Mary Follet (in Carvalho, 1979: 60) de que:
"só teremos democracia verdadeira quando os jovens não mais forem doutrinados, mas formados no caráter da democracia. Portanto o meu dever como cidadão não se esgotou naquilo que trago para o Estado. Meu teste como cidadão é quão plenamente o todo é expresso em mim ou através de mim".
No plano do projeto nacional Skinner coloca (1980: 207) a Democracia como "o povo planejando as contingências nas quais irá vive". Esta mesma esperança é perceptível em Schiller no texto em descreve (1963, p. 102) as virtudes agregadores do fundo e da forma presente num estado estético:
"não se pode chamar injustos aqueles que declaram o estado estético o mais fértil com vistas ao conhecimento e à moral. Tem plena razão, pois uma afirmação do espírito que abarca em si o todo da humanidade não pode deixar de abarcar também, virtualmente, qualquer manifestação isolada; numa postura do espírito que afasta todos os limites da totalidade da natureza humana afasta-os também, com necessidade, de todas as exteriorizações individuais. Por não proteger de modo exclusivo nenhuma das funções da humanidade, ela favorece todas, sem exceção, e se não favorece nenhuma isoladamente é por ser condição da possibilidade de todas elas".
As virtudes agregadoras do fundo e da forma, presentes num estado estético, possuem características muito semelhantes ao questionamento de Marilena Chaui quando ela questiona e argumenta (1981, p.85) ao estado político no qual "a interrogação acerca da democracia é uma indagação em que estamos todos implicados como sujeitos, sem que possamos reivindicar o lugar imaginário do saber separado". Na direção comportamental o norte americano Wright Mills distingue (1975: pp.410/1) que:
"duas coisas são necessárias a uma democracia: públicos articulados e informados líderes políticos que, se não á homens de pensamento, sejam pelo menos razoavelmente responsáveis perante o público informado que exista. Somente quando públicos e lideres são responsáveis e de responsabilidade, podem as questões humanas ser submetidas a uma ordem democrática, e somente Quando o conhecimento tem importância pública é possível essa ordem. Somente quando o pensamento tem uma base autônoma, independente do poder, mas poderosamente ligada a ele, pode exercer sua força no condicionamento dos assuntos humanos".
Contudo se no plano teórico exige-se um imenso esforço para uma aproximação mínima de algum esboço de definição. Na sua prática a dificuldades aumenta. Para que possa existir, neste mundo prático este governo que se quer democrático - do povo e para o povo - ele necessita admitir numerosos e variados componentes contrários ao fixo, ao único e ao fechado. O filósofo Platão foi implacável afirmando (1983 308) que "a democracia abriga um bazar de sistemas políticos". Esta diversidade favorece a possibilidade de um trabalho teórico separado devido a diversidade empírica que apresenta cada tenda deste bazar. A possibilidade da construção teórica da Democracia separada a partir da multiplicidade das suas tentativas no mundo empírico possibilita cultivar o processo à semelhança do que foi escrito por Pierre Bourdieu quando afirmou (1987 p.103) que:
"devido aos progressos da divisão do trabalho, a diferenciação da obra de arte, como mercadoria e a aparição de uma categoria particular de bens específicos destinados ao mercado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura de arte. Instaurada na dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação."
Se este mundo teórico da democracia ainda está disperso nas múltiplas versões e experiências, maior é a dificuldade ao querer implantar a democracia no mundo prático. Em especial no âmbito da era industrial esta contradição é mais forte e que Olivio Dutra sentiu ao escrever (1983: 04) "pode-se falar em democracia da porta da fábrica para fora. Da porta da fábrica para dentro, não pode". Torna-se também competente para enfrentar a constante insegurança como afirma Chaui (in Lefort, 1983: intr.) que "a democracia possui a capacidade de questionar as suas instituições e abrir-se para história sem possuir garantias previas"
Quando estes componentes são reduzidos a um ou outro componente fixo, tanto no campo teórico como no empírico, eles passam a se hostilizarem, contradizerem e não caberem nesta fórmula fixa, única e primária. Na medida em que os variados componentes de Democracia deixarem de se hostilizar e contradizer eles se tornarão complementares e ganham sentido como polos de energias opostas. Provocam permanentes alterações neste equilíbrio homeostático entre forças contrários e instáveis e em permanente estado crítico nesta polaridade de opostos. Os quatro pilares, ou eixos, apresentados no presente texto buscam este equilíbrio homeostático entre forças contrários e instáveis e em permanente estado crítico e que são complementares entre si. O vasto campo do mundo empírico, no qual age a Democracia, estende-se muito além deste modelo teórico. A atividade da própria Ciência que na concepção de Kuhn (1997 p. 25) segue contratos que "são denominados de revoluções científicas os episódios extraordinários nos quais ocorre a alteração de compromissos profissionais. As revoluções científicas são os complementos desintegradores da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada". Respeitando esta oscilação o presente texto acalenta apenas o projeto de querer fugir do fixo, do silêncio, do imponderável e da conivência com as corrupções e reducionismos de que padece a prática da Democracia. Neste âmbito é possível admitir uma espécie de autonomia proveniente da estética na que Rosenfeld comentando (1963, pp. 16/7) a partir da leitura de Schiller.
"O feito de Kant é ter definido, com grande precisão, a peculiaridade e autonomia do gosto estético dos objetos a que se refere, diferenciando-os, de um lado, radicalmente do conhecimento e do julgar lógicos e, de outro lado, do aprovar moral e dos princípios morais. Kant concebeu entre a função teórica do nosso intelecto – que se refere ao conhecimento das leis morais, isto é, daquilo que não é, mas deve ser – uma terceira função, inteiramente autônoma, intermediária entre as outras. Esta terceira função, numa das suas especificações, constitui o gosto estético que, portanto não pode ser reduzida nem a conhecimento lógico-científico, nem à razão enquanto determinadora do imperativo moral (isto é das normas da nossa vontade)".
Na base do gráfico (03) constam como infraestrutura as NECESSIDADES BÁSICAS HUMANAS . O acúmulo gradativo, neste campo de energias, culmina nas condições e circunstâncias da Democracia colocada no centro de convergência de três outros campos de forças. As energias da infraestrutura podem serem expressas e tomar formas em mentalidades, em discursos e textos consagrados ou ações de pessoas consideradas paradigmáticas. Estas energias se legitimaram e convergem para serem elementos de um contrato coletivo ou autoridade legitimada. Não há como esquecer que os termos, deste contrato, são entes primitivos e que Kuhn coloca (1997: 23) na medida em que "a pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter adquirido respostas seguras".
Círio Simon 1986
Gráfico 03 – Os quatro polos da democracia.
Na parte superior do gráfico coloca-se o EQUILÍBRIO entre o "EU" o "TU". Equilíbrio que não significa um ponto médio fixo de um "NÓS" emergente entre as variadas forças e energias que compõe este campo de energias críticas.
Aceita-se a concepção de equilíbrio que o poeta Schiller descreveu (1963: 98) como "os pratos da balança equilibram-se quando vazios e também, quando suportam pesos iguais" . O mesmo poeta e educador Schiller avança (1963: 52) em direção à excelência do equilíbrio ao humano e ao seu objetivo de pertencer à uma época, lugar e grupo humano onde "a tensão de forças espirituais isoladas gera homens extraordinários, mas apenas a temperatura uniforme delas os faz felizes e perfeitos". Esta "temperatura uniforme" pode ser aceita como uma metáfora do clima gerado pela Democracia. Este equilíbrio e esta temperatura uniforme - gerados pela Democracia - agem de forma homeostática. Não possuem a esperança de um único ponto médio fixo imutável e imponderável em todos os tempos e lugares. A Democracia possui muitos pontos em comum com a Arte. Ambas gozam e necessitam da interdisciplinaridade neste vasto âmbito. Para ambas pode-se aplicar o que Schiller escreveu (1963:35) sendo que:
"o mérito espiritual da arte não pesa, e ela, roubada de todo estímulo desaparece do ruidoso mercado do século. Mesmo o espírito de investigação filosófica rouba uma província após outra à imaginação, e as fronteiras da Arte vão se estreitando na medida em que a ciência amplia as suas".
Mesmo neste gradativo estreitamento das suas fronteiras a Democracia ainda conserva a sua vida enquanto existir a homeostase entre os extremos de seu contínuo. Os extremos representam a tendência comandada por esta homeostase contínua, a semelhança do gráfico dos quatro polos da democracia. Os vetores do "EU" e do "TU" conduzem os projetos e os esforços humanos a uma destas oscilações continuadas. Para que esta oscilação seja contínua, Habermas argumenta (1979: 56) que o EU naturalizado é um erro. O erro parte "da noção de que o pensamento pressupõe a unidade transcendental do EU é tão falha, ontologicamente, quanto a suposição de que a geração de objetos estéticos implica a unidade criativa do sujeito". Nesta concepção Hannah Arendt escreveu (1983 p. 322) que
"Uma tendência persistente da filosofia moderna, depois de Descartes, talvez a sua contribuição a mais original para a filosofa, é o cuidado exclusivo do EU, por oposição à alma, à pessoa, ao homem em geral, a tentativa de redução total das experiências que se desenrolam entre o homem e seu EU.. Não é a alienação do EU, como acreditava Marx, que caracteriza a época moderna, é a alienação em relação com o mundo"
Uma das façanhas do artista Fernando Pessoa (1888-1935) foi realizar o transito poético ente o EU UNO para o TU MÚLTIPLO através dos HETERONIMOS. A grande contribuição do artista criador foi ser capaz, de no seu LIRISMO, contornar tanto o NÓS como a EPOPÉIA descritiva de um OUTRO. Com estas estratégias poéticas o criador lusitano manteve a autonomia e coerência entre o EU, o TU e o NÓS.
Na parte esquerda do gráfico coloca-se a AUTONOMIA deste "EU" depois de livrar-se da heteronímia e da anomia Esta autonomia determina a moralidade e historicidade dos atos deste "EU" e apto as condições e as circunstâncias da Democracia concebida como uma construção artificial e também correndo os riscos permanentes da entropia e do caos.
Na parte direita do gráfico coloca-se o "TU" que busca expressar-se por meio da INTERAÇÃO progressiva com os demais seres humanos depois de galgar os degraus da cooperação e da participação emocional. No estágio da interação pode deliberar e decidir em relação às perdas e os lucros antes, durante e após as ações empreendidas no meio social e conduzidas num projeto coletivo. Este projeto coletivo converge para as condições e as circunstâncias da Democracia conhecendo e evitando também os riscos permanentes da entropia e do caos.
1.13 - VOTO NÃO É DEMOCRACIA EM SI MESMO.
"A improvisação de curiosos em competentes"
Campos, 1931, p. 05
A Democracia participa da concepção, da circulação e da atualização na linha de pensamento que acompanha o trânsito de uma obra de arte por este mundo. O pensador Recht esclarece (1998: 8) que:
"possuímos o sentimento de que mais que o artista, é a obra de arte singular que se emancipa. Ela tenta ao longo dos séculos XII, VIV e XV, um longo processo de autonomização que irá afastá-la cada vez mais de seu caráter «funcional» de objeto de culto para fazê-la entrar na economia do mercado e subir assim ao estatuto de, objeto de coleção particular, entregue ao prazer da posse do seu proprietário pois, num terceiro tempo enfim, a da obra de arte destinada a coleção publica, à instituição patrimonial e ao museu. A cada uma dessas fases do destino da passado corresponde uma mudança que afeta a concepção de arte que lhe é contemporânea".
Está concepção da migração da obra de Arte transferida para democracia materializa-se no voto. O artista, tão bem como o eleitor, percebe a sua obra, ou seu voto, fugir-lhe das mãos e perdem a autonomia sobre ele. O voto, tão bem como a obra de Arte o voto, também está cercado de riscos permanentes da entropia e do caos a partir do seu portal de entrada da democracia e da Arte. A sua corrupção pode encenar-se por meio de um pseudo voto como obra falsa. De fato o voto pertence ao universo das verdades adequação e que Todorov sintetizou (in Oliven, 1992: 24) como "a verdade-adequação não conhece outra medida que o tudo ou nada". Nestas necessárias verdades adequação instaura e segue rituais que permitido ao público o que ele deseja, delibera e determina e que possuem apenas afastar as tensões inerentes ao exercício do poder. Um péssimo governo possui na sua raiz e princípio a corrupção do ótimo, a Democracia entre eles. Os latinos já sentenciavam a "corrupção dos ótimos é péssima".
Interesses pouco claros transformaram o voto numa "armadilha" cíclica e compulsória na qual perecem as melhores intenções e germina a corrupção dos eleitores e eleitos. Aparentemente uma tirania não atinge o pensamento e deixa livre o exercício de uma mentalidade. Este é uma meia verdade pois o controle sobre o corpo impede, distorce e reduz a possibilidade da expressão desta mentalidade e pensamento. Na concepção Umberto Eco, numa divulgação de Calligari (1995 cad.5 p.6) denuncia "o controle físico afeta os valores espirituais. A referência ao corpo é importante porque nenhuma ditadura pode paralisar nossa possibilidade de pensar, mas ela pode impedir nossa possibilidade de expressar este pensamento com a língua." Assim, no caso do voto eletrônico, todo o discurso do cidadão é silenciado e reduzido ao gesto de tocar alguma teclas e da qual não recebe outro feedback do que o "FIM". Diante desta distorção e reducionismo das deliberações e decisões do cidadão pelo atual sistema de votar não é possível do que denunciar uma armadilha.
A falta de um contrato claro e previamente pactuado, mergulha em meias verdades pontuais e transitórias e arrasta o eleitor para esta "armadilha". Nela perecem as boas intenções dos cidadãos que se tornam agentes involuntários a contragosto da corrupção da Democracia. O voto dado nestas circunstâncias da heteronímia da vontade do eleitor não legitima nenhum contrato digno deste nome. A carência contratual clara e consciente oportuniza aos eleitos tomam-se a liberdade para amplia o raio da corrupção. A maior boa vontade do eleitor - apanhado por esta rede colocada compulsória legalmente no seu caminho - é o início de um grande mal. Basta ler Guimarães Rosa:
"Querer o bem com demais força e de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar. Esses homens ! Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertando. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo"
O voto compulsório corrompido tornou-se um ídolo. Todo ídolo possui os seus profetas, sacerdotes e sacerdotisas. Os profetas da democracia já morrerem há muito tempo e – como bons profetas - não escreveram. Ou - se escreveram - dizem pouco para a atual infraestrutura da era da informação digital numérica. Nesta atualidade Paul Ricœur demonstrou a falácia "de um voto por eleitor", que gera apenas uma maioria numérica amorfa e pontual que se dissipa logo até pela falta de um contrato digno deste nome.
Esquemas de marketing e propaganda são competentes para eleger pessoas comprometidas com os interesses da corporação e dos eleitos. A Democracia é corrompida até o cerne no espaço público. As corporações - que conduzem e armam e financiam este marketing e propaganda eleitoral – realizam este investimento em troca de favores. Constroem um governo que lhes deve cargos, uma pauta favorável e o direito de se imiscuírem nos atos administrativos dos eleitos. Um descarado populismo encobre e dissimula esta promiscuidade. Este populismo corre pelo leito de todas as formas de colonialismo e da escravidão que constituem pragas endêmicas na América Latina.
No populismo o voto foi reduzido a um ritual compulsório que deve ser conduzido com todo cerimonial de uma corte ao melhor estilo dos faraós, imperadores e ditadores de toda a ordem. Porém o regime permanece o mesmo desde o Brasil Colonial.
Revista Madrugada - Porto Alegre - ano 1 - nº 5 - 04.12.1926 s/p
As ruas transformam-se em templos para este corporativismo e nos quais os seus sacerdotes, os mediadores e os interesseiros fazem desfilar os seus coloridos ídolos pós-modernos. Estes sacerdotes, mediadores e os interesseiros apregoam as suas magras vantagens, nestes templos leigos das avenidas, usando as trombetas do marketing para corromper o voto do eleitor. Para tanto fazem promessas e juras impossíveis de levar ao mundo prático.
Os candidatos são transformados em "santinhos" pela graça do marketing e a propaganda eleitoral. Estes instrumentos das imagens transformam-se em linguagem que Otto Pächt condena (1994: 112) pois:
"a paixão quase frenética que se alimenta hoje pela iconografia nos aprisiona numa esfera dependente da linguagem, que autoriza enunciados, em que haja necessidade de empreender o trabalho difícil de traduzir a partir de uma linguagem diferente, que dizer, transpor para um outro meio, num outro elemento, as características da obra visual".
Os olhos dos potenciais eleitores são bombardeados por um arsenal interminável de ícones. Os seus ouvidos são saturados até o limite pelos sons os mais estridentes de jingles repetitivos e do mau gosto mais horroroso possível. Muito poucos percebem quais as reais fontes dos fundos partidários e os interesses determinantes do marketing e a propaganda eleitoral que se esconde nestes produtos da cultura industrial. Empresas, escritórios, agências bancárias aguardam e necessitam destes eventos para movimentar consideráveis somas de cuja natureza e fluxo e destinatários o eleitor permanece muito distante. A distância entre o domínio linguístico e os campos da Filosofia e da Psicologia é perceptível na separação intencional pelo campo de forças marketing e da propaganda eleitoral. Esta clivagem contraria o Lyons ao escrever (1976: 95) que "a linguística não pode ser separada da filosofia e da psicologia". Por sua vez Maturana e Varela descrevem (1996: 180) a lógica do domínio linguístico ao "designamos como domínio linguístico de um organismo ao domínio de todas suas condutas linguísticas. Os domínios linguísticos são, em geral, variáveis e mudam ao longo das ontogenias dos organismos que os geram". Este domínio das condutas linguísticas do cidadão autônomo é jogada, violentamente, na heteronímia pelo marketing e pela propaganda eleitoral. Estes necessitam impostar, não só uma nova linguagem, mas modificar aos genes do repertorio do eleitor, violando e adulterando o centro da vontade das ontogenias dos organismos que os geram. A separação violenta e quase irreparável entre a verdade filosófica e verdade científica legitima os discursos, as práticas e os resultados irreconciliáveis entre si mesmos. Esta ruptura foi registrada por Arendt quando distingue (1983: 364) "a verdade científica e verdade filosófica estão quites uma com a outra; a verdade científica não tem mais necessidade de ser eterna, ela não tem inclusive necessidade de ser compreensível, nem de convir a razão humana". O contrato entre eleitor e o eleito cessa no ritual e no fugaz instante do voto eletrônico. O eleitor seguiu a singela e incompreensível verdade científica do voto e que de fato não passa de um placebo da democracia. O que contraria qualquer projeto democrático é constar que eleitor exerce este ritual com o intuito primeiro de escapar das sanções que a sua faltar às unas poderia gerar. Assim o candidato eleito é aquele cujo nome e imagem a propaganda e marketing político conseguiu gravar na sua memória individual e cuja lembrança o eleitor irá apagar logo após o ato de ele digitar o número e ver o "santinho" promocional.
Aos eleitos - por meio deste ritual – nem se atrevem a cobrar do seu eleitor a fidelidade ao voto dado. Pudera existir tal contrato. Porém ele não é eleitor no senso estrito do termo, mas apenas um perpétuo enganado Diante desta infidelidade do eleitor, o eleito também passa a pergunta-se:
- Por que o eleito necessita ser fiel aos seus eleitores?
Mas o efeito do analgésico do marketing e da propaganda subliminares e massivas necessita serem esquecidos, apagados completamente e o mais rápido possível da memória do eleitor. Esquecimento de nome e do "santinho" promocional do candidato é necessário para o eleitor, pois provoca nele dores e constrangimentos por ele ter sido jogado na heteronomia da propaganda e marketing subliminar. Num tácito contrato - que beira a mais completa heteronímia da vontade - o eleitor dispensa o eleito da fidelidade a tudo que prometeu. O eleitor não possui nenhum instrumento legal para cobrar efetivamente as promessas e que se transformam em nuvens passageiras de verão.
É necessário denunciar a fragilidade de um contrato honesto entre duas partes quando o eleitor é coagido e obrigado à votar. O eleitor encontra-se na mais profunda heteronímia quando submetido ao VOTO COMPULSÓRIO. Os atos humanos são passiveis de sanção moral apenas quando a sua vontade está em pleno gozo da sua autonomia para deliberar e decidir. Quando a vontade do eleitor está mergulhada na heteronímia ela não tem mais nada a fazer, senão varrer de sua memória à humilhação a que foi submetida ao ritual externo e formal do VOTO COMPULSÓRIO. A incômoda a memória da humilhação pública do engodo da sua autonomia é proveniente do pseudo voto a que o eleitor foi submetido deliberar e decidir, sem garantia de um depois desta ação compulsória. Neste imenso espaço "do depois" o eleitor possui o direito de apagar de sua memória toda a fidelidade ao eleito quando percebe ter sido vítima de um voto corrompido por interesses alheios expressos numa meia verdade. Com este direito abala todo o edifício de uma civilização humana fundada sobre uma meia Democracia. Esta meia Democracia permite que alguns socializem prejuízos e arranquem corações e mentes em proveito e lucros exclusivos para si e para o seu grupo de interesses inconfessáveis. Destas circunstâncias inconfessáveis decorrem os cargos e a funções exercidas na administração pública do Estado.
Estas circunstâncias inconfessáveis o corrompem o voto e se projeta sobre toda a vida da Democracia atrapalhando mais do que ajudando.
Contra esta corrupção de origem do mandato não há como deixar de lembrar a forma adotada em Atenas para preencher os cargos públicos. Para Aristóteles (1998)
"a Democracia é uma forma de governo na qual os cidadãos distribuem os cargos estatais entre si por sorteio, enquanto na Oligarquia a qualificação é por propriedade e na Aristocracia, por educação…"
A condição do candidato era de ter completado 30 anos de idade. A função durava um ano podendo ser reconduzido ao cargo como aconteceu 23 vezes com Péricles. A insistência na educação pode significar a aspiração subliminar de todos a serem ARISTOCRATAS.
Onde se encontra a essência da vida na democracia?
A vida na Democracia é competente para circular no âmbito do Poder Originário. Contudo esta vida na democracia só toma forma quando, este Poder Originário, possui consciência de sua voz e vez. A autonomia da sua vontade própria expressa e audível por todos da sua voz para deliberar e vez para com direito de decidir antes durante e depois de qualquer ação coletiva. O poeta, dramaturgo e pedagogo Schiller é categórico ao afirmar (1963, p. 95) que "Somente daquele que tem consciência de si pode-se exigir razão, isto é, coerência absoluta e universalidade de consciência; antes disto ele não é homem e nenhum ato humanidade pode ser esperado dele". A partir desta consciência esta voz, a vez para deliberar e de decidir acontece quando em alguma forma de Democracia explícita o contrato de que o poder emana do povo de fato e de direito. Neste contrato supõe - entre outras coisas - a autorização para conferir, ou não, as FUNÇÕES de um CARGO público legalmente existente destinando-o para pessoas qualificadas o exerçam por um tempo determinado. Este próprio cargo público já pré existe na autorização do poder originário e para funções com vistas à governabilidade de uma sociedade. Um CARGO público jamais existe para que o seu ocupante socialize prejuízos e embolse lucros pessoais ou o transforme num feudo de poder pessoal.
A Democracia não é apenas um exercício de equilíbrio homeostático de forças bipolar e maniqueísta entre dois pólos antagônicos. A Democracia resulta de transformações múltiplas, profundas e verdadeiras resultantes de contratos autênticos e coerentes entre quem cede e quem recebe o poder. Ela mantém, enquanto viva, um equilíbrio homeostático entre forças antagônicas que se envolvem em contratos no âmbito dos quais o poder é transformado em autoridade. Esta a transformação do poder em autoridade resulta do processo da interação entre o votante e o votado. Este processo é poucas vezes evidenciado e percebido no âmbito da homeostase múltipla. Os agentes se agarram aos rituais e formalismos legais do voto compulsório. O autêntico processo da interação entre o votante e o votado só é coerente com a democracia quando transforma e reforça o equilíbrio construído e continuado entre o EU e o OUTRO. O EU que renuncia o seu poder pessoal em favor do OUTRO, autoriza-o a exercer este poder para além do momento do ritual do voto. Deste equilíbrio homeostático de Democracia decorre a necessidade da perpetua vigilância a ser exercido basicamente pelo seu Poder Originário.
A autoridade torna-se inútil para as funções públicas, senão profundamente prejudiciais, quando carecem de contratos profundos, coerentes e verdadeiros entre quem cede e quem recebe o exercício efetivo do poder. Sem este contrato público os atos do exercício o poder governamentais desta autoridade tornam-se débeis, inúteis ou prejudiciais. Um ocupante de um CARGO público, mesmo legitimado por um voto pontual e questionável e sem um contrato com quem lhe cede o poder, normalmente passa a se preocupar apenas em socializar prejuízos e embolsar lucros pessoais. O poder originário do voto compulsório passa a ser neutralizado num ritual de um voto corrompido e controlado antes e depois da eleição. O poder originário, diante desta pseudo-autoridade, cai na mais absoluta heteronomia. A pseudo autoridade, refugiada por traz da máscara e do ritual do voto compulsório, que legitimou aparentemente a quem ocupa o CARGO e se encontra muito longe das FUNÇÕES previstas em lei. Um CARGO público é instituído pela vontade e em FUNÇÃO do poder originário. Porém esta pseudo autoridade aniquila a vontade do poder originário pelo ritual do voto conduzido pelos sacerdotes e sacerdotisas do corporativismo interesseiro do seu continuísmo no poder pelo poder. Esta pseudo autoridade anula e corrompe todas as configurações como no caso de um jogo fraudado. Nesta configuração Chartier registrou (1998 : 244) que "os jogadores não incluem só o seu intelecto individual. Mas toda a sua pessoa, suas ações e relações sociais". O jogo politico, fraudado por uma pseudo autoridade, corrompe-se e se esteriliza os contratos profundos e verdadeiros entre quem cede e quem recebe o poder como autoridade. O pior provém do fato de que na Politica, no Esporte e na Arte não existir forma como pedir perdão, pois estas ações resultam da livre aceitação das regras e dos contratos destes campos de forças e competências humanas.
1.14 - ESTADOS SOBERANOS da AMÉRICA.
O Decreto que proclamou a República concedeu soberania aos estados regionais brasileiros. Esta massa de "soberanias" levou á uma forma de anomia coletiva onde todos mandavam e ninguém obedecia. A revolução de 1930 e depois a Estado Novo nomeou interventores, queimou as bandeiras regionais e os seus demais símbolos
Em 2013 o Brasil é reconhecido juridicamente soberano e os estados regionais receberam autonomia no âmbito da Constituição de 1988. Esta autonomia compõe-se de uma competência e os seus limites.
Porém não adiantam estas distinções quando a pobreza não goza de autonomia e muito menos soberania. A pobreza não pode salvar a própria pobreza. A pobreza se expressa e se reproduz indefinidamente na sociedade de "lumpen", no máximo. As favelas brotaram como coroas de espinhos cercando todos os núcleos urbanos da América. Não adiante soberania dos Estados americanos inclusive os ricos EEUU. Uma sociedade de "lumpen" resulta de um entendimento equivocado dos Estados que se entregaram o seu poder à lideranças de corporações públicas, ou privadas, que sufocam todas as aspirações políticas de um povo que deveria ser o protagonista.
Ao Brasil não adiantou desfazer-se do Regime Colonial lusitano ou imperial. Estes regimes foram substituídos pelo conceito de etapas ao longo do Regime Republicano. Segundo Mota, (1980: 239) estas etapas levaram ao:
"dualismo, a visão em etapas do processo econômico e cultural, a rigidez dos conceitos para entender as variações de uma sociedade de massas, que veio a substituir os quadros de oligarquia, não bastam e não bastaram para enfrentar tão complexo tema"
Premido pela necessidade urgente de enfrentar o tão complexo tema do dualismo subliminar, o que se propõe, aqui, é o protagonismo do político para transformar as contradições e complementariedades. Protagonismo que seja competente para enxergar por cima das muralhas das contradições e das grades das mansões daqueles encastelados nos seus bens materiais. Protagonismo que se faz solidário com quem vive no isolamento físico e sob os pobres tetos das favelas. Protagonismo do cientista jurídico que se opõe à tradição, à mentalidade e à visão de que a lei precede o fato, inclusive econômico. Em 2000 Faccioni escreveu que:
"a partir da Constituinte de 1988, na qual muito batalhei pelo aperfeiçoamento e pela dinamização dos tribunais de Contas do Brasil, acabou-se ampliando sua ação em termos de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial sobre os três poderes do Estado e todas as atividades de administração direta e indireta, inclusive os municípios"
Caberia aos cientistas jurídicas estudar as possibilidades e as potencialidades do Poder Originário possui nesta interação simultânea com os três poderes de um Estado. Depois de obter um padrão desta interação efetiva, ampliar este estudo aos diversos países soberanos das Américas. Após verificar como Poder Originário e os Estados realizaram estudos dos processos de interação e autônomas das pressões econômicas, políticas partidárias e ideológicas.
Os cientistas jurídicos constituem uma das categorias profissionais mais organizadas e com a tradição proveniente de Oxford, Salamanca e Coimbra. As sociedades evoluídas o são na mediada em que é possível distinguir o "Homo Academicus" na concepção de Bourdieu. Este escreveu (1996b: 206 /7) que:
"o homo academicus, é alguém que pode jogar a sério, porque seu estado (ou Estado) lhe assegura todos os meios de fazê-lo, isto é, o tempo livre, liberando-o das urgências da vida; a competência, assegurada por um aprendizado específico com base na skholé, e, por último, e de maneira especial, a disposição a investir, a envolver-se nas relações fúteis, pelo menos aos olhos das pessoas sérias."
No o Brasil este "Homo Academicus" de Bourdieu é ainda temporão. No entanto seria ainda uma Colônia Escravocrata se tivesse se orientado pelas tradições, pelas mentalidades e pelas visões legais forjadas nos moldes de Coimbra.
Os legisladores argentinos, reunidos em Tucuman, no dia 09 de julho de 1816, proclamaram a independência. O 09 de julho é para a Argentina aquilo que significa para os EE UU o 04 de julho de 1776. Os méritos desta origem cabem aos "pais da pátria" que quebraram a ordem colonial e instalaram a soberania de suas pátrias contra a ordem das metrópoles colonialistas.
Caberia aos juristas, de todas as nações americanas, continuar, desenvolver e reproduzir em todas as instâncias continentais a semente da obra dos legisladores lançada em Tucuman. A era da informação numérica digital oferece ferramentas aptas para revisar e corrigir a heteronímia do Poder Originário de cada Estado e município e assim continuar, desenvolver e reproduzir a semente lançada pelos "pais da pátria". Com estas veredas abertas pelas Ciências Jurídicas os homens de negócio e os empresários teriam caminhos bem mais seguros. Cabe saber se os atuais juristas possuem por projeto e tem condições para querem prosseguir neste caminho da soberania nacional. Na visita às bases históricas percebe-se ainda a obra dos "pais da pátria" e o seu protagonismo como cientistas jurídicos. Obra que tornavam as províncias coloniais independentes das metrópoles coloniais. Mesmo que os grêmios cientistas jurídicos se digladiarem entre si mesmos, sempre coube ao Poder Originário para deliberar e arbitrar em relação ao bem, ao belo e ao direito comum. As luzes geradas pelas energias das disputas de poder nos intensos conflitos internos dos cientistas jurídicos permitem alimentar, mover e reproduzir a obra dos "pais da pátria". Os instrumentos da era da informação numérica digital vieram somar-se ao trabalho a favor do projeto inicial. Eles permitem atualizar e continuar a sua fertilidade já demonstrada pelo Poder Originário nas nações das três Américas ao longo do transcurso contínuo de dois séculos de soberania.
No período em estes estados da América do Sul soberanos e venceram o regime colonial realizaram conquistas fundamentais. Conquistas que mais os une do que separam e que permitem que não só ocupem o mesmo continente com um passado semelhante e projetos semelhantes. Em 2013 todos eles possuem por base a regime republicano. Todos eles estão formalmente em paz uns com os outros. Todos eles, sem exceção, aboliram a pena de morte, baniram as armas nucleares e terminaram com os regimes ditatoriais salvacionistas com a presença preponderante dos militares nos seus governos centrais. Todos eles, sem exceção, necessitam enfrentar os abismos econômicos e com reflexos na fome das suas populações, nas favelas, na educação precária e na preservação da biosfera ameaçada.
CAPÍTULO 02 - PODER ORIGINÁRIO
24/04/2013 07:43
LIMITES do PODER ORIGINÁRIO
Nos limites do Poder Originário busca-se controlar a coleta dos dados e contrastá-los e confrontá-los com a teoria. Neste polo técnico, não se garante exatidão mas a enumeração a mais exaustiva possível nos limites de sua competência.
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2.01 – a sustentação do poder originário; 2.02 – a ditadura na era da informática; .2.03 – a guerra social para contornar a guerra real; 2.04 – o projeto do poder originário; 2.05 – a participação popular; 2.06 – o povo como sinônimo de pobre e de desqualificado; 2.07 – muito cacique – pouco índio;. 2.08 – utopias generalistas como contratos sociais ocultos; 2.09 – a senha de identidade cidadã.
2.01 – A SUSTENTAÇÃO do PODER ORIGINÁRIO.
“A toda competência corresponde um limite”
Clemente Mariani (1947)
Neste capítulo adiantam-se algumas crenças em soluções necessárias para a circulação do Poder Originário. Esta é uma tarefa do polo técnico que Bruyne descreve (1977: 360) como aquele que “controla a coleta dos dados, esforça-se por contrastá-los para poder confrontá-los com a teoria que os suscitou. Exige precisão na constatação mas, sozinho, não garante sua exatidão” Neste polo, com calma e paciência, é necessário ponderar o que o pesquisador Kuhn nos faz distinguir (1997: 78) entre descoberta e invenção nos quais “devemos agora perguntar como podem surgir tais mudanças, examinando em primeiro lugar descobertas (ou novidades relativas a fatos), para então estudar invenções (ou novidades concernentes à teoria)” No hipotético “quarto poder” encontram-se variadas formas, resistências e recusas em admiti-lo no mundo prático. Relativo este estudo de invenções do “quarto poder” é possível valer-se de Kuhn ao tratar da teoria derivada: quando afirma (1997: 185) que:
“não pode haver nenhum sistema de linguagem ou de conceitos que seja científica ou empiricamente neutro, então, a construção de testes e teorias alternativas deverá derivar-se de alguma tradição baseada em um paradigma. A verificação é como seleção natural: escolhe a mais viável entre as alternativas existentes em uma situação histórica determinada”.
Neste rumo nos orientaremos pelos recursos técnicos provenientes das sucessivas descobertas do mundo numérico digital recém-instaurado. Nas invenções adiantamos novas formas de perceber, de cultivar e de reproduzir o Poder Originário. Invenções de novas formas para fortificar suplementar os habituais e consagrados “três poderes”. Invenções que visam transformar as contradições, as resistências e as recusas ao mundo numérico digital que tomam forma diante da era pós-industrial. Nas invenções é logico que os lideres mais atilados percebem num hipotético “quarto poder” abastecido ainda nas concepções vigentes na era industrial, tanto na sua definição, no seu suporte institucional como na sua reprodução. Toda a mudança assusta e causa as mais variadas reações. Só a possibilidade da existência de uma hipotética autoridade do “quarto poder”, assusta conceitualmente. Bloqueios e recusas em quem se encontra no exercício ou são favorecidos pelos clássicos e consagrados “três poderes” da era industrial. Contudo a era pós-industrial impõe mudanças ainda mais profundas e radicais do que aquele da concepção do “quarto poder” da era industrial. Esta possibilidade causa bloqueios e a consequente recusa liminar de qualquer mudança. Bloqueios e recusas que possuem o seu fundamento na cultura, nos hábitos e nos dos arraigados repertórios da era industrial e, mormente, um “quarto poder” que ainda não possui história consagrada como aquele da era pós-industrial. Estes limites são mais do que evidentes e até compreensíveis.
As variadas formas de um “quarto poder” e a falta de uma definição unívoca e linear, traz imensos problemas para a própria sustentação, exercício e reprodução do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Diante destes problemas compreende-se a procrastinação da definição, daquilo que constitui um “quarto poder”, ou, um constante titubeio, para admiti-lo conceitualmente. A procrastinação e o titubeio põem em jogo e evidenciam a cultura, os hábitos e os arraigados repertórios dominados no clássico tripé de sustentação da autoridade do período industrial. No contraditório a nova era numérica digital torna anacrônica e pouco eficaz a linha de montagem da era industrial. Além desta obsolescência programada a cultura da era industrial carregou-se de todos os parasitos imagináveis, além da sua obsolescência. O resultado é um Estado anacrônico e inchado no qual cada um dos três poderes luta para definir um “quarto poder” à sua maneira e que jamais coincidem ou encontram um ponto de contrato comum com os outros dois poderes.
Le MONDE em 15.01.2013
Os FRANCESES e a CONFIANÇA em suas INSTÂNCIAS de GOVERNO. Nesta confiança não são medidas as tendências politicas nem nomes dos seus agentes. Percebe-se neste gráfico a nítida tendência declinante da confiança do cidadão francês em relação ás suas instâncias e aparelhos estatais. Porém está nítido que este cidadão ainda confia predominantemente na sua célula municipal.
Na era pós-industrial a “quarto poder” representará um ganho substancial na medida em que for neutro e estranho aos três poderes clássicos. Ganho na clareza das distinções das competências de cada um destes poderes. Clareza de distinções e competências que se torna possível por meio dos instrumentos numérico digitais. Uma escolha consensual irá constituir uma mudança significativa para cada um dos poderes clássicos e ativos. Neste âmbito ele representa uma organização e uma estrutura independente, porém complementar aos três poderes. Numa leitura de Maturana e Varela encontra-se (1996: 40) a descrição da “organização das relações que devem dar-se entre os componentes de algo para que seja reconhecido como membro de uma classe específica. Entende-se por estrutura de algo aos componentes e relações que concretamente constituem uma unidade particular realizando sua organização”.
Nesta unidade particular que realiza a sua organização começa pela pergunta de quem irá sustentar este “quarto poder” e continua pela pergunta “se ele deve organizar-se por si mesmo”. Num estado contemporâneo existiriam poucas dúvidas quanto a este ponto. Este Poder Originário já existe. A sua natureza legal e formal é exercida nos momentos em os constituintes são convocados.
Restam dúvidas em relação á sua origem, aos seus limites e competências. Na sua origem, se seguir o mesmo modelo do voto pontual e irreversível, repete-se o mesmo quadro das eleições de “eleitor = um voto”. Quanto aos seus limites nos quais este poder originário é colocada atrás da porta. Reduz-se a raros e distantes momentos de sua efetiva convocação e exercício. Quanto à competência a obra final deste tipo de “Poder Originário” vive com as variadas e constantes infiltrações provenientes de uma ou mais hermenêuticas. Hermenêutica ao sabor das mais variadas ideologias que comprometem e interpretam a obra dos constituintes. Competência também comprometida por uma cultura dinâmica e plástica que torna qualquer texto humano rapidamente anacrônico e incoerente com o novo tempo e lugar.
Estão ali as emendas e remendos de um texto legal de uma constituição concebida nas circunstâncias brasileiras do ano de 1988. Este texto legal representa a soma de conhecimentos, de vontades e de direitos dos mais necessários ao bem coletivo desta época histórica. Mas o fluxo da vida, do poder e as suas circunstâncias são novas e inéditas e para as quais este texto histórico pouco diz ou significa.
O “quarto poder” encontra poucas forças desinteressadas e neutras para a definição da sua natureza, do seu papel e da sua forma legal. No entanto, apesar deste limite, é necessário admitir liminarmente uma credibilidade suficiente para admitir a existência de uma soberania para o “quarto poder”. Esta necessidade admitida criará as bases de uma cultura para constituir este outro poder e que também irá vencer as dificuldades para encontrar formas desenhadas e ações coerentes com a sua neutralidade e respeito ao coletivo. Historicamente uma Nação organizada confia-se, de fato, a um Estado cujo governo organiza o poder em formas e ações coerentes com o coletivo. Esta coerência não nasce espontânea, mesmo que sejam por múltiplas e continuadas pressões coletivas. Há necessidade de uma centelha cuja força e coerência é construída no isolamento com a sua ideia. Arendt observou (1893: 215) que:
“o isolamento é a condição de vida necessária à toda a maestria, que consiste em estar sozinho com a «idéia», a imagem mental do objeto futuro. Semelhante maestria, de diversas das formas políticas da dominação, regula antes de mais nada as coisas, os materiais e não os homens. Com efeito, o mando dos homens é secundária no artesanato; na origem, as palavras «obreiro» e «mestre» eram empregadas como sinônimos. É somente parando, momento em que o seu produto está acabado, que o operário pode sair de seu isolamento”.
Compreende-se este isolamento tanto ao tempo da suspensão do juízo da “épokhé” antes do agir, como a atenção necessária e exclusiva ao longo da ação. Isolamento e atenção necessários antes dos contratos celebrados e coerentes com toda a educação formal preliminar[1]. Com esta falta de educação preliminar a sociedade civil organizada perde o seu papel de origem do poder. Com esta falta de educação preliminar ela não se habilita para um pacto e um contrato nacional capaz de dirigir, de manter e de reproduzir este tipo de poder atrofiado.
O jogo do poder de uma Nação, na ausência de uma educação formal, não conhece competências e limites da autonomia tanto do Poder Originário com a quem delega o exercício administrativo. Diante desta perda preliminar a necessitaria acordar para conferir um desenho para o trabalho a ser enfrentado no mundo da ação e da prática da cidadania. Entende-se por desenho aquela operação básica pela qual mundo mental designa aquilo que deve acontecer no mundo material e empírico. O desenho ou ‘disegno’, constituía, no universo da Arte, a base dos mais diversos ofícios e que vinculavam as artes plásticas ao mundo das ideais através do ato da designação mental. Assim o desenho constituição transito necessário entre a materialização de um projeto e daquilo de que ele realizar no tempo e no espaço. Segundo Pevsner (1982: 53)[2] os artistas da época de Miguel Ângelo qualificavam o ‘disegno’ como ‘ún signo de dio in noi’. Pevsner resumiu a importância que a Academia de Giorgio Vasari conferia ao Desenho, ao registrar que era a disciplina que reunia os mais diversos profissionais, trabalhando em materiais diferentes e que procuravam infundir nesses materiais os conceitos e ideias que os animavam.
Uma sociedade civil possui no seu desenho de uma Nação para organizar as suas potenciais energias. No cenário contrário reina a entropia, o caos comandada pela natureza que projeta ficar deitada ao sabor “Sono da Razão” e dormindo no berço esplêndido. Este “Sono da Razão”, é a ocasião que os mediadores e atravessadores do poder aguardam para interpretar, à sua maneira, o que esta Nação deseja. A escravidão voluntária de uma sociedade é caracterizada pela falta de deliberação, de decisões em tempo e de uma efetiva ação autônoma. Ação autônoma que implica não só profundo respeito ao termo liberdade como para o sentido que este termo é portador. O prefeito de Roma e historiador Giulio Argan indica o caminho quando escreveu (1992: 40) que “a ação do artista não teria nenhum sentido, se não fosse livre. Os homens do poder podem indicar-lhe o que fazer, mas não podem indicar-lhe a maneira de agir. A arte é um modelo do fazer segundo livres escolhas”.
Na época de mídia eletrônica é necessário admitir que o Poder Originário não possui uma imagem do seu próprio potencial no mundo da livres escolhas. Livres escolhas esmigalhadas e confusas que não conseguem se agregar numa imagem positiva de si mesmo e muito menos do potencial de liberdade de que é portador. O poder da imagem é inconteste para Goethe, ao afirmar (1945: 11) que ela “desce ao coração da matéria penetrando ali na realidade do mundo”. De outra forma Mazzocut-Mis acredita (1994: 64)[3] que:
“a imagem possui poder pois opera a substituição de uma força exterior na qual uma força não aparece a não ser para aniquilar uma outra força numa luta de morte, signos de força nos quais sinais e índices, que não possuem necessidade de serem vistos, constatados, mostrados depois contados e recitados para que as força, dos quais eles são o efeito, seja acreditada e com a imagem não se discute”.
No plano da pesquisa e da identificação de uma agente, Bourdieu mostra (1996: 206) que “se recolhermos atos e ações de ator social surgirá uma imagem de sua imagem”. O mesmo sentido e vigor da imagem podem ser encontrados em Arendt (1983: 193) e Chartier (1998: 179).
As classes, as categorias e as instituições do Poder Originário, carentes da sua imagem identificadora, podem ser jogadas na heteronímia. O desenho externo de uma imagem, alheia aos seus interesses, infiltra-se subliminarmente pelo construtivismo e formalismo, medeia, surpreende e aniquila a identidade. De um lado o Poder Originário caminha na busca de sua emergência, da sua “distinção e a reprodução deste desta cultural a procura de livrar-se a qualquer preço do anonimato e da insignificância” na concepção de Habermas (in Grespan, 1997: 8)[4]. Porém as classes dominantes conseguiram dialeticamente desenhar, ou projetar, outro mundo no qual foi riscada qualquer ameaça das classes depauperadas. A ação de acordar a Nação desta alienação induzida e da escravidão assusta a qualquer um. Assusta tanto pela extensão como pelas consequências desta ação. Esta tarefa poderia redundar em mais uma demonstração de aprendiz de feiticeiro que ao não dominar a própria mágica. Para esconjurar este perigo há necessidade de recorrer ao processo de diferenciação das esferas da atividade humana que Hannah Arendt anuncia (1983: 297) como:
“o conceito central das duas ciências verdadeiramente novas da época moderna, a ciência natural e a histórica, é o conceito de processo, que esta fundado sobre uma experiência humana: a da ação. É somente porque nós somos capazes de agir, de nós mesmos podermos deflagrar processos, que somos capazes de conceber, a História e a natureza como sistemas de processo”.
A ciência natural e a história são aliadas para esconjurar a improvisação e não deixar que o aprendiz chegue e colabore no efeito final contrário ao seu projeto malogrado, Se acontecer esta tentativa frustrada poderia invocar todas as sanções morais, jurídicas e materiais sobre este aprendiz. Enquanto isto o Poder Originário é jogado na mais profunda heteronímia, e vez de mantê-lo acordado, vigilante e com voz ativa na sua neutralidade diante de eventuais desmandos provenientes dos tiranos sempre de plantão. Estes desmandos necessitam um ativo sistema de verificação e que na concepção Kuhn, (1997: 185) “é como seleção natural: escolhe a mais viável entre as alternativas existentes em uma situação histórica determinada”. Esta mentalidade coincide com sistema de verificação do mundo estético onde Worringer concluiu (1957: 15) que “ todo fenômeno artístico permanece incompreensível para nós, até conseguirmos penetrar na necessidade e na regularidade de sua formação”. Sem este tempo e atenção aos fenômenos específicos esta verificação, mesmo o cientista político ou o estudioso da administração pública, está impedido de atirar em qualquer um e a qualquer pretexto. O cientista Bruyne os coloca (1977: 32/2) no Campo axiológico especifico no qual onde agem respeitando:
“o campo axiológico é o campo dos valores sociais e individuais que condicionam a pesquisa científica. A própria persecução do esforço científico é sustentada por valores específicos. Os valores culturais inerentes a sociedade impõem ao pesquisador a escolha de suas problemáticas, dos temas que ele aborda. Assim Max Weber insistia sobre a ‘relação aos valores’; Marx dizia que os homens só se colocam os problemas que podem resolver, confessando, por conseguinte, as conexões da pesquisa com os contextos sociais, técnicos e culturais nos quais ela se inscreve. Ora, a escolha da problemática deve esforçar-se por ser explícita, sob pena de ceder à múltiplas influências das ideologias. Os interesses próprios ao pesquisador sugere-lhe igualmente orientações específicas.. isso não impede absolutamente que as pesquisas em ciências sociais, cujo objeto com muita frequência concerne o estudo dos valores, das normas, das dignificações, possam tratá-los como ‘fatos normativos’ sem cair no subjetivismo”.
Quem se julga na autonomia necessita verificar os seus severos limites e aqueles do campo do poder originário e retornar às competências desta ação na luz do que Ladrière escreveu (1977: 207/8). O âmbito da célula municipal oferece a forma mais objetiva, visível e concreta destas competências. É nelas que o poder do Estado possui a origem mais próxima da base da sua própria competência para legitimar a tarefa de acordar a Nação. Na célula municipal os partidos exercem o seu papel preponderante de liderança nesta ação. Competentes para dar forma e para ocupar o poder do Executivo e do Legislativo. Competentes prover com dados e informações o Judiciário para que este avalie e julgue aquilo que foi proposto pelo Legislativo e praticado pelo Executivo municipal. Nesta célula municipal as lideranças destes partidos não excluem a sociedade civil constituída legalmente como instituições de toda ordem, como associações operárias e do capital econômico, das igrejas, dos clubes. As lideranças destes partidos possuem competência para emprestar a sua coerência, o seu sentido civilizatório e a sua autoridade para sustentar circulação do poder civil e determinar e aprovar formas novas e desconhecidas do “quarto poder”.
2.02 - A DITADURA na ERA da INFORMÁTICA
O uso da informática numérica digital - mais intensiva e humana - esbarrou na dúvida se a sua instalação efetiva o seu uso concreto não poderia derivar para uma cultura ao modelo conceitual de um “BIG BROTHER”. Dúvida que desafia não pela incerteza, mas a derrota dos projetos humanos e falta de rumo. A gênese da dúvida inicia no mundo helênico e ganha foros centrais na contemporaneidade conforme Arendt afirma (1983: 345) que:
“Descartes instala a dúvida e somos instados a segui-la em todas as ramificações. Como é possível aceitar o argumento da superioridade do espírito sobre os sentidos, quando ele reconhece que para triunfar deve se apoiar sobre os sentidos”.
O mundo moderno teve seu caminho civilizatório aberto pelas concepções do mundo grego clássico. Porém a dúvida em relação ao espírito e das suas chances para impor-se aos sentidos, estavam bem presente em ambos, conforme Arendt destaca (1983: 345/6 que:
“a filosofia moderna, depois de Descartes, consiste em sistematizar a dúvida e a segui-la em todas as suas ramificações.. Se o Ser e a Aparência se separam para sempre, pois esse é o postulado da ciência moderna, então não existe mais nada a aceitar na confiança; é necessário duvidar de tudo. Já Demócrito havia predito que a vitória do espírito sobre os sentidos não poderia terminar do que com a derrota do espírito.”.
A derrota do espirito ocidental precipitou-se através de uma janela que se escancarou repentinamente. As redes de terrorismo revelaram a outra face e se precipitaram sobre o mundo ocidental devido ao uso concreto e audacioso da informática. Estes instrumentos da informática mostraram, no início do 3° milênio, que as ditaduras não podiam ser destinadas aos museus da História. Ditaduras, tanto de agressão ativa, como aquelas passivas escondiam-se em argumentos daqueles que desejam demolir estas muralhas eletrônicas da segurança nacional. Ditaduras que acham as mais inesperadas brechas nestes sistemas de segurança. Estes sistemas se “desmancharam no ar” diante deste tipo de noosfera da informática e golpearam as estratégias, a logística e as táticas militares tradicionais.
Este desmanche atingiu, em cheio, as estéticas que utilizavam as estratégias que denominavam de modernas. Hansen analisou (1998: 34) este desmanche e constatou:
“em 1997 o momento heroico da sua diferença descolonizadora há muito foi apropriado no momento cínico do mercado objetivamente previsto no ato mesmo da invenção. O ‘moderno’ tornou-se método e pouco sobrou da negatividade das invenções [...] O que, supondo-se o monopólio do mercado, viria as ser romanticamente irrisório: Marinetti acadêmico, Duchamp no museu. A pintura moderna era fundamentalmente paródia. Capturada no museu, no mercado o nos media, tornou-se autoparódica, pois monumentalizada como classicismo da destruição de monumentos”.
Destruição que atinge os pesados monumentos de um passado da economia era agrícola tradicional. Destruição que não poupou os caros equipamentos da era industrial. Estes estão enferrujando e desativados como as fábricas que lhes deram origem, levando consigo o que restou do termo moderno. Desmanche que atingiu também as tradicionais estratégias, a logística e as táticas militares passaram a investir na lição das ditaduras do século XX. Estas preferem as formas das versões dos fatos políticos no lugar da realidade concreta. Neste sentido constroem o uma memória coletiva própria para o uso deste grupo interno e que Ruben Oliven destacou (1992: 20) que “a memória coletiva está ligada a um grupo relativamente restrito e portador de uma tradição, aproximando-se do mito e manifestando-se através da ritualização dessa memória”. Para tanto este grupo restrito manipulou e construiu factoides em versões interesseiras que ocultavam e fizeram circular, apenas, as informações que lhes eram favoráveis. Realizam esta façanha pelo “domínio do processo e não das ideias ao modelo e nas formas das coisas futuras, servem de orientação às atividades do homo faber da época moderna” na concepção Hannah Arendt que lhe confere (1983: 375).
Este grupo relativamente restrito que se vale de paradigmas concorrentes ao exemplo daqueles do universo das próprias ciências. Estas conforme Kuhn efetuam (1997: 137 e 184) “lutam pela adesão da comunidade científica. As diferenças são necessárias e irreconciliáveis”. Esta luta extrapola o senso comum. Confronta-se com o paradigma concorrente forjado pela indústria cultural e atende pelo chamativo nome de ócio forjado do termo ócio da realidade concreta. A concepção escapista do ócio e do reducionismo é obra do Iluminismo e da era industrial. Ócio devido à falta de postos formais de trabalho. Reducionismo cultural evidente nas obras para uma comunicação massiva necessária para o horizonte de uma idade mental de 12 anos. Contra esta tendência reducionista insurge-se Burke ao afirmar (1997: 7)[5] “impossível vulgarizar certas questões”. Na antiguidade clássica Aristóteles[6] era categórico ao afirmar “não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar”. O reducionismo além do risco da vulgarização, mergulha o emissor e o receptor no ecletismo.
No âmbito da cultura mais elaborada e erudita surgiu a concepção do tempo e do espaço abstratos, nos quais o tempo (relógio) e o espaço (metro), não obedecem mais as medidas humanas (pé, polegada..) A luz e as máquinas aboliram o ritmo do tempo de repouso e de trabalhos humanos. Esta realidade para Kuhn (1997: 130) levou para: “uma preocupação excessiva com problemas úteis, sem levar em consideração sua relação com os conhecimentos e as técnicas existentes, pode facilmente inibir o desenvolvimento científico”. O mesmo Kuhn havia escrito (1997: 130) que “a era industrial aboliu as relações antropométricas e da natureza introduziu medidas abstratas. A arte pode devolver as medidas naturais ao homem. Mas será como escolha disponível transformar o lazer em ócio cultivado como valor”.
Entre as numerosas e potenciais escolhas a Arte pode devolver o homem ao seu ritmo e retirá-lo da alienação na qual foi jogada por fatores externos a ele. Será uma conquista profundamente humana contra a concepção escapista do ócio do Iluminismo e da era industrial.
A concepção escapista do ócio é uma das versões que deram origem à “guerra das idéias”. Esta “guerra das idéias” mergulha as suas raízes nos “déspotas esclarecidos” e dos quais os reis franceses russos e prussianos foram mestres. Porém Napoleão Bonaparte já alertava “onde passam as ideias de guerra, dez anos depois passam os canhões”.
Este é o campo doxológica da linguagem. Linguagem usada correntemente, sem que ela sofra edições, revisões, sistematizações ou profundas análises de discurso acadêmico, muito menos paire na estratosfera da metafísica. Em relação a este campo impuro da linguagem e sem apuro formal Bruyne escreveu (1977: 33) que:
“o campo doxológico é o campo do saber não sistematizado da linguagem e das evidências da pratica quotidiana, de onde a pratica científica deve precisamente esforçar-se para arrancar suas problemáticas específicas. O campo doxológico é o suporte e o produto da linguagem comum, das práticas empíricas; pode determinar no pesquisador um a ‘certeza sonambúlica’ (Manheim) sobre a realidade que ele investiga. O pesquisador deve desprender-se das pré-noções do senso comum. Uma doxologia teria o papel de estudar a incidência do saber sobre as práticas cientificas; uma nosografia (Wittgenstein)”.
O estudo da linguagem do jovem abre um novo e surpreendente campo doxológico no âmbito dos recursos numéricos digitais ou das pichações dos muros urbanos. Por mais anárquicos e caóticos que sejam as pichações, não deixam de ser uma linguagem de ortodoxias as avessas. Ortodoxias expressas em desqualificações de discursos estéticos dos seus oponentes e que eles arrasam, percebendo-os como donos do espaço público e do qual o pichador se apropria. Assim cabe-lhe o que Bourdieu escreveu (1987: 108) “quando os diferentes produtos se defrontam, a competição se desenvolve em nome de uma pretensão à ortodoxia [...] a melhor prova é o fato de que as oposições e divergências se expressam espontaneamente na linguagem da exclusão”.
Os pichadores dos muros, na sua pretensão de hegemonia e na busca de um reconhecimento público, tornam-se iconoclasta e agressivamente inovadora. Caba assim ao pichador também “a linguagem de exclusão e se vale, em geral, da pretensão à ortodoxia” na concepção de Bourdieu (1987: 108). Nesta sua linguagem o pichador apresenta um arsenal de estratégias, táticas e de logística. Estas dependem da atual era da informática, das ideologias e dos projetos que os governantes remetem e decifram para o entendimento do seu próprio Poder originário. Imitando os rituais desta nova geração os governantes escondem frequentemente ou fazem de conta que projetos os seguem alguma ideologia. Porém o pior acontece quando projetos e ideologias viram uma salada eclética. Mário de Andrade fustigava o ECLETISMO como “acomodatício e máscara de todas as covardias”. [in Andrade 1955, fl. 13] A frase original foi escrita em 1938, época do Estado Novo.
Supõe-se que os administradores públicos tenham coragem, bom senso e decisão para apresentarem publicamente - e antes de suas ações - os seus projetos e as ideologias que os fundamentam. Esta coragem, na apresentação pública e prévia, estimula uma decodificação, permite circular, na forma de minutas de contratos. A prévia apresentação pública e sua decodificação pelo Poder Originário, serão ferramentas para contornar a sombra do “BIG BROTHER” e das ditaduras totalitárias. Como consequência esta necessária circulação aberta das informações, poderá impulsionar as energias do poder originário em direção da Democracia, da austeridade republicana e para a cidadania. Estes impulsos encontram poderosos apoios na dialética entre memória, esquecimento e lembrança e cujo efeito que Marcuse descreveu (1981: 79) como:
“a autêntica utopia baseia-se na memória.. A arte combate a reificação fazendo falar, cantar e talvez dançar a palavra petrificada. O esquecer os sofrimentos do passado e as alegrias passadas torna mais fácil a vida sob uma realidade repressiva. Pelo contrário, a lembrança estimula o impulso pela conquista do sofrimento e da permanência da alegria”
Nestas dialéticas, transformadas em complementariedades, desejam-se todos os tratados disponíveis em todas as instâncias. Os contratos escondidos e depositados em arquivos estáticos de difícil acesso e cercados pela burocracia só ajudam a petrificar e congelar a memória viva. Projetos que, nas palavras do historiador e prefeito da cidade de Roma Giulio Argan (1992), se reconheçam no agir no qual existe uma somatória dos esforços da práxis com a ritualidade. Cientistas e filósofos, em sua devidas posições podem se complementar como Bruyne prognosticou (1977: 43) ao afirmar que “no processo científico os pesquisadores estão na base de um processo científico, armados com a metodologia, os filósofos estão no fim das pesquisas para analisar seus produtos e seus resultados”
Também não se deseja a visibilidade pública do pelourinho da era agrícola no qual o colonizador do Brasil fixava as leis, de preferência numa língua culta eivada de latim. Infeliz do índio ou do africano que não soubesse decodificar esta vontade colonial e ou desobedecesse, pois o pelourinho era o lugar da aplicação das penas. Não se deseja a publicação só no Diário Oficial - da era industrial da mídia impressa - cujo acesso é de poucos, e cuja leitura exige tempo e hermenêutica para a compreensão dos códigos cifrados jurídicos. A complexidade do Poder Originário não pode ser reduzida a alguns pontos, correndo risco de ser outra coisa e retornar ao mundo natural ou se elevar para uma mitologia esterilizante e metafísica do poder. Este perigo real levou o presente texto a se expor perigosamente no seu peregrinar pelos mais variados indícios desta complexa estrutura montada na vertente do Poder Originário.
2.03 - A GUERRA SOCIAL para CONTORNAR a GUERRA REAL.
Esta parte do texto é orientada pelo pensamento de Pierre Bourdieu que afirma (1987: 131) a necessidade da “violência simbólica pela ritualização dos seus conflitos atuais ou passados”. Sobre o tecido social brasileiro pesam enormes conflitos do passado e do presente a espera desta ritualização. Devido aos covardes contornos, os esquecimentos voluntários ou a simples desqualificações destas violências, efetivamente praticadas e clamando aos céus, o tecido social brasileiro sempre “esteve por um fio”. Contribuíram também as utopias - que alimentou as mentes e os corações dos jovens – levou este tênue fio de esperança sempre a beira da ruptura. Fio de esperança suspenso por um cortejo de profetas e seus sacerdotes no papel de militares, de cientistas e da própria religião. Profetas, crentes, ou descrentes totais em qualquer divindade, mas que instauram uma nova ‘verdade’ insustentável. Cada profeta é seguido e consagrado por outro cortejo de sacerdotes que administra essa nova verdade. No conceito de Max Weber o profeta é a revelação do original. O sacerdote mantém a revelação original. O profeta é a ruptura com a tradição, o sacerdote é a conservação. O xamã descobre os espíritos ocultos, o feiticeiro dialoga com esses espíritos apontados pelo xamã. Os jovens continuam a sacrificar o que eles possuem de mais precioso na busca do que eles consideram a Verdade apesar deste tênue fio de esperança.
A Verdade não dói. Dói a necessidade de mudar a mentalidade e os comportamentos que ela impõe a quem a conhece. Não dói reconhecer a verdade da fragilidade social. Dói apenas para quem é vítima desta desigualdade. Se a maioria não tomar a decisão da mudança de um Estado injusto, este fato irá doer para todos e para sempre. Vai doer para os injustiçados. Uma desconstrução de um hábito, de uma cultura e de práticas ancestrais adquiridas subliminarmente sempre é dolorosa. Esta desconstrução está no que Mota registra (1980 : 222) ao constatar que:
“uma análise do romance de Antônio Callado que serve de marco para a época: QUARUP. Assinala por Ferreira Gullar, tem por subtítulo ‘Ensaio de deseducação para Brasileiro virar Gente’, sugerindo que a ‘afirmação implícita no romance de que é preciso ‘deseducar-se’, livrar das concepções idealistas alheias à realidade nacional, para encontrara” Mota,
Desconstrução necessária para distinguir ENTE do SER e que Arendt aponta (1983: 244 e 304) quando escreve:
“quem é, ou quem foi alguém, não o sabemos a não ser conhecendo a história da qual ele é o herói- dito de outra forma – a sua biografia; todo o resto do que sabemos dele incluindo aí a sua obra que deixou, nos diz somente o que ele é ou o que ele era”.
Todo aquele que quiser mudar o Estado terá de tomar a desconstrução do estágio anterior da sua História em suas mãos. Para tomar em suas mãos a História necessitam expressar a sua vontade em relação ao fato político, em relação aquilo que eles nunca realizaram e tratar de entender a natureza desta mudança. Lopes Filho escreveu[7], em 1996 que:
“para mudar, é preciso ter humildade. É a ocasião oportuna para identificar como centro de sua política, a nação. E como destinatário do sucesso governamental, o povo e primeiro lugar, imenso contingente órfão de atenção, benesses e efetiva prestação de serviços públicos básicos”.
Vai doer para os atuais privilegiados, pois, estes poucos terão de mudar hábitos seculares e passar a produzir e se alimentar com o seu próprio trabalho. Por enquanto, o conhecimento da Verdade da fragilidade social brasileira, não doe aos poucos privilegiados do país, pois os seus hábitos e a sua cultura escravocrata ainda os anestesiam. Para estes poucos privilegiados a fragilidade social, política e econômica é um problema dos OUTROS e que eles declaram liminarmente insanável, sem realizar qualquer esforço ou investimento neste sentido. Estes poucos privilegiados sempre conheceram e usaram intensamente este abismo social para o seu próprio proveito e o manipularam as formas desta desigualdade das maneiras mais engenhosas possíveis[8]. Anestesiados e envoltos nos hábitos e pela cultura escravocrata não podem perceber a necessidade de mudar, até para poderem manter estes privilégios[9].
Um dos processos mais subliminares para anestesiar o Poder Originário é exibir, evidenciar a fazer reproduzir a alodoxia construída com fragmentos brilhantes dos quais um povo se orgulha e que ele próprio exibe como conquista única e definitiva. Porém o objetivo último desta alodoxia é substituir e fazer esquecer o presente monótono, chato e aversivo. Freitas[10] descreve (1996, p.24) este processo de que:
“ao invés de se empenhar na conquista do futuro, refugiou-se no passado idealizando-o como uma perdida idade de ouro em que todos eram livres e felizes. Percebe-se a vantagem do mito, as novas elites urbanas dele se apropriaram e promovem através dos seus aparelhos ideológicos, o folclore, a literatura a historiografia, a poesia. Desta forma embevecidos na contemplação e recordação de um passado mítico, os homens se conformam com o presente, e deixam de sonhar com o futuro” .
Uma das primeiras mudanças necessárias é evidenciar, enunciar e inverter este processo. Se este tecido deste processo foi urdido pela lei - que precede o fato - há necessidade que este fato faça companhia e seja entretecido com e pela lei que precedeu temerariamente o mundo empírico. A lei necessita, por sua vez, de uma construção linguística. Nesta construção linguística Gomes[11] esclarece (1979: 62) que “o nosso instrumental linguístico se enriquece desde que partamos de nossas importâncias e urgência para a linguagem e a palavra e não o contrário". Os biólogos Maturana e Varela fundamentam (1996: 180) a concepção de que:
“designamos como linguística a uma conduta comunicativa ontogenética, quer dizer, a uma conduta que se dá em um acoplamento estrutural ontogênico entre organismos, e que um observador pode descobrir em termos semânticos”.
O acoplamento estrutural ontogênico entre organismos ou, a costura entre o fato empírico e a narrativa do texto legal, acontece com frequência e com intensidade no universo do micro universo municipal. O município de Porto Alegre ficou em evidência na mídia mundial por contrapor-se ao discurso dos representantes reunidos em Davos. Foi um episódio de um sonho no campo social. Este sonho como ideia aconteceu no Fórum Social Mundial em Porto Alegre[12] é como projeção de uma necessidade ainda não resolvida no espaço local. Não há como resgatar aqui os sonhos ali havidos o que só será possível na medida em que ganharem corpo através de registro escrito, sua circulação aberta e da sua continuada reprodução em outros eventos. É da natureza do social a busca da criatividade, pois a criatura humana não nasce social e arte necessita de público e receptor social das suas obras. Social e criatividade que chegam ao nível do consciente, através de um problema, e, que se constitui problema na medida em que busca transformar-se numa obra do mundo físico. Essa definição justifica-se de um lado pela vigência do social que galga os degraus da abstração até o ponto do conceito. Do outro lado a saturação de objetos físicos até a sua poluição busca o estatuto de referenciais para este social constituem como pontes penseis provisórias entre o mundo material e imaterial. Pontes entre o mundo das ideias e mundo da concretude dos sentidos humanos. Espaço conceitual do social está intimamente relacionado com a erudição e crítica dos paradigmas que os conceitos podem tomar ao tentar criar um corpo físico num evento com o Fórum Social Mundial. Esta crítica purifica o evento jogando-o no plano do pensamento, como interdiz qualquer conceito que teria problemas ao se transformar em obra.
Por meio do sonho no campo social realizado no município também será possível evitar, com mais eficácia, que este fio se rompa devido a sua proximidade entre o fato empírico e a lei ideal. O colapso desta célula do micro universo municipal comprometerá a macro estrutura do Estado brasileiro. Como um câncer este colapso irromperá no restante da Nação. A célula do micro universo municipal, não sanada adequadamente, contagiará a vida social, a política, a saúde e a cultura das demais células, pela metástase do precedente aberto.
Na via contrária o socorro e prevenção coletiva pela ajuda a um poder municipal isolado pelos demais municípios poderá ser mais efetivo, volumoso e intenso. Evidente que esta efetividade pode ser reforçada por um sistema de ação. Ladrière definiu (1977: 17)
“o sistema de ação compreende, ao mesmo tempo, as mediações técnicas que permitem dominar - mais ou menos adequadamente - o meio social e as mediações propriamente sociais através dos quais a coletividade se organiza com vistas a gerir seu próprio destino”
Neste sistema de ação o socorro e a prevenção coletiva são provenientes da ajuda dos demais municípios e potencializados pelos instrumentos atuais informações e comunicações comuns. Os poucos privilegiados não poderão mais fugir da mudança e se refugiar nos segredos diante desta abertura das janelas e portas e mitos que antigamente, eram os seus instrumentos de domínio do poder público. Estes poucos privilegiados podiam assaltar o poder e o bem público de uma nação, província ou município. Realizavam esta façanha cercados e protegidos pelos segredos e pelo cultivo reiterado dos mitos. Assim se apropriaram da confecção das leis e as regulavam segundo os seus interesses. Realizaram esta façanha ao longo da era agrícola pelo pelourinho, ou, na era industrial, ao deterem e se reproduzirem ao alimentar a linha de montagem da imprensa. A escravidão terminou legalmente, ainda que subsista a sua prática na clandestinidade. A linha de montagem industrial também continua a funcionar com muitos ruídos e poluição de toda ordem pelo de se tornar obsoleta diante dos atuais instrumentos informações e comunicações comandados e alimentados pelos recursos numéricos digitais. Os instrumentos da informação numérica digital substituíram a onerosa e velha rotativa e subverteram os privilégios da concessão da estação de rádio ou da TV. As redes sociais eletrônicas serão cada vez mais intensas e independentes e fora do controle capitalista concentrado, centralista e hegemônico. As redes sociais eletrônicas conectarão cada vez mais pessoas, corporações, “ONG´s” ou “blog´s” virtuais. Diante deste universo numérico digital a Inteligência Americana (CIA) - construída nos moldes da era industrial - já foi contornada por uma China, por uma índia ou mesmo pelo terrorismo internacional que atingiu fisicamente em cheio o Pentágono e Nova York. A Rússia abandonou o seu pesado, caro e perigoso arsenal e logística nuclear, para investir e explorar as potencialidades da era numérica digital. Assim “repaginou” a Eletrônica e a explora em novas e inéditas dimensões pacíficas e na de defesa dos seus interesses.
Na era informatizada há necessidade de intensas e ativas mudanças de mentalidade, de hábitos e de comportamentos. Uma das mudanças é em relação ao mundo prescritivo da era industrial é penetrar e interagir com o mundo descritivo pós-industrial. No portal da pós modernidade impõe-se transformar a aparente contradição entre o prescritivo em descritivo em produtiva complementariedade. Esta transformação é um dos projetos de De Duven[13] ao escrever (1989, p.71) que:
“o que eu procuro é uma aliança entre o descritivo «pós-moderno» ( em termos da implosão, de simulacros, de esquizofrenização social, etc.. ) e o prescritivo «moderno» (que recorre ao marxismo, à teoria crítica e ao relatório da emancipação)”.
O universo das severas prescrições da era agrícola e industrial é compatível com o universo das exaustivas descrições da era numérica digital informatizada. Exaustivas descrições que sempre formaram as narrativas da
História da Arte. Heidegger esclarece (1992: 62)[14]
“como instauração, a arte é essencialmente histórica. Isto não significa apenas: a arte tem uma história, no sentido exterior de ela ocorrer também nas mudanças dos tempos, ao lado de muitos outros fenômenos, e de aí se ver sujeito a transformações e perecer, oferecendo à história aspectos mutáveis. A arte é histórica, no sentido essencial de que funda a História e, mais propriamente, no sentido indicado”
Estes dois universos mentais das prescrições e enumerações exaustivas são complementares com os seus respectivos universos empíricos. Estas enumerações exaustivas revelam e são índices dos subsumidores educacionais que aportam os elementos destas enumerações do que foi incorporado pelo estudante no interior do processo ensino aprendizagem e apto a ser assimilado e compreendido. Estes conceitos foram desenvolvidos pelo educador norte americano David Ausubel (1908-2008)[15].
No âmbito destes subsumidores educacionais os seus poderes micro e macro potencialmente podem celebrar alianças, contratos e pactos. Neste aspecto Giulio Argan percebe (1992: 40) que “a História da Arte e a única história do agir humano tanto no aspecto da contemplação como no do trabalho”. Esta contemplação aliada e complementar do trabalho, para Mazzocut-Mis (1994: 60) é potencial na obra de Arte pois ela “é uma posse durável e duradoura do objeto artístico e que consegue fixar, de alguma forma, o encantamento fugidio que nos mostra e nos faz acreditar naquilo que não reside nos objetos e nem nos sentidos”. Na mesma direção Reguera[16] interpreta Wittgenstein ao afirmar (1994: 137) que “a obra de arte é um objeto liberado, sereno e feliz, que resplandece sobre o panorama do universo inteiro distanciado de todas as viscosidades de sua espessura fática”. Para Belting (in Gleizael, 1994: 49) “a obra de arte é uma ficção e uma ficção é uma projeção do real no mítico, que dizer , do temporal no eterno”.
A celebração destas alianças, contratos e pactos entre contemplação e trabalho reforçam-se na era informatizada e estabelecem uma legislação paralela e civilizada. É o campo das forças da Arte na qual age a legislação cultural que Bourdieu, descreveu (1987: 108) como “todo ato de produção cultural implica na sua afirmação de pretensão à legitimação cultural”. Força da Arte que Greenberg distingue (1996: 48) como “inatividade ou atividade sem finalidade distinta do trabalho como atividade carregada de finalidade”. Esta atividade sem finalidade trata de uma transição entre incomensuráveis e paradigmas em competição não pode ser feita passo-a-passo por imposição da Lógica e de experiências neutras na concepção. Em função disto Kuhn argumenta (1997: 190) por esta razão “esta mudança da forma (gestalt) visual, a transição deve ocorrer subidamente (embora não necessariamente num instante) ou, então, não ocorre jamais”. Bourdieu argumenta (1989: 49)[17]
“aquilo que se chama a «ruptura epistemológica», que dizer, o por- em-suspenso as pré-construções vulgares e os princípios geralmente aplicados na realização dessas construções, implica uma ruptura com modos de pensamento do senso comum, do bom senso vulgar científico”
De uma forma geral a ruptura epistêmica necessita de condições somáticas e mentais. No aspecto somático a criatura humana revela as condições e competências físicas diante da ruptura epistêmica para não agredir diante da mudança necessária aos seus comportamentos corporais. No aspecto mental a criatura humana é capaz de receber, iniciar e elaborar críticas e implementar rupturas epistêmicas e estéticas que são preocupações culturais constantes na Educação e na Psicologia quando buscam unir vontade e uma inteligência. Bourdieu afirma (1987: 218) que
“há necessidade de ruptura com o seu próprio conhecimento para ser oposição dialógica de uma obra de arte que não se inscreve no código pessoal. Os conservadorismo estético funda-se na recusa de romper com os códigos conhecidos para entregar-se as exigências internas da obra”.
Os objetivos, as causas e as consequências da ruptura epistêmicas na estética Bourdieu as descreve (1987: 218) são “para incluir uma obra de arte, que não se inscreve no código pessoal, rompe com o próprio conhecimento, gerando uma oposição dialógica. Essa ruptura é exigência interna da obra”.
Estas rupturas epistêmicas e estéticas bem conduzidas, somática e mentalmente, constroem portas e janelas para a concepção ganhar espaço da legitimação paralela na qual a Arte serve às classes inferiores como forma de inclusão no sistema vigente. Esta legitimação paralela é sustentada pelo consumo de objetos oferecidos pelas classes artísticas inferiores as classes elevadas.
A concepção de legitimação paralela tornar complementar a contradição entre contemplação e trabalho. Porém a raiz da legitimação paralela reside na própria obra de arte. Umberto Eco entente (1995: 7) esta como “a arte é o único trabalho puro que se efetua na realidade, mas sem contradizer e destruir o seu significado, sem usar a violência contra ela”. A partir de concepção marxista Argan argumenta (1992: 40) “o que distingue o pior arquiteto da melhor teia de aranha é que o arquiteto ergue a sua edifício na imaginação”. No panorama filosófico Hannah Arendt elucida (1983: 144/5) que o obrar “possui um final quando o objeto está acabado, pronto para fazer parte do mundo dos objetos resultante do obras”. Enquanto o TRABALHAR: não tem fim a não ser na morte do organismo. A complementariedade obtida pela transformação da contradição entre contemplação e trabalho, entre o obrar e o trabalhar, permitem a reciproca potencialização.
A potencialização da legitimação paralela pode ser válida também para os vínculos que ligam às células micros (municípios) ao macro da cabeça nacional e internacional (Brasília- Blocos - ONU) e constituem o seu conteúdo. Os instrumentos da era numérico digital informatizada, possuem a potencialidade de se reiniciar pela raiz o código genético até o pátrio poder. A era informatizada passa pelo município como primeira instância escala política artificial. Prossegue numa rede que abrange gradativamente toda a solidariedade da humanidade. O ponto de partido da cidadania é mudar a mentalidade, hábitos e comportamentos obsoletos. A cidadania não pode se dobrar ao populismo e nem para aqueles já privilegiados para que obtenham ainda mais vantagens políticas, econômicas e sociais. Cidadania na qual o eleitorado não tolera mais fugir de qualquer sanção moral dos seus próprios atos colocados da mentalidade antiga, dos hábitos e comportamentos colocados, preguiçosa e interesseiramente, sob a capa da heteronímia. Heteronímia expressa desavergonhadamente na singela expressão “a culpa é do governo” seja ele o que for.
O ser humano torna-se histórico por meio dos seus projetos. Este ser humano não produz nada, abandonado ao acaso, ao “laissez-faire”, ou apenas alimenta a barbárie que reconduz a humanidade de retorno ao caos primário. O ser humano, ao se defrontar com a velocidade de se “ocupar daquilo que nunca se repete”, necessita de intensos e sólidos projetos. Os gregos já afirmavam que “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, ou que “a mãe não acorda duas vezes o mesmo filho”. A concepção do efêmero a atenção para aquilo que nunca se repete não é nenhuma novidade para a humanidade. A existência genética da pessoa única expande-se para cidadania política, cultural e econômica reforçado pelos instrumentos numéricos digitais. Esta pessoa havia se transformado num número de série na linha de montagem da era industrial. Número rigorosamente igual aos demais múltiplos na política, na cultura, na educação formal e na economia. A era numérica digital sabe que a fantástica estrutura do código genético jamais se repete mesmo num clone. A política está reaprendendo aquilo que o capital econômico, tecnológico[18] e o comércio sempre fizeram: o alfaiate faz o terno exclusivo sob a medida do cliente, que é único[19].
De outra parte esta medida exclusiva necessita dos predicados da Bondade, especialmente no seu constante silêncio e na prática da suspensão de qualquer juízo (epoke) definitivo. Os biólogos chilenos, Maturana e Varela, advertem e recomendam (1996: 209) que “a Bondade deve fugir da aparência, caso contrário é outra coisa, a saber, tem por objetivo aparecer, mesmo que a descoberta venha do diálogo ente o EU e EU-MESMO”. Esta discreta Bondade, intrínseca da ação pública e do cidadão, certamente terá muitos elementos para um marketing e uma propaganda se caírem sob o império das tecnologias dos meios numéricos digitais e corromperem tudo.
2.04 – O PROJETO do PODER ORIGINÁRIO.
Antes de tudo há necessidade de uma compreensão do que entende aqui pelo termo limite. Worringer compreende (1953: 129)[20] que “nosso conhecimento dos fenômenos não está completo até que compreendemos que o que parecia limite é apenas transição e imediatamente nos damos conta da relatividade do todo”. Pasanen (1994: 51) afirma[21] que:
“segundo Wittgenstein, a linguagem delimita o mundo, e os limites do mundo são os próprios limites da linguagem. Não é possível ir além desses limites para descrever como é mundo, porque também será necessário então descrever como ele não é: e isso é impossível expressar na linguagem”
Os limites nos quais se projeta a construção de um “quarto poder”, a partir da célula municipal, há necessidade de pensar minuciosamente a verdade possível a esta linguagem. Verdade que se ergue no trabalho de desvelamento pela linguagem e pela arte. O filósofo Heidegger afirma (1992: 62) que
“a arte faz brotar a verdade. A arte faz assim surgir, na obra, o ENTE e a sua verdade. Fazer surgir algo é trazê-lo ao SER no salto que instaura, a partir da providencia essencial - eis o que quer dizer a palavra origem. A arte é, na sua essência, uma origem: um modo eminente como verdade se torna ENTE, isto é, histórica”.
Este ENTE, revelando a sua origem histórica, encontrou em Chartier alguém capaz de perceber e registrar a relação dialética entre o que verdadeiro e o falso. Ele escreveu (1998: 197) que:
“na história das ideias e das condições nas quais aparecem. Dar-se a verdade como adquirida, mas também não se pode fazer economia de uma relação com a verdade e do falso. É essa referência, a ordem da verdade e do falso, que dá para essa história sua especificidade e sua importância”.
Neste trabalho da linguagem é necessário representar passo a passo as formas nas quais o seu processo evolui em todos os patamares de um Estado. No tange a representação do que se entende aqui pelo termo poder recorre-se a Foucault (1995: 183) para quem o poder “não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem”. Nessa concepção Chartier (1996: 206) resume o pensamento de Foucault onde se “destacam três ontologias históricas: - do conhecimento: verdade que nos permite ser sujeitos; do poder: sujeitos agindo sobre os outros; da ética: agentes da ação ética”. É possível inserir a competência das expressões de autonomia da arte no triângulo do poder proposto por Foucault (1995: 180). Nesse triângulo existe um saber próprio da arte (conhecer), presente nas suas manifestações, cujas exigências respeita e pelas quais é respeitada (potência). Essa potência ao se constituir uma instituição encontra um sistema normativo (direito). Esse sistema normativo estabelece o limite da autonomia que favorece a reprodução da competência que esse limite encerra, distinguindo da soberania.
O desafio é afastar as meias verdades, nesta linguagem, tanto na emissão como na recepção, como aquelas que permitam gerar equívocos implementados pelos mediadores e atravessadores de sempre.
Para afastar este equívocos é necessário admitir limites á esta competências. Limites para estar seguro de sua autonomia no seu próprio voo da imaginação. Nesta busca dos limites o poeta Schiller foi exemplar. Ele afirmou (1963: 35) como seu projeto:
“não quero viver noutro século, nem quero ter trabalhado para outro. O cidadão do Estado é também cidadão do tempo; e se é indecoroso ou mesmo proibido furtar-se aos hábitos e costumes do círculo em que se vive, por que não seria um dever, ao escolherem-se os próprios atos, considerar a voz do gosto e da necessidade do século?”
O filósofo Immanuel Kant nos socorre na compreensão do que significam os limites e as competências. Ele os coloca para no âmbito da autonomia. Limites referentes ao conceito de imanência ao afirmar (in Ferrater Mora, 1994: 1845) que “chamaremos imanentes aos princípios cuja aplicação se restringe por inteiro dentro dos limites da experiência possível e transcendentes aos princípios que pretendem passar tais limites”. A filósofa Hannah Arendt também é sintética ao afirmar (1983: 240-247) que “imanência restringe princípios cuja aplicação se restringe por inteiro no interior dos limites da experiência possível”. Um extenso repertório filosófico, face ao fenômeno da globalização, foi recuperado por Negri (1995: 7, cad.5):
“a mim mesmo tentava explicar: o campo da imanência saber mundo, não se opõe à globalização, ao contrário a deseja; opõe-se à transcendência, a qualquer forma de poder que se coloque fora do homem e da comunidade, isto é, à ideologia e a prática da globalização capitalista. A oposição fenomenológica de Heidegger (o saber distinto) e às filosofias analíticas (autonomia da linguagem como impotência ontológica) clarifica a direção da filosofia no campo da imanência: constituição do verbo, produção das livres singularidades, reapropriação do «espaço público», renovação perene da resistência contra qualquer forma de poder que transcende o movimento real” .
Assim o conceito e o uso coerente do termo ‘imanência” permitem a resistência ativa contra qualquer forma de poder que se diz transcender o movimento real. O tema da imanência foi desenvolvido por Ferrater Mora, (1994: 1845), por Heidegger (1992: 43) e por Marcuse (1981: 79).
No caso do movimento real brasileiro, não se prega a destruição nem mesmo a substituição das hierarquias funcionais existentes e coerentes com os três poderes. As instituições necessitam dos três para a correta circulação do poder no Estado nacional. Ao mesmo tempo necessitam deles para instalá-los mantê-los e reproduzi-lo no se âmbito interno como fractais do sistema democrático e republicano. Isto para evitar equívocos entre competências e limites do projeto do Poder Originário. Estas instituições possuem vivas na sua administração também os três clássicos poderes nacionais. Porém em cada destas instituições corre o seu próprio Poder Originário e que a sustenta e necessita ser identificado, reconhecido, tratado e reproduzido como tal por iniciativa dos três clássicos poderes. Reprodução que de forma alguma pode desconhecer o difícil e sutil problema de prestar atenção e orientar as ações concretas ao modo de produção erudita. Atenção e agir que Pierre Bourdieu descreveu e afirmou (1987: 117) que: “deve incluir as instâncias capazes de assegurar, não apenas a produção de receptores dispostos e aptos a receber a cultura feita, mas também a produção de agentes capazes de reproduzi-la e renová-la”. Graças a este modo de produção erudita espera-se que a revolução não ocorra do modo como ela se apresentou de fato na maioria das vezes. Graças a este modo de produção erudita as comoções sociais, ou a ação de uma soberania de um Estado sobre soberania de outro Estado, podem serem diagnosticadas. Esta ‘sociedade de discurso’ é denominada por Simmel (1986:432) como:
“a «república dos sábios» é união semi-estável, semi-ideal, de todas as personagens que coincidem em fim tão geral como o conhecimento e que pertencem aos mais diversos grupos, no que se refere à nacionalidade, interesses pessoais e especiais, posição social etc..”:..
O seu produto é, para Bruyne (1977: 32) a elaboração de uma ética profissional, e uma linguagem comum para os pesquisadores de cada uma das disciplinas. Para Hobsbawn (1990: 52) “sem este espaço comum, sem as regras reconhecidas de um discurso comum, sem aquela parte de nossa identidade, que é comum a todas as pessoas estaríamos falando no vazio”. Bruyne descreve (1977:32 /3) este espaço e grupo humano como:
“a ‘sociedade de discurso’, isto é, o conjunto dos pesquisadores, as teorias e as experiências, os rituais e as normas, as instituições acadêmicas e científicas, exerce um controle direto sobre toda a pesquisa. Os aspectos nefastos das sociedades de discurso sem dúvida são numerosos - conservadorismo, modas, nepotismo, dogmatismo, etc.-, no entanto, sua contribuição positiva é capital. Na verdade elas são a concretização, institucionalizada socialmente, de uma certa autonomia da pesquisa, o lugar crítico de controle mútuo, de elaboração intra-subjetiva, que garante a objetividade científica... O papel das sociedades de discurso, que formam a ‘cidade científica’, é o de elaborara uma ética da profissão e uma linguagem comum para os pesquisadores de cada uma das disciplinas, favorecer um certo ‘esoterismo’ que preserva a ciência da voracidade dos grupos sociais externos e de uma perigosa vulgarização que se conforma com um ‘mundanismo’(Durkheim) do que com o rigor.”
Este modo de produção erudita que identifica os pontos de atrito pelos instrumentos da informação numérica digital e formas civilizadas que contornam a necessidade de qualquer intervenção física.
No âmbito município se entrelaçam profunda e naturalmente vínculos mais próximos entre os três poderes que cultivam neste estágio a base da hierarquia nacional. Este vínculo torna-se diferente e cada vez mais tênue na medida em estas relações migram para patamares mais elevados e problemáticos devido ao assalto e à manipulação dos mediadores. Como a lei sempre precedeu o fato, o Estado foi construído do vértice para a base. Nesta construção teórica sempre foi relativamente fácil distribuir nas altas esferas as competências dos três clássicos poderes com intervenção de mediadores interesseiros e não autorizados pelo Poder Originário. Os laços tornaram-se naturais apenas no âmbito municipal e falam na prática de problemas e com relações diretas com o Poder Originário. Nos estágios superires a artificialidade é tão gritante que inclusive se prega o final dos estados regionais[22] brasileiros.
O Estado nacional soberano pode ser percebido como um poder teórico e abstrato. Como tal funciona apenas como um vértice isolado e desenraizado. Este vértice apresenta-se isolado e desenraizado. Este vértice isolado e totalitário distribui cargos e funções. Mas é impensável a distribuição do poder que fica preso ao vértice. Esta operação é possível pela pura e simples cooptação que Fávero descreveu (1980: 48) este “mecanismo de cooptação requer, em geral, um controle sobre os elementos cooptados, a fim de evitar o perigo de ameaça à unidade de controle e decisão. Em decorrência por meio da cooptação pode haver uma distribuição de encargos, de trabalhos, mas nunca do poder em si”. O mecanismo de cooptação realiza a façanha e normalmente possui fortuna do pleno êxito em congelar todo o fluxo do poder. Fluxo do poder represado e procrastinado até o momento de uma nova primavera onde o fluxo de novo, porém tumultuado e destrutivo. Ele retorna ao se fluxo normal e benéfico quando recupera a sua proporção a partir da célula municipal e onde estão as raízes do Poder Originário. Neste ambiente ele ganha coerência e força na medida em que fizer sentido para circulação do poder.
Caso contrário é conversa por cima e por fora é para embalar na inércia das consciências interesseiras e as vontades primitivas mergulhadas na doce letargia e no sono de sua heteronomia.
Em muitos momentos a própria ‘república dos sábios’ de Simmel necessita entregar a mão á palmatória. A corrupção dos ótimos intelectuais é invadida e contaminada por sofista que tem por mira ganhar renome e dinheiro. Foi a praga na lavoura dos sábios clássicos gregos que também os denunciaram. Aristóteles foi categórico (1973 : 176 171b 25) denunciando
“aqueles [...] que agem.. com o fim único de conquistar a vitória são geralmente considerados como erísticas e rixentos, enquanto os que tem em mira ganhar renome e enriquecer com isso são sofistas. Pois a arte do sofista é [...] uma espécie de arte de fazer dinheiro graças a uma sabedoria aparente, e assim os sofistas tendem para as demonstrações aparentes”.
O seu paraíso são os Estados nacionais soberanos em conflitos fomentados e mantidos por contraventores internacionais. Uma única cabeça ou um grupo humano colocado no vértice isolado e desenraizado de uma nação, é facilmente manipulada por eles inclusive da criminalidade transnacional. Nas mãos dos mediadores de todas as instâncias, inclusive transnacionais, pende facilmente para soluções ao estilo das duas guerras mundiais do século XX além de uma série de intervenções militares posteriores.
A própria célula municipal já é uma construção ideal e avançada. Esta construção municipal ideal e avançada necessita contornar o poder natural das expressões tribais provenientes de “caciques”, de “coronéis”, de clãs ou de fundamentalistas ávidos pelo poder cuja matriz e justificativa ainda é o feudalismo endêmico e requentado para os tempos e as tecnologias atuais.
Os limites da competência do Poder Originário oscilam homeostaticamente entre forças instáveis. Uma delas é célula municipal na qual o cidadão conhece e na qual define os seus interesses imediatos. Outra é a célula do Estado nacional na qual o cidadão avulso contrata e constrói, entre aqueles que ele não conhece, mas nos quais deve confiar para que o seu poder originário ganhe a potência e a plenitude que o cidadão almeja.
2.05 - PARTICIPAÇÃO POPULAR.
Os que estão fora do governo clamam e convocam a participação popular. Porém é um dos numerosos expedientes para capturarem o poder em suas mãos e para os seus próprios interesses. Pois estas mesmas vozes excluem qualquer participação externa, uma vez instalados nas funções administrativas de um Estado contemporâneo. Excluem mesmo as vozes e a oportunidade do poder popular de quem antes se diziam advogados, mediadores e paladinos incorruptíveis. Vencida a etapa da conquista do cargo julgam-se livres de qualquer contrato da voz e da vez do poder popular. Desviam todo o prestigio do cargo publico esvaziado das suas funções legais, morais e da impessoalidade. Passam a implementar um novo projeto a quem emprestam o seu nome pessoal e individual. Este outro projeto encolhe-se cada vez mais e que se fragiliza e fragmenta em sucessivas perdas até atingir impasses intransponíveis, a ponto da completa in-governablidade.
Um exercício coerente com o Poder Originário necessita prever contratos coerentes para o antes, o durante e o depois de um evento governamental[23] e contrário a todo projeto corrupto pelo personalismo. Contrato único, coerente e factível que necessita aceitar o fato de que o Estado realiza discursos de segunda ordem, diferente daquele de grupos populares. Esta distinção entre os planos na concepção de Ortiz (in Oliven, 1992, p.20) caracteriza:
“a memória coletiva dos grupos populares é particularizada, ao passo que a memória nacional é universal. Por isso o nacional não pode se constituir como prolongamento dos valores populares, mas como um discurso de segunda ordem”.
No entanto este contrato, coerente com o Poder Originário, não cabe num voto. Nele se materializa a discurso de segunda ordem e cujo objetivo se traduz e destina primordialmente à etapa da conquista do cargo. O voto é um ato isolado anterior ao governo e que não garante um contrato para o durante e o depois de um evento governamental. O voto e a eleição, além de anteriores ao poder, possuem infinitas formas de serem corrompidos. Esta corrupção também ocorre normalmente durante o evento governamental. As inúmeras renúncias, ao exercício do poder, e as correntes denuncias de corrupção e prevaricações são sintomáticos desta falta de contrato sério, controle rigoroso e sanção posterior. O saque das coisas públicas possui os seus sintomas nas renúncias estratégias e daqueles que se evadem do poder num momento de crise e ajuste de poder. Além do mais, poucas são as consequências[24] mesmo após a renúncia ou ao término do exercício do poder.
A história do poder central do Brasil possui tristes episódios do comportamento daqueles que estão no vértice do poder. Aqueles que conquistaram o poder comportam-se como alguém por cima e por fora da cidadania. Este fato foi registrado pelo editorial de um jornal quando escreveu: “Presidentes da República, ainda os de temperamento menos autoritário, consideram-se, e assim são geralmente considerados personalidades fora e acima do conceito comum de cidadão” [25]. No entanto estes governantes estão, de fato, na heteronímia. Eles foram colocados no vértice do governo pela ação orquestrada das forças mais reacionárias, militares ou pelo capital econômico nacional e internacional. Estes governantes de plantão, devem-lhes o cargo e a função que exercem de forma inteiramente estranha ao Poder Originário da nação. Assim é conhecido o episódio de um governante do Regime Militar que contava os dias, para ver-se livre do cargo de Presidente do Brasil. A sua esperança era ser esquecido o mais rápido possível, o que de fato aconteceu. Antes dele um imperador brasileiro dormitava sentado no trono, quando não estava viajando, dando sinais evidentes do desinteresse pessoal ou a impossibilidade de exercer o cargo e a função imperial pelo bem e pelas coisas públicas. Foi despejado do cargo e das funções imperiais da noite para o dia.
Quando ocorre a clivagem sistemática entre a vontade popular e o exercício efetivo do poder, o povo entrega-se à apatia e à impotência. Esta apatia e impotência reconduzem este povo para aquilo que ocorria, até 1932, quando não contava o voto e a vontade pública feminina. Este limbo da vontade feminina é agravado pela cultura da escravidão que se caracteriza por “não deliberar e não decidir” nos termos de Aristóteles. O voto e o exercício do poder político feminino hoje é uma realidade. No entanto este voto pouco favoreceu o gênero, pois a escravidão, apesar das eleições, permanece ativa no Brasil e se renova em constantes formas subliminares[26] devido ao habitus. Este termo habitus que o pensador Pierre Bourdieu associou (1996b, p. 144) com a concepção antiga de consciência quando afirmou:
“O habitus preenche uma função que, em outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura a percepção desse mundo a ação nesse mundo”.
Não existem mudanças possíveis ou significativas enquanto perdurar o império deste habitus no mundo das pseudo deliberações e nas decisões formais e externas. Enquanto se aguarda esta mudança há necessidade de distinguir, no plano intelectual, os seus diversos estágios do possível do voto como um ato anterior ao governo visando um contrato para o durante e o depois de um evento governamental. Para estas distinções é possível recorrer às concepções de Jean Piaget[27]. Para ele o indivíduo, no estágio da participação, entrega-se ao FAZER condicionado pela emoção do momento e à ação movida pelas grandes massas. No estágio da participação ele é levado pela emoção pontual sem contrato e sem cálculo das suas perdas e dos seus lucros. Não possui, antes da sua ação, clareza sobre as consequências posteriores deste ato. No estágio da cooperação o indivíduo contribui, mas o lucro fica com os outros. O indivíduo, no estágio da interação, entrega-se ao AGIR comandado pela razão. No estágio da interação, discute e estabelece um contrato, antes de AGIR, sobre os eventuais lucros e perdas durante e após o trabalho coletivo.
A interação só é possível em estágios adiantados de uma civilização. O estágio da interação é o espaço típico da origem do poder republicano e democrático. Para a existência efetiva do estágio desta interação para a discussão dos contratos necessários o locus privilegiado é o município. Neste micro espaço público o agente governamental e o seu Poder Originário possuem condições para discutir e estabelecer contratos antes de AGIR. Para tanto deliberam e decidem em relação aos eventuais perdas e lucros durante e após o trabalho coletivo. Podem discutir a natureza dos contratos, readequá-los ao longo da sua realização e serem avaliados imediatamente após o trabalho coletivo. Este estágio adiantado de uma civilização possui a sua simetria e fonte em cada cidadão que a compõe. O esteta Schiller apontou (1963: 53.) que este cidadão é:
“o homem ético deverá estar primeiramente acalmado o conflito dos elementos, dos impulsos cegos, e a contraposição grosseira deve ter cessado antes que possa ousar o favorecimento da multiplicidade. Por outro lado, antes de submeter sua multiplicidade à unidade do ideal é preciso que a independência de caráter esteja assegurada e que a submissão a formas estranhas e despóticas tenha cedido lugar ao decoro da liberdade”.
Este o favorecimento da multiplicidade cidadã se evidencia na interação humana no micro e macro universo. O homem ético realiza contratos fidedignos e consequentes tanto na micro célula municipal, como, também, no macro espaço público do Estado nacional. Evidente que a circulação do poder é mais eficiente na micro célula municipal. Nesta célula reinam condições para perceber os limites do poder, as competências dos contratos, implementar e realizar avaliações das perdas e dos ganhos coletivos[28].
A educação cidadã, plena e universal, a partir da célula municipal, conduz a um plano longínquo e ideal da macro célula da república. No plano ideal a educação cidadã, plena e universal, conduz à uma república na qual a pessoa, adulta e apta, constitui uma espécie de fractal da totalidade da sua sociedade. A educação cidadã é portadora, neste fractal, de todos os compromissos, contratos e regalias de toda a sociedade onde ela se desenvolve e reproduz. Num estágio adiantado e com educação cidadã, de qualidade para todos, surge o potencial humano para realizar o sorteio dos cargos públicos entre todas as pessoas aptas a votar e se candidatassem para tanto. Este sorteio de cargos e funções públicas já era realizado em Atenas no período áureo da sua Democracia conforme Aristóteles (384-322 a.C.), registro na Retórica (1365).
"…a Democracia é uma forma de governo na qual os cidadãos distribuem os cargos estatais entre si por sorteio, enquanto na Oligarquia a qualificação é por propriedade e na Aristocracia, por educação…" https://pt.scribd.com/doc/24631774/ARISTOTELES-Retorica
Porém apesar deste pensador grego, apesar da larga folha de serviços que a Democracia prestou para diversas civilizações e continua prestar, as desqualificações das forças provenientes do povo são desqualificadas, senão ridicularizadas.
2.06 - O POVO como SINÔNIMO de POBRE e DESQUALIFICADO.
A palavra povo tem por objeto a construção a partir de tendências comuns numa comunidade que possui traços de identidade de origem predominante de signos naturais. Este termo está gasto pelo uso continuado e como panaceia universal nos discursos que buscam o senso comum e agradar o repertório de qualquer auditório em qualquer circunstância e lugar. Este gasto e esta desqualificação são atribuídos por Hannah Arendt à distinção entre saber e fazer. Ela afirma (1983: 288/9) que:
“a separação platônica entre saber e fazer fica na base de todas as teorias da dominação que não são simples justificativas de uma potência irredutível e irresponsável. Pela única força da colocação na forma de conceitos e da iluminação filosófica, a assimilação do saber ao mandamento, à autoridade, e da ação à obediência, à execução, anularam todas as experiências precedentes, todas as articulações antigas do domínio político, ela dominou inteiramente a tradição do pensamento político mesmo quando não se havia esquecido as bases experimentais das qual Platão haviam tirado seus conceitos.”
A busca que perpassa todo o presente estudo é descobrir formas e recursos para transformar a contradição do saber e do fazer em complementares. Estudo que busca o saber o mais próximo possível ao fazer implementado pelas tendências comuns dos signos naturais do povo face ao poder. Poder que o povo constitui como fonte, mantém e reproduz, no entanto é imediatamente alijado e desconsiderado e desqualificado deste poder pelo saber. Para Chartier (1998: 54) a questão do popular, ou não, “é um falso problema. Importa identificar a maneira na quais práticas, representações ou produções, cruzam-se e envolvem diferentes figuras culturais”. A partir da constatação sustenta-se a tese de que os atuais instrumentos da informação numérica digital realizam tantos, ou mais, cruzamentos e envolvimentos das diferentes figuras culturais. Cruzamentos e envolvimentos que abastecem esta interação, a mantém em constante produção e a circulação do poder quando coerente para reproduzir aquilo que aproxima o povo com as funções administrativas de um Estado contemporâneo.
Obcecado por esta visão administrativa, central e totalitária que o filosofo Hegel escreveu (1980: 133) que é “o Estado é que faz a nação e não a nação o Estado”. Após dois séculos de duras experiência com este estado hegeliano Foucault registrou (1995: 292) que “o homem contém o germe do Estado. Toda nação tende a um Estado. Funde os sujeitos indivíduos apesar das múltiplas diferenças. O Estado provoca amor ou horror; o primeiro gera o monstro frio, o segundo o reduz a algumas funções”. No entanto no Brasil Buzzar enuncia (1997: 129)[29] o equilíbrio homeostático entre estes polos extremos das forças antagônicas que oscilam entre “a ênfase em um desses pólos cria a sístole e diástole nacionais. A Primeira República coloca a ênfase na Nação. Depois da Revolução de 1930 o enfoque é sobre o Estado intervencionista”. Porém esta oscilação com Foucault apontou (1995: 292) possui o seu preço, pois:
“sabemos que fascínio exerce hoje o amor pelo Estado ou o horror ao Estado: como se está fixando no nascimento do Estado, em sua história, seus avanços, seu poder e seus abusos, etc.. Esta supervalorização do problema do Estado tem uma forma imediata, efetiva e trágica: o lirismo do monstro frio frente aos indivíduos; a outra forma é análise que consiste em reduzir o Estado a um determinado número de funções” .
A oscilação entre a culpa (ditadura Militar) e perdão (Abertura Política) só é possível na medida da concepção de que o povo é sinônimo de pobre e é considerado como desqualificado para receber a informação integral e fidedigna. No jogo mortal entre culpa e perdão Poder Originário é bola da vez e sem a menor chance da estabilidade permanente de sua consciência política. Nesta concepção desqualificadora o povo é representado pelos mediadores, atravessadores e pelos auto titulares do poder como alguém pobre de corpo e de alma. Este povo é considerado pobre mental, cultural e, por natural consequência, também economicamente. Portanto ele é incompetente e desqualificado para ser origem e promover circulação de qualquer poder. Gera uma cultura onde permanece e se reproduz esta imagem da incompetência e desqualificação do efetivo Poder Originário. Para o povo, esta memória reiterada, gera uma baixa autoestima, que é mais uma barreira para a circulação do poder na medida em que ele descrê em si mesmo. O predador está a espreita dos bens que este povo. Este predador aguarda o momento oportuno para aproveitar esta condição desqualificadora da baixa autoestima e da descrença em si mesmo.
Neste cenário desolado de anormia individual e coletiva é necessário distinguir o conceito de violência daquele de força. Segue-se Hannah Arendt no seu caminho (1983, p. 263) para distinções:
“coisa assaz curiosa, a violência destrói mais facilmente a potência do que a força, e se a tirania é sempre caracterizada pela impotência dos sujeitos, que perderam a sua faculdade humana de agir e falar em conjunto, ela não é caracterizada obrigatoriamente pela fraqueza e pela esterilidade, ao contrário as artes e os ofícios podem se expandir, se o tirano é assaz «benevolente» para deixar seus súditos tranquilos nos seus isolamentos”.
O predador vale-se de envolventes sistemas subliminares para agir na desqualificação deste povo e se apropriar dos seus valores. Joga o Poder Originário no seu isolamento físico doméstico em células habitacionais invioláveis, o cerca de uma parafernália da aparente conforto físico ao corpo e para a mente exausta oferece todo lixo e kitsch cultural coletivizante. Estes sistemas subliminares não admitem nenhuma qualidade no povo e afastam qualquer sugestão de que ele seja competente para o efetivo exercício do Poder Originário forçando-o a admitir e cultivar a sua heteronímia e a refugiar-se na sua eterna insignificância política. Esta mensagem subliminar, da eterna insignificância política do Poder Originário é ostentada como superioridade divina do candidato a ser mediador universal. O predador trabalha e se reforça pela imprensa massiva e monopolítica, pela religião, transformada em ideologia, ou pela economia. Na imprensa o lugar do Poder Originário é a crônica policial, onde ganha rosto e nome e progredindo até a admissão como consumidor massivo e anônimo, mas necessário da indústria cultural. Este predador necessita manter este processo de desqualificação revertendo em benefício próprio qualquer eventual abertura das portas e da conquista da cidadela do povo. Para manter e cultivar este processo subliminar este predador passa a distribui “prêmios em cima de”[30] quem se dobrou frente ás suas deliberações e decisões pessoais e totalitárias. O governante ingênuo apenas reproduz o mesmo processo de desqualificação herdado da cultura colonial anterior que se apropriou do poder. Se este governante é um tecnocrata ele quer trabalhar apenas para causar efeito com o seu “planejamento” e pautando o seu projeto com o FAZER em vez do AGIR coerente com o Poder Originário. Este “planejamento” do FAZER com resultados imediatos e impactantes parte da premissa de que o povo brasileiro não produz, pois é indolente por natureza e sem vontade. Este “planejamento” pode ser exercido pelo terrorista, pelo impostor ou pseudo-religioso. Eles se apropriam da alma deste povo por meio da exibição marqueteira dos resultados imediatos e impactantes do seu FAZER. Este FAZER é do “Homo Faber” que Hannah Arendt (1983: 212/ 3) pois
“se permitirmos que as normas do homo faber governem o mundo acabará como elas governando a criação do mundo. O homo faber se servirá um dia de tudo e irá considerar tudo o que existe um simples meio para o seu uso. Ele classificará todas as coisas entre os chremata, os objetos de uso, e, para retomar o exemplo de Platão, não se compreenderá o vento como força natural, e o considerarmos exclusivamente em relação as necessidades humanas de respiração ou de aquecimento - o que evidentemente significa que o vento como coisa objetivamente dada foi eliminada da experiência humana.”
Arendt distingue (1983: 267) o “Homo Faber” do “Animal Laborans” que tenta prolongar a vida, tornando-a mais fácil. Porém possuem algo em comum:
“o homo faber e o animal laborans são apolíticos no sentido estrito da palavra; em geral eles julgam as atividades públicas segundo a sua utilidade a respeito dos fins supostos mais altos neste caso o homo faber embeleza o mundo o torna mais utilizável, no caso do animal laborans tenta prolongar a vida tornando-a mais fácil”.
Cabe a este animal laborans a tarefa de trabalhar que Arendt investiga como termo etimologicamente distinto de fazer. Ela escreveu (1983: 124 nota 1) que:
“assim como o grego distingue ponnein de ergazesthai, o latim laborare de facere ou fabricari, o inglês labor de work, o alemão arbeiten de werken.Em todos esses casos, somente os equivalentes a «trabalho» significam sem equívoco sofrimento e infelicidade. O alemão Arbeit não se aplicava antes a não ser aos trabalhos dos campos executados pelos servos e não a obra dos artesões, denominados Werk. Em frances, travailler que substituiu labourer vem de tripalium, uma espécie de instrumento de tortura”.
Os predadores, os mediadores e aqueles que se tutelam com guardiães do Poder Originário apropriam-se da mais valia do trabalho alheio. Realizam esta façanha por tabela apropriando-se dos cargos do Estado construído pelo mais valia do trabalho do Poder Originário. Reivindicam e assaltam os cargos como mediadores universais e definitivos como qualquer outro tirano totalitário. Porem não conhecem o trabalho que as funções dos cargos exigem, ou odeiam esta razão da função administrativa. De fato estão apenas interessados no poder, como qualquer outro produto. Na sua posse sentem-se no direito de deliberar e decidir em nome deste “pobre povo” do qual julgam se fiéis depositários de seu ânimo e que eles interpretam na sua própria lógica pragmática apesar das estridentes vozes contrárias.
Estridência proveniente de que sofre o conhece os rigores do trabalho humano. “Trabalho, que segundo a mitologia, ponos saiu da caixa de Pândora, castigo de Zeus contra Prometeu, «o supliciado», que o havia enganado” conforme Arendt (1983: 41). O biólogo Maturana desce o mundo empírico e ali verifica (1996: 15) que:
“as relações de trabalho são acordos de produção no quais o é central o produto, não os seres humanos que o produzem. Por isso, as relações de trabalho não são relações sociais. O fato de isso ser dessa maneira, é o que justifica a negação do humano nas relações de trabalho: ser humano numa relação de trabalho ‘es una impertinencia’. O fato de que as relações de trabalho não sejam relações sociais fazem possível a substituição dos trabalhadores humanos por autômatos, e o uso humano no desconhecimento humano, que os trabalhadores que desconhecem essa situação vivenciam como exploração”.
Esta negação do humano, nas relações do trabalho, permite ao governante constituir-se em outro predador e se considerar o onisciente, onipotente, onipresente e eterno destinatário da mais valia do trabalho dos seus governados. Este possui um projeto pessoal dissimulado e que se expressa no FAZER em confronto com o povo, impondo, neste FAZER o “seu” conhecimento, força, vigilância (inteligência) e por tempo indeterminado. Veríssimo caricaturou (2001: 3) esta situação como:
“o político, uma vez eleito, se sente a salvo em outro país, o Brasil oficial que não deve nada ao Brasil de verdade, muito menos aplicação. Nosso atraso em relação a democracias que funcionam tem a ver com a nossa irresolução histórica – já tem gente na civilização pós-industrial – e nos ainda não fizemos a revolução burguesa”.
A memória desta desqualificação é infensa a qualquer mudança quando colocada no vértice de uma sociedade corrompida no seu cerne. A permanência desta desqualificação é mais forte na medida em que o novo grupo no poder disseminar, na cultura do seu povo, a convicção ingênua de que o FAZER consiste em que “governar é andar a cavalo pela fazenda”. Hannah Arendt percebe (1983: 194/5) que “o processo do fazer é em si mesmo inteiramente determinado pelas categorias do fim e dos meios. O objeto fabricado é um fim neste duplo sentido, que o processo da produção ali se conclui e apenas existe que um único meio de produzir esse fim” No seu FAZER o novo grupo instaura a tradição de que o espaço do poder é a sua herança e o seu fim. Este FAZER gera, mantem e reproduz o mito herdado da autoridade e, que, na maioria das vezes acaba apenas “FAZENDO BESTEIRA”. Esta situação propicia a oportunidade da remoção desta pseudo-autoridade do seu cargo e assim oferecer o espetáculo da sua defenestração pública.
De outro lado a origem da palavra “ideia” - mitificada e remetida e enjaulada no mundo da metafísica – possui uma origem e uma etimologia bem prosaica no mudo do FAZER. Arendt explica (1983: 229) que
“Platão havia emprestada a palavra-chave de sua filosofia, a «ideia», da vida do artesão: antes a percepção da imagem, ou forma (eidos) do futuro produto, depois a organização dos meios e depois a execução Para Platão o artesão possui na sua mente a imagem de uma mesa universal que ele realiza no mundo em objetos diferentes”.
Nas próprias palavras de Platão[31] (1985: 2º vol, 221)
“há três espécies de camas: uma que existe na natureza das coisas e da qual podemos afirmar, penso, que Deus é o autor, de contrário quem seria?..-Ninguém mais a meus ver.- A segunda é do marceneiro. –Sim - E a terceira, a do pintor, não é/- Seja Assim, pintor, marceneiro, Deus, são três que presidem a fatura das três espécies de camas”
Neste sentido esta concepção de “ideia”, colocada no mundo prático, ganha um vigor reprodutivo intenso. De Masi percebeu esta força no âmbito institucional quando afirmou (1997: 396) que “uma instituição é tanto mais eficiente quanto mais eficiente for a sua ideia”. O mesmo vigor reprodutivo foi percebido também por Chartier quando afirma (1998: 31) que “a instituição colocada no lugar da ideia a faz desdobrar numa rede de fatos sociais, produzindo milhares de ações e de reações”.
O contrário também é verdadeiro quando esta ideia é pulverizada numa multiplicidade caótica e inerente a aqueles que querem subir simultaneamente ao palco publico e da História. A percepção do seu próprio caos mental e material aumenta diante do olhar do estrangeiro. Este caos conforme Burke (1997: 7) “manifesta-se na curiosidade pelo estrangeiro gerando a ‘síndrome da periferia’”. Síndrome de periferia para quem “interessa apenas à teoria mais recente e estrangeira da qual saltam ‘magos exóticos’ trazidos pela classe dominante” conforme Durand (1989: 107). Porém na escuridão do fundo poço do caos é possível perceber as estelas. Segundo Foucault (1995: 182) “é possível captar com maior eficácia o poder nos seus extremos do que no centro hegemônico”. O artista e professor Carlos Zílio[32] expõe este índice no caos da periferia. Ele comenta (1997: 239) que:
“é preciso atentarmos para essa lógica de cultura periférica da Academia Brasileira que não vive, como a europeia, o conforto ideológico direto com a arte moderna. Aqui sobrevivemos de pequenas transformações, desvios incapazes de produzir algo relevante na relação com um processo mais amplo da História da Arte, no entanto importantes para compreendermos o exercício do sensível no nosso âmbito cultural”.
Porém esta percepção dos desvios da compreensão no exercício do sensível depende de um projeto ou da vigência de um pacto nacional. Sem este referencial de julgamento continuara a imperar a cacofonia, o ruído e entropia são generalizados quando todos os caciques e coronéis disputam simultaneamente as mentes, os corações e os braços de poucos e exauridos índios da sua plateia.
2.07 – MUITO CACIQUE para POUCO ÍNDIO.
O número dos contratos necessários para a governabilidade é incalculável. A diversidade do poder, proveniente da base, é um grande problema para um ocupante de um cargo público e portador de um paradigma único, fixo é perpétuo. A arte, de quem quiser governar, é manter dialética entre os extremos e pagar o seu preço. O autêntico líder sempre soube prever estas dificuldade e prover positivamente as eventuais perdas sofridas pelos seus liderados. Almeida Prado[33] descreveu (1955: 367) estas qualidades no autêntico líder como um “regente frente a orquestra de competentes professores é capaz de transformar os conflitos em estímulos para a idealização e a solidariedade”. Mais recentemente De Masi analisou (1997: 20) “o líder fundador é capaz de uma dedicação heroica à instituição é carismático e competente acima de qualquer expectativa e atento em alimentara a memória e a história do grupo”. Numa análise mais prolongada Wright Mills observou (1975: 410/1) que:
“duas coisas são necessárias a uma democracia: públicos articulados e informados líderes políticos que, se não á homens de pensamento, sejam pelo menos razoavelmente responsáveis perante o público informado que exista. Somente quando públicos e lideres são responsáveis e de responsabilidade, podem as questões humanas ser submetidas a uma ordem democrática, e somente quando o conhecimento tem importância pública é possível essa ordem. Somente quando o pensamento tem uma base autônoma, independente do poder, mas poderosamente ligada a ele, pode exercer sua força no condicionamento dos assuntos humanos”.
Este autêntico líder em Arte, em Política e em Esporte sabe que não há como pedir perdão pelo erro ou equívoco. Todas estas atividades são provenientes de escolhas humanas cuja fonte é o exercício da autonomia do seu praticante. Praticante que necessita calcular antes, durante e após o preço (perdas) para manter o bem comum (ganhos) da circulação deste poder político, esportivo ou estético. No cálculo político, de um exercício administrativo, incluem-se numerosos contratos dispares que seguem paradigmas distintos e contraditórios. Os gregos comparavam o exercício administrativo de um governo com a “arte do piloto” (kupernites) que leva a sua nave através de um estreito vão, formado entre dois perigos de naufrágio. Uma única rota é possível. Esta rota necessita ser concebida na mente de um comandante solitário ou de um piloto. Ela é de exclusiva responsabilidade deste piloto ou comandante. A fortuna da travessia ou as eventuais tragédias, e as perdas decorrentes, se traduzem em ganhos ou perdas. Elas resultam das deliberações, decisões e escolhas realizadas na “arte do piloto” (kupernites) e autonomia da vontade de um comandante ou de um piloto solitário.
Estes rochedos entre a opinião alheia, petrificada pelo hábito, e dura realidade da Natureza implacável exige a perícia da “arte do piloto” (kupernites) para achar a rota entre estas duas muralhas irregulares e cheias de surpresas. O próprio discurso humano e a necessidade de tomar decisões autônomas muitas vezes contrariem os dois lados e exercitam a “arte do piloto” (kupernites) foi percebida Aristóteles (1973: 243.Metafísica II cap. III -3).
“a força que possui o hábito, (e q o z ) mostram-no as leis, nas quais o fabuloso e o pueril têm, pela força do hábito, maior poder do que o conhecimento das mesmas. Assim, uns, se alguém não emprega uma linguagem matemática, não aceitam as suas afirmações; outros, se não se serve de exemplos; outros querem tudo rigorosamente [demonstrado] e outros não querem saber de rigor, ou por não o poderem compreender, ou pelo receio do palavreado. O rigor, tem, com efeito, um pouco disto, por forma que se afigura a alguns como menos próprio, quer nos contratos, quer nas discussões.”
Na falta de hierarquia primitiva do bando ninguém manda em ninguém cuja cultura está muito distante dos requintes retóricos e metafísica. A justiça corre livre e solta comandada pelo cânon da ‘vendeta’ na qual uma parte de um dos bandos permite fazer justiça com as próprias mãos. A falta distinções e de hierarquia dispensa qualquer projeto coletivo unívoco e linear do exercício administrativo de um governo com a “arte do piloto” (kupernites). Neste estágio predomina a horizontalidade do poder, e que projeta adiante na administração da tribo antes de se constituir em clã.
Diante desta potencial anormia coletiva, e que qualquer construção artificial pode retornar em qualquer tempo e lugar, graças a entropia a que estão sujeitas. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) percebeu (Leviathan-1651) que “a criatura humana só obedece por dois motivos: 1°- quando teme que alguém pode tirar algo - ou então - 2° - quando alguém pode dar algo que esta criatura aspira”.
A violência apontada no “Leviathan” tende a romper a horizontalidade do poder e abre um espaço político para instalar a hierarquia piramidal. É consensual que a origem de todo o poder hierarquizado está em alguma violência.
Hobbes foi buscar o paradigma do seu monstro numa oficina da sua época, pois o “Leviathan” é uma aspiração de um período pré-industrial. O monstro é algo simbólico como o salário, o museu, o proletário e a “mais valia” proveniente do trabalho que pode ser dado e tirado do operário de uma fábrica.
A posse física para usufruto individual não existia na sociedade do coletador e do clã nômade. Tudo pertencia a todos e a propriedade coletiva era sagrada. O velho era um patrimônio coletivo respeitado, ouvido e segui. No período agrícola o poder tornou-se físico e encadeado em linhagens de famílias resultantes da acumulação de riqueza física que não era sagrada. Posse por meio de governos familiares, hereditário e ungidos para tanto e para um período indeterminado. Esta posse tornava-se simbólica, na era da máquina. Simbólica por meio de governos contratuais e eleitos para tanto e para um período determinado. Na era da informática numérica digital esta posse simbólica do poder tornou-se virtual. Virtual por meio de múltiplos e variadas formas, de origens e de fontes de tendências hegemônicas na busca da autoridade. Bobbio constatou (1997 cad.5. p.4.)[34] que “o velho não é mais aquela pessoa a quem os mais jovens se dirigem para apanhar os primeiros fundamentos do conhecimento essencial que servirão para prosseguir na vida”. O gradativo acúmulo e a crescente complexidade levam estas energias a um estado crítico no qual é possível praticar distinções culturalmente pertinentes. Neste acúmulo Pierre Bourdieu encontrou (1987: 109) as razões da formação deste estado crítico, pois:
“quanto mais o campo estiver em condições como campo de competição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca das distinções culturalmente pertinentes em um determinado estágio de um dado campo por serem capazes de fazer existir culturalmente os grupos que os produzem, vale dizer, de conferir-lhes um valor propriamente cultural, atribuir-lhes marcas de distinção (uma especialidade uma maneira, um estilo) reconhecidas pelo campo como culturalmente pertinentes, suscetíveis de serem percebidos e reconhecidas enquanto tais, em função das taxionomias culturais disponíveis em um determinado estágio de um dado campo”.
As energias vivas que buscam um ponto de equilíbrio homeostático das taxionomias culturais disponíveis da autoridade no meio das antigas, atuais e aspirantes ao governo. Aspirantes ao mando e ao poder que intuitiva, ou conscientemente, sabiam o que era e como lidar com a potência. Esta Hannah Arendt conceituou (1983: 260).como aquela que:
“assegura a existência do domínio público, do espaço potencial da aparência entre os homens agindo e falando. A palavra em si mesma, seu equivalente grego dynamis, como a latina potentia e seus derivados modernos, ou a alemã Macht( que vem de mögen, möglich, e não de machen), indicam o caráter «potencial»”.
Esta potência a ser mantida em homeostase constante entre as forças naturais da reprodução enquanto persistir a vida e os conceitos abstratos de sua origem. Este ponto de equilíbrio também não é possível transferir de um indivíduo para o outro individuo ou grupo social por meio da influência. Salgueiro[35] percebe, mesmo na Arte, e registra (1997: 38) este inconveniente pois:
“a noção de influência é inadequada para a história cultural das relações artísticas por seu pressuposto autoritário, pelo nível de generalidade de sua aplicação e por partir de fissura teórica básica: a de levar em conta as condições que operam as relações entre A e B.”
A presente fase da busca de um ponto de equilíbrio homeostático de autoridade no meio das antigas, atuais e aspirantes ao governo faz lembrar a frase “MUITO CACIQUE para POUCO ÍNDIO”. Porém a diferença da organização do poder indígena, encontrado pelo colono europeu, é que na nova era da informática numérica digital, também é possível aglutinação das vontades humanas individuais diferentes entre si mesmas numa multiplicidade espantosa e ao mesmo tempo fazer circular o mesmo poder nacional ou continental. Esta espantosa aglutinação da multiplicidade numa unidade é possível, mesmo que ela dure apenas por quinze minutos. Na sua matriz conceitual de origem colaboram as mentalidades coerentes com os avanços da física, matemática e a tecnologia proveniente da relatividade e da quântica. Nesta matriz conceitual é necessário ficar explicito no contrato entre governantes e governados que - este tempo da relatividade e da quântica - não é mais o mesmo do clã, da família ou da linha de montagem. Contudo o perigo da anomia coletiva decorre da crescente fragmentação do mundo do trabalho à semelhança do que ocorre no mundo cultural pela multiplicação incontrolável de EGOS cujos caprichos necessitam serem satisfeitos muito antes do bem coletivo. Fragmentação acelerada pelo numero imponderável de caciques e de coronéis de sindicatos que se multiplicam sem a mínima logica de e respeito pelo Poder Originário de suas bases.
Como a humanidade encontra-se atualmente neste novo processo é difícil prever a sua futura forma. Mas na concepção da “noosfera” de Pierre Teilhard de Jardin (1881-1955)[36] a humanidade toma consistência cada vez mais profunda e que se manifesta nos ambientes que dependem, cada vez mais, desta consciência.
A ação humana, comandada pela sua consciência, está apenas iniciando o seu processo transformador. Evidente que se contorna a figura do profeta que surpreende a todos ao instaurar uma revelação nova e original. Profeta que para Giulio Argan (1992: 39) dialoga com “o divino é a nascente do poder. Para que as verdades supremas sejam obedecidas deve materializá-las em sinais e figuras”. Sinais e figuras reproduzidas pelo sacerdote que assim mantém a revelações se constitui em ministro das verdades supremas.
Porém esta ação humana - consciente e determinante, em todos os ambientes e em mudanças permanentes. - ainda está muito longe de ser portadora da potência que carrega o ar, a água e a biosfera.
2.08 - UTOPIAS GENERALISTAS como CONTRATOS SOCIAIS OCULTOS.
A passagem da era industrial para a era da informação foi precedida por grandes projeções escapistas provenientes da realidade concreta do mundo da linha de montagem fixa e contínua e que foi a estimuladora e produtora de numerosas utopias dos séculos XIX e XX. O ritmo das máquinas fumegantes da era industrial abrigou, alimentou e deu condições de reprodução para imensas massas humanas. Estas saíram do meio rural e se acumularam no meio urbano. Esta transumância do mundo humano foi realizada sem contrato social ou ocultaram muitas das suas reais condições. O lugar vago destes contratos foi cenário para a proliferação de projeções escapistas. Estas projeções tomaram corpo das matrizes derivadas das concepções positivistas, comunistas, capitalistas e existencialistas que tentaram evidenciar e administrar o contrato oculto ou inexistente. As projeções derivadas das matrizes socialistas, anarquistas, nazistas e fascistas criaram uma anomia social política e econômica. No centro de cada uma delas residia o projeto subliminar da eficiência. Este projeto de eficiência, quando passou a reger os contratos no mundo prático, tornou-se imediatamente totalitária. O teórico que Greenberg percebeu e descreveu (1996: 49) a força implacável da eficiência que “no momento em que se aceita como valor absoluto a eficiência, nunca se é eficiente de forma absoluta como nunca se é absolutamente virtuosos, passando a infernar e pesar como um sentimento de culpa”. Esta implacável busca pela eficiência percebeu rapidamente o seu limite se continuasse presa ao relógio e à linha de montagem. Constrangidos os mediadores ou atravessadores do poder, mitificaram os formuladores originais e os levaram aos museus e sem deixar de transformá-los simultaneamente em “culpados de tudo” como os “grandes tiranos” de sempre.
Esta mitificação de eficiência foi para as imensas telas dos templos do cinema e que projetavam a cultura da primeira era industrial. Estes templos foram apenas um dos índices e uma das projeções deste escapismo de uma anormia generalizada e capitalizações da impossível eficiência total. A emoção pública e coletiva do cinema destinava-se a fazer com que a mente do proletário entrasse em sintonia com a era industrial. Esta lhe extraia a mais valia e mesmo tempo lhe impunha uma consciência coletiva e de hábitos uniforme para o consume de produtos múltiplos absolutamente iguais entre si.
Na relação indústria com a arte, Pierre Bourdieu, registrou (1987: 104) “com a era industrial modifica-se a relação entre artista e público. Arte e artista separam-se como ‘obra prima’ e ‘gênio’”. A indústria cultural, segundo Williams (in Bourdieu, 1987: 104), iniciou:
“na Inglaterra com a vinda da era industrial, a relação entre artistas e o público modifica-se, o público é tratado de uma forma diferente em relação a era do artesanato, a produção artística torna-se uma entre as especializadas, a teoria da realidade superior da Arte e o artista independente e um «gênio superior»”.
Nesta interação indústria e arte Gleizal especifica (1994: 47) uma clivagem e o nascimento de algo novo, pois: “é necessário situar efetivamente a arte na fronteira do que a caracteriza e da indústria. A arte torna-se um processo sobre o qual é necessário refletir. Ela aparece indissociável de uma epistemologia da criação”. Na medida em que a Arte avança para a “epistemologia da criação” a industrial, por sua vez, se projeta rumo ao espetáculo e produtos em séries. Este espetáculo e produtos em séries desta deram lugar para a nova infraestrutura e perceptível na rede eletrônica nacional de circuito de televisão aberta e coletiva com receptores domésticos individuais da tela.
Com o início da era da informática numérica digital, o PC (Personal Computer) passou para a tela individual conectado com a grande rede mundial. Nenhuma das grandes utopias ideológicas deixou de usar, ou escapou, desta infraestrutura cultural. O cinema da Índia é exemplar numa cultura à margem do capitalismo clássico mas que se limitou a um repertório industrial uniforme nacional.
Os objetivos industriais buscam ocultar desesperadamente este sentido do contrato, sem revelar, às massas urbanas acumuladas, as suas verdadeiras intenções. As repercussões e os retornos pessoais e individuais a esta mensagens são ocultadas e veladas na medida em que o sistema industrial incentiva o culto um EU vazio e desprovido de sentido, além do limite da mais valia do potencial trabalho que este EU poderá oferecer à era industrial.
Estes contratos sociais ocultos necessitam do conhecimento, do desvelamento além de sua desmontagem imediata, pois são provenientes das grandes utopias dos séculos XIX e XX e arrastam os seus praticantes de volta no tempo. O conhecimento dos contratos sociais ocultos é proveniente, não só de sua história, mas das cinzas e das dores do presente. As cinzas e dores do presente, causadas pela sua queima de etapas e pelas frustrações, são simétricas com as esperanças que causaram quando eram meras utopias. Porém a imanência, representada por estas cinzas, não se completa na sua materialidade. Cinzas podem ser índices de um fogo já extinto e signo de um passado queimado. Ferrater Mora descreveu esta distinção ao afirmar (1994: 1.846) que “o materialismo não se confunde e não esgota o conceito de imanência. Posso designar de imanente um sistema que se funda no fato da experiência religiosa interna predominar sobre o discursivo”.
Não há como esperar a repetição da História. Ela só realiza este retorno como uma farsa. A busca para distinguir a realidade das aparências é uma das suas metas de toda Ciência, Arte e Politica, coerentes com suas forças que as sustentam. Esta disposição geral foi evidenciada por Schiller quando escreveu (1963: 123/4) que:
“o direito humano de domínio ele o exerce na arte da aparência, e quanto mais severo for no distinguir entre o ‘meu’ e o ‘seu’, quanto mais carinho puser em separar a forma do ser, quanto mais autonomia der a ela, tanto mais chegará não só a ampliar o reino da beleza, mas a preservar também os limites da verdade; pois é impossível purificar a aparência dos resíduos de realidade sem libertar, ao mesmo tempo, a realidade das aparências”
Esta busca para distinguir a realidade das aparências está presente no universo das forças dos campos da Política, da Educação, da Religião, da Justiça, do Comércio e da Indústria cultural. As aparências escamoteiam e escondem-se em eventos pontuais avaliações e macro-análises favoráveis à natureza das grandes utopias dos séculos XIX e XX e sem que estas tenham muito claros e objetivos dos projetos que lhes deram origem e pelas quais buscam se reproduzir. Este conhecimento superficial das grandes utopias dos séculos XIX e XX é realizado “por cima e por fora” e logo naturalizado. A seguir é descartado para o mundo da obsolescência programada industrial.
A célula artificial do município contraria esta análise, “por cima e por fora” e sua imediata naturalização e o subsequente descarte. Não se ignora a sua minúsculo energia e nem as desqualificações e as manipulações do poder originário que ali ocorrem. A célula municipal é o lugar de origem deste conhecimento para chegar à célula do pátrio poder mesmo com todas as fragilidades e contradições que ali ocorrem e são visíveis a todos. Admitir a sua corrupção é admitir uma potencial metástase deste mal para atingir, como um câncer, todo o organismo nacional. Não se nega a análise mais fina na micro economia e nas circulações das riquezas, seu controle e acúmulo[37]. Os bancos e de pequenas economias, das células municipais podem ser conectados, com as macro estruturas de conglomerados econômicos, preservando, aumentado e reproduzindo a sua inteligência, a sua vontade e a sua transparência ética.
2.09 – A SENHA de IDENTIDADE CIDADÃ.
Na atual e incipiente era digital numérica um cidadão se perde, se atrapalha é assim é escondido, afugentado e desqualificado muito mais do que é qualificado, atraído e evidenciado. Nela viceja um matagal e um cipoal de senhas, de procedimentos e de mediadores. Atravessadores necessários que mais escondem e atrapalham a cidadania do que a ajuda no seu exercício eficaz da cidadania. Isto sem entrar no terreno do crime que se instala neste âmbito carente de identidade, cidadania e de um código de ética celebrado num contrato legal único e público entre provedores e usuários
A cidadania está migrando lenta e seguramente para o âmbito desta nova era digital no âmbito dos cartórios, dos tribunais e da vida publica. Os documentos de ingresso, circulação e de avaliação, originários destas instâncias, seguem coerentes com este mesmo caminho. A antiga carteira de identidade da era industrial está mesmo caminho, mas esta ainda muito distante dos cartões eletrônicos dos bancos, do comércio e da comunicação numérica digital. Neste vácuo é possível pensar, propor e implementar um projeto que lenta e seguramente racionaliza o acesso, a circulação e de avaliação do contrato entre o cidadão e o Estado. Este contrato pode se expressar num cartão eletrônico que contenha série de senhas que ajudem, este cidadão, a viver e a circular no âmbito local, nacional e internacional. Evidente que este cartão da cidadania possui outra natureza e finalidades do que um cartão eletrônico dos bancos, do comércio e da comunicação numérica digital. Especialmente pensando para o trânsito do cidadão nas três instâncias administrativas [município, estado e nação] além de ser aceito e circular no âmbito dos três clássicos poderes da administração destas instâncias.
O exercício da cidadania pode avançar significativamente graças à atual disponibilidade de informações numéricas digitais. A era industrial possibilitava fizer apenas a pergunta estatística “quantas pessoas estavam doentes” e quantificar, a assistência do Estado, apenas genericamente. Atualmente é possível perguntar “- quem está doente e quais os sintomas” e responder, especificamente, para quem necessita da assistência do Estado, em que hora e que lugar ele poderá ser atendido.
Na medida em que o projeto e as intenções do Estado forem para “estar atento e poder ajudar” aquele que precisa de fato dele, se afastará o fantasma do “Big Brother” não será uma fatalidade e atento para “vigiar e punir”. Instituições, governos e estados interagem positivamente para ajudar aos cidadãos se orientar quando esta atenção é coerente com a cidadania e tiver a sua fonte no Poder Originário.
Esta coerência e esta fonte ser continuada se o portador de uma série de chips numérico-digitais tiver a posse, de sua parte, uma chave para conferir tudo aquilo que um governo, estado ou outra entidade legal possui para identificá-lo. O cartão que se está colocando como ideal será aquele que tiver a cidadania, o viver e o circular no âmbito local, nacional e internacional definido num contrato. Este contrato certamente necessitará mais de um único chip num cartão. Pensa-se num único cartão que contenha múltiplos chips de identidade da era da informação numérica digital. Chips competentes para a inter-conectibilidade virtual com a rede e direcionada para diversas bases de dados sobre o seu portador e disponíveis em arquivos virtuais.
Este cartão pode realizar múltiplas conexões do seu portador por meio de chaves [senhas] para distintos campos de arquivos virtuais. No lado contrário quem acessa estas informações deixa abundantes e claros índices desta busca de informações que realiza em relação ao cidadão. Evidente que este tipo de acesso será publica e inteiramente reversível e acessível ao cidadão que foi objeto desta busca. Esta busca e acesso aos bancos de informações simultâneas ou lineares sobre a pessoa do seu portador, seus domicílios familiares, trabalho, eleitoral, jurídico, de saúde, de educação, de financeiro, impostos, resguardando-se e regulando-se por um contrato preliminar. No momento o seu portador pode realizar este acesso por meio de códigos de barra, em campos magnéticos com chaves de competências próprias dos distintos campos de arquivos virtuais. No futuro certamente haverá outros suportes, circulação, arquivo e recuperação de dados.
Na chave de identificação das conexões de cidadania podem estar dispostos os campos de arquivos virtuais do seu portador. Os acessos, a estes arquivos virtuais, podem serem realizados nas conexões com registro comutável como o domicílio, CEP, região eleitoral, identidade, CIC, impostos, folhas corridas, profissão, propriedades.
No meio da carteira estarão os quadros fixos e não regraváveis, constituindo as chaves contendo as conexões de identidade pessoal acessível por meio da senha numérica digital. Neles poderá constar o nome usual, as conexões com o registro do nascimento, filiação com a identificação das identidades dos pais biológicos, grupo sanguíneo, código da íris dos olhos, digitais...
As CONEXÕES com SERVIÇOS do ESTADO estão dispostas na chave inferior em quadros regraváveis e controláveis contendo informações sobre os serviços de saúde, de educação (currículo), de economia, de carteira de trabalho.
SENHAS de CONEXÔES da CIDADANIA
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CONEXÕES de IDENTIFICAÇÃO PESSOAL
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CONEXÕES com SERVIÇOS do ESTADO
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Gráfico 04 – Estrutura (sem escala) da carteira cidadãs com múltiplos chips para conexões.
As leituras podem ser realizadas no sentido horizontal ou vertical. O leitor ótico seleciona o chip do campo solicitado. A sua função é tanto de leitura como de conexões. A leitura destes chips refere-se à faixa central onde constam os dados pessoais. A faixa horizontal superior e a inferior realizam as conexões com os arquivos nos quais constam informações sobre a cidadania e os serviços prestados pelo Estado nacional, regional e municipal. Para as competentes gravações e fiscalizações serão habilitados e contratados os cartórios, hospitais, escolas, instituições correcionais e civis. Nestes haverá alguém legitimado e inteiramente identificável para realizar os acessos e deixar registrado todos os dados deste acesso.
A célula municipal poderá ser convocada também para numa franquia do IBGE, constituir o seu próprio BANCO de DADOS com terminais e conexões e redes contratadas e criptografada para a segurança de a fidelidade dos dados. O IBGE poderá se dedicar a toda nação brasileira e a implementação de BANCOS de DADOS ESTADUAIS e REGIONAIS. Evidente as competências e os limites será determinados pelo legislativo lhe determinar. Os contratos serão acompanhados dentro da lei pelo judiciário.
A prudência, a segurança e a legalidade recomendam que esta macro-estrutura não poderá ser implantada de uma única vez e por decreto. A constituição, destes BANCOS de DADOS, poderá ser implementada em células MUNICIPAIS nas quais esta cultura estiver mais adiantada e que servirão, se eficientes, para referencial da sua disseminação gradativa por todo território nacional naquelas células que julgam aptas e competentes para manter os seu BANCOS de DADOS MUNICIPAIS e sua conexão, em tempo real e contínuo, com o IBGE ou outra instituição congênere.
[1] - FACCIONI, Victor «Uma oportunidade na educação» Correio do Povo, Porto Alegre, ano 98, n° 137, 14.02.1993
[2] - PEVSNER, Nikolaus. Las academias de arte: pasado y presente. Madrid : Cátedra. 1982. 252p. – (edição brasileira - Academias de Arte: passado e presente. São Paulo, Companhia das Letras, 2005).
[3] - MAZZOCUT-MIS, Madalena, « Pouvoir et limites de l´imagination» in Revue d´esthétique : Esthétique en Chantier. Paris :Jean Micel Place v.24, nº 93, jun. 1994, pp. 59/64.
[4] - GRESPAN, Jorge. «A ineficácia da dialética: Habermas, a esquerda deveria pensar construtivamente»´ Folha de São Paulo, São Paulo, ano 77, nº 25.043, 1997, cad. 5, p. 8,
[5] - BURKE, Peter.« Primeiras impressões de um inglês no Brasil» Folha de São Paulo: São Paulo, ano 77, nº 25.106, 28.12. 1997, cad. 5, pp.6/7.
[6] - Aristóteles: Ver TÓPICOS-Penúltimo aforismo – disponível em . https://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000069.pdf
[7] - LOPES FILHO, Osíris «Cair na real» Folha de São Paulo, ano 76, n° 24.448, 10.03.1996, 2° ca, p. 02
[8] - SALOMÃO Marcos Fagundes “A escravidão ainda ronda o Brasil”. Porto Alegre: Zero Hora, nº 15.760, 16.10.2008, p. 23
[9] - BARRIONUEVO, José “Combater o corporativismo, o clientelismo e a corrupção endêmica” in «Rosseto propõe o modelo gaúcho para o país». In Zero Hora, Porto Alegre, ano 38, n° 13.200, 11.10.2001, p. 24.
[10] - FREITAS, Décio et alli, RS:Cultura & Ideologia. (2a ed) Porto Alegre : Mercado Aberto, 1996. 167p.
[12] - Fórum Social Mundial - https://www.forumsocialmundial.org.br/
[13] DE DUVE, Thierry «Kant depois de Duchamp» Arte & Ensaios Revista do Mestrado em História da Arte da EBA. Rio de Janeiro : EBA-UFRJ Ano 5, no 5, pp.125-154, 1998.
[14] - HEIDEGGER, Martin (189-1976) Origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1992. 73 p
[16] - REGUERA, Isidoro. El Feliz absurdo de la ética (El Wittgenstein Místico). Madrid: Technos, 1994. 270p.
[17] - BOURDIEU, Pierre ( *1.8.1930 - †23.1.2002) O poder simbólico. Lisboa : DIFEL, 1989. 311p
[18] - A modelagem numérica digital produz o criativo, o complexo e o único mas reproduzível em série infinita
https://www.foundmyself.com/Philipp+Langer/art/solidified-mercury/103658#
https://www.wohlersassociates.com/2012report.htm
[19] - NASSIF, Luis “A última palavra de mercado de consumo é proporcionar atendimento quase personalizado ao consumidor, mesmo em produtos de massa” . «O exemplo de Porto Alegre» in. Folha de São Paulo, São Paulo, ano 74, n° 23.769, 01.05.1994, 2° cad. P. 03.
[20] - WORRINGER, Wilhelm (1881-1965). Abstraccion y naturaleza. (1ª.ed. 1908). México: Fondo de Cultura Econômica, 1953. 137p.
[21] PASANEN, Kimmo, « L´Art et les jeux de langage chez Wittgenstein» in. Revue d´esthetique.: Esthétique en chantier. Paris : Jean Michel Place, v.24, nº 93 . Jun. 1994, pp. 49/54.
[22] - NASSIF, Luis «O fim dos estados» in. Folha de São Paulo, São Paulo, ano 77, n° 26.098, 27.12.1997, 2° cad. P. 03
KERN, Luiz Augusto Fundo de Participação dos Estados [FPE]: Estados veem ‘fim do mundo’ Correio do Povo: Porto Alegre, ano 118 nº 96, 04 de janeiro 2013 p. 4
[23] CACO COELHO “Arte de participar” Porto Alegre: Correio do Povo -Ano 117, nº 232 - sábado, 19 de maio de 2012 Arte & Agenda Crônicas da Cena
[24] GENOINO constrange - Zero Hora – Porto Alegre 03/01/2013 | 17h01 Suplente José Genoino toma posse na Câmara e diz que se sente "confortável" "Estou seguindo as normas da democracia e da Constituição do meu país", disse o petista, condenado pelo STF
[25] - Correio do Povo «Uma oposição verdadeira» Porto Alegre: Correio do Povo, , ano 104, n° 035, 04..11.1998 , p. 8 -Editorial
[26] OPPITZ Taline “TRABALHO ESCRAVO no RIO GRANDE do SUL em 2012” Porto Alegre: Correio do Povo, Ano 117 Nº 226 domingo 13 de maio de 2012 p. 04
[27] OLIVEIRA LIMA, Lauro. Os mecanismos da liberdade: microfisilogia . São Paulo: Polis, S/d. 376 p.
[28] - Correio do Povo “As mudanças no Brasil irão acontecer através do poder local”in Lerner vai ensinar prefeitos a governar Correio do Povo : Porto Alegre, ano 97, n. 91 30.12.1991 -p. 02
[29] BUZZAR, Miguel Antônio «Lúcio Costa, a ENBA e a arquitetura moderna Brasileira» in 180 anos de Escola de Belas Artes, Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro : UFRJ, 1997. 397/409
[30] - BERNHARD, Thomas (1931-1989) – O Sobrinho de Wittgenstein – Tradução de José A. Palma Caetano . Rio de Janeiro : Assírio &Alvin, 2.000 -ISBN: 972-37-0603-2 https://profciriosimon.blogspot.com.br/2009/11/premio-em-cima-de-01_30.html
[31] - PLATÃO ( 427-347) – A REPÚBLICA – Tradução di J. Guinsburg 2º volume . São Paulo : Difusão Europeia do Livro, 1985, 281 p.
https://pt.scribd.com/doc/28055175/Platao-A-Republica-Vol-II-Do-V-ao-X-livro
[32] ZÍLIO, Carlos. «Formação do artista Plástico no Brasil». Arte & Ensaios : revista de História da Arte. Rio de Janeiro : UFRJ, Ano 1, nº 1. pp.25-32 1º semestre 1994.
[33] ALMEIDA PRADO, J. F. Tomas Ender. São Paulo : Melhoramentos, 1955. p.383.
[34] BOBBIO, Norberto, «Os nervos do pensamento» Folha de São Paulo, São Paulo, ano 77, nº 24.434, 12.01.1997. cad. 5. p.4.
[35]SALGUEIRO, Heliana Angotti. «Grandjean de Montigny, Caminhoá, Magalhães e Morales de los Rios : trajetórias e modalidades de apriopriação dos sistema da École des Beaux-Arts de Paris» in 180 anos de Escola de Belas Artes. Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro : UFRJ, 1997. pp. 37/46.
[36] CHARDIN, Pierre Teilhard de (1881-1955). O Fenómeno Humano. Porto Alegre: Tavares Martins, 1970. 355p.
“This biosphere, this advancing network of life, has thus far resulted in the culminating development of man. With the advent of man, Teilhard believes that cosmic evolution has finally become conscious of itself...at least on this planet, which is woven into the cosmic whole. Teilhard opines that the destiny of man is to culminate into a consciousness of the species.
This consciousness of mankind will ultimately become the "thinking layer of the earth," which Teilhard calls the *noosphere.*
Cosmic evolution will not cease with the noosphere. Teilhard does not consider the human species to be the epitome of the universe; rather, he believes that Nature provides us with yet another evolutionary opening...that of a "super-soul above our souls." The whole "gigantic psycho-biological operation" of cosmic evolution points toward a "mega-synthesis" of all the thinking elements of the earth forcing an entree into the realm of the super-human” in https://www.bizcharts.com.br/stoa 15.08.2006.
“Ce mot, que Pierre Teilhard de Chardin emprunte à Vernadsky, part de l'observation qu'une pellicule de faible épaisseur (quelques kilomètres) entourant la Terre - qu'on comparerait presque aujourd'hui à un biofilm - contient à la fois toutes les connaissances de l'humanité et toute sa capacité de traitement de l'information.
La noosphère se juxtapose à la lithosphère (la masse inerte), la biosphère (la masse vivante) et à la sociosphère (ensemble des relations humaines et/ou écologiques) et l'ensemble de l'activité intellectuelle de la Terre : il s'agit d'une sorte de « conscience collective de l'humanité » qui regroupe toutes les activités cérébrales et mécaniques de mémorisation et de traitement de l'information.” https://fr.wikipedia.org/wiki/noosph em 15.08.2006
[37] Correio do Povo «SARANDI: cidade consegue empregar todos os seus trabalhadores» in Correio do Povo, ano 99, n° 227, 15.05.1994, p. 14.
CAPÍTULO 03 - PODER ORIGINÁRIO
23/04/2013 08:42
A CORRUPÇÃO do PODER ORIGINÁRIO.
Neste polo teórico buscam-se construções, ao nível de linguagem, de conceitos especificações, interpretações que orientam hipóteses e soluções provisórias que cercam as problemáticas a existência e o exercício do Poder Originário.
3.01 – no Brasil todos são poder: - menos a autoridade; 3.02 – a corrupção do voluntariado; 3.03 – piratas e paraísos fiscais.; 3.04 – quando o povo irá eleger os seus banqueiros; 3.05 – o Estado Nacional como empresa; 3.06 – o infinito progresso linear; 3.07 – o “Big Brother” e o “Pig Brother”; 3.08 – a pressão social como ficção no Brasil; 3.09 – a política dos répteis; 3.10 – os percalços do poder legislativo; 3.11 – a medida e a proporção da “fofoca”; 3.12 – a desqualificação da célula municipal.
3.01 - No BRASIL TODOS são PODER, menos a AUTORIDADE.
A corrupção dos ótimos é péssima.
Nos dois capítulos seguintes consolida-se o polo teórico que na percepção de Bruyne (1977: 35) pode ser descrito como:
“guia a elaboração das hipóteses e a construção dos conceitos. É o lugar da formulação sistemática dos objetos científicos. Propõe regras de interpretação dos fatos, de especificação e de definição das soluções provisoriamente dadas às problemáticas. É o lugar de elaboração das linguagens científicas, determina o movimento das conceptualizações”
Na interpretação dos fatos é necessário admitir que a naturalização ou da mitificação do poder humano ou aquele atribuído à intervenção divina na História humana é um fenômeno que acompanha o ENTE humano deste que ele se deu conta de si mesmo e circunstâncias de seu SER. Certamente está longe de ter um final.
Este fenômeno da oscilação do poder entre a naturalização e a sua mitificação é recorrente n cultura da política brasileira. No Brasil encontram-se também vestígios da afirmação como aquele do Egito “todos são deuses menos o verdadeiro deus” conforme narrativa de Heródoto. Num país tropical, de águas abundantes, de vegetação exuberante e de espécies variadas, multiplicam-se as pragas da falsa legitimação. Diante dos olhos de suas vítimas montam redes de embuste de identificação de bens simbólicos que se vale da saturação proveniente da alodoxia para dar a ilusão de ortodoxia.
No Estado brasileiro todos são deuses onipotentes, oniscientes, onipresentes e eternos, ao menos enquanto duram. Esta naturalização do poder, dos cargos e funções mitifica e separa o se ocupante a semelhança de uma divindade hierática egípcia. O cidadão que ocupa algum cargo publico não perde tempo para se cercar de rituais ou, então, incluir o Estado no seu quintal. O candidato briga, aposta toda a sua vida, fortuna e amigos e usa máquina corporativo para ser detentor de um cargo. Quando assume o cargo do Estado inicia o processo de sua divinização[1] ao modelo egípcio. Nesta mitificação do “seu” cargo passa a ter direito de vida e morte no âmbito deste quintal e nas funções que ele imagina e idealiza. Evidente que todo este ritual da divinização o que menos lhe interessa são as suas reais funções no exercício de uma autoridade conectada e coerente com o Poder que fornece origem e fonte.
O Brasil cultiva as cortes e as retóricas presidencialistas, parlamentaristas ou jurídicas com o objetivo de ocultar esta contradição entre o Estado e a Nação. As normas pétreas das práticas jurídicas, favoráveis à circulação do poder entre o Estado e a Nação são rompidas, na sua prática, para dar lugar a um presidencialismo ou parlamentarismo divinizado e oportunista.
O resultado é que, diante destas rupturas, descalabros e divinizações brotaram infinitos poderes individuais. Cada um destes milhares de pequenos poderes julga-se divino e onipotente nos seus interesses. O poder arcaico e tribal rebrota, ao acaso, em cujo modelo todos mandam e ninguém obedece. Estes pequenos poderes “divinos e onipotentes” dobram apenas diante da curiosidade do estrangeiro que por sua vez não ficam menos surpresos. Foi o que constatou Lévy-Strauss no Brasil (in Durand, 1989: 107/8) na década de 1930:
“nossos estudantes tudo queriam saber, mas em qualquer domínio que fosse, somente a teoria mais recente lhes parecia merecer atenção. Embotados por todos os festins intelectuais do passado, que, aliás, só conheciam de oitiva, pois não liam as obras originais, conservavam um entusiasmo sempre disponível para pratos novos. No seu caso deveríamos falar mais em moda que em cozinha: ideias e doutrinas não possuíam aos seus olhos um interesse intrínseco, eles as consideravam como instrumentos de prestígio cujas primícias deviam assegurar-se. Partilhar uma teoria conhecida de outrem equivalia a apresentar-se com um vestido já visto: seria desmoralizante. Em compensação, uma encarniçada concorrência exercia-se com enormes quantidades de revistas de vulgarização, de periódicos sensacionalistas e de manuais, para obter a exclusividade do modelo mais recente no domínio das ideias (...). Para esses jovens que não tinham visto o mundo e cuja condição frequentemente modestíssima lhes interditava a esperança de conhecer a Europa, éramos trazidos como magos exóticos, por filhos-família duplamente execrados; primeiro, porque representávamos a classe dominante, depois por causa de sua própria existência cosmopolita, que lhes conferia uma superioridade sobre os que tinham ficado na aldeia”
No final do século XX esta percepção de periferia apenas se institucionalizara e se transformou em rígidos rituais acadêmicos controlados por uma burocracia oficial onipresente. Burke declarou (1997: 7, cad.5) que
“o interesse pelo novo esteja vinculado ao interesse brasileiro pelo estrangeiro, pelas ideias, modas e pessoas estranhas à sua cultura - pouco importando se o novo é atraente por ser estrangeiro ou o estrangeiro por ser novo. Fiquei pasmo quando descobri que os professores nas universidades recebiam mais créditos pelos artigos publicados em revistas estrangeiras do que os editados no país. Talvez não devesse ficar tão surpreso. Afinal, essas reações fazem parte de uma «síndrome de periferia»”.
Porém esta contradição e exposição da mitificação do poder na periferia abre uma possibilidade de pesquisa que não mais existe nas culturas homogenias como o modelo das suas florestas replantadas, cultivadas e uniformes. Isto é possível deduzir da leitura do texto de Foucault, (1995: 182) que escreveu que:
“não se trata de analisar as formas regulamentares do poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes. Trata-se, ao contrário, de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar; captar o poder em suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam. Ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material, eventualmente violento”.
No ambiente do poder caótico e periférico as possibilidades de múltiplas pesquisas em ambiente no qual todos mandam e ninguém obedece. Explica a precedência da lei precede o fato. Explica a floresta onde se criam-se religiões, bancos comerciais, cartórios ou clubes . Esta criação legal fictícia converge para a criação de um Estado de uma Nação para o qual são carreados os bens e o trabalho do povo. Nesta perspectiva a criação de cargos não é a favor do povo, mas contra este povo, pois ele terá de arcar com as despesas de funções dos quais não recebe o menor retorno além da conta a pagar pelo divinização da autoridade. Este Estado padece da falta de legitimidade da parte da Nação e de um contrato “stricto sensu” entre quem sustenta o poder e aquele que arma a cena da sua divinização como poder. Nação que esta em permanente conflito de identidade própria pois, segundo Eco, (1995: 9) ele é terreno onde:
“o protofascismo germina a partir da frustração social ou individual. Para os que se veem privados de qualquer identidade social, o protofascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos, o de terem nascido no mesmo país”.
Para Gellner (in Oliven, 1992: 15) a partir disto :
“o Nacionalismo não é o que parece nem, acima de tudo, o que parece a si mesmo. As culturas que ele reivindica defender e reviver, são frequentemente suas próprias invenções, ou são modificações a ponto de se tornarem irreconhecíveis”.
Esta mesma constatação é possível encontrara também em Buzzar (1997: 397). Certamente este cenário, no âmbito brasileiro, sempre foi e continua sendo extremamente favorável e frutífero aos mediadores, atravessadores e de quem se diz tutelar do Poder Originário.
Porém o cenário não é tão favorável aos atravessadores, aos pseudo titulares e aos mediadores no âmbito da célula municipal. A passagem entre o poder e a autoridade ocorre potencialmente com menos divinizações e mitos. é visível e na proporção da população. Esta possibilidade de passagem da circulação do poder existe devido à proporção do município. A sua proporção permitirá observar, nominalmente e com registro imediato desta circulação e anular a violência do cidadão no exercício do seu direito, da sua vontade e da sua inteligência.
Os poderes, exercidos no âmbito municipal, ainda possuem na cidadania um sentido, uma proporção e a coerência interna. Não e trata da autonomia do município. A pirâmide da hierarquização do poder inicia no âmbito municipal, e chega até ao vértice da nacionalidade. O município apenas é o primeiro degrau da transformação do poder do Estado em autoridade legitimamente constituída.
No Brasil 80% dos pobres não possuem meios para chegar até o Estado. Sobem apenas ao palco público federal mais como números e vítimas do que atores autônomos. Números e vitimas do sistema financeiro como escreveu[2] Santos Martins
“os entes públicos são para servir o povo, não para obter lucros bilionários extorsivos, fazendo divulgações maquinadas, enganosas, que nada têm a ver com o auxílio econômico-social que lhes cumpria fazer. De outra parte também se publica e todos sabemos que a União bate recordes de arrecadação em todos os sentidos, de todos os tributos, disfarçados ou não, de contribuições, para que os demais entes públicos não co-participem”.
Políticos favorecidos, e apoiados por corporações nacionais e estrangeiros, usam estes pobres para chegar ao exercício do poder e em função dos seus objetivos pessoais. O populismo constitui uma doença tão grave como a da própria ditadura e totalitarismo. A Nação é vitima dos políticos que atingem com mais eficácia os seus objetivos anti-populares ao se apropriarem do aparelho do Estado, por meio de um populismo subliminar.
A enormidade territorial e populacional, como o do Brasil, não permite o bom funcionamento de um Estado provedor e assistencialista. Isto não que dizer que esta iniciativa deva ser delegada para a iniciativa privada. O Brasil, como está ainda muito próximo da escravidão[3], não possui condições para incentivar o voluntariado. Os aproveitadores do erário e do poder do Estado brasileiro, são os mesmos que se valem da mais valia da iniciativa do voluntariado para escamotear a escravidão e, além disto, ainda pregam o moralismo.
3.02 - A CORRUPÇÃO do VOLUNTARIADO.
O voluntariado constitui uma das formas mais civilizadas de interação entre o seu Estado e a iniciativa cidadã. Isto é verdadeiro em culturas solidárias. Contudo no Brasil esta forma interação não é possível, devido ao abismo econômico e social. Na cultura nacional o termo alodoxia, na concepção que lhe deu (1987) Pierre Bourdieu, poderia ser estendido para este tipo de argumentos falaciosos de um discurso geral por cima e por fora. Neste discurso voluntariado no Brasil poderia referir-se, no máximo, a uma forma de participação, Este tipo da ação permanece ao nível emocional e sem consequências significativas no tempo e na eficácia social. O resultado do trabalho de todos e, na maioria das vezes, é apropriado pelo mais inteligente e pelo o mais forte. Este processo é mais uma forma de participação emocional e constitui-se o primeiro passo para a escravidão. O Brasil encontra-se ainda muito próximo do estágio das necessidades básicas. Na heteronomia não existe nenhum valor moral. O voluntariado só pode ser levado adiante entre iguais e pessoas em perfeita autonomia para celebrar contratos antes, durante e após ação coletiva para a doação de suas energias e de seu tempo. Pessoas competentes para realizar contratos válidos ao nível do que Maturana Varela designam (1996: 180) “observar que designamos como linguística a uma conduta comunicativa ontogenética, quer dizer, a uma conduta se dá um acoplamento estrutural ontogenético entre organismos, e que um observador pode descobrir em termos semânticos”. Na dificuldade ou na impossibilidade de constatar, lidar e reproduzir esta observação e traduzi-la em linguagem deixam se usurpar com deixam usurpar o seu trabalho e o seu próprio erário e o publico. Com a concepção de produtividade potencial desenvolvida por Hannah Arendt (1983)[4] chega-se ao núcleo desta corrupção do voluntariado. Para a discípula de Heidegger esta produtividade potencial era possível aos senhores era graças a consumação sem esforço que era realizado pelos escravos, servidores e os domésticos. Estes seus servidores, aos seus domésticos, oiketai ou familiares, trabalhando para subsistir, empregados muito menos para produzir do que para permitir uma consumação sem esforços, que sempre se cogitou, antes dos tempos modernos, quando se identificava o trabalho com a escravidão. O que eles permitiam como preço de sua consumação, era, nem mais nem menos, do que a liberdade de seus senhores ou, em linguagem moderna, a produtividade potencial de seus senhores. Da mesma forma como procedem com os seus servidores transformam erário e do poder do Estado em produtividade potencial. Usurpam a “mais valia” da iniciativa do voluntariado são provenientes dos mesmos aproveitadores do brasileiro. Eles conhecem os processos de acurada observação destinando os resultados de sua investida sobre o patrimônio alheio. Incrementam a heteronímia da vontade dos participantes do trabalho voluntário e forma de auferir lucros simbólicos e materiais deste tipo de escravidão[5] dissimulada em produtividade potencial.
3.03 – PIRATAS e PARAÍSOS FISCAIS.
Os valores econômicos circulam como informações virtuais numéricas digitais referentes a um contrato mundial imponderável, em volumes cada vez maiores, sem rosto e são apresentados como tais. O lastro físico do ouro deixou de ser um referencial, há muito tempo, para o meio simbólico circulante. Este meio simbólico circulante foi substituído, por sua vez, pela informação de um cartão magnético socialmente preso a um contrato mundial imponderável, incompreensível e administrável para o cidadão comum. O Capital econômico desqualifica, em todos os sentidos, a célula municipal, na medida em se apresenta na forma de um contrato mundial imponderável e sem rosto.
A desvalorização das pequenas células municipais foi explorada pelo próprio Capital com contrato mundial imponderável e sem rosto. Contraditoriamente ele escolhe pequenos territórios, os domina e ali instala paraísos fiscais em nomes de “laranjas”. Na medida em que estes pequenos feudos piratas são tolerados geraram cânceres do sistema da economia planetária global. De um lado são contrários a toda lógica concentradora das nações hegemônicas, do outro lado são corolários naturais da política da economia neoliberal. Esta contradição é visível em 2013 pela migração e busca de nova pátria de artistas como Gerard Depardieu a quem vem se somar Brigite Bardot[6]. Representam os “buracos negros” ou furos na rede econômica planetária. Na verdade são índices atuais do retorno ao período do coletador. O coletador é constituído por pequenos grupos étnicos nômades que não acumulam e que atravessam territórios sem pagar tributo. Estes coletadores de informações virtuais numéricas digitais impedem que uma nação se transforme, conserve ou se reproduza como um Estado no concerto das demais nações.
Se a informação numérica digital reforça, de um lado, a corrupção destes piratas, de outro lado este fenômeno maligno necessita ser combatido e curado por este mesmo meio numérico digital. Os instrumentos numéricos digitais permitem atrair este Capital para o interior das fronteiras curando este fenômeno maligno. Realizam esta cura por meio da segurança oferecida ao investidor por informações fidedignas em relação dados econômicos num fluxo contínuo, coerentes com a realidade e no interior de um projeto legível e com suficiente credibilidade. Outra forma de realizar esta cura é evitar a concentração deste Capital num único ponto central do território nacional e nas mãos e no controle exclusivo de alguns de posse dos instrumentos e dos meios de comunicação numérica digital[7]. Em paises economicamente sólidos e maduros predomina a riqueza individual e equitativa de cada cidadão em relação ao acúmulo do Capital nas mãos do Estado central e totalitário. A China comunista aprendeu esta arte de equilibrar, de forma homeostática, as forças contrárias do Estado central e da iniciativa do capital nas mãos de particulares.
Na Índia pequenos empréstimos, para mulheres cabeças de família, demonstrou uma destas saídas em colocar o Capital na mão do povo. As diversas experiências das cooperativas rurais e urbanas do Brasil demonstraram outra forma de o capital permanecer circulando mais próximo da célula municipal. Ali ela está sob o controle mais direto de assembléias de cidadãos produtores ou consumidores. Algumas avançaram na direção da constituição de apoio bancário próprio.
A coerência econômica deverá estar resolvida na medida em que tiver uma decisiva origem na área da sociedade civil organizada. Esta solução será possível na proporção direta em que a célula municipal mantiver-se efetivamente como originária dos três poderes. Contudo a formação de muitas células municipais artificiais por meio de promessas sem lastro na realidade efetiva de auto sustentabilidade continuada, comprometeu o poder originário. Este Poder Originário foi seduzido com a promessa da distribuição das verbas nacionais. Este caiu na heteronomia por meio da armadilha constituída pela força do Capital econômico central. A cultura brasileira sofre também com estes piratas aninhados neste Capital econômico central. Os produtores, os empresários e os consumidores de bens símbolos seguem intuitivamente e seduzidos por estes produtores potenciais. Isto é possível verificar entre os produtores mais inclinados e mais aptos a responder à demanda das frações das classes dominantes, tendem a serem consagrados muito mais os autores e obras que as instâncias próprias do Poder Originário ou o campo erudito lhes aponta. No Brasil a seleção para ser membro da Academia Brasileira de Letras não passa pelos critérios da Universidade, mas pelas classes dominantes. Roberto Marinho, Getúlio Vargas, José Sarney, Assis Chateaubriand são algumas evidências desse fato. Isto é perceptível na relação que a Bienal, o MASP, e a USP mantém com as classes dominantes de São Paulo.
Esta solução artificial, por cima e por fora fornecida pelos produtores potenciais, é índice da continuidade subliminar da política colonial para manter a população ocupando e controlado num determinado território. Contudo, esta política colonial, gera uma grave heteronomia da vontade municipal. Esta heteronomia, das vontades das células municipais, compromete a soma de toda uma nação, tornando-a amorfa e doentia.
Na contramão desta heteronomia, é possível constituir em cada município uma filial do banco central das informações numéricas digitais sobre as quais é origem e competente. As informações numéricas digitais dos impostos federais e estaduais, pagos nos municípios tão bem em relação aos retornos necessita uma assessoria de economistas, de contadores e arquivistas profissionais. No centro deste processo as autoridades locais constituídas nos três clássicos poderes são o núcleo dos ordenadores das despesas que inicia pelo orçamento objetivo, colocado no mundo prático pelo executivo e com rigoroso e constante acompanhamento do judiciário. Todos os seus passos são públicos e acompanhados com atenção pelo Poder Originário.
O que é essencial é que a informação numérica digital em relação aos impostos federais e estaduais, gerados ou recebido pelo município, estejam ao alcance dos quatro poderes que sustentam este município. Ao mesmo os três clássicos poderes constituídos irão gerar um arquivo. Este será de extrema utilidade em casos de dúvidas ou de visões administrativas diferenciadas em confrontos posteriores aos atos administrativos de uma das partes. Só pela transparência é possível conhecer as próprias disponibilidades do município e assim existir um planejamento adequado.
No plano do cidadão este terá garantido o controle e o retorno potencializado do seu trabalho. Neste plano do cidadão o seu cartão (gráfico 03) possui recursos únicos e inéditos para o controle e o retorno potencializado do seu trabalho.. Neste cartão existe o acesso às informações numéricas digitais pertencentes ao cidadão e a serem conferidas pelas autoridades constituídas e competentes do município. A sua base física terá como referência a base eleitoral deste município sem significar que sejam gerenciados por estas autoridades.
A “plantação intensiva de uma monocultura no país” sempre pareceu uma sina do Brasil. Assim sucederam-se os ciclos da cana-de-açúcar, café, soja etc. Esta monocultura é uma amostra da heteronomia da vontade brasileira. Se cada célula municipal dirigir a sua a atenção para o seu BANCO de DADOS será possível verificar a produção do potencial dos seus bens. De posse destas informações ele possui referenciais concretos para sua própria forma de produção de riqueza e conectar-se adequadamente com a circulação de dados com outras instâncias. De outra parte este BANCO de DADOS MUNICIPAIS permite prever catástrofes, quebras de safras e eventos históricos e cíclicos, deixando reservas e preparar responsáveis em alerta nestas emergências recorrentes.
O objetivo final do BANCO de DADOS não é instalar mais uma empresa. Trata-se de constituir meios para que a célula municipal tenha acesso ao trabalho e aos frutos deste mesmo trabalho. Trata-se de instituições que tenham a sociedade por origem, por meio e por fim. Sociedade que se expressa na voz e vez do “quarto poder” autêntico e múltiplo. Este “quarto poder” possui pleno direito e dever de exercer rigorosa fiscalização antes, durante e após toda ação pública. Com esta rigorosa fiscalização s instituições não necessitam concorrer entre si mesmas e ter desconfianças recíprocas. Nisto uma instituição difere de uma empresa ou de conglomerados que possuem a concorrência por seu princípio e por sua natureza.
3.04- QUANDO o POVO IRÁ ELEGER os seus BANQUEIROS?
O poder econômico e monetarista usurpou o direito ao poder real e exercido pelo Estado Nacional. Esta usurpação foi apoiada e sustentada pela imprensa industrial, subordinada ao poder econômico e monetarista. Este poder econômico não só sombreia o poder real o Estado Nacional. Se não corrompe por dentro este poder nacional, condiciona e até determina decisões no executivo, norteia e reforça a legislação que lhe interessa. O poder econômico e monetarista desvencilha-se inteiramente das instituições. Precipitam-se por ações que se materializam em ‘movimentos’ que seguem na linha da reflexão de Vilhena quando ele afirma (1997: 213) que: “para a cultura brasileira cabe a crítica de que as ações eufóricas não vão além de ‘movimentos’ com grandes dificuldades para se institucionalizar até pela descrença nas próprias instituições”. Esta descrença é pelo fato evidenciado que dificilmente banqueiro vai para o presidio. Vai para a cadeia todo e qualquer cidadão, menos banqueiro. Só não vai o contraventor rico, de fato para a cadeia, pois consegue pagar consultorias jurídicas e defesas dos melhores advogados. O poder econômico e monetarista, ao instalar, condicionar e determinar um estado policialesco-econômico[8]. Este poder nacional longe de sua natureza de ser expressão e agente do Poder Originário e corrompido por dentro, pune apenas o desarmado e o pequeno. O pequeno recebe apreciações, valores e recompensas que são inversamente proporcionais na sua utilidade. Hannah Arendt esclarece (1983: 136) que nas categorias do trabalho liberal:
“são liberais as ocupações compreendendo a prudentia, a aptidão de julgar bem é a qualidade do homem de Estado, e das profissões de interesse público (ad hominem utilitatem), tais como o arquitetura, a medicina e da agricultura. Todos os ofícios, o dos escriba como a do carpinteiro, são «sórdidos», indignos de um cidadão de pleno direito, os piores são aqueles que nós diríamos os mais úteis”.
Desqualificado, limitado e com recompensas ínfimas pelo seu trabalho, o Poder Originário nunca decidiu e deliberou em relação às competências aos limites do banqueiro.
Para tanto há necessidade de ter uma noção clara e especifica das distinções entre propriedade e riqueza. A propriedade sempre possuiu caráter sagrado enquanto a riqueza nunca foi sagrada. Quem especifica esta distinção é Arendt afirma (1983: 102) que:
“antes dos tempos modernos, que começaram pela expropriação dos pobres e que ocuparam-se, depois, na emancipação as novas classes sem propriedade, todas as civilizações repousavam sobre o caráter sagrado da propriedade privada. A riqueza, ao contrário, possuída por indivíduos, ou repartida entre o público, nunca havia sido sagrado antes”.
Esta posse individual da riqueza profana profanou no espaço público os limites da sua competência. Com o concurso da concepção de produtividade potencial chega-se ao núcleo desta corrupção da sua competência e ruptura de todos os lites do ético e do humano. A posse individual da riqueza condiciona, delibera e decide apropria-se da “mais valia” do trabalho alheio. Para o Poder Originário as competências e os limites do cargo e as funções do banqueiro são obscuras e intencionalmente obscurecidas pela produtividade potencial. O máximo que o povo percebe são os sinais evidentes de riqueza do banqueiro e que ele não pode condenar pois a riqueza não e sagrada. Este poder exerce sobre os capitais acumulados o velho aforismo de “socializar os prejuízos e usufruir os lucros” sem se submeter à voto ou vontade popular alguma. O poder nacional oferece o exemplo e legitima o poder banqueiro a partir do vértice do como escreveu[9] Alcaraz Gomes “quando houve o paradoxo de um príncipe português declarar a nossa independência (?) aumentamos a dívida externa para a mãe-pátria, que passou a ter como rei – e cobrador – o mesmo príncipe, com o título de Dom Pedro IV” No máximo, o que este poder originário pode supor, é que as competências e os limites do banqueiro são naturais ou então de origem divina e conferidos aos seus escolhidos por Deus. Ao menos é o que a ética protestante sugere que a acumulação das riquezas é simétrica ao trabalho e iniciativas individuais. Nesta mentalidade as iniciativas do banqueiro são respondidas pela aprovação e pela benção divina.
Em direção ao poder real e exercido pelo Estado Nacional um dos usufrutos deste capital é o investimento em ajudas de toda natureza para eleger deputados e senadores. Não há necessidade de entrar em detalhes e nem citar o nome e o número de bancos mercantis que serviram de fachada para uma eleição brasileira. Banco que depois fecharam as portas e jogaram as culpas e alguém evidentemente inocente e que foi usado para o delito. Enquanto os que beneficiaram com este delito de origem permanecerão, ao longo do exercício do seu mandato, em evidente heteronomia de quem os ajudou na eleição e de quem manipulou os capitais e os valores atrativos para outras iniciativas desconhecidas dos eleitores. Os banqueiros recuperam o dobro do que investiram nas ajudas eleitorais. Estes reescrevem, para os dias atuais, o paradoxo denunciado por Alcaraz Gomes em relação primeiro imperador do Brasil e as diversas falências do Banco do Brasil.
De outra parte, nos dias atuais, o número de deputados e senadores brasileiros é mais numeroso e melhor pago do que os que dos seus homônimos americanos que respondem e representam a população dos Estados Unidos e que é quase o dobro do Brasil. Contudo é mais fácil, ao poder econômico, manobrar e subornar esta representação, mesmo que numerosa, do que a todo o Poder Originário da nação brasileira a quem os deputados e senadores brasileiros representam efetivamente apenas no papel.
A Constituição Brasileira, de 1988, prescreve, no caput do seu artigo 37, uma íntima conexão entre o poder municipal, estadual e nacional impondo que todo o serviço público o preceito de ser “Legal, Impessoal, Moral, Publicidade e Eficiente” [LIMPE]. Este preceito inicia e se corporifica no âmbito do poder municipal. Contudo esta situação torna-se real só se existir uma imensa boa vontade na Câmara Municipal e expressa na representação efetiva desta nas conexões com a Câmara e o Senado Nacional. No entanto, uma vez eleita, esta representação esquece o restante da população, mesmo sabendo que ela é muito bem paga com o dinheiro do povo. Na medida em que esta representação corre pelas vias da economia e dos bancos ela responde cada vez mais ás injunções e aos comandos da matriz econômica internacional. As práticas da “Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Publicidade e da Eficiência” seriam impossíveis explicar e de aplicar nestes mesmos bancos. Para ser demonstrar a impessoalidade, a moralidade e a publicidade estes bancos teriam imensas dificuldades. A publicidade seria substituída pela propaganda e pelo marketing que adoraria eficiência máxima na acumulação econômica que é a meta que contorna qualquer moralidade. Na questão da eleição dos dirigentes dos bancos pretende-se chegar ao ponto em que a sociedade é a origem apesar de todas as caras feias. Origem e fonte que sustenta, não só uma nação, mas de todos os que reúnem suas vontades para gerar um coletivo humano. As decisões técnicas e econômicas não estão isentas de componentes coletivos humanos, sociais e axiológicos quando atingem toda uma coletividade. As decisões, face às aplicações econômicas e técnicas, necessitam passar pelo debate, escolhas das prioridades e pela a hierarquização dos valores humanos neles envolvidos.
Nem sempre as prioridades macro-estruturas econômicas são aquelas determinadas pelos valores humanos. A vida humana é gratuita e fortuita. O Poder Originário necessita pronunciar-se, deliberar e decidir diante desta vida gratuita e fortuita. A gratuidade da vida necessita de escolhas, de eleições e de renovações constantes, para não dar lugar ao cansaço e à entropia, mesmo na economia, e o simples abandono para a Natureza. O cansaço revelado nos debates políticos e abre a porta para a entropia característica de cada projeto humano. A raiz do município demonstrou que a história dos “pés de barro” não pode ser negada. Civilizações inteiras abandonadas são uma constante na História Humana de Longa Duração. Estes abandonos ocorrem diante dos colapsos, curtos circuitos e mal entendidos entre o seu Poder Originário e os seus governos.
3.05 – O ESTADO NACIONAL como EMPRESA.
A criação dos Estados nacionais contemporâneos resultou da necessidade de constituir um campo de reserva de mercado para que a lógica das máquinas pudesse funcionar com previsibilidade para a colocação daquilo que elas produziam. Na concepção de Hannah Arendt os produtos são objetos (1983: 194) que:
“não são apenas a coisa, mas a coisa em relação com outras coisas e em especial com o sujeito que pensa que não é apenas o indivíduo, mas o indivíduo em relação com os outros indivíduos e com as coisas, o indivíduo na sociedade”.
Controlando e produzindo estas coisas estes Estados nacionais contemporâneos acumularam no interior das suas fronteiras, gente, insumos, equipamentos e capitais destinados à estas máquinas cada vez mais vorazes.
O processo, comandado pela lógica das máquinas, foi levado adiante de forma subliminar. O Poder Político Originário não ficou sabendo desta concepção empresarial, pois esta base desta lógica industrial não foi divulgada para ele. Os tratados que envolviam esta concepção empresarial foram realizados fora do âmbito dos que se tornariam potenciais consumidores finais. A lógica proveniente e estimulada pela linha de montagem deixou profundas sequelas e enormes lixões, a céu aberto, que concorre com a apregoada civilização urbana. Estas sequelas possuem por origem o que Hannah Arendt escreveu em relação à conservação. Ela afirma (1983: 311) que “na cultura contemporânea é a conservação que causa a ruína, porque na conservação não há possibilidade de substituir os objetos que são criados para a obsolescência imediata”. Esta ameaça de ruina perpassa a produção material, imaterial, pessoas, instituições e projetos que se dobram a esta lógica da linha de montagem programada pela era industrial.
Deste processo da lógica industrial permaneceu uma consciência latente de que um Estado deveria ser administrado como uma empresa e os mesmos problemas para a sua conservação e reprodução. A lógica da defesa da reserva do mercado constitui o sustento e a razão maior do líder desta empresa e que contamina de qualquer projeto patriótico[10]. No plano governamental interessa apenas a amplidão da sua popularidade
A lógica taylorista está superada, mesmo que seja praticada amplamente nos dias atuais. Para o êxito desta superação há necessidade de ter bem presente a distinção entre o obrar e o trabalhar que para Carl Marx (in Hannah Arendt 1983: 145 nota 3 ) pode ser entendido como:
“a aranha pratica operações semelhantes ao de um tecelão e a abelha envergonha muito arquiteto construindo os seus alvéolos. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha, é que o arquiteto ergue o seu edifício na imaginação antes de erigi-lo na realidade. No final de cada processo de trabalho, obtém-se um resultado que já existia na imaginação do trabalhador no seu início“.
Ou então na percepção da própria Arendt que distingue1(983: 144)
“o caráter comum ao processo biológico no homem e no processo de crescimento e declínio no mundo, é que eles fazem parte do movimento cíclico da natureza e consequentemente se repetem indefinidamente; todas as atividades humanas que vem da necessidade primária estão ligadas aos ciclos perpétuas da natureza e não possuem, em si mesmos, nem começo nem fim no sentido estrito da palavra, enquanto obrar, possui um final quando o objeto esta está acabado, pronto para fazer parte do mundo dos objetos, trabalhar gira permanentemente no mesmo círculo que os processos biológicos prescrevem aos organismos vivos, as fadigas e os sofrimentos só tem fim na morte desse organismo”.
Neste ponto há necessidade de distinguir ‘trabalhar’ de ‘obrar’. Para tanto Arendt escreveu (1983: 127 nota) que:
“Hesiodo distingue o trabalho da obra (ponos et ergon); a obra é devida a Eris. deusa da luta salutar, o trabalho, como todos os males saídos caixa de Pândora, é um castigo de Zeus que Prometeu «o supliciado» havia enganado”.
O ‘trabalhar’ na era das fábricas deu lugar para o ‘trabalhar’ sob as condições era da informação numérica digital. Neste mundo o ‘trabalhar’ reina cada mais hegemônico sobre o ‘obrar’. O mundo da imaginação - antes de erigir algo na realidade - sede passo para as máquinas e mundo do trabalho sem fim. A imaginação e a criatividade materializaram-se e são editados na mediada da informação numérica digital. A nova baliza, para marcar estes territórios da informação numérica digital, são as bolsas de valores e os bancos comerciais. Os bancos foram os primeiros a perceberem o valor da informação numérica digital correta, atual e específica. Na era industrial os bancos trabalharam com bens simbólicos da própria indústria. Porém os transformam em bens virtuais, sob proteção de contratos draconianos, destinados ao acúmulo de capitais, de bens físicos e trabalho humano. Os bancos foram também os primeiros a abandonar o valor físico do lastro ouro. Também transformaram o metal nobre em bens virtuais pelo quais fixaram o valor virtual que consiste a informação fidedigna e comprometida da mão de obra produtiva de um país e as conseqüências desta informação sobre o comércio. A informação numérica digital “just of time” disponíveis remodela comandada a produção industrial e de “commodities” agrícolas .
A firme crença dos indivíduos nos valores do clã, do pátrio poder da era agrícola, da relação do proletário com o patrão foi substituída por aqueles do estado nacional. Nestes valores há necessidade diferenciar aqueles de uso distintos daqueles de troca. Na concepção de Alves (1999: 7) “o valor de uso o juiz é o corpo. Se refere às relações de um objeto com o corpo Sua função é vital como os animais avaliam os alimentos. Aqueles de trocas foram criados para pelas relações econômicas”. Os valores do clã até os do estado nacional os dois interagem profundamente. Assim um ‘salário família’ é tanto um valor de uso como de troca. Com isto o estado nacional coloca no lugar devido a crença e a esperança de que ele substitui.
Sem esta crença e esperança o Estado nacional dá sinais de sua entropia e seu desmoronamento definitivo diante da era da informação numérica digital. Ele já não possui mais suporte das suas antigas e deslocadas crenças que o sustentaram na origem e ao longo da era industrial. O desmoronamento da esperança no Estado faz com que o indivíduo humano descubra-se de novo. Esta descoberta faz-se diante da barbárie e da volta para selva, formada e atravessada pelas redes da informática numérica digital[11].
Na contramão desta selva, a esperança desloca-se agora para as redes numéricas digitais sejam competentes para propor, implementar e reproduzir um projeto humano. Neste projeto a criatura humana necessita de trajes conceituais coerentes com este ambiente hostil no qual a entropia e a crescente barbárie de uma selva da informática, são perigos que espreitam todos os seus passos e ações. Projeto que sabe que é necessário considerar a história da longa duração da civilização humana. Esta consideração possui as redes numéricas digitais como base técnica. Redes que atravessam a selva da informática trazendo o passado e o longínquo para o presente e ao local. Isto não significa o retorno aos estágios humanos anteriores. As redes numéricas digitais possuem a sua natureza, competência e limites. Elas se oferecem e podem serem usadas para aqueles bens do passado e de longe passíveis de migrarem ao mundo digital numérico. Porém diante desta sua natureza, competência e limites todo o sistema civilizatório seria emperrado pela ignorância, contorno ou descarte da base material da informação eletrônica. O que também seria ignorar, contornar ou descartar outra competência da base material da informação eletrônica como a de incluir o maior número possível de agentes competentes para deliberar e decidir.
Esta deliberação e esta decisão, de agentes competentes, necessitam ser tomada tanto na micropolítica do Estado nacional como no âmbito da micro-política do município. Estes agentes competentes possuem, no município, condições para conhecer de perto, avaliar aquilo que se produz e o que se gasta no âmbito dos seus limites. No âmbito dos limites do município pode se desenvolver uma avaliação pelo conhecimento direto e pelo conhecimento e pela avaliação indireta dos escalões superiores, por meio dos feedbacks que recebe do alto. A célula do município possui a primeira e indispensável avaliação do uso dos serviços públicos de saúde, de educação e de benefícios e de segurança social.
O Estado Nacional foi desacreditado universalmente diante do Poder Originário de uma nação. Este descrédito deve-se à pouca atenção demonstrado pelos agentes do Estado Nacional à sua própria base do Poder Originário. Pouca atenção demonstrada ao “dialogar” consigo mesmo e com os seus próprios valores. O diálogo existiria se os agentes do Estado Nacional fornecessem ao Poder Originário feedbacks, imediatos e coerentes, com aquilo que recebe e pede a sua base. A esta insensibilidade e pouca atenção, com a origem do seu poder, se acumula nas falcatruas, nos desvios e nas corrupções que mancham o conjunto do Estado Nacional e suas circunstâncias. Esta corrupção pode atingir os mais altos degraus da esperança do cidadão no seu estado ou arruinar a fé na religião que se pratica no seu domínio. Maquiavel já percebera uma mutua agressão e desqualificação recíproca nas pequenas e frágeis repúblicas italianas renascentistas. Nas palavras de Arendt (1983)
“para Maquiavel, a alternativa colocada para o problema da dominação religiosa no domínio secular era inevitavelmente esse aí: ou o domínio público corrompia a religião e portanto se corrompia a si mesmo, ou então a religião permanecia intacta destruindo completamente o domínio público” .
Os agentes tanto do domínio público como do religioso, podem desculpar-se diante desta catástrofe e evidenciar as complexas e incontroláveis instâncias do mundo material ou imaterial que tomaram livremente em suas mãos. Porém estas desculpas não removem a franca entropia tolerada em nome de governabilidade e que se limite cada vez mais a um ‘diálogo’ consigo mesmo tanto no domínio publico como no religioso. Além do mais em política não há espaço nem oportunidade para desculpas como não existe também em Artes e em Esportes. Para romper com este surreal ‘diálogo’ consigo mesmo cabem sim as mudanças que Barata descreveu necessárias para toda instituição dignas deste nome. Ele afirmou (1997: 389)[12] que:
“a possibilidade de mudanças faz parte das estruturas das instituições duradouras, seja através de mutações radicais, responsáveis por grandes e efetivas transformações dirigidas por um plano individual (expressões de época) ou geracional de alta capacidade modificadora, o seja por intermédio de lentas assimilações de novas cargas de ação fecundadora, em gradual modificação das situações de trabalho e de realizações da instituição. Para o maior resultado (ou ao contrário uma saída insuficiente) em face das necessidades da sociedade em que a instituição atua, ou dos encargos inerentes aos trabalhos da própria entidade, podem convergir apoios ou obstáculos externos”.
No entanto não é possível nestas mudanças argumentar e agir em direção de um eterno progresso linear e uniforme. Muitas vezes há necessidade de recuos estratégicos para não colocar em campo e gastar as últimas e derradeiras reservas. Nas reservas reside o autêntico Poder Originário de uma instituição ou de uma nação.
3.06 - O INFINITO PROGRESSO LINEAR.
A lógica industrial fomentou e alimentou o núcleo do projeto do infinito progresso, linear e ordeiro.
O termo progresso possui evidentes concepções contraditórias. Para Mota, (1980: 246) o termo “para Schwarz, progresso técnico e conteúdo social reacionário às vezes andam juntos, e aí poderá estar a raiz do desvio. Conforme a vertente escolhida, se desembocará na integração capitalista – ou na sua negação”. Quem levou a culpa merecidamente desta crença contraditório foi o positivismo[13]. Crença contraditória entre a “ordem e o progresso” estampada bandeira brasileira. Crença contraditória entre o Estado federado[14] ideal e o seu povo real. Contradição transformada em complementariedade pelo marketing do propósito do Estado ideal necessário para manter o seu povo real numa ordem ideal. A “ordem e o progresso” nunca se concretizaram num projeto racionalmente levado em frente, a não ser na mente de alguns idealistas. Estes idealistas, mediadores, atravessadores truncaram o lema do “amor por princípio” da doutrina positivista original de Isodore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1852) Estes idealistas, mediadores, atravessadores divulgaram uma frase que não passa de uma utopia bem urdida pelo marketing.
Mesmo que se queira desmentir esta utopia - bem urdida pelo marketing - a escola e a educação formal sentem-se muito bem e continuam a funcionar nos princípios cartesianos, positivista e no behaviorismo programado de Taylor[15]. Para Arendt (1983: 375) “os processos, e não as ideias, modelos e formas das coisas futuras, servem de orientação as atividades do homo faber da época moderna”. O Estado, nascido dentro do contexto da era industrial, emergindo do poder da burguesia industrial, construiu uma escola nos interesses e nas práticas dessa burguesia industrial. Em contraposição ao Estado do ‘Regime Antigo’, com raízes de poder nas alianças da era agrícola feudal e dominada por castas de privilégios de sangue, e que precisava de uma escola para reproduzir essa nobreza, a escola do Estado industrial privilegiava os processos industriais sobre a nobreza das ideias puras. O Estado Industrial assume a educação formal, antes a serviço do ideal da nobreza, para transformá-la em escolas nas quais são privilegiados os processos, expressos nos currículos e administrados na linha de montagem serial.
Há de se convir que a tomada do poder necessite ser justificada. A nova geração que chega, ao palco da História, por meio de uma utopia que ela forja, alimenta e busca também meios para reproduzir-se. Pode-se pensar num autêntico “Fake-lore” que Oliven descreve (1992: 23) como “a palavra folk, isto é povo, é substituída por fake, isto é ‘falso’. O Fake-lore aparentemente preenche uma necessidade psíquica nacional, a saber: afirmar nossa identidade nacional, especialmente num tempo de crise, e instilar orgulho nessa identidade”.
Caso esta nova geração, quando chega ao cenário do poder do seu tempo, mesmo que não outro argumento inventado o disseminado no “Fake-lore”, no mínimo deseja distinguir-se da geração que a precedeu. Assim necessita matar o seu pai (geração anterior) e possuir a sua mãe (poder originário). Porém a morte do pai e da posse da mãe contraria o mito do progresso ordeiro, infinito e ininterrupto. Contraditoriamente nasce algo novo, original e único para aquilo que já existia e imprevisível para a geração anterior.
As técnicas da rotina da informática numérica digital permitem interromper esta morte anunciada do pai e a queima de etapas como posse da mãe. A instauração desta rotina renovada é uma das maiores vantagens da nova era. È necessário concordar que a geração que nasceu na era numérica digital passou a ensinar esta cultura para os seus pais. Isto parece inédito na História Humana e das espécies vivas nas quais os mais antigos e experientes ensinam aos mais novos e inexperientes. Esta interação de gerações permite criar expectativas para que ocorram ambientes nos quais se possível consolidar e gerar uma memória coletiva humana em pontos de apoio formal. Esta memória não é a memória biológica da espécie, mas aquela construída pela cultura[16]. Com certeza que a História não possui os instrumentos unívocos, lineares e reversíveis das demais ciências exatas. Marc Bloch possui razão ao afirmar (1976: 140) que a “nossa ciência (História) não dispõe, com as matemáticas ou a química de um sistema de símbolos separado de qualquer linguagem nacional. O historiador fala unicamente com palavras: portanto, com palavras do seu país” No entanto e apesar disto, a nova geração é competente para contornar obstáculos e armadilhas nas quais seus antepassados ficaram presos ao longo de gerações.
O filósofo Heidegger escreveu (1992: 43) que “a desocultação do ENTE nunca é um estado que está aí, mas sempre um acontecimento” . A sólida ancoragem no presente não pode ser confundida com a admissão de que o presente foi o único resultado possível do passado e o futuro é a reprodução linear, e, única possível, através das condições atuais. No contraditório, para Marcuse, a sua “pura reificação marca o seu ingresso no mundo do esquecimento” (1981: 79).
Não é possível esquecer que a cultura artificial possui o seu preço devido à falta de instrumentos unívocos, lineares e reversíveis para o acontecimento de desocultar o seu ENTE. O discurso por cima e por fora é uma armadilha para jogar a criatura humana prisões de uma determinada cultura. A mentalidade e o pensamento, possíveis nestas prisões, segue a lógica da circularidade e da reversibilidade valendo a observação de Pierre Bourdieu quando afirma, (1987: 111) decorrerem:
“das relações de produção e consumo culturais resultantes do fechamento objetivo do campo de produção erudita, estão dadas as condições para o desenvolvimento das produções simbólicas assuma o caráter de uma história semi-reflexiva”.
A criatura humana quando deixa o útero materno e começa a colocar em cheque a sua experiência ontológica. Na sua trajetória, neste planeta, necessita refazer e re-elaborar toda a cultura formal em todos os tempos e em todas as culturas. Esta trajetória é realizada. a partir de um ponto singular e único no qual reinam soberana a lógica da circularidade e da reversibilidade. Sempre caberá a uma nova geração questionar a base sobre a qual esta cultural artificial foi construída pela cultura humana anterior e, se possível, alterá-la a seu favor.
O fato da proximidade da Natureza faz com este questionamento da cultura - herdada no Brasil - seja mais frequente do que se imagina e calcula. Mas possui um preço a pagar. Além do preço deste questionamento, a entropia age de uma forma intensa no Brasil indistintamente sobre todas as culturas. Age sobre etnias adiantadas europeias, orientais ou africanas que migraram para esta terra. Esta verificação acentua-se na segunda ou na terceira geração dos imigrantes. Gerações nascidas e que se criaram no Brasil naturalizaram há muito tempo a suas respectivas culturas. Realizaram isto por meio do contato direto com esta Natureza e com os costumes de outras culturas distintas da sua origem. Os próprios portugueses tiveram casos em que os colonos lusos, que se fixaram no Brasil, aderiram aos costumes indígenas, chegando às raias da antropofagia ritualística. Costumes que agem no interior de hábitos. Esta palavra que Aristóteles descrevia (1973: 267) “o “hábito (e q w z) dá origem a palavra ética (h q i k h)” . Hábitos antigos que necessitam ser atualizados, os disfuncionais descartados, os necessários e coerentes para o novo tempo e lugar adotados pelas gerações nascidas, que se criaram no Brasil e que naturalizaram as suas culturas.
Diante deste permanente ameaça de entropia e naturalização das funções do intelectual brasileiro ele merece a uma longa consideração, estudo como Pécaut procedeu (1990: 18)[17] a categorizar:
“a cultura política apresenta múltiplos aspectos, dos quais consideramos três. O primeiro relaciona-se à maneira de definir posição social dos intelectuais. Os critérios de classes ou de estratificação social mostram-se insuficientes para a análise. Convém considerar o lugar que os intelectuais atribuem a si próprios, e àqueles que lhe reconhecem o poder. Durante os dois períodos (1920-1930 e 1930-1945), constatamos que, assumindo uma vocação nacional, os intelectuais conseguiram se reconhecidos como elite dirigente, desfrutando do privilégio de situar-se, como Estado, acima do social O segundo aspecto diz respeito às representações do fenômeno político. Entre 1930 e 1945 alteraram-se muitos dos elementos que determinam essas representações. Entretanto, a constante desconfiança diante dos mecanismos da democracia representativa se traduziu na manutenção do essencial: a busca, dentro do real, de uma unidade anterior a todos os processos de instituição social e que pudesse escorara as formas de unidade da sociedade política. O terceiro relaciona-se às articulações entre o campo intelectual e a esfera política. Uma vez que a atividade intelectual é orientada pela responsabilidade assumida diante do imperativo nacional, em que medida poderiam ambas ser dissociadas? Ou, mais exatamente: seria ainda possível falar num campo intelectual fundado numa lógica interna em funcionamento?”
A ameaça de entropia e naturalização das funções do intelectual brasileiro faz lembrar o imanentismo no qual, Buzzi (1989) percebe as raízes de um:
“sistema filosófico, fundado sobre a noção de imanência, onde a qualidade do que é imanente é inseparável do objeto. A existência dos fins do sujeito, está nele próprio, sendo a qualidade de uma causa que age sobre aquilo que ela faz parte.”
Os extremos do indígena brasileiro, sem um panteão de deuses as normas de uma religião separada, toca o extremo oposto da pós-modernidade também carente de um panteão e a formalização de uma religião separada. Ferrater Mora escreveu (1994: 1846) o imanentismo como “sistema religioso cujo primado é a experiência religiosa interna sobre o discursivo”
Desconhecer e passar por cima desta realidade do imanentismo e também insistir um mero hábito de formalismo de marketing a ser repetido por tempo indeterminado num progresso linear permanente. O sociólogo Oliven expõe este fato no âmbito da dinâmica social linear quando afirma (1992 p. 20) que:
“esta tendência - que aparece sob várias formas como ideia da evolução, da possibilidade de um progresso ilimitado, do desenvolvimento, da crescente racionalidade, da modernidade - se depara frequentemente com evidências que a contrariam.”
Especialmente quando os marqueteiros, atravessadores e pretensos mediadores insistem num progresso linear permanente sem apresentar um rumo definido, sem proporções, sem contratos e descartando todas as bases culturais consolidadas. Marketing que as Missões Jesuíticas, próximas ao rio Uruguai, não conseguiram manter num ritmo de um progresso linear e continuado, por mais inteligentes e trabalhadores tenham sido os jesuítas e os indígenas reduzidos. De outra parte qualquer contrato para tornar efetivo este progresso linear permanente necessita apresentar perdas e ganhos e contratados com o Poder Originário antes, durante e depois da ação. Se esta condições não existirem parecem a pergunta estonteante que o jogador Garrincha dirigiu ao seu técnico inquerindo se “ele já havia combinado com o adversário as táticas” que ele deveria desenvolver no próximo jogo.
A criatura humana, conhecendo estes tropeços e as suas causas, pode formalizar projetos mais coerentes entre o seu direito à felicidade, a sua vontade disponível e a sua inteligência criadora. Porém sem ignorar que ele deverá pagar a conta pelos eventuais lucros que tiver nestes projetos.
A perspectiva e o projeto de “cantar a sua aldeia, para ser universal” de Leon Tolstoi ressoa por todas células vivas que desejam a coerência de uma pátria[18]. Com esta perspectiva é possível retomar o Augusto Comte, diferente daquele que o ideário positivista reduziu a uma ideologia. José Murilo Carvalho[19] escreveu (1990, p.22) a favor de Comte que:
“de especial importância é a ênfase dada por Comte à noção de pátria. A pátria é a mediação necessária entre a família e a humanidade, é a mediação necessária para o desenvolvimento do instinto social. Ela deve, para atender tal função, constituir verdadeira comunidade de convivência”.
A memória desta pátria, retomada constantemente pela educação formal e informal, supre as lacunas e as fragilidades da memória biológica.
3.07 – O “BIG-BROTHER” ou o “PIG-BROTHER”[20].
Em todos os tempos e lugares “a corrupção dos ótimos é péssima”. Esta sentença latina vale tanto para artistas, políticos como para todos os agentes que lidam com os mais elevados valores de uma civilização. Se a ameaça do “Big-Brother” como mediador único, absoluto e onipotente, não aconteceu, multiplicaram-se mundo afora, ao contrário, os sorridentes mediadores e os impositivos atravessadores. Um enxame de mediadores, de intrusos e de mediadores que impõe alinhamento com as suas mentalidades corrompidas, pois afirmam conhecer a tudo e ameaçam, a todos, de fazer revelações surpreendentes e estonteantes. Mediadores, usurpadores de tutela e atravessadores que se valem do aspecto exterior (eidoz) e se prende o olhar, o observar, o imaginar, o fingir, o poder ( eidw) e que Arendt, descreve (1983, 193/4) manifestando-se:
“através do aspecto exterior (eidos), a ideia da projeção ao mundo interior (ideien), se liga a da fabricação (poiesis) A imagem de permanência, antes da fabricação, e que subsiste, depois de sobreviver a todas as formas de uso possíveis, esta mesma imagem contribuiu poderosamente sobre a qualidade da doutrina platoniana das ideias eternas. Na medida em que essa doutrina se inspira na palavra ideia ou eidos («aspecto», «forma»), e que Platão foi o primeiro a usar num sentido filosófico, repousa sobre experiências de poesis, de fabricação.”
Fabricação que mal disfarçam os “Pig-Brothers” que riscaram do seu dicionário as palavras moral e ética. Uma safra notável destas criaturas abomináveis e repelentes brotou no mundo e o Brasil também nesta rede sem fronteiras. Pessoas que, sem o menor escrúpulo, controlam, por gerações, currais eleitorais pelas vias eletrônicas e tiram deles as suas vantagens pessoais de uma forma absoluta e sem o menor constrangimento moral ou ético. Os “Pig-Brothers” fuçam e retalham pátrias, assaltam Estados e controlam os currais feudais de uma forma absoluta custe o que custar. Esta safra já havia sido preludiado pelo Marquês de Sade em relação ao qual Freire Costa[21] escreveu (1997, c,5, p. 14) :
“Sade mais do que do que um personagem é uma abreviatura; um «made in» perverso colado à montagem de redução do outro a objeto...O gozo sadeano é o da humilhação; é o de tornar o outro impotente, submisso e sem vontade”.
Este monstro sente-se também a vontade na era numérica digital. Ali vale-se dos instrumentos da informática, com suportes virtuais e subliminares, para manter vivo e atuante a reprodução do seu rebanho de impotentes, submissos e sem vontade. No Brasil o marquês foi substituído pelos títulos endêmicos de caciques e de coronéis atualizados pelo marketing e propaganda ao gosto do seu rebanho.
Neste rebanho o marketing e a propaganda rebentou qualquer cerca, limite ou fronteira, colocando em plena glória e fortuna os “Pig-Brothers”. Marketing e propaganda que podem reunir o seu rebanho a qualquer tempo e lugar e juntar-se para atacar e destruir aqueles que não comungam com a sua mentalidade. Poderão realizar mais um “putsch” numa cervejaria qualquer ou, num banquete na China, ou numa caverna da Ásia poderá saltar mais um líder energúmeno que conduzirá a manada para este ataque. A América Latina lidera a lista dos ditadores econômicos que realizaram esta façanha. Valem-se da força da manada populista na frente da qual se colocam e interpretam os instintos mais baixos e geram um tsunami humano momentâneo que tudo arrasa e esteriliza. Com este tsunami arrasam civilizações inteiras e trabalhos de gerações e deixam terra arrasada e improdutiva para as novas gerações.
Na concepção de Platão, o pai de ditador é um democrata. Diante disto o cidadão interroga-se, mais uma vez, do tipo de sua competência individual e da extensão do seu poder que ele deve transferir para a competência do Estado. Estado que corre o perigo do assalto dos “Pig-Brothers” que são cegos, surdos e mudos para o autêntico Poder Originário. “Pig-Brothers” a quem nenhum cidadão, em sã consciência, deseja transferir as suas competências. Poder Originário autêntico no qual cidadão possui o legitimo direito de definir a figura e as competências do Estado que ele quer. É Forçoso reconhecer que o País, a Nação e o Estado Brasileiro nunca se fizeram algum contrato ou pacto digno deste nome.
Apesar de qualquer constituição moderna abrir o seu texto com alguma variante da idéia de que “todo poder emanado do povo e é exercido em nome dele” parece formalismo para quem busca apenas o que FAZER com este texto legal. Este FAZER interpreta este texto como uma mera formalidade. Estes FAZEDORES reduzem o Poder Originário ao povo aos nomes mitificados dos constituintes eleitos por um voto discutível e conduzidos por pautas hermética e previamente elaboradas “para ganhar tempo”.
A mitificação do nome individual possui uma longa história na cultura ocidental. Ganhou notoriedade e estatuto no Renascimento Italiano. Estra fabricação dos “gênios” possui a sua forma mais visível nas artes que Hannah Arendt descreveu (1983: 271/2) como a:
“a frustração da pessoa humana, inerente a uma coletividade de produtores e ainda mais a uma sociedade de comerciantes, encontrou sua melhor forma de expressão no fenômeno do gênio que, do renascimento ao fim do século XIX parecia o ideal supremo dos tempos modernos. Foi somente no início do nosso século que os grandes artistas, com uma surpreendente unanimidade, começaram a protestar contra o nome «gênio», para insistir no ofício, na competência e nas relações entre arte e artesanato”.
Porém não bastou a voz uníssona, mas solitária, dos artistas contra este alfinete nas suas costas identificando-os como “gênios” e cravados, como tais, nas paredes dos museus e nas gavetas e prateleiras. Este protesto foi abafado pela voz e o alarido das multidões e que vinha a encontro dos interesses dos mediadores, tuteladores e atravessadoras das obras destes “gênios”. Na política a aconteceu o algo semelhante. Existem os candidatos com um nome forte e bons de voto popular. Diante destes cenários é forçoso admitir que um contrato sério e coerente entre País, a Nação e o Estado Brasileiro nunca existiu, ou se existe, ele é ignorado a favor dos nomes fortes e bons de votos, mesmo que o nome fosse de bicho famoso ou de palhaço engraçado e simpático para crianças. No seu lugar instauram-se os rígidos estamentos que nenhuma razão consegue explicar muito menos entender. Neste ambiente os rígidos estamentos, vinculados apenas pela apropriação pessoal simples do poder estatal, substituindo as classes sociais. Nesta apropriação do poder geram, alimentam e reproduzem conflitos permanentes com as categorias sociais e ignorando solenemente o Poder que lhes origem os mantém. Raimundo Faoro resumiu Max Weber (1975: 46/6) que estamento:
“primariamente uma camada social e não econômica, embora possa repousar, em conexão não necessária real e conceitualmente, sobre uma classe. O estamento político constitui sempre uma comunidade, embora amorfa: os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, qualificado para o exercício do poder. O estamento supõe distância social e se esforça pela conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas. Os estamentos governam, as classes negociam. Os estamentos são órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (econômicas)”.
Um estamento, na sua permanente metamorfose existem, provoca muitas dificuldades em percebê-lo e o conceituar uma forma unívoca e linear. Este poder uma vez conquistado não se atualiza na sua origem esquecendo a sua própria natureza. Com a máscara pública do “Pig-Brother” busca apenas a sua reprodução individual perpétua e enquanto puder ficar com o cargo. Num momento da atual tecnologia e de toda a história humana esta cultura endógena e estática de poder é um verdadeiro contrassenso. Contrassenso quando estão disponíveis numerosas formas de atualização e para tornar transparente qualquer estrutura criada pela ser humano. A própria Natureza está entregando, aos poucos, o seu código genético e mostrando as potencialidades para a criatura humana poder realizar as suas escolhas coerentes com o seu tempo e lugar. Diante disto há necessidade de perguntar:
- Por que na política e na administração humana é impossível, ou proibido, retornar ao código genético de um poder de um Estado, de uma ideologia ou de uma instituição criados pela própria criatura humana?
Diante da falta de resposta a esta pergunta não se trata de instalar o “Big-Brother”, ou mesmo qualquer mecanismo de fuga temporário ou perpétuo. Ao contrário, trata-se do exame e da avaliação constante da origem do poder estatal, ideológico ou institucional. Uma vez adquirindo este conhecimento ele informa os instrumentos e a habilidade para viver o tempo real, ou seja “just of time” do aqui e do agora. Neste tempo real o poder estatal, ideológico ou institucional, que vive e trabalha à margem do aqui e do agora e apenas em benefício próprio, deve ser desconsiderado e volatilizado. Este poder incoerente necessita dar lugar às energias da sua origem e daquelas de todos os tempos que o trouxeram ao presente e que pedem lugar ao sol do aqui e do agora.
Na era dos meios numéricos digitais é possível a informação confiável e mais coerente com a realidade do presente e o lugar ao sol do aqui e do agora. A realidade numérica é competente não só para simular a realidade física. Ela permite também simular a reversibilidade ao subsolo do passado. Esta sondagem é cada vez mais confiável e testada entre o presente e o passado. Um volume maior e critico de informações do pretérito permitem para trazer cada vez mais índices dele ao aqui e do agora e coloca-los como dados virtuais prontos para serem testados e usados adequadamente por uma massa crítica maior, diversificada e mais informada. Não se trata mais de uma crença mítica na Ciência transmitida por mediadores e atravessadores considerados oniscientes, onipotentes, eternos e onipresentes. A História em Migalhas ou da Dúvida. Milhares e milhões de pessoas trabalham na área realidade numérica digital e são testemunhos vivos e humanos das potenciais interações que esta nova era tecnológica permite. Diante do universo econômico no qual qualquer cidadão possui acesso à sua situação e disponibilidade bancária e que é gerido pela realidade numérica digital, pergunta-se:
- Por que o poder do Estado, das ideologias, e das instituições, às quais o cidadão delega o seu capital político, ideológico e existencial, não possui a mesma agilidade de respostas e de feedback?
Questões existenciais da criatura humana, ao não serem enfrentadas correta e coerentemente com a sua natureza ou, se forem sonegadas, se falsificam e corrompem. Corrupção e falsidade que obstruem qualquer outro acesso e circulação de informações confiáveis e reversíveis às suas fontes.
No âmbito da sonegação e falsificação no Brasil atual ainda se acredita no “pai da criança é o boto”. O que aparenta ser um mito complacente, ou uma piada, constitui uma triste realidade para milhares de crianças jogadas no mundo sem referências e responsáveis ausentes. O “pai da criança era o boto” que desapareceu na correnteza do rio do tempo pretérito. As mentes infantis não conseguem elaborar e assimilar esta piada obscena. Este mito complacente de sua origem as atingem em cheio, obscurecendo de forma irreversível as suas vidas presentes e futuras. Este trauma da falta de informação fidedigna impele as suas vontades para a violência incontrolável para qualquer poder de coerção, venha este poder donde vier. Em qualquer rua do Brasil basta abrir uma janela e o olhar é obrigado a contemplar ao vivo o espetáculo “dos filhos do boto”. Milhares e milhões de “crianças de rua” não encontram a informação sobre a sua origem de sua vinda ao mundo e, muito menos, obtém a informação elementar e necessária de quem é o responsável por elas neste instante.
O Brasil poderia abrigar facilmente um bilhão de criaturas humanas. Contudo se este número será uma catástrofe se o mito benigno da origem do “pai da criança é o boto” persistir, mesmo subliminarmente ou manejado para tal. Nestas condições, o Brasil será mais um exportador de terroristas planetários. Cidadãos responsáveis, éticos e trabalhadores existem somente se a sua origem de vida for responsável, ética e proveniente de uma tradição de colaboração construtiva para o bem coletivo da nação.
A certidão de nascimento é atualmente um instrumento anacrônico como registro de cidadania. Este anacronismo torna-se evidente diante dos instrumentos potenciais da informação relativos aos elementos primários da cidadania pode seguir, nos registros eletrônicos, um sistema normativo numérico digital. De uma forma geral para Ladrière (1977: 16/7) este sistema normativo:
“compreende tudo o que determina valores, sobre cuja base são apreciados as ações e as situações a partir dos quais são eventualmente justificadas as práticas concretas, e de outra parte todo o que determina regras particulares por meios das quais se organizam os sistemas de ação”.
Os elementos primários da cidadania necessários ao seu Poder de Origem pertencem a este sistema normativo. Um Estado, um pouco mais atento qualifica-se num sistema normativo para receber processar, emitir e fazer circular, pelos recursos eletrônicos relativos, os dados públicos da cidadania.
Certamente a História jamais se repete a não ser na forma de farsa. Contudo isto não significa que a narrativa ou escritura e encenação não possa trazer para o presente abundante material logístico e informacional para se aproximar das fontes. Neste sentido Chartier estabeleceu (1998: 249) como prova em História que:
“pode ser considerada verdadeira se ela pode ser reproduzida por qualquer outra pessoa que saiba praticar as técnicas necessárias para circunstância. Conhecimento histórico é considerado imune as variações ou as singularidades, pois sua verdade é garantida pelas operações controláveis, verificáveis, renováveis”
As Ciências Jurídicas valem-se destes meios para conhecer fatos, lugares e pessoas do pretérito para configurá-los mentalmente emitir um juízo mais aproximado possível da verdade.
Porém no sentido preventivo a emissão, circulação e opinião das informações relativas ao menor vulnerável podem protegê-lo e fornecer-lhe um sentido de pertencimento. Com esta atenção é possível ajudá-lo a reconstruir a sua teia social, a sua personalidade, sem agredir e violentar o seu meio. Ao usar as novas tecnologias adequadas o Estado pode preparar-se para orientar, ajudar e encaminhar a vida de indivíduos em risco. Para tanto são muito raros ou frágeis os projetos civilizatórios compensatórios (Marques dos Santos, 1997: 127/146) que o Estado necessita quando também a tarefa de vigiar e de punir o renitente e aqueles comportamentos absolutamente antissociais.
Os meios de informações fidedignas constituem um primeiro estágio prático de um projeto civilizatório compensatório ideal. Um deles passaria por uma “carteira cidadã” plena. Plenitude orientada para que a base deste Estado possa assumir o seu papel de reparador e de suplementar ao “pátrio poder” quando este venha faltar ou falhar na hora crítica e necessária. Não se está pensando em nenhuma solução drástica: apenas que o Estado necessita valer-se dos atuais instrumentos da era numérica digital de informações, relativas às vontades coletivas e economias adequadas para ter condições de administrar vidas que, por si mesmas, não podem fazê-lo num dado momento crucial. Assim não se pensa em nenhum mecanismo perpetuo e que jogue o beneficiário numa heteronímia perpetua irreversível e devastador das suas potencialidades e criatividade. Os atuais instrumentos, da era digital numérica, são perfeitamente plausíveis e factíveis para instituir, manter e reproduzir redes de BANCOS de DADOS ESTADUAIS, REGIONAIS e MUNICIPAIS. Bancos sustentáveis que recebem dados e economias o Poder Originário, além de funcionar como arquivos confiáveis.
Qualquer projeto sustentável pelo Estado necessita ser pensando a partir do indivíduo em direção do bem social do Estado. Se for o contrário, toda a sociedade será mergulhada no populismo para pagar um preço insustentável e irresponsável desta política predatória centralista. O projeto do bem estar social do Estado implica em saúde, de abrigo, de educação e até o alimento que, em ocasiões e momentos críticos necessita serem gratuitos. No populismo e na heteronímia social, quem recebe estes benefícios do Estado não realiza contrato e nem admite responsabilidade pelo que recebe. O Estado vale-se do fato e busca retorno apenas e cobra marketing e propaganda direcionadas para os seus líderes. No plano da responsabilidade fiscal este Estado limita-se a apenas apresentar o registro de números que ele manipula[22] sem reversibilidade ou responsabilidade ou aval o cidadão que foi atendido. Na era da informação numérica digital a pergunta fundamental não é mais quantas pessoas foram atendidas pelo Estado na saúde, na moradia, na educação gratuita ou alimentação. A pergunta a resposta são personalizados nominalmente de quem foi atendido pelo Estado na saúde, na moradia, na escola ou matou a fome e em que condições. Enquanto perdurar apenas a quantificação numérica, o Estado jamais irá chegar até um grau mínimo de cidadania. O indivíduo condicionado e abastecido por esta política populista passará o resto da sua vida na mais absoluta e confortável heteronímia e dependência. Como resultado deste individualismo e solidão a sua potencial criatividade estará destinada ao cemitério ou crematório. De outra parte o populismo e o rebanho atropelam a ética (hqikh’) para quem Varela reserva (1995: 13) o papel de “estar mais próxima da sabedoria do que da razão, mais próxima da compreensão de que coisa deve ser o bem do que da formulação de princípios corretos” esta concepção que Shusterman transfere (1992: 223)[23] para a Arte na qual “essa reflexão deve incluir o outro para gozarmos uma perspectiva mais abrangente. Essa virtude é adquirida mediante o exercício tal qual sucede como na arte”. Subsidiariamente permite concordar com Léger[24] quando afirmou (1965) que “a obra de arte fica para os «sensíveis», é como eles se vingam dos «inteligentes»”. Este altruísmo dos «sensíveis» não exclui etnia, idade, condição social, cultura e econômica, discriminada, muitas vezes, pelos «inteligentes».
Para estes «sensíveis» o filho do cidadão abastado não precisa ser excluído da escola ou da saúde pública a partir do momento em que o indivíduo for pensado a partir dele em direção ao Estado. O benefício prestado ao filho do cidadão abastado é registrado na conta (ex. CPF) deste responsável por este menor terá as inevitáveis conseqüências no todo do erário público. Na hora em que este cidadão abastado presta contas dos seus ganhos e de suas perdas diante do Estado (imposto de renda) estes benefícios “gratuitos”, prestados ao seu filho, já estarão devidamente registrados e para crédito de quem administra a economia nacional.
Para vencer as ficções semeadas pelo populismo e poder de um Estado arcaico impõe-se conseguir informações um pouco mais atuais sobre o Brasil e os seus cidadãos sem invadir a sua privacidade. O meio circulante é emitido e constitui um bem de um estado nacional determinado e que coloca o seu índice sobre ele. No momento em que um indivíduo se apropria deste meio circulante celebra um contrato implícito no meio circulante. O mesmo pode ser dito quando um individuo singular coloca na via pública um veículo seu.
Porém o assaltante do poder deste Estado sempre age pela surpresa e ao se apropriar dos seus instrumentos. Cerca-se de segredos invioláveis para tanto e trabalha com ficções que buscam todos argumentos para legitimar a sua ação deletéria. Age no silencio e no isolamento típico da tirania descrita por Hannah Arendt quando se reporta (1983: 262/3) a:
“Montesquieu que compreendeu a grande característica de tirania é o de depender do isolamento - o tirano está isolado dos súditos, os súditos estão isolados uns dos outros com medo e pelas suspeita mútua - assim a tirania não é uma forma de governo entre os outros: ela contradiz a condição humana essencial da pluralidade, do diálogo e comunidade de ação, que é a condição da todas as formas de organização política”.
Este tirano quando consegue comparsas no seu projeto de isolamento, resta-lhe assaltar Estado em quadrilha. Como quadrilha eles conspurcam a origem do poder. Contudo mantém a ficção do serviço público, trabalhando no isolamento para a mitificação da realidade. Mitificam esta realidade ao recorrem á uma realidade traduzida pela estatística quantitativa. Com as meias verdades, e munidos de fortes e truculentos serviços de segurança, mantém o seu isolamento inexpugnável. Diante este isolamento torna-se urgente a pergunta:
- Qual o feed-back seguro que este Estado possui da verdade do cidadão e da reversibilidade deste cidadão sobre quem Estado diz exercer o seu poder?
A era da informação oferece informações instantâneas, confiáveis e correspondentes à realidade do aqui e do agora, contrariando o voto pré-fixado num momento conveniente ao Estado e aos ocupantes dos seus poderes. Esta realidade numérica é competente não só para simular a realidade física, mas entre as duas existe uma reversibilidade cada vez mais confiável, testada e isenta de manipulações de interesses inconfessáveis dos “Pig Brothers”.
Certamente o feedback do cidadão em relação ao seu Estado reduzido a dados quantitativos, mitificações e meias verdades está muito longe da Democracia da qual apenas são contrafações. Contrafações semelhantes com uma qualidade carismática que Bourdieu registrou (1987: 127) no “sistema de ensino onde opera como instância de reprodução e consagração e ao mesmo tempo, a ação dos mecanismos sociais tendem a assegurar uma espécie de harmonia pré-estabelecida entre postos e ocupantes”. Assim o discurso de mudança social pode significar permanecer no mesmo e sem efeito prático. Na lista desta estatística quantitativa, mitificações e meias verdades constam um voto a cada quatro anos e em pesquisas de opinião que não mudam nada. No contraditório destas contrafações é necessário admitir algo semelhante do que é da natureza da Arte. Na concepção de Aristóteles a Arte “está em que produz e não no que é produzido”. Também a Democracia também está no cidadão. Ou como resumiu Heidegger “o ENTE no SER”. Assim o SER, o COMPORTAMENTE e PRODUÇÃO ARTÍSTICA possuem numerosas condições e meios para serem manipulados e corrompidos. Corrupção implementada desde a sua origem, e manipulada pelos mais diversos interesses na data de sua aplicação. Ideologias ou paradigmas corrompidos por mais neutros que se confessem.
3.08 – A PRESSÃO SOCIAL como FICÇÃO no BRASIL
A pressão social proveniente de uma cidadania saudável e republicana ainda é uma ficção no Brasil. Um Estado democrático necessita desta pressão social, como energia do seu funcionamento, ainda que esta seja uma ficção romântica e muito pontual e apesar de toda a sua urgência.
Existem diversas razões para esta pressão social estagnar no plano irreal e da ficção romântica. Em primeiro lugar, a recente e continuada escravidão brasileira[25] na qual o ser humano não pode, ou não quer, exercer a sua capacidade de deliberar e decidir[26]. Esta cultura recente e continuada da escravidão, cria e sustenta a apatia geral que alguns traduzem - com orgulho nacional - pelo “brasileiro cordial”. Nestas circunstâncias qualquer movimento social não possui autonomia, portanto, também carece de qualquer sanção ética.
Em segundo lugar existem culturas regionais entre as quais apenas a língua é comum. Estas culturas regionais não possuem competência para estabelecer contratos regionais duráveis pois não gozam de autonomia, de identidade e de legitimidade social. Assim na hora de sua origem já entram em decadência, se corrompem e perecem na entropia, como foi o caso das Missões Jesuíticas.
Em terceiro lugar a disparidade econômica faz com que aqueles que possuem o poder econômico[27] arrebatam e exerçam também o poder político. Desqualificam, excluem e põe ao seu serviço qualquer potencial concorrente atual ou no futuro. Realizam esta façanha com o objetivo de perpetuar-se neste poder político que arrebataram no passado. Apropriam-se, para tanto, de qualquer bem de raiz, legitimando-o no cartório e pelos “bons serviços que somente eles sabem prestar” na sua ótica . A heteronímia popular é certa ao longo do tempo e que certamente não irá prestar-se para nenhuma pressão social.
Em quarto lugar os aparelhos de formação da identidade na opinião pública estão nas mãos das elites que desqualificam e zombam de qualquer poder político e social proveniente de uma cidadania saudável e republicana. É esta mesma elite que impõe a identidade. A sua hegemonia irá durar enquanto esta mesma dominar “o processo de construção da identidade nacional se fundamenta sempre uma interpretação” conforma Ortiz escreveu (1985: 139). Esta – também a interpretação de Chartier, quando observa (1998: 78) que a identidade existe – “ 1- a partir da exibição de uma unidade um grupo se atribui a partir do crédito de uma representação ou então a – 2 -identidade e imposta por aqueles que possuem o poder de classificar, nomear de definir”. Para Arendt (1983: 280) “a segunda torna-se perigosa quando os classificados podem usar os índices de sua identidade para se reconhecerem como tais”
Em quinto lugar as frequentes rupturas e as queimas arbitrárias de etapas de avanços sociais. Estes eventos curtos e intensos, logo frustrados, comprometem qualquer continuo da agregação social. Nesta frustração intrometem-se os atravessadores e mediadores. Desviam qualquer potencial pressão social para os seus interesses. Esta pressão que possibilitaria a manutenção de um poder proveniente da cidadania saudável e republicana jaz inerme e desqualificada nas mãos destes atravessadores oportunistas. Em 2013 é a triste sina da maioria dos sindicados de trabalhadores nas mãos de partidos e políticos que apresentam como “cordiais e sorridentes” mediadores.
Em sexto lugar a cultura letrada encontra-se na heteronomia de interesses e paradigmas provenientes de culturas de povos e nações com outros tipos de contratos sociais e que possuem pouco em comum com a cultura brasileira e, em especial, com aquela do poder originário.
Em sétimo lugar o aparelho estatal é extremante mitificado no Brasil e cujo índice é que a lei precede o fato. O cidadão comum não consegue penetrar neste espaço jurídico ficcional e formal. Ele é portador do fato social que o bloqueia e não quer, ou não pode, renunciar à sua identidade e ao fardo social de que é portador, muito menos o de naturalizar a tudo e a todos. Nesta mentalidade, que oscila entre a naturalização, ou mitificação, está impossibilitado de conceber a cultura e a civilização como algo projetado, mantido e reproduzido artificialmente pela criatura humana e em constante mutação no tempo e lugar. Aristóteles pressentiu e descreveu (1973: 19 .Tópicos-I. 10 ou [104 a 30] m) esta força nas suas concepção de proposições dialéticas: “Todas as proposições que se harmonizam com as artes são proposições dialéticas; pois os homens estão predispostos a dar assentimento aos pontos de vista daqueles que estudaram essas coisas”. Deu m lado existe o medo da mudança devido a algum novo conhecimento desestruturador do estágio presente e contido nestas proposições dialéticas. Do outro lado para não avançar neste terreno desestruturador e mais fácil simplesmente naturalizar ou então remetê-lo par o terreno imponderável e não comprometedor da mitificação sumária.
Nesta neutralização ou mitificação o papel do olhar do estrangeiro desempenha um papel importante. Simmel descreve (1986: 716-722) este papel neutral pois o estrangeiro “é o que vem hoje e amanhã permanece”. O mesmo Simmel continua (1986: 718) quando percebe:
“outra expressão acha-se na objetividade do estrangeiro. Como o estrangeiro não se encontra unido radicalmente com as partes do grupo ou com as tendências particulares, possui frente a todas as manifestações a atitude típica do «objetivo» que não é meramente desvio e falta de interesse, mas constitui uma mistura ’sui generis’ de distância e proximidade, de indiferença e interesses”
Este estrangeiro é o primeiro a perceber as energias e a originalidade dos arranjos e as causas que sustentam um determinado Poder Originário. Uma das suas avaliações ou juízos, geralmente, são aceitos como definitivos par estes arranjos do poder local.
Porém por mais forte que seja este juiz externo há necessidade de trabalhar para o Poder Originário atinja um grau aceitável de soberania. Este termo para Hannah Arendt significa (1983: 312) que:
“a soberania de um grupo de homens ligados e presos não por uma vontade idêntica que os inspiraria sempre de uma forma mágica, mas por um desígnio concertado, única razão de ser e único laço das promessas, se manifesta muito claramente na sua superioridade incontestada sobre pessoas inteiramente livres, e que não estão ligados por nenhuma promessa, que não estão presos nenhum desígnio. Esta superioridade provém da capacidade de dispor o futuro como se tratasse do presente: é o alargamento formidável, realmente miraculoso da dimensão mesma na qual pode haver aí potência eficaz”.
Tudo que atentar contra a emergência, desenvolvimento e reprodução desta soberania do Poder Originário necessita ser remetido para a política dos répteis.
3.09 - A POLÍTICA de REPTEIS.
A liberdade[28] humana não pode ser negociada em troca de bens materiais ou simbólicos. A liberdade é inerente à toda vida do ser humano, enquanto os bens sofrem obsolescência. A Vida, como a Arte, é gratuita. A liberdade, de pensar e de expressar o pensamento, não pode ser subjugada ou conspurcada por répteis e contrafações da política, da economia ou da mitificação. A simples expressão “material humano” trás terríveis conotações de uma mentalidade dos repteis na política. É o que Hannah Arendt evidenciou (1983: 247.nota 1) pois:
“para a história política recente não faltam exemplos para evidenciar que a expressão «material humano» não é uma metáfora inofensiva. Ela vale para toda uma série de experiências científicas de organização social, de bioquímica, de cirurgia do cérebro, etc.., que tratam todas de modificar o «material humano» como qualquer material.. O único resultado possível é de matar o homem, não necessariamente como organismo, mas como homem.”
Os bens materiais, incluindo o “material humano” foram a tônica dominante da disciplina que se quer denominar de Ecologia. Aquilo que deveria significara triunfo do espirito sobre a matéria foi direcionada para a naturalização. No extremo oposto desviou-se imediatamente do espirito e buscou o seu triunfo na pura, absoluta e singela mitificação. Para esta mitificação valeu-se dos instrumentos dos grandes e pontuais discursos das busca de hegemonias planetários expressos em pomposos e inúteis tratados. No lado obscuro, e longe destes discursos e tratados, os problemas ambientais foram se naturalizando e se infantilizando pelo marketing e propaganda. A violenta oscilação entre a naturalização e o reducionismo para o extremo oposto da mitificação hegemônica, espantou qualquer vestígio do espírito dos seus pioneiros como Ciência. Ao buscarem o poder central e procurarem alojar-se nos núcleos dos poderes estatais de todo planeta passaram o emitir discursos por cima e por fora sem resolver os problemas pontuais dos quais se esqueceram completamente. Realizam o discurso de inculcação cultural descrito por Chartier quando afirma (1998: 79) que o “ato de imposição do arbitrário cultural, criando um habitus secundário após o ato de converter em cultura legítima, através de desvinculação entre o conteúdo e o sentido atribuído arbitrariamente” a favor dos interesses. Espalham a poluição e degradação ambiental que sabem que ultrapassa as suas fronteiras. Sabem que esta degradação ambiental não pode ser controlada pelos seus efeitos á não ser nas suas origens pontuais, identificados e controlados na sua origem que é de sua responsabilidade. No plano empírico qualquer responsabilidade esta origem é localizável na célula municipal e do seu respectivo Poder Originário. Os meio numéricos digitais permitem rastrear, corrigir e tomar providências profiláticas, proporcionais e manter uma homeostase de poderes no âmbito da Ecologia se nela triunfar o espirito sobre a matéria.
A política de répteis - estruturada sobre a naturalização e ressoando no coaxar e urros das mitificações - evidenciou-se na cultura brasileira de uma forma espantosa nas piores consequências do Golpe de 1964. Esta política de rastejar diante do ditador, encontrava justificativa e glória durante os “ANOS de CHUMBO” para salvar as instituições. Contudo esta política tornou-se cacoete após 1979 e justificando tanto a sua naturalização como a sua mitificação, abrindo todas as portas que a barbárie necessitava na prática. Assim se coloca a dúvida e a pergunta que não quer calar:
- Mas por qual razão o rastejar, as picadas venosas e o uso de qualquer moita continuam instrumentos correntes da política brasileira após os militares saíram do poder?
Quem rasteja politicamente imita um réptil ou uma série de suas atitudes. A maioria das criaturas humanas não convive bem com répteis. Quem se esconde encontra no primeiro evento uma oportunidade para ataque ou para a defesa do que é obsceno ou do que está fora da cena. Imita os repteis quem joga silenciosamente o seu veneno sobre o primeiro opositor
As ações destes répteis políticos são favorecidos por uma floresta de meios de comunicação atuais. Mas se reproduzem ainda os entulhos arcaicos, com daqueles que são para uma cultura arcaica e ainda na heteronímia colonial. No Brasil Colonial o instrumento política oficial era o pelourinho, plantado no meio da praça pública à luz do sol. As leis eram afixadas ali e quem as desobedecesse, também ali era castigado. O rastejar agarrava-se a ter o direito de publicar um texto para uma população 90% de analfabetos funcionais. Textos eivados de expressões jurídicas e em latim para os que sabiam ler. Mas o castigo era certo e cruel e, em especial, para os inimigos políticos, sociais ou econômicos do poder estabelecido. Aos pobres o pelourinho, ao livres a forca. Aos ricos que sabiam ler eram reservados os caros processos da inquisição com direito à fogueira em praça publica com encenações de autos da fé. Este poder colonial era formal, nominal e pessoal. Este formalismo, imposto de cima, permitia o aparecimento apenas de estabelecimentos que estivessem em sintonia fina com este poder nominal e pessoal[29]. Para fugir deste obscuro e incerto instrumento político oficial do pelourinho colonial, o recurso era o vasto território nacional. Nele se refugiavam os indígenas para se esconder deste poder nominal e pessoal colonial ou se abrigaram numerosos quilombolas.
Na era da informática numérica digital o território e a floresta tornaram-se virtuais e sem fronteiras físicas. No entanto não estão menos povoados de répteis políticos. Repteis que geram o terrorismo individual e independente das fronteiras físicas de qualquer Estado com respaldo da circulação econômica. Os répteis econômicos aliaram-se com os répteis políticos e estes com os conceituais. Repteis resultantes e consagrados por uma sociedade admiração reciproca. Sociedade que pode ser transcrita de Bourdieu que afirmou (1987: 106) que:
“os progressos do campo de produção erudita em direção da autonomia caracteriza-se pela tendência cada vez mais a crítica de atribuir a si mesma a tarefa, mas de fornecer uma interpretação «criativa» para o uso dos «criadores»”.
Repteis de admiração recíproca e em permanente estado de busca de pertencimento aos sues semelhantes. Certamente o campo de produção erudita é muito frágil diante do campo das forças políticas. Forças políticas que não estão distantes e não alheias às forças do tráfico de objetos e de drogas e toxinas (venenos) que são as novas armas desta fauna. Estes se sustentam em redes mundiais e celebram banquetes conceituais no quais sustentam e se alimentam do puro materialismo no qual, que segundo Hannah Arendt (1983: 240/1) cometem:
“o erro fundamental de todo materialismo na política.. é de não sublinhar que inevitavelmente os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e únicas mesmo se eles se concentram inteiramente sobre objetivos inteiramente do-mundo e materiais. Dispensar-se dessa revelação, supondo que isso seja possível, significaria transformar os homens naquilo que não são, de outra parte negar a realidade dessas revelação e com consequências próprias, é simplesmente carecer de realismo.”
Uma das características dos répteis é trabalharem no anonimato e coberta por uma densa rede de comparsas e de signos codificados para uso exclusivo da espécie. Esta falta de identidade pessoal aumenta na medida em que estes répteis se refugiam e se escondem numa imensa floresta ou num território nacional. Contudo quanto mais nos aproximamos da célula municipal, tanto mais estes agentes públicos tornam-se identificáveis e com nome próprio.
Na medida em que a fauna dos répteis vai sendo identificada e rastreada no âmbito político, econômico e pseudo-religioso, ela tenta fugir de qualquer identidade socialmente aceita. Fogem e escamoteiam porque a falta de identidade também lhes tira qualquer responsabilidade social. Enquanto a falta de responsabilidade social permite-lhes jogar as suas próprias maldades e características de sua espécie sobre qualquer um.
3.10 – Os PERCALÇOS do PODER LEGISLATIVO.
O pior percalço para o poder legislativo é constituído por uma série de discursos equivocados dos seus agentes e que não respondem à um repertório político, social e econômico do seu próprio Poder Originário. Uma das características da eficácia de um autêntico discurso, conforme Oliven o concebe (1992: 21) necessita “capturar os sujeitos provocando a sua adesão. Para tanto é necessário que haja coerência entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos”. As representações do Poder Originário está muito distante da coerência daqueles que pretendem chamar sobre si mesmos a máxima atenção possível. Para tanto convocam e seduzem pessoas do povo que não possuem, e nem podem ter, um projeto e um contrato comum entre eles mesmos. Estes agentes nem ao menos estão conscientes dos percalços de uma glória repentina e fugaz. A súbita e fugidia celebridade é encoberta pelo sentimento que os envaidece e os estopins da onipotência, onipresença, onisciência e uma falsa eternidade ascendem e explodem em suas próprias mãos. Um cargo passageiro, que lhes pertence temporariamente é transformada em trampolim para o nada. Estes entes sociais equivocados de todas as formas produzem leis com as mesmas características dos seus autores.
Mas na maioria das vezes não é só um equívoco. Ele busca e vem em companhia de quem busca o poder em proveito próprio e pessoal, como aconteceu com a “Lei Teresoca”. O magnata das comunicações no Brasil, Assis Chateaubriand, conseguiu arrancar de Getúlio Vargas, uma lei que foi aplicada apenas uma vez e para uma única pessoa[30] e depois foi revogada silenciosamente e de vez. Este evento demonstra como se fazem e aplicam as leis neste país. Isto sem evidenciar a “barragem de medidas provisórias”[31] que blinda o Executivo e que passa a disparar estas leis, a todo instante, e que comprometem a iniciativa e a autonomia do Legislativo brasileiro.
A montanha de leis, que se acumulou no repertório legal brasileiro, constitui outro percalço permanente na vida do legislador. Mesmo sendo formalmente perfeitas e de inegável coerência interna, elas não possuem condições de sair da sua perfeição e coerência interna e serem aplicadas no mundo prático do Poder Originário. Há necessidade de repetir “se o Brasil seguisse a sua lei, ele ainda seria o Brasil Colonial e Escravocrata”.
O mundo prático brasileiro está muito próximo ainda da satisfação das necessidades básicas e da dependência da mentalidade colonial. O Brasil está longe de uma nação única, pois resultou das diversas origens culturais e estágios, ainda muito vivos e atuantes e que se reproduzem carentes de um pacto nacional nascido e cultivado no interior de cada cultura e de cada estágio cultural em cada célula municipal com aquelas pe4rceptíveis na cidade de Rio Grande-RS ao longo de século XIX e pesquisados por Neves Alves[32]. Vão longe os ecos das argumentações dos ‘nórmicos’ “republicanos favoráveis à origem do programa republicano (manifesto de 1870 de ITU: S. Paulo) e contra os ‘desvios’ de Júlio de Castilhos”. Ecos abafados pelo tempo e pelo sangue das Revoluções de 1893[33] e 1923 e lembrados, em 1991, por raros historiadores como Fernando O’Donnel[34]. Continua a imperar a vida em clãs e de tribos indígenas da realidade de grande parte de territórios de Estados brasileiros devido a este esquecimento e o retorno para a onipresente e determinante Natureza. O mesmo pode ser dito das áreas urbanas onde proliferam os cinturões das favelas que ensejam o aparecimento de pequenos estados paralelos com a sua própria justiça, sua executiva e o seu legislativo a sua maneira.
Não se advoga outra Constituição Nacional e nem mesmo a revisão da atual. Poderia acontecer que esta revisão deste estatuto nacional iria acrescentar, no máximo, mais um tratado legal à montanha daquelas já disponíveis. Em compensação no município as leis harmonizam os três poderes e sob o olhar direto do poder proveniente da sociedade civil organizado.
Um legislativo central e nacional e com acúmulos de poderes de toda ordem, de extensão e de abrangência federias pode, no máximo, acentuar e tornar verdadeira a expressão popular de que:
- O culpado de tudo é o Governo !
No entanto este mesmo centralismo não só cria uma clivagem com o povo. O seu maior perigo pode ser no seu uso como um instrumento pronto, centralista e uni presidencial totalitário é passível de uma conquista por forças extraterritoriais e num único golpe. O exemplo de Montezuma II (1466-1520), em Tenotchtitlan, ou Atahualpa (1502-1533), em Cuzco. Eles foram dominados por um punhado de guerreiros estrangeiros, que, ao capturarem a figura do imperador, centralizado num único indivíduo, e numa única cidade capital, apropriaram-se de todo território destes impérios. Mais recentemente a conquista definitiva do Kremlin significou o fim do império Soviético.
3.11 - A MEDIDA e a PROPORÇÃO da FOFOCA.
Qualquer lógica administrativa enfrenta seus inimigos. Entre os piores estão o boato, o conchavo e a fofoca patológica, pois são internos, incontroláveis e vazam para o mundo externo da lógica administrativa, abalando-a interna e externamente. O problema do conchavo e da fofoca não é só ético, mas também formal. As suas formas de interação possuem um suporte SEMIÓTICO muito estreito. Esta estreiteza é proveniente do repertório limitado, a dois ou três indivíduos que são a origem e o manipulam e buscam usufruir algum proveito pessoal em detrimento de lógica administrativa interna. Para transformar a mentira em verdade defendem com unhas e dentes o seu estreito repertório no meio interno no qual implantaram e externo onde fizeram circular a sua meia-verdade. Externamente corroem toda a coerência de uma sociedade. Esta necessita segurança na lógica administrativa das suas instituições para iniciar, continuar e reproduzir uma civilização com base num do contrato social digno deste nome.
Todos os governos enfrentaram esta forma de parasita da coerência social da sua lógica administrativa. Alguns governos eliminam, pura e simplesmente, aqueles que sustentam a corrupção do contrato social. Partem do princípio de que estes pequenos interesses individuais, escusos e obscuros são introduzidos no âmago do poder central eles dominam o Estado nacional. No Brasil são visíveis os resultados catastróficos em todos os tempos e lugares. Exemplos práticos não faltam. Entre tantos foram perceptíveis nas terríveis atos e consequências de um governo como Fernando Collor de Mello e tantos outros. Repetem-se em ciclos ininterruptos e que ajudaram a magnetizar a audiências publica e vender jornais. O Poder Originário visto de cima e centralizado torna-se impotente. Há necessidade da mobilização de todas as suas células regionais e municipais. Nelas e através delas é possível distinguir o que é verdadeiro daquilo que é meia verdade ou pura mentira orquestrado pela fofoca patológica de alguns que se apropriaram ou envenenaram os mecanismos do poder central. Nos altos planos da republica a vida coletiva torna-se uma impossibilidade e sofre os piores vexames. Neles os contratos de uma nação são falsificados, usando leis forjadas na imoralidade e na corrupção. Esta corrupção ganhou os jornais[35] em 2006, quando
“um quinto do Congresso, mais de cem parlamentares, está sob investigação do Ministério Público Federal responde a processo criminal. São 77 inquéritos criminais e 45 ações perante o Supremo Tribunal Federal. Todos da atual legislatura”
A fofoca patológica, o conchavo e o boato escamoteiam e reforçam esta corrupção. Esta corrupção derramada do vértice constitui um perigo para todo o poder nacional. Escorre do alto, onde nasce, potencializando todo o seu veneno no solo da nação ao atingir as raízes de cada célula municipal.
Conhecido, identificado na hora certa e aplicado na dose certa, o boato pode tornar-se um excelente remédio, ao exemplo do veneno. Uma das características do boato, do conchavo e da fofoca é a sua efetiva e rápida circulação. A circulação dos “pasquins” açorianos[36] mantinha a coerência de uma comunidade pela circulação de informações essenciais. O interesse sadio, pela vida alheia, abria janelas para as socializações e em relação aos quais não há necessidade de mostrar o seu papel cultural e econômico. Muitos almanaques e jornais brasileiros, do presente e do passado, incorporaram esta estratégia herdada dos “pasquins” açorianos, para chegar ao seu público.
No entanto o seu limitado suporte SEMIÓTICO, e a estreiteza de seu repertório, não constituem justificativas suficientes para desqualificar liminarmente a célula municipal.
3.12 – A DESQUALIFICAÇÃO da CÉLULA MUNICIPAL.
Um dos processos mais comuns no Brasil é a desqualificação da política da célula municipal[37]. A política brasileira é proveniente da cultura centralizadora do dominador português e da lei que precede o fato. A vida urbana também precedeu a vida rural. Para o habitante da cidade o habitante da vila ser considerado o “vilão”. Todos estes fatores recaíram diretamente sobre a vida e a política da célula municipal e para desqualifica-la a favor do centralismo e da iniciativa coroada metropolitana. A política da célula municipal, vista por esta ótica por cima e por fora, desenvolveu-se sob o tacape do cacique ou sob o rebenque do coronel, legitimados pelo poder central, urbano e que tinha medo e vergonha de trabalhar com as mãos.
Este histórico da heteronímia do Poder Originário da célula municipal gerou uma tensão permanente e que recrudesce sem encontrar uma saída digna, honrosa e coerente com o todo nacional. Esta célula municipal manifesta esta tensão permanente por meio das mais diversas e incontroláveis formas de violência simbólica, ou física. Violência impune que explode, sem cessar e sem freio, no ambiente que deveria ser a fonte do Poder Originário. Esta violência simbólica, ou física, existe no Brasil deste os primórdios da colonização européia. Esta violência física, ou simbólica, é alimentada e reproduzida, até hoje, nas páginas dos periódicos impressos ou digitais. Pessoas de posses e bem sucedidas figuram sozinhas em colunas sociais, enquanto os pobres vão parar nas colunas da crônica policial diária.
Esta violência, simbólica ou física imponderável e escamoteada é competente para desqualificar, no seu conjunto, a imagem da vida política proveniente da célula municipal. O próprio político, ao ultrapassar as fronteiras do seu município, olha para traz e renega esta “barbárie” coronelista ou da sua taba de origem. Pode também cair no extremo oposto e poetizar e tornar um mito a sua célula municipal de origem. Neste caso não se pode afastar sinais evidentes de populismo e fidelização de eleitorados cativos[38].
Não há como se enganar e defender uma mítica política da “boa” célula municipal e como o “retorno ao campo idílico e romântico” do início do século XIX e que jamais existiu de fato e de direito. Este engano não é mais possível, pois a paisagem rural só se tornou importante na memória da criatura humana quando esta perdeu, quase na íntegra, esta paisagem. A maioria da população nacional foi compelida a aglutinar-se na cidade industrial e artificial. Esta população deslocada do seu ambiente original rural guardou apenas fragmentos favoráveis e desconexos com a realidade do meio urbano e sem sentido funcional. A busca dos fragmentos, encanto da vida rural e de um sentido imaginado, manifestou-se no romantismo europeu. Traduziu-se no mito da campanha, na célula do clã de origem e do castelo feudal como o de Neuschwanstein de Ludovico II da Baviera. No Brasil o mito da paisagem a ser restabelecida, correu para recuperar as matas derrubadas, para o clã da taba ou para a “harmonia” casa grande do engenho rural. A obra de José de Alencar é sintomática deste mito de algo já perdido para a criatura vivendo a vida urbana.
Os filhos urbanos deste pai saudosista rural tiveram de matar este romântico. Com esta morte necessitam viver a dura e irreversível realidade da cidade. Diante da proporção de uma cultura rural acúmulo populacional urbano tornou-se monstruoso. Este desajuste e desproporção foram reforçados por um proletariado ao serviço exclusivo do acúmulo de bens, capitais e equipamentos da era industrial. Os cortiços, as favelas e as casas urbanas alimentam o mecanismo de fuga expresso no mito do socialismo saudosista e do “retorno ao campo idílico e romântico” do início do século XIX, na linha do “Paraiso Perdido” primitivo.
Com o ato de matar e enterrar o pai saudosista criminalizou e desqualificou, também, a vida política da célula municipal na qual predomina a mentalidade urbana. A célula municipal desqualifica a vida política cada vez mais a população proletária, no encalço deste mito. Desqualificação da vida política consequente daquilo que a população está vivendo na sua vida concreta e real. Os cortiços e as favelas atingem a população de 99% do território nacional. A tendência natural desta desqualificação é aumentar e se reproduzir física na mentalidade. Não há mais casa urbana infensa a esta mentalidade. As casas urbanas com feias e agressivas grades atingem também condomínio. A mentalidade dos cortiços e das favelas escala as fachadas e paredes dos prédios pichando-as e reproduzindo a sua própria matriz estética de desqualificação e da criminalização.
Os grandes teóricos passam soberanos e impávidos sobre, ou ao lado, destas “miudezas” confrontadas com as gloriosas e universais doutrinas que fazem e programam as suas mentes. Reproduzem o centralismo e a iniciativa já consagrada e coroada por prêmios metropolitanos. Estes soberanos e impávidos guardiães da memória, em permanente conflito e excomunhões reciprocas em relação ao que “o que bom para o povo” foram identificados por Oliven, quando ele escreveu (1992:.20) que “a construção de uma memória nacional e uma identidade nacional, longe ser consensual, está ligada aos grupos que são vistos como detendo o poder e autoridade para se erigirem nos guardiães da memória.”
A única e a mais eficaz alternativa - que resta o Poder Originário - é libertar-se destes soberanos e impávidos guardiões da memória e contrapor-lhes a instauração de um sentido próprio de identidade. Na medida em que o Poder Originário ingressa numa cultura decorrente da era da informação eletrônica numérica digital, o imenso território abandonado - ou degradado pela era industrial - volta a ter sentido e qualidade de vida. Se esta nova realidade se tornar concreta, mediada, sustentada e reproduzida por um projeto político descentralizador, haverá a possibilidade de uma vida digna e politicamente sadia da célula municipal.
[1] - “ Na verdade elegemos decepções. Os políticos são dessacralizados, no momento da posse, mas o poder como entidade não. As próprias “classes dominantes” brasileiras se queixam do governo como se o governo não fosse elas, como se ele tivesse se auto-inventado ou caído pronto do céu. E o próprio político, uma vez eleito, se sente a salvo em outro país, o brasil oficial que não deve nada ao brasil de verdade, muito menos explicações” VERÍSSIMO, Luis Fernando « Corte celestial » in Zero Hora, Porto Alegre, ano 38, n° 13.163, 04.09.2001, p. 3
[2] - SANTOS MARTINS, Milton. « Quebra econômica- financeira » Zero Hora, Porto Alegre, ano 43, n° 14.918, 01.o7.2006, p. 13
[3] - CORREIO do POVO « Operação libera 136 `escravos´ em Goiás» Porto Alegre: Correio do Povo Ano 111, n° 020 20.10.2005 p.10
[5] CORREIO DO POVO “8 mil escravos no campo brasileiro” Porto Alegre: Correio do Povo, ano 113, nº 264, p. 22, 6ª feira , 20 de junho de 2008.
[6] CIDADÃOS do MUNDO -atores franceses Gerard Depardieu e Brigitte Bardot
https://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/?Noticia=482834
[7] - NUNES Vanessa “Caiu na rede? Adeus: Tecnologia na Cabeça” - Porto Alegre : Zero Hora -N° 15670 22 de jul de 2008 Reportagem Especial
[8] A Suíça, num referendum, levado a efeito no dia 03 de março de 2013, sinalizou o perigo e está em vias de ver aprovado um controle do altos salários destes banqueiros: O Poder Originário Suíço e os executivo da seus bancos
https://www.nzz.ch/aktuell/schweiz/abzocker-initiative-wird-zum-exportartikel-1.18039927
https://exame.abril.com.br/mundo/noticias/suicos-votam-para-limitar-salarios-abusivos-de-executivos
https://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201303031529_AFP_82052017
https://www.laliberte.ch/lesplusduweb/dessins
[9] - ALCARAZ GOMES, Flávio « Dá para entender?» Correio do Povo, Porto Alegre, ano 104, n° 035, 04.11.1998, p. 04»
[10] COELHO Caco Chega de tutela Estamos silentes cumprindo uma ordem alheia, cheia de interesses obscuros, que encontram grande conivência da nossa gente - Porto Alegre: Correio do Povo, ano 118 | nº 97, Arte & Agenda - Crônicas da Cena, 05 de janeiro de 2013
[11] MENDELSKI Rogério «Como fraudar a eleição O atual sistema de votação no Brasil é ultrapassado e inseguro [..]Na Argentina [..]utiliza-se uma terceira geração de urnas eletrônicas». Porto Alegre: Correio do Povo, ano 118 | nº 98, domingo, 6 de janeiro de 2013, p. 05
[12] - BARATA, Mário «1954: ano-chave da segunda implantação modernizante na ENBA» in. 180 anos de Escola de Belas Artes. Anais do Seminário EBA 180 Rio de Janeiro : EBA-UFRJ, 1997. pp.389-396.
[13] - Para avaliar a doutrina positivista é bom retornar à fonte original de Isodore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1852) e verificar coincidências e aquelas que não são tão coincidentes com oque os mediadores, intermediários e atravessadores pregaram na época da Republica Velha brasileira.
[14] - GAY DA FONSECA Fernando A. “Federação, uma profilaxia.” Porto Alegre: Correio do Povo ano 117 nº 263 -, , 19 de junho de 2012
[15] - TAYLOR , Frederick Winslow (1856-1915). Princípios de administração científica. (7ª. ed.) São Paulo : Atlas, 1980, 134 p.
[16] - Novamente seria necessário as concepções de litosfera, bio-esfera e noo-esfera de Pierre Teilhard de Jardin
[17] - PÉCAUT, Daniel. Intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo : Ática, 1990. 335 p
[18] “SOLJENITSYNE Alexandre Un nostalgique de la Sainte Russie” Paris : LE MONDE | 04.08.2008 | 11h54 https://www.lemonde.fr/carnet/article/2008/08/04/un-nostalgique-de-la-sainte-russie_1079990_3382.html#ens_id=1079920,
[19] - CARVALHO, José Murilo.A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990,
166 p.
[20] Texto iniciado em abril de 1994
[22] - SANTOS MARTINS, Milton. « Quebra econômica = financeira » Zero Hora, Porto Alegre, ano 43, n° 14.918, 01.o7.2006, p. 13
[23] - SHUSTERMAN. Richard. L’art à l’état vif: la pensée pragmatiste et l’esthétique populaire. Paris : les éditions de Minuit 1992. 227p
[24] - LÉGER, Fernand. Funções da pintura. São Paulo : Difusão Européia do Livro 1965.
[25]CORREIO do POVO « Operação libera 136 `escravos´ em Goiás» Porto Alegre: Correio do Povo Ano 111 n° 020 p.10 de 20.10.2005
[26] CORREIO do POVO «Trabalho infantil é rotina» Porto Alegre: Correio do Povo - Ano 117, nº 255 – 2ª feira, 11 de junho de 2012 – p. 16 Geral https://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=117&Numero=255&Caderno=0&Noticia=431962
[27]- CORREIO do POVO «Concentração de mercado avança» Porto Alegre: Correio do Povo Ano 117 nº 254 - Domingo, 10 de junho de 2012 Correio Rural https://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=117&Numero=254&Caderno=11&Noticia=431718
[28] LIBERDADE: etimologicamente liber é cidadão romano apto para se reproduzir (Ferrater Mora, 1994). Para Espinosa “é a força da alma e virtude dos particulares”. (1983 : 55) . Para Lauro de Oliveira Lima “O que caracteriza a liberdade não é o constrangimento, mas deliberação “ (Oliveira Lima, S/d. : 164) Para Hannah Arendt “O homem não pode ser livre se não sabe que está sujeito à necessidade” (Arendt, 1983 : 170)
[29] A CONSTITUIÇÃO POLITICA DA MONARCHIA PORTUGUEZA..do ano de 1838 dizia no caput “Dona Maria por Graça de Deos, e pela Constituição da Monarchia, Rainha de Portugal, dos Algarves d'aquem e d'alem mar, em Africa Senhora de Guiné, e da Conquista, Navegação e Commercio da Ethiopia, Arabia, Pérsia e da India, etc. Faço saber a todos os Meus Subditos, que as CôrtesGeraes, Extraordinarias,” e enfatizava “Art. 4.º O govêrno da Nação Portugueza é Monarchico-hereditario e representativo. Art. 5.º A dynastia reinante é a da Serenissima Casa de Bragança, continuada na Pessoa da Senhora Dona Maria II, actual Rainha dos Portuguezes”
[30] - Fernando Morais conta no livro "Chatô, Rei do Brasil" que o jornalista Assis Chateaubriand Bandeira de Mello dono dos "Diários e Emissoras Associadas" foi capaz de reverter uma lei a seu favor, no 'Caso Teresoca', quando obteve a guarda definitiva de uma filha ilegítima. Em 1933, Chateaubriand apaixonou-se por uma atriz argentina de apenas 15 anos - Cora Alcuña, a Corita. A moça teve uma menina se chamou Teresa Alcuña, a "Teresoca", e o tempo passou. Oito anos depois, farta do gênio abominável de Chatô e cansada, ajuntou comum certo Clito Bockel - um empresário carioca e fugiu com a filha. Ao saber da vendeta, o jornalista se muniu de um exército de jagunços armados até os dentes, invadiu o sítio onde os três estavam escondidos, e raptou Teresoca. Imediatamente, a atriz entrou com ação na Justiça, a fim de ganhar a guarda da menina..Acontece que o dono dos "Associados" tinha um inefável problema nas mãos: sendo oficialmente casado com Maria Henriqueta, ele não poderia reconhecer Teresa com sua filha. Ao ser informado que o seu caso era "perdido", o jornalista respondeu: "se a lei é contra mim, mutatis mutandis: mudemos a lei". Com efeito, o homem espertamente recorreu a ninguém menos do que seu velho "amigo" e ex-ditador, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas. Chatô exigiu que a legislação fosse alterada. Vargas tinha agora um problema maior nas mãos: se mantivesse a lei vigente, desagradaria ao dono dos "Associados"; se mudasse, escandalizaria a Igreja. Entre aborrecer aos padres. Sendo assim, em 24 de setembro de 1942, o Diário Oficial dizia: filhos tidos fora do matrimônio poderiam ser reconhecidos, desde que oficializado o desquite. Agora sim. Chatô oficializou seu desquite, reconhecendo Teresa como sua filha.
MORAIS Fernando. Chatô, Rei do Brasil" vida de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello e dono dos "Diários e Emissoras Associadas. São Paulo : Companhia das Letras 1994 736 p
[31] - Medida provisória autorizada pelo art. 59 inciso V da Constituição Brasileira de 1988
[32] - NEVES ALVES, Francisco. O discurso político-partidário sul-rio-grandense sob o prisma da imprensa rio-grandina (1868 1895) Porto Alegre PUCRS, 1998 Tese. 750 f.
[33] - ABREU, Luciano. «A Revolução Federalista – versão republicana» in FLORES Moacyr (org) 1893-1895: a Revolução dos Maragatos. Porto Alegre – EDIPUCRS, 1993 pp. 27/34 - 150p.
GUASINA, Luiz de Senna. Diário da Revolução Federalista. 1893-1895. Porto Alegre: Arquivo histórico do Rio Grande do Sul : EST 1999. 175p
[34] - O’DONNELL, Fernando. Alguns textos políticos da transição institucional no Rio Grande do Sul (1887-1893) preliminares. Porto Alegre : Metrópole, 1991, 52p
[35] - CORREIO do POVO « O pior Congresso da história » Porto Alegre : Correio do Povo, ano 111, n° 277, 04.07.2006, p. 4
[36] - Em Roma existia a “coluna Pasqua” na qual o povo podia fixar livremente manuscritos anônimos. A cultura açoriana trouxe ao Brasil o costume de colocar bilhetes ou textos anônimos debaixo da porta das casas que contavam versões das aventuras amorosas ou feitos que os habitantes ou autoridades queriam manter em sigilo. O Pasquim foi, e continua sendo, um dos meios de comunicação apócrifos, de descendência açoriana, de grande beleza e criatividade.. Os boatos e gozações espalhavam-se rapidamente, sem identificação dos autores, para desespero dos envolvidos, que poderiam ser bem ou mal falados. Outra forma construtiva e anônima é o Pão-por-Deus que é uma brincadeira herdada dos descendentes açorianos, cuja finalidade era pedir a alguém uma prova de amor e de amizade. As pessoas faziam um coração de papel recortado, que continha um versinho e o enviavam, com um presente ou um bolo confeitado em forma de coração, sendo gentilmente correspondidas.
[37] - JASPER Gilberto «Salvem os Prefeitos» Porto Alegre:–Correio do Povo ano 117 nº 342,– 06 de setembro de 2012, p.02
[38] - CORREIO do POVO «Gasto com câmaras compromete receitas : em 106 dos 496 municípios, arrecadação de impostos não cobre despesas» Porto Alegre:–Correio do Povo, ano 117, nº 276 – 2ª feira , 02 de julho de 2012, p.05, Política
04 - PODER ORIGINÁRIO: PARTICIPAÇÃO – COOPERAÇÃO – INTERAÇÃO.
22/04/2013 07:52Capitulo 04
RESUMINDO e CONCLUINDO
No portal da era numérica digital só podemos especular sobre o que encontraremos no seu âmbito futuro. Não há necessidade de mitificar esta nova era e muito menos naturalizá-la e esperar dela aquilo o que não pode fornecer. No entanto pelas amostras do presente é possível prever novas competências novos limites.
4.01 – a era da informática desconcentrada; 4.02 – a sincronia no caos; 4.03 – a unidade nacional e o discurso desenvolvimentista; 4.04 – a participação, a cooperação e a interação.
4.01 - A ERA da INFORMÁTICA DESCONCENTRADORA
Os equipamentos urbanos da era industrial nunca foram equacionados nas metrópoles brasileiras quanto ao seu preço e ao peso que recai nos ombros dos seus cidadãos. Multidões desavisadas, e sem formação para viver este meio industrial, não precisaram ultrapassar limites, muralhas e nem pagar pedágio para penetrar neste meio urbano. Marcados pela expulsão do campo foram se acumulando na precariedade urbana, atraídos por uma miragem e sem recursos materiais ou culturais para a nova realidade. Acomodaram-se penosamente diante da miragem e precariedade sustentada pela propaganda subliminar e pelo marketing de algo que não pertencia ao seu repertório ou cultura rural. Sem projeto maior do que a Natureza lhes oferecia, geraram favelas, mocambos e regiões já degradadas. Fixaram-se em áreas degradadas pelas atividades industriais comandadas pela obsolescência programada e instalados nas metrópoles brasileiras. Expostas à luz do Sol produziram chagas urbanas que cresceram e se multiplicaram em todas as cidades brasileiras. Esta falta de um projeto, de uma cultura e de uma mentalidade gerou corrupções e desvios de toda ordem. As suas energias, sem um projeto, sem uma cultura ou sem uma mentalidade definida, ameaçam silenciosa e permanentemente em se constituírem estados autônomos e diferentes no interior do Estado Nacional brasileiro. Incapazes de entender e muito menos comandar um sistema de produção e circulação de bens simbólicos estão a mercê e a espera que o Estado Central exerça este papel. Este Estado, sem uma delegação e muito menos um contrato usa para os seus interesses este sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho, da reprodução e da difusão dos bens simbólicos. Desta forma este Estado está legitimado, diante destas energias descartadas e desqualificadas, para gerar a sua lei, executar o que é possível e avaliar com a sua própria justiça para tudo e para todos.
Contudo a própria justiça e compreensão deste processo alteraram-se profundamente na cultura ocidental. Compreensão cujo processo acelerou mudanças significativas a partir do pós Renascimento italiano, pelo maneirismo, pela reforma e pelas descobertas da Galileu Galilei. Este momento de flexão da História da cultura Ocidental foi registrado por Arendt (1983: 364) como:
“a mudança havida no século XVII foi mais profunda do que uma simples ruína da ordem tradicional estabelecida entre o fazer e a contemplação. A ruína propriamente dita não concerne só a relação entre o fazer e o pensar, enquanto que a contemplação, no sentido original vinda da visão prolongada da verdade, foi totalmente eliminado. Pois a contemplação é outra coisa do que o pensar. Tradicionalmente, concebia-se essa último como o caminho principal, o mais direto, para a contemplação e a verdade”.
Por mais que Galileu Galilei quisesse afiar, qualificar e potencializar o seu modo de pensar as suas descobertas não teriam sito comprovadas sem a sua luneta. Da mesma forma nova era da informação numérica digital encontra condições novas e uma ocasião única para fazer refluir esta compulsão linear, unívoca e concentradora da era industrial e com este refluxo a mudança em todo o processo da concentração urbana. Como resultado ela joga enigmas recorrentes e desestabilizadores que De Masi descreveu (1997: 228) como “na medida em que se admite que a criatividade é modernidade e decadência, não acumulação mas explosão emocional, afirmação de valores ao mesmo tempo a sua dissolução e desmoronamento de valores, o enigmo torna-se explicação”. Para estes desafios, enigmas e urgências a nova era da informação numérica digital oferece notáveis meios tecnológicos para fazer refluir estas energias acumuladas nestas metrópoles, para as sadias células municipais espalhadas em todos os recantos do imenso território brasileiro. O imenso território brasileiro, habitável do norte ao sul e do leste ao oeste, oferece condições para fugir ao ambiente degradado da era industrial. A nova infraestrutura oferece meios coerentes e superiores para todos e em todos os recantos da Natureza a ser recuperada. Basta pensar apenas no trator com ar condicionado e comandado pelo GPOS, no meio de lavouras brasileiras distantes dos meios urbanos degradados. Apenas um destes cenários mostra o conjunto de potencialidades para viver com qualidade em qualquer ponto do vasto território nacional. Historicamente basta pensar na fortuna da Marcha para o Oeste, na segunda metade do século XX e da qual Brasília é atualmente uma das expressões vivas e visíveis.
A busca da proximidade à Natureza não é um retorno aos meios entrópicos. A constante atualização da inteligência humana permite a interação entre o meio natural as maiores conquistas artificiais da humanidade. Isto se realiza num sistema de representação que para Ladrière (1977: 16):
“compreendem os conjuntos conceituais e simbólicos através dos quis os diferentes grupos que constituem a coletividade tentam se auto interpretar e interpretar o mundo nos quais estão imersos, e também os métodos por meio dos quais a coletividade, em questão, se esforça em entender se conhecimentos e seu saber”.
Este sistema de representação acompanha e controla a circulação constante, entre Natureza e Inteligência. Sistema de representação que, coloca a realidade em permanente mutação, afetando tanto a mentalidade humana como os meios tecnológicos. O próprio trabalho em rede numérica digital magnifica e materializa no meio técnico que toda célula viva praticou a partir da primeira célula viva no planeta conforme Maturana e Varela afirmam (1996:39) que “os seres vivos reproduzem-se a partir das suas potencialidades, produzindo redes de reações que por sua vez determinam potencialidade e os seus limites”.
A rede numérica digital, conectada em tempo real como todo planeta, permite uma diferenciação no interior de uma unidade projetada e em constante mutação. Esta permanente mutação no interior de uma determinada unidade, visível em todo planeta, engloba também os ganhos da era industrial nas metrópoles urbanas. Se de um lado a massiva tendência em transformar e editar tudo em imagens a visão humana ainda guarda a intacta a instrumentalidade para o acesso da sabedoria que Aristóteles descreveu (1973: 211 Metafísica L.I cap. 1) como
“não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa alguma preferimos, por assim dizer, a vista aos demais sentidos. A razão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre”
A imagem eletrônica pode ser diferenciada que permite fugir do padrão unificador, ao modelo do “tipo” único, linear e eterno. Assim ela provém basicamente do Poder Originário como do espetacular registro da queda inesperada da queda de um meteorito sobre o vasto território Rússia, em 15 de fevereiro de 2013, cuja imagem foi instantaneamente transmitida pra todo o planeta por observadores do Poder Originário eslavo, enquanto o poder central com suas agências espaciais estivera ausentes e nada previram[1].
Este Poder Originário trava luta permanente contra a imagem do tipo único e hegemônico na teimosia permanente do poder central em impor-lhe “sua” representação oficial. Luta crucial em Chartier ao destacar (1996: 79) como “a atenção sobre as estratégias simbólicas que determinam posições relativas e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ‘ser percebido’ constitutivo de sua identidade”. Esta luta para um padrão unificador e totalitário também está presente e é visível nos núcleos urbanos inchados. Estes núcleos valem-se das estratégias simbólicas e reproduzem pelas atividades industriais comandadas pela uniformidade da obsolescência programada e instaladas em todas as metrópoles mundiais. Esta busca do ‘tipo ideal’ encontra cada vez menos adeptos e promotores. Ladrière aborda esta questão ao afirmar (1977: 204) que
“é necessário perguntar-se, se na evolução moderna, o tipo de unificação das culturas tradicionais ainda é útil e se não é necessário pensar a unidade da cultura numa perspectiva muito diferente. Descartamos que a ideia de uma absorção pura e simples do sistema científico-técnico no sistema cultural tão bem com o contrário, e propomos de ver na ação a mediação concreta dos diferentes sistemas gerados por essa ação. Isto já indica que a unidade não pode ser uma unidade de composição, não de integração, pois ela não pode ser colocado antecipadamente na autossuficiência de um único sistema, mas deve ser reinventado a cada momento, a partir de diferentes elementos de composição (tornados apenas compatíveis), na iniciativa sempre renovada da ação”.
A era da informação numérica digital favorece esta operação de reinventar a cada momento a partir de infinitos elementos. A infinita diversidade favorece a o processo de contornar os terríveis conflitos entre metrópoles localizadas em culturas arbitrariamente uniformizadas pela era industrial. Com a era pós-industrial o que importa, para De Masi (1997: 18-165-200), é:
“reorganizar o tempo livre, a atividade artística e científica. Rever as estruturas e funções dos grupos empenhados no trabalho idealizador[...]Quando tudo possui máxima precisão, importa a aparência e a coerência das formas adequadas ao humano”.
Porém este projeto também permite colocar por terra tudo novamente, e ao mesmo tempo, por meio da pasteurização geral, a mitificação e a naturalização da cultura.
Para fugir e se libertar da armadilha dos eventos, do marketing e da propaganda, impõe-se a necessidade imperiosa da busca de sua identidade. Esta busca da identidade nacional também é crucial para a cultura brasileira. Contudo a sua busca está distante do Poder Originária. As classes dominantes dominam o campo de forças desta ‘fabricação da identidade nacional’. Na história da cultura brasileira Buzzar descreve (1997: 397) um contínuo de dominação de sua elaboração, que:
“segundo Marilena Chaui, a busca da identidade nacional mostrou-se como uma preocupação constante das classes dominantes e da intelectualidade a partir de meados do século XIX. Essa busca perene expressou-se de forma diferenciada ao longo dos anos em função das questões político-sociais que a conjuntura de cada período determinava. Durante os anos 30 tal busca poderia ser sintetizada sob o slogan construir a nação, o que ainda segundo Chaui, teria permitido a absorção de todas as manifestações culturais pelo Estado.”
Este Poder Originário é, de fato, o destinatário secundário e eventual deste destilado proveniente das classes dominantes. Este constituem um público de pares concorrentes que escrevem por tabela e subsidiariamente para o Poder Originário. Para Bourdieu, (1987: 108) o seu interlocutor “não é apenas o público, mas para o público de pares que também são concorrentes”. Esta classe procura valer-se dos aparelhos governamentais do Estado para reforçarem a sua posição por cima e por fora. Por meio deste Estado instrumentalizado absorvem e pretendem recobrir, os seus projetos, ações e avaliações com o maior número de manifestações culturais da nação. Com esta máscara pretendem arrebatar deste Estado projetos subsidiados e conquistado por meio de editais julgados pelos seus pares concorrentes. Pares concorrentes na aparência, mas, que de fato, respeitam e esperam, em contrapartida, iguais mordomias em próximas ocasiões
Fora do Brasil a era industrial concentradora como sinônima da felicidade urbana sob a proteção de um poderoso Estado instrumentalizado teve um aviso sinistro em Nova York. O episódio da derrubada das Torres Gêmeas e a perda do primeiro lugar do ranking da cidade mais populosa do planeta, fizeram com que os seus talentosos habitantes revissem os seus próprios conceitos. Conceitos que primeira era industrial impôs ao ser humano e que só se concretizaram para alguns felizardos que acumularam riquezas e deixaram a grande maioria da população no acostamento. Porém esta cidade estava preparada para a era da informação numérica digital e assim ela chamou de volta numerosas redes de empresas e se tornou a matriz de conglomerados econômicos espalhados por todo o planeta.
A força motriz da liberdade projetou para o século XXI as energias que estavam represadas pelo Muro de Berlim, pela hermética URSS industrializada ou pela Revolução Cultural da China maoísta. Liberdade como origem, propulsor e reprodução de um modo de nova vida, de ambientes e de mentalidades. Nestes movimentos pode-se pensar numa espécie de teleologia imante e se materializando no Poder Originário. Teleologia imanente que Ladrière se deu conta ao escrever (in Bruyne 1977: 13) que
“existe um processo de autocontrole e um processo de invenção dos critérios em termos dos quais esse autocontrole funciona efetivamente. Existe como que uma teleologia imanente da pesquisa, mas é uma teleologia que se constrói; não existe um “telos” colocado previamente, que regularia segundo um esquema invariável o devir da ciência, existe como que um processo de auto-organização, graças ao qual um procedimento de início tateante consegue desenhar de modo cada vez mais preciso seu próprio eixo de evolução.”
Numa visão de longa duração Bruyne percebe (1977: 13) que: “existe como que um processo de auto-organização, graças ao qual um procedimento de início tateante consegue desenhar de modo cada vez mais preciso seu próprio eixo de evolução”. Para que um grupo seja unido Pedro Luís Pereira de Souza afirma (1996: 96)[2] seja sustentado como por “uma estrutura flexível só pode sobreviver no tempo se um grupo relativamente homogêneo a compreende como a própria base para o seu desenvolvimento”. Estrutura flexível que sustente a vida, os ambientes e as mentalidades por meio dos quais seria possível constituir um círculo de amizades sem patrulhamentos ou por intromissões indevidas de ideologias fechadas e mortas. Liberdade que promete uma vida em ambientes nos quais seja possível um constante pertencimento sem constrangimentos e a fuga do anonimato cinza urbano. Este ideal Schiller buscava (1963: 105) na por meio dos ensinamentos da Arte e da educação estética, pois:
“existe uma bela arte da paixão; mas uma bela arte apaixonada é uma contradição, pois o efeito inescapável da beleza é a liberdade das paixões. Não menos contraditório é o conceito de bela arte com ensinamento (didática) ou corrigidora (moral), pois nada é tão oposto ao conceito de beleza quanto dar ao espírito uma certa tendência”.
Nesta paixão pela liberdade existe o longo caminho do ‘ensinar’ e do ‘aprender’ que significa APRENDER na medida do ‘compreender’ e o seu efeito do ‘ter compreendido’. Nesta compreensão encontras a impossibilidade da volta ao campo e nem o fim das metrópoles. Apenas defende-se a necessidade de projetos e de intenções claras de quem avalia o seu preço, o paga e de quem carrega o seu peso de fato.
Esta prudência, proveniente da sabedoria, corre límpida desde a antiguidade clássica. Aristóteles já argumentava (1973: 345.1141a 10) que:
“o conhecimento científico é um juízo sobre universais e necessárias. Assim sendo o primeiro princípio de que decorre o que é cientificamente conhecido não pode ser objeto de ciência, nem de arte, nem de sabedoria prática.. A sabedoria, nas artes, é atribuída aos seus mais perfeitos expoentes, por exemplo Fídias como escultor e a Policleto como retratista em pedra: por sabedoria, aqui, não entendemos outra coisa senão a excelência na arte”.
O mestre de Alexandre Magno expunha assim, ao seu discípulo, a compreensão e a sabedoria necessária para as realizações de contratos, ou pactos, em constante avaliação e recomeço diário em função das perdas e ganhos, antes, durante e após qualquer ação coletiva. Se considerarmos a tecnologia, a mediação e a autonomia da arte necessita-se aceitar Gleizal quando afirma (1994: 48) que:
“as tecnologias não agem sobre a arte que na medida em que elas produzem uma mediação e que designa o modo do funcionamento do político na arte política. Assim a mediação é um verdadeiro conceito que permite pensar a autonomia de uma arte social e política. Pela mediação, a arte se socializa, mas segundo mecanismos que lhe próprios. A arte abre-se ao político, mas sem aí se perder podendo pois agir sobre ele (o político)”.
No universo da arte estamos diante da exaustiva enumeração enquanto na tecnologia nas normativas e leis. Enumeração característica da era pós-industrial, mas poderosamente ajudado pelas tecnologias comandadas pelos recursos numéricos digitais. Estas passam para o papel de mediadores. Porem esta mediação possui um sentido na medida em que sistematiza a diversidade e a riqueza da criação e a proporção humana oferece mananciais insuspeitos. Um dos campos nos quais flui gratuita esta mesma diversidade é o mundo das obras humanas. Entre estas obras de Arte Lemagny destaca (1992: 13) aquilo:
“eu gosto, é o esplender das coisas. Existem coisas feitas pela mão humana, em relação aos homens, numa indiferença tão elevada e de um cumplicidade tão muda como as coisas da natureza: são as obras de arte. Elas me ensinam a humildade e a fidelidade”.
Por sua vez a pensadora Hannah Arendt completa (1983:41)
“a obra é atividade que corresponde a não-naturalidade da existência humana, que não está incrustada no espaço e da qual a mortalidade não é compensada pelo retorno cíclico da espécie. O obra fornece um mundo «artificial» de objetos nitidamente diferentes de todo o meio natural. É no interior dessas fronteiras que se aloja cada uma das vidas individuais, quando o mundo está destinado a lhes sobreviver e as transcender todas. A condição humana da obra é o pertencer-ao-mundo”.
Esta riqueza permite aproximar-se, tanto da vida comandada pela Natureza do meio rural como se conjugar com a vida urbana comandada pela abstração do ideal e da mentalidade humana que viceja e se renova em todas as épocas e lugares. Novamente Arendt intervém (1983: 228/9) e distingue “a produtividade específica da obra reside menos na utilidade que na sua capacidade de produzir a durabilidade”. O poeta Schiller conferiu (1963: 103) esta conjugação de antagônicos ao campo das energias da Arte:
“se nos entregamos ao gozo da beleza autêntica, somos senhores, a um tempo e em grau idêntico, de nossas forças passivas e ativas, e com igual facilidade nos voltaremos para o grave e para o jocoso, para o repouso e para o movimento, para a brandura e para a resistência, para o pensamento abstrato ou para a intuição”.
Na História de longuíssima duração os ciclos antagônicos - da concentração e da desconcentração urbana - não constituem nenhuma novidade nas civilizações humana. Menfis, Babilônia, Atenas e da Roma Imperial são algumas destas experiências urbanas que se tornaram inviáveis e se dissolveram, pois a infraestrutura de sua origem e o modelo de sua administração não estava mais à altura do número dos seus habitantes. Isto sem contar os repentinos abandonos de cidades dos maias, dos incas e dos orientais que esvaziaram grandes metrópoles, no seu apogeu, e nunca mais voltaram a serem habitadas por humanos.
4.02 - A SINCRONIA no CAOS.
A entropia e o caos andam de mãos dadas em todos os horizontes humanos e da Natureza. No caos o próprio cientista encontra a sua matéria prima e o impulso para as suas descobertas. Diante do caos acontece uma tensão essencial no mundo ordenado do cientista que provoca nele a centelha da descoberta cujo processo Kuhn descreve (1997: 109) como:
“tal como os artistas, os cientistas criadores precisam em determinadas ocasiões, ser capazes de viver em um mundo desordenado - descrevi em outro trabalho essa necessidade como «tensão essencial» implícita na pesquisa científica”.
O cientista, tão bem o artista, sabe que a Ciência, ou Arte, são longas e a sua vida breve. Diante do imenso caos e a brevidade da vida Arendt escreveu (1983: 313) que “a vida humana precipita-se em direção à morte e a ruina”. A consciência do sentido da morte constitui um dever moral para o pensador Bobbio (1997 cad.5 p.4 3ª col) pois “acho um dever moral do homem que tem consciência do limite da vida levar a sério a morte. E levá-la a sério significa que a morte é a morte - e não um prolongamento da vida”. Porém este limite e a sua efetiva ultrapassagem revelam partes significativas de quem é o ENTE humano. Pois segundo Arendt, (1983: 253) “a essência humana – a essência de quem alguém é – só começa a existir quando a vida se vai, não deixando atrás dela senão na história”. O mesmo principio da permanência Argan descobre (1996: XXIII) “no fundo da cada obra clássica encontramos o pensamento da vida enquanto em cada pintura ou escultura informal encontramos a morte”. Na perspectiva oposta Max Bense[3] afirma (1975 :118) que “a sua ação permite lembrar que ainda que o homem deva morrer, não nasceu para morrer, mas para renovação” .
Esta ação que Schiller traduziu (1963, pp. 120/1) como:
“a disposição é a fonte da liberdade, não podendo, portanto, dela nascer e ter origem moral.[...] A semente [da estética] irá ter pouco desenvolvimento onde a natureza pobre irá roubar ao homem o lazer. Onde, [a Natureza for] perdulária e o libertar de qualquer esforço, é onde a sensibilidade embotada não experimenta desejos e onde a violenta avidez não encontrar alimento. A planta amorável não irá nascer do homem troglodita, oculto em cavernas, eterno isolado que nunca encontra a humanidade fora de si, nem irá nascer nos grandes exércitos nômades, em que o homem é número e nunca encontra a humanidade em si”.
No domínio desta liberdade e humanidade os sistemas abertos e com energias soltas são potencializadas melhor pela lógica formal da informática numérica digital do que pelo taylorismo da era industrial. Nisto estes sistemas participa da teleologia estética. O pintor e gravador Carlos Oswald, escreveu (in Monteiro 2000: 191)[4] que nas artes:
“consolo-me com a seguinte frase de Degas: Hereusement que moi, je n’ai pás trouvé ma manière; ce que m’embêterais ! É isso mesmo: eu não tenho maneira, eu vou fazendo o que quero, sempre mudando e isso me interessa. Tanto os acadêmicos como os modernistas veem a arte em si e a consideram como fim em si mesma. A arte deve ter um “fim”, além de sua técnica e se o “fim” for superior, isto é social ou religioso, então estas palavras: maneira, técnica, impressionismo, academicismo, cubismo, etc., desaparecem. Só fica a “ideia”, o apagamento da alma que sente não vê os meios que a fazem sentir”
O enciclopedista filosófico espanhol Ferrater Mora inclui no sei dicionário (1994: 3460) que “entre as teorias estéticas teleológicas figuram: – a teoria baseada nas intenções ( e interesses) do artista; a teoria que explica a gênese da arte como uma atitude fundamental humana e teoria que explica a gênese da arte como um jogo”
O filósofo francês Jacques Maritain[5] asseverou (1964: 52) qu:
“é necessário à perfeita descriminarão prática entre o fim do operário (finis operantis, como dizia a escolástica) e o fim da obra (finis operis): da tal maneira que operário trabalhe pelo seu salário, mas que a obra não seja regulada, formada e colocada no ser como um bem em si e não em consideração ao salário”.
A norma cientifica continua imperando a base desta lógica. Esta norma, como sistema aberto, foi descrita por Ladrière (in Bruyne, 1977: 16), pois:
“de um ponto de vista lógico, a aquisição efetiva de um saber é comandada opor uma metodologia que obedece, ela própria, a uma norma diretora. Na realidade histórica de seu devir, o procedimento científico é ao mesmo tempo aquisição de um saber, aperfeiçoamento de uma metodologia e elaboração de uma norma”
Esta trabalhosa e arriscada operação, da busca da norma num sistema aberto, para Ladrière (in Bruyne 1977: 13) acontece:
“quando a reflexão sobre a ciência se organiza de maneira explicita, nada mais faz do que passar para a expressão o processo de auto finalização; é o que explica que as formulações que ela propõe possam ter um caráter normativo. A norma de que se trata que não vem de nenhum outro lugar senão do próprio processo pelo qual a ciência se constitui em seu devir histórico. Mas se pode falar de norma, é porque esse processo é, por si mesmo indicativo. Quando o procedimento epistemológico consegue refleti-lo, ele reencontra o eixo de progressão que se elaborou nesse processo e, ao mesmo tempo, descobre indicações relativamente precisas sobre a maneira pela qual o movimento poderá prosseguir”.
Com esta norma aberta, para a imaginação e para a criatividade, as energias mentais e físicas encontram no caos a matéria prima para os projetos possíveis e o espaço potencial para que a imaginação erga a sua criação.
O que deve assustar ao observador neutro não é a impossibilidade de acesso, a volatilidade e o desaparecimento do mundo transcendente e imaterial, mas a possibilidade do acesso irrestrito ao mundo empírico e material. Este mundo empírico autêntico e original está cada vez mais distante dos sentidos humanos graças às mediações, as edições e atravessadores tendenciosos. Este fenômeno da transcendência e a sua relação com o mundo dos sentidos humanos foi objeto de análise de Hannah Arendt que anotou (1983: 362):
“com o desaparecimento do mundo dado pelos sentidos, o mundo transcendente desaparece também, e com ele a possibilidade de transcender no conceito e o pensamento do mundo material...então não é surpreendente que o novo universo seja praticamente inacessível» mas ainda «nem mesmo pensável» pois «qual for a maneira pela qual pensamos, ela será falsa»”.
Na medida em que caos primordial continua a instigar os sentidos humanos, o conceito e o pensamento podem ostentar as suas potencialidades. Mesmo que este conceito esteja diante dos mais severos instrumentos de planejamento, execução e avaliação matemática rigorosa conforme Bertrand Russel (in Arendt, 1983: 337)
“se for possível demonstrar, que pode-se cercar de uma rede matemática, não importa qual universo, contendo muitos objetos [...] o fato é que o nosso universo se presta a um tratamento matemático, mas isto não tem grande significação do ponto de vista filosófico”.
Nestes ‘muitos objetos’ é possível ao ENTE humano elaborar do ponto de vista filosófico na medida em que o seu SER possui um núcleo solido e equilibrado colocado ente o imanente o transcendente. Este núcleo equilibrado e solido foi verificado por Piaget nas suas pesquisas e descreveu (1983 p.74) como confirmação do seu ponto de vista filosófico:
“eu tinha chegado a duas ideias centrais segundo meu ponto de vista, que, aliás, nunca mais abandonei depois. A primeira é que todo organismo possuindo uma estrutura permanente, que se pode modificar sob influências do meio mas não se destrói jamais enquanto estrutura de conjunto. Todo conhecimento é sempre assimilação de um dado exterior a estrutura do sujeito. A segunda é que os fatores normativos do pensamento correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por auto-regulação: assim a lógica poderia corresponder, no sujeito, a um processo de equilibração”.
Esta “equilibração” deriva do fato de que todo o organismo possui uma estrutura permanente que o meio modifica. A partir desta “equilibração” se aproximar e modelar o caos, conforme Mazzocut-Mis escreveu (1994: 64) que:
“a imaginação, compreendida a imaginação divina, deve se submeter ao princípio cósmico-construtivo, ordenador e criador, que lhe permite erguer-se para além do caos desagregador da matéria no estado nascente. Da mesma forma, o artista deve modelar através da ação seu próprio potencial criativo para que a incoerência torne-se um contraste sensível para o espírito humano. A arte é um caminho que começa no sonho caótico e que termina num cosmos acabado, uma viagem interpretativa e constitutiva num claro-escuro continuado no qual não faltam nem tempestades e nem abismos”.
Marc Bloch também destaca (1976: 128) esta imaginação que “deve-se submeter ao princípio-cósmico – construtivo, ordenador e criador, que lhe permite erguer-se para além do caos desagregador da matéria no estado nascente”. A mesma energia Mazzocut-Mitt, (1994: 64) percebe como aquela com a qual “o artista modela através da sua ação o seu próprio potencial criativo para que a inconstância torne-se coerência de imaginação e para que a contradição torne-se contraste sensível ao espírito humano”.
A imaginação, aliada as ferramentas desta nova era numérica digital, encontra excelentes meios para aperfeiçoar toda a criação humana, combater a entropia e a racionalizar as energias contidas no caos. Energias competentes para operar aquém e além dos rígidos receituários da linha de montagem. Energias fluindo em sistemas abertos aliando imaginação e ferramentas. Caos eternamente no horizonte da potencialidade devido à imprevisibilidade inerente à ação humana. Neste caos as leis são impotentes e inúteis vistas pelo lado interno na ótica de Montesquieu, apropriado por Arendt ao registar (1983: 250) que:
“as limitações da lei não oferecem garantias absolutas contra uma ação vinda do interior da nação, da mesma forma que as fronteiras do território não são salvaguardas seguras contra uma ação vinda do exterior [...] Se as limitações e fronteiras que se encontram em todos os estados podem oferecer uma certa proteção contra a infinidade, inerente a ação, elas são absolutamente impotentes contra a segunda característica (da ação), que é de ser imprevisível”.
Primordialmente insiste-se para que estas energias diferenciadoras e libertárias tenham condições para fazer fluir as suas energias coletivas, inclusive para constituírem um grande organismo nacional, sem se confundir com ele. Estas energias primordiais mostram uma unidade espantosa quando aceitamos as observações dos biólogos Maturana e Varela quando escreveram (1996: 48) que
“nós, como seres vivos temos uma história: somos descendentes, por reprodução, não só dos nossos antepassados humanos, mas de antepassados muitos diferentes que se estendem no passado até três milhões de anos. A outra é que, como organismos, somos seres multicelulares e todas as nossas células são descendentes por reprodução da célula particular que se formou ao unir-se um óvulo com um espermatozoide e nos originou. A reprodução está, por tanto, intrometida na nossa história em relação a nós como seres humanos e em relação a nossos componentes celulares individuais, o que curiosamente, faz de nós e nossa células seres da mesma idade ancestral. Mais ainda, desde um ponto de vista histórico, o anterior é válido para todos os seres vivos e todas as células contemporâneas: compartilhamos a mesma idade ancestral”
Nesta mesma idade ancestral comum a espécie humana possui uma origem, um rumo e uma possível ancoragem num patrimônio comum. Apesar de todo o aparente caos e desorientação, o individuo, entregue a si mesmo, possui potencial para perceber no mundo pontual que o cerca aqui e agora. Percebero organismo nacional inclusive no qual este ser humano aparentemente isolado e único, possa sentir, conviver, modificar e qualificar o seu pertencimento esta História da espécie. Pertencimento no qual persiste aquilo que Pierre Bourdieu denominou (1994: 99) “habitus não é outra coisa do que a lei imanente, lex insita inscrita nos corpos por histórias idênticas, que á condição não só da harmonização das práticas mas também das práticas harmonizadas”
A lógica formal da concepção da cidadania, da democracia e do trabalho pede mais flexibilidade neste “habitus”. No grande organismo nacional as ações diferenciadas do “habitus” nacional impõe atenção, tempo e lógica para a convivência, eventuais modificações e para qualificações da era numérica digital, coerentes com o espaço e com o tempo. O objetivo é sempre instaurar, manter e reproduzir o processo civilizatório que no pensamento de Mario Barata, (1997: 389) zela pela:
“grandeza, a eficácia e a modernidade de uma instituição não são somente um êxito interno restrito, mas trata-se, sobretudo, da colocação em movimento das realidades da sociedade em que ela se formou e na qual procura agir e produzir valores úteis e vetores de conhecimento”
Este processo civilizatório, sem estas necessárias mudanças não deixaria lugar para a Arte, pois todos e suas ações seriam monotonamente iguais e sem criatividade na concepção de Schaeffer (1992)[6]. Esta diversidade de pessoas e ações poderá ser transformada em complementaridade.
No entanto é necessário insistir que as novas energias previsíveis pelos instrumentos numérico digitais estão muito distantes de serem potencializadas e remetidas para um único e mesmo campo epistêmico. Bruyne, alerta (1977 p. 34) para as condições que se exigirá na medida em que estas energias queiram transitar e ser julgadas com Ciência:
“o campo epistêmico é o campo do conhecimento científico que chegou a um grau de objetividade reconhecido: estado das teorias, estado da reflexão epistemológica, estado da metodologia, estado das técnicas de investigação. A região epistêmica mais próxima de uma pesquisa específica é, evidentemente, a da disciplina do pesquisador na qual ele procede a escolhas teóricas, epistemológicas, técnicas, etc., no próprio seio do que a tradição dessa disciplina oferece.”
Existem dúvidas até que ponto certas energias potenciais da era numérica digital, queiram fazer o vestibular da Ciência e submeter-se aos seus rituais de iniciação. Um índice desta dúvida é indefinição do mercado face aos profissionais da Informática e que, por sua vez parecem pender mais para o lado dos profissionais da Arte. Até o presente estes profissionais continuam mergulhados num sistema de instâncias que, na concepção de Bourdieu (1987: 126), são:
“incumbidas de definir, conservar e consagrar um tipo de bens culturais e ao mesmo tempo, de produzir incessantemente novos produtores e novos consumidores dotados de uma disposição duradoura para que possam apropriar-se simbolicamente destes bens”.
No entanto estas instâncias não definiram o sistema e muito menos o normatizaram e conferiram um estatuto definitivo e canônico para estes professionais da informática, apesar de sua intensa atividade. Seguem o mesmo caminho dos profissionais da criatividade e do campo Arte dos quais se exige constantes novações de energias, intensos estudos, experimentações implementações para uma mudança permanente em relação ao seu dia anterior. Contudo já é possível constar que os professionais da informática são mais humanos e menos invasivos do que o bisturi do médico taylorista da era industrial.
No uso e na intervenção das ferramentas numéricas digitais é possível também seguir os passos de Bruyne (1977: 51) para aproximar o mais possível de uma
“objetivação que é o conjunto dos métodos e das técnicas que elaboram o objeto de conhecimento ao qual se refere a investigação. Esse objeto é transcendente a toda consciência, só se dá ‘por esboços, sempre incompletos, mas sempre captados numa presença’. A ciência entre a linguagem e as coisas, insinua, exprime proposições, fala de acontecimentos incorpóreos, de fatos acontecidos às coisas corpóreas. A ciência não pode atingir as coisas, mas constrói, manipula, realiza, prediz os fatos, os acontecimentos efeitos que não existem fora das proposições que os exprimem. O que é próprio de toda operação de sentido, de linguagem”.
Esta objetivação da transformação das contradições em complementaridade entre o grande organismo nacional e a pequena célula política, social e cultural do município. Se expressa a crença de que a ferramenta numérica digital possui condições de transformar as contradições entre o grande organismo nacional e as pequenas células politicas, sociais e culturais do município. Esta crença nasce e é reforçada a partir de trabalhos já realizados e apesar da sua difícil tarefa no seu uso e subtil, mormente no que se exige desta ferramenta em eventuais intervenções para transformar contradições em complementaridades.
Trabalhos com as informações que visem também transformar em complementaridade para o povo (Volksgeist) as contradições que ocorrem no âmbito dos três poderes e nas três instâncias. No que concerne ao espaço (Weltgeist) elas são recebidas no centro nacional fluem em rede na direção das macrorregiões dos estados regionais, passando pelas comarcas ate o núcleo municipal. Como num sistema impõe-se também o necessário fluxo inverso. O retorno ao vértice qualifica outras informações, as ordena e as redistribui hierarquicamente, até voltarem ao menor núcleo municipal. No concerne ao tempo (Zeitgeist) propõe-se a circulação diária de informações, por meio da INTERNET. As condições para as informações fluírem para o estado regional e deste para o Estado nacional e o seu feedback, necessita da sincronização de um tempo numa sequência da circulação do poder formando um sistema Este sistema funciona 24 por dia e os 7 dias por semana
O imenso material das informações, das deliberações e das decisões a tomar, a partir destas informações, são diárias e não podem esperar mais do que um mês. Com os meios numéricos digitais não é mais possível a procrastinação de deliberações e de decisões. As informações que pertencem ao âmbito da política brasileira não podem sofre solução de continuidade devido às distâncias entre a vida concreta e as decisões metropolitanas. Este sistema se renova e se completa, no mínimo, a cada mês.
Porém o seu teste efetivo encontra-se no feedback dado pelo receptor ao emissor. Para Umberto Eco (1995: 7) a posição e a disposição da relação entre o criador e o observador do receptor são determinantes. Disto ele mesmo foi testemunha quando declarou Eco, (1995, cad.5 p.7):
“se a «Obra Aberta» foi um dos primeiros livros a interrogar a posição e a atividade do leitor, foi porque, justamente, os músicos naquela época concebiam obras que deviam ser manipuladas, de alguma forma, pelo receptor para serem compreendidas”.
Na época do telégrafo já não havia mais nenhuma razão para barreiras administrativas devido às posições entre emissor e receptor, muito menos na rede dos meios de comunicação numérica digital. No ritmo, e com o auxílio dos instrumentos numérico digitais, permita ao poder central deflagrar, a cada mês, o processo orientado por um tema relevante para este fluxo nacional e do qual pode receber um feedback objetivo no interior de um projeto específico e público. Preparando este projeto as propostas dos municípios ressaltam as questões mais prementes. Eles as enviam preliminarmente nas suas comunicações diárias ao poder central e as reforçam com os editoriais dos jornais.
Distribui-se em três semanas cheias - que cada mês possui como objetivo deste ciclo se completar em cada mês:
DOM |
2ª |
3ª |
4ª |
5ª |
6ª |
SAB |
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1 |
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5 1ª semana cheia: MUNICÍPIO comarcas |
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12 2ª semana cheia: ESTADO -região |
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19 3ª semana cheia: FEDERAÇÃO |
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Gráfico 06 – Calendário mensal da circulação do poder da origem até o vértice
O poder central destaca uma temática abrangente em cada mês. Busca a mais universal e única que remete como pauta de todo o processo, em todas as instâncias. Esta temática norteadora é tratada nas três esferas do poder interno do governo e expressa pelo problema que atravessa todo o mês.
A temática do 1° mês poderia ser, por exemplo, a natureza e as relações da sociedade civil organizada (Poder Originário) com o seu poder judiciário, do executivo e do judiciário. Esta temática seria tratada na sua homologia no município, no estado regional e na federação.
As múltiplas discussões procedentes dos mais diversos paradigmas presentes em cada célula municipal podem ser ordenadas por meio desta temática única, circulando em todas as instâncias. Isto não impede o surgimento de outras diferentes, urgentes e até contrárias e contestadoras do poder central que funciona como coordenador e as enviam para as instâncias específicas. Nestas instâncias estão as identidades sociais que Maturana, caracteriza (1996: 14) com a sua respetiva origem biológica e os potenciais dali derivados:
“em cada sistema social conserva-se a identidade da classe de seres vivos que o integram. Assim, se os componentes de um sistema social são formigas, a identidade que se conserva na dinâmica estrutural do sistema social é a identidade formiga. Se os seres vivos componentes de um sistema social são médicos, a identidade conservada nos seres vivos componentes de um sistema social são médicos, a identidade conservada nos seres vivos componentes desse sistema social durante a dinâmica estrutural é a de médico. Por essa razão, nossa individualidade como seres humanos ‘invólucro’ a conservação da nossa vida na conservação de tantas identidades como sociedades as quais pertencemos. Por isso mesmo podemos deixar de pertencer a um ou outro sistema social sem necessariamente nos desintegrarmos como seres humanos”.
A atenta consideração e o efetivo respeito a estas identidades evita os discursos vazios[7] de um país vazio e utópico. Os agentes do executivo, legislativo e judiciário, possuem referencias nesta temática coletiva para ordenar o funcionamento dos respectivos mecanismos do Estado nacional. A ética do seu funcionamento se parece em muitos com a estética pois tanto a arte como a ética possuem o mundo como cenário. Ambas remetem ao «místico». Ambas buscam a felicidade. O teórico Richard Shusterman amplia (1992: 233/4) esta semelhanças a partir de Wittgenstein
“numa breve observação entre parênteses, na proposição 6.421 do Tractatus Lógico-Philosophicus, Wittgenstein afirma que « ética e estética são uma só». A identificação de ética à estética ali parecem efetuados em nome de três considerações: Primeiro, as duas olham as coisas sub specie-aetrenitatis: «do exterior», « de tal maneira que elas possuem o mundo inteiro como cenário». Na estética, « a obra de arte é este objeto visto sub specie-aeternitatis. Segundo, a ética e a estética remetem ao reino do «místico», não só porque suas asserções (que não são proposições nem empíricas nem lógicas) remetem a o indizível, mas porque elas adotando essa perspectiva global que Wittgenstein associa ao domínio do místico. Terceira, todas as duas se ocupam principalmente da felicidade. Da mesma forma que «o ponto de vista estético sobre o mundo consiste essencialmente na contemplação do mundo por um olhar feliz» pois «arte é serena», da mesma forma a ética pode se reduzir a ser «feliz ou infeliz: eis tudo. Pode-se dizer: não existe nem bem nem mal»
Apesar de um texto soar como um mundo de contradições com os argumentos desenvolvidos até aqui, o dito acima permite também complementariedades. É necessário afastar o perigo maior que é o da estetização da política e o fatal populismo marqueteiros e proselitista. O Poder Originário, que se apregoa aqui contraria o misticismo e estetização, possui infinitos paradigmas e é constituído politicamente pela sociedade civil organizada. A sociedade necessita redobrar a atenção, mesmo que ela balbucie estes paradigmas num sistema de expressão. Para Ladrière, (1977: 17)
“os sistemas de expressão compreendem as modalidades tanto materiais como formais através dos quais as representações e as normas encontram suas projeções concretas, ao nível da sensibilidade, e graças as quais os efeitos profundos (nas quais toma forma a existência vivida, como maneira de provar a realidade natural e histórica) se exteriorizam em figuras significativas, oferecidas a uma constante decifração”.
Apesar deste sistema de expressão este mesmo Poder Originário deverá ser considerado de forma permanente pelo outros três poderes que nascem, representam e agem em seu nome.
Um destes instrumentos pode ser constituído pelos editoriais dos jornais e periódicos. Entende-se os editoriais dos jornais como textos fundamentais de cada periódico e que explica, argumenta e justifica as razões da criação, circulação e manutenção de um órgão jornalístico publico. Um jornalístico possui os seus apoiadores e que os sustentam como assinantes. Estes assinantes e leitores contribuem o seu Poder Originário. Cabe á direção ou proprietário do periódico legitimar e expressar, nos seus editoriais, as razões e para coerência entre o seu pensamento e dos seus leitores e assinantes que mantem circulando este periódico. Se tal acontecer de fato este periódico merece toda a atenção dos poderes públicos municipais e conhecimento do poder central
Os textos destes editoriais podem ser remetidos, sem custo, por meio de e-mails e ordenados pelo CEP no qual se localiza a sua redação. Os textos destes editoriais, reunidos, ordenados pelos respectivos CEP’s podem circular em todas as instâncias governamentais e trazendo as premências e o pensamento vigente no amplo território nacional. Evidente esta circulação irá depender de contratos entre os titulares e proprietários dos periódicos e o governo central. Novamente insiste-se no período de implementação, experimentação para atingir uma implantação posterior num sistema nacional.
O objetivo desta circulação permanente da informação é renovar o poder da nação tornando-o conhecido de todos (publicidade) e coerente com o seu tempo e o seu lugar (oportunidade). Numa nação a cultura enraíza e fixa as finalidades desta mesma nação. As palavras de Ladrière expõem isto ao afirmar (1977: 204) que:
“as duas funções essenciais de uma cultura são o enraizamento e a fixação de finalidades, são possíveis, nesta linha, dois grandes pólos de organização interna da cultura: o do sentido e dos projetos. O sentido é como o meio na qual a ação pode se elaborar, mas da qual ela também tem responsabilidade; é ao mesmo tempo aquilo que o sustenta e aquilo que é encarregado de fazer acontecer. Os projetos são os objetivos concretos, de maior ou menor alcance, em relação aos quais se mobiliza. Vistos na perspectiva do sentido, os projetos devem criar as condições que permitem à existência de atribuir-se um sentido, eles devem construir, de uma certa forma, os quadros de uma vida sensata”.
Resumindo e distinguindo sentido possui um caráter último sendo aquilo pelo qual uma vida se perde ou se salva. Já o projeto é sempre de ordem mais ou menos relativa pois ele é o projeto de projetos ulteriores.
Diante deste contínuo necessário tanto para o projeto como para o sentido de uma nação a circulação do poder central, necessita existir na sincronização diária e que precisa vivê-lo nas 24 horas, sete dias por semana e em todos os dias do ano. Seria um absurdo se as férias pessoais de agentes, ou as suas eventuais viagens, significassem a paralisação da circulação contínua do poder central desta nação.
A multiplicação de ministérios e ministros está longe de convencerem como sentido e projeto de uma nação. Não ordenam este sentido do funcionamento do Estado nacional além de caro, revelou-se ineficiente para os projetos e sem garantia entre investimento e retorno. Na sua prática diária esta multiplicação de cargos apenas serviu acomodar forças que caso contrário poderia determinar a ingovernabilidade. Porém as suas funções se estorvam, se contradizem e permitem perigosas infiltrações que comprometem a meta final do bem comum buscado pelo poder nacional e a sua renovado dos mais variados setores o interior de um projeto a ser cumprido numa administração. Na maioria das vezes este conjunto pede, ou impõe, mais uma reeleição. A meta final do bem comum, buscado pelo poder nacional na sua raiz, necessita de dois Ministérios (Exterior e Interior). No seu desdobramento os demais nasceriam desta raiz. Os originários desta fonte trabalham hierarquicamente com a meta final do bem comum.
O ministério do Exterior necessita administrar, para além da fronteiras, a contradição, entre muitas, de que “uma das distinções que se pode estabelecer entre a «nação» e a «pátria» é que a «nação» tende a excluir as demais nações enquanto «pátria» tende a reconhecer a legitimidade das demais pátrias” na concepção de Le Goff (in Vidal, 1997: 8)[8] Internamente as diversas secretarias nacionais são mais proveitosas do que múltiplos cabides de empregos e que engessam a governabilidade de um Estado. Cabide oportuno com o qual se contempla com cargos eventuais compromissos econômicos, políticos ou favores pontuais. O Ministério do Interior reúne as suas secretarias, no início de cada dia, quando os seus titulares recebem os informes competentes às suas pastes e provenientes de todos os municípios. Na reunião diária matinal, estes titulares, as conhecem, hierarquizam as discutem e tomam decisões coletivas. O Ministério do Exterior procede da mesma forma com as suas embaixadas, em vista ao concerto das outras nações. As tardes e as noites são reservadas para as ações visíveis e externas poderes centrais.
O consenso e a coerência matinal, alcançada pelo Executivo nesta reunião, necessita fluir diariamente para o conhecimento do Legislativo e do Judiciário com os necessários contraditórios e complementariedades de poderes soberanos entre si mas a serviço do Poder Originário. A sociedade civil organizada nos seus partidos constitui o 1º contraponto a este consenso e coerência interna dos três poderes. Nos partidos, as presidências nacionais, selecionam, orientam as questões e os põe diante dos seus respectivos programas. As bases partidárias deliberam, decidem e priorizam ações fundamentais da agremiação.
O cidadão necessita garantias de que a reflexão, os cargos, a ação que lhe cabem, serão significativos e integrantes de um dos poderes institucionais. Estas garantias começam pelo conhecimento, passam para a vontade e sob as luzes do direito ás suas respetivas competências e os seus limites. Nos limites, uma nova eleição, ou sua aposentadoria poderá retirar a este cidadão, a competência para a sua ação ou para falar em nome desta sociedade civil organizada. Assim os seus poderes não se confundem com o cidadão.
Um processo contínuo e ininterruptamente renovado impede os ministérios estarem ausentes destas reuniões diárias do poder central. Os eventuais titulares, ao assumir algum destes poderes, necessitam saber, contratar e ter anuência à necessidade. A sua presença física em outros centros de poder será remetida para os finais de semana. Porém o que move todo este conjunto de instrumentos, agentes estratégias e elementos logísticos é a busca de sua reprodução. Este o núcleo tanta da Natureza como da cultura humana. Hannah Arendt comentou (i983: 155) que:
“a força da vida é a fecundidade. O ser vivo não foi esgotado quando ele providenciou a sua própria reprodução, e sua ‘mais-valia’ está na sua multiplicação potencial. O naturalismo coerente de Marx descobriu a ‘força do trabalho’ como modo especificamente humano da força vital tão capaz do que a natureza para ciar uma mais-valia, um além-produto”.
Para os biólogos Maturana Varela a reprodução (1996: 48) é “um além-produto específico da força vital humana”. Para Bourdieu (1987: 177) representa “a ‘força do trabalho’ é capaz de criar uma ‘mais valia’”. A continuidade de uma civilização e de uma cultura depende nas palavras de Hannah Arendt (1983: 314) que:
“o milagre que salva o mundo, o domínio das atividades humanas, da ruína normal, «natural», é o fato da natalidade, na qual se enraíza ontologicamente a faculdade de agir. em outros termos: é o nascimento de homens novos, o fato de que eles começam novamente a ação que eles capazes por direito de nascimento.
A reprodução é a raiz que permite transformar a contradição entre a unidade e a diversidade. Reprodução que torna contemporâneas todas as gerações humanas e espécies vivas da Terra pelo código genético de que são portadores.
4.03 - A UNIDADE NACIONAL e o DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA[9].
Na cultura brasileira as palavras unidade de desenvolvimento possuem, na prática, sentidos quase antagônicos. O Brasil Colonial manteve a sua unidade garantida pela falta de desenvolvimento. Neste sentido o Alvará de D. Maria I não uma excrescência, porém a expressão pontual da lei geral. Nos raros momentos de desenvolvimento, os estados federados nacionais reclamam de exclusões e atentados à unidade nacional.
Diante deste impasse é bom possuir um repertório mais aprofundado do sentido de uma palavra num discurso. Para Hannah Arendt (1983: 235 e 266) a “palavra (lexis) adere mais estreitamente a verdade do que a praxis, segundo Platão[...]O sentido profundo do ato e da palavra não dependem nem da vitória nem da derrota, nem de um desvio eventual, de nenhuma consequência boa ou má”. Ela esclarece em nota (1983: 235) que
“está claro que a afinidade entre a palavra e a revelação é muito mais íntima que entre a ação e a revelação [...] Se a ação e a palavra estão estreitamente aparentados, é que o ato primordial, e, especificamente humano, deve conter ao mesmo tempo a resposta e a pergunta colocadas aos recém chegados: «- Quem é você?»”
As palavras unidade e desenvolvimento foram termos constantes nos discursos dos agentes políticos brasileiros de todas as tendências ideológicas e com os objetivos e as formas as mais diversas possíveis. Estes favores foram relativizados por Umberto Eco quando escreveu (1976: 228)[10] que:
“para o homem culto o fato de uma palavra estar ou não na moda não deveria influenciar o uso que dela se faz enquanto categoria científica, o que deve realmente constituir em elemento de indagação e preocupação é o problema do motivo porque, num determinada sociedade e num determinada contingência histórica, uma palavra ganha os favores da moda”
Neste antagonismo entre unidade e desenvolvimento acaba prevalecendo a lei da Física de que duas forças contrárias acabam por se anularem. Ou em termos populares ‘acabam em pizza’. Entre as numerosas evidências do sentido das palavras unidade e desenvolvimento é possível aprofundar os discursos separatistas da unidade nacional a favor de um imaginado desenvolvimento.
O Sul do Brasil, separado do restante do atual país, é o discurso subliminar perceptível em muitas ocasiões em na retórica desenvolvimentista. Estes argumentos de que este Sul constituiria uma nação desenvolvida e progressista é um verdadeiro atentado à unidade nacional. Os norte-americanos enfrentaram pelas armas, na Guerra da Secessão, o mesmo discurso do desenvolvimentista nortista. Tato lá como no Brasil constitui um rime que atenta contra uma das conquistas e uma das heranças mais caras, seguras e inestimáveis das duas nações americanas.
No argumento separatista existe um erro estratégico além dos muitos equívocos, neste atentado e crime. A Alemanha está pagando altíssimo para reconstruir a sua unidade nacional e retomar a sua maior conquista que vem de 1870. O desmantelamento da URSS retirou um poderoso opositor à cultura ocidental e um estímulo, não só para a nação americana, mas para todo o cenário mundial. O desmantelamento da URSS jogou o mundo ocidental num totalitarismo hegemônico de uma única potência e que pretende dar as cartas ao restante do mundo. Qualquer desmando, desta potência mundial hegemônica, poderá significar uma catástrofe planetária. O Brasil não possui nenhum sonho hegemônico. Mas se for transformado numa série de “repúblicas das bananas”, evidentemente que nenhuma destas repúblicas terá expressão planetária. A vontade política de um destes estados, que se opõe aos demais, e assim, inviabiliza os demais a, seria, ele mesmo, enquadrado por uma ou mais potências ou blocos econômicos e políticos. Num cenário político e econômico é possível imaginar-se este sonhado Sul do Brasil enquadrado pela Europa unida, ou pelos ”tigres asiáticos” e do Sudeste deste continente. O Nordeste do Brasil seria transformado num paraíso fiscal internacional, por exemplo. A Amazônia e o Centro Oeste seguiriam a política e a economia americana. Seria impossível sonhar num simples mercado comum neste cenário de um Ex-Brasil.
Esta fragmentação iria alastrar um cortejo de outros equívocos pela política, economia, cultural, racial e educacional. Uma profunda perturbação da consciência nacional, advindas de qualquer perda do menor fragmento do território nacional, arrastaria para um conjunto de conseqüências. Nenhum povo deseja repetir os exemplos históricos da possessão de Trafalgar, da Alsácia e Lorena, da Criméia, de Dantzig, de Trieste e das Malvinas para a Argentina. A autoimagem positiva estaria em jogo e a escolha de um ou mais lucros eventuais não seriam compensados pela perda da unidade nacional, em especial no jogo de blocos continentais contemporâneos.
A permanência da unidade entre o Grão-Pará, a Província Del´Rei no Sul e o Brasil, comandado por Salvador, pode ser considerado um efeito da lei da inércia política colonial lusitana. A inoperância da corte portuguesa e os interesses ingleses, em contar com um mercado único, mantiveram a atual unidade territorial brasileira. Contudo há necessidade de sair do leito do “deitado eternamente em berço esplêndido” em direção de uma intencionalidade e de um projeto construído por todos os meios para manter esta unidade nacional. O Brasil necessita seguir o exemplo da Europa e da Alemanha e pagar o alto preço econômico para reconstruir a unidade nacional e continental.
As diferenças regionais são evidentes e preciosas. Mas a solução não é uma atomização sem possibilidades de costuras. Uma colcha de estados soberanos não poderia e nem desejaria construir uma costura ao estilo do Commonwealth britânico. Os Farrapos depuseram as armas ao perceberem a pouca força teriam como país soberano, ao estilo do Uruguai. O Rio Grande do Sul como país soberano jamais poderia sustentar as onerosas campanhas para arregimentar, pagar e instalar colônias de imigrantes em ambientes hostis e inóspitos sem um efetivo e atuante poder central. A centralização pode representar, em dado momento maior potência, para acumular energia e maior fluxo de capital para retroalimentara todo o processo de uma forma contínua. O resultado prático é que o Uruguai possui, em 2013, apenas um terço da população do Rio Grande do Sul, apesar de territórios semelhantes[11]. Na contramão a centralização pode representar, em outro momento, oportunidade para ser assaltado e usado para fins imorais por grupos ou por indivíduos, como aconteceram também numerosas vezes nas republicas latino-americanos. Na busca de equilíbrio homeostático e de proporção entre o micro e macro poder, a vigilância é inadiável e perpétua. Esta vigilância não possui o objetivo de policiar, tutelar e extinguir esta tensão entre extremos. O critico da arte inglês, Herbert Read, escreveu (1986: 32)[12] que “no cerne da vida está o que as vezes é chamado de dialética, que simplesmente é uma contenda entre as forças positivas e negativas, entre o amor e a morte”
As frágeis e micro células da política municipal necessitam a vigilância, o equilíbrio e as costuras, em tempo real, no interior da macro célula nacional. A manutenção da macro célula nacional representa não só despesas. Num primeiro momento este processo terá, para a pessoa humana, uma fronteira física e um limite. Limites e fronteiras das quais este processo extrairá o seu significado nas suas próprias circunstâncias. Significado a ser consolidado ao longo do percurso em direção à centralização. Num segundo momento, e de forma distinta, encontrará a potência planetária no concerto das demais nações. O perigo que corre o poder no espaço planetário é cair num espaço sem gravidade e se perder no imponderável. Para tanto há necessidade do retorno imediato para a célula municipal de origem.
A proporção humana e as suas mudanças históricas são mais facilmente perceptíveis nos limites municipais. Esta proporção municipal pode ser usada melhor do que a estadual o federal, para correção de eventuais desvios de conduta[13]. Estando a célula municipal ativa e vigilante o conjunto nacional não corre o risco de ser dominado por uma única personalidade, como ocorreu nos regimes nazistas, fascistas, estalinistas ou maoístas.
A dialética entre atomização diferenciada e a unidade, só é possível em povos fortes, sadios e educados para o projeto da unidade nacional. A unidade nacional é essencial. A sua efetiva implantação é um projeto que paira acima de qualquer vontade política individual ou regional. Esta construção não pode ser realizada por meio de mitos, de alodoxia ou de “fake-lores” inventados e repetidos até a exaustão. Uma narrativa histórica necessita do que o diplomata e historiador Cabral de Mello diferenciava ao escrever (1995: 14) que “os amadores discutem estratégia, mas os profissionais preferem falar de logística, bem se poderia dizer que os historiadores preferem falar de documentos, deixando a outros o cuidado de descobrir o sentido da história”
Esta é razão pela qual se insiste que toda instituição digna deste nome tão bem como cada célula municipal possua um arquivo documental, não só de sua origem, como dos fatos correntes da atualidade. Nestes documentos é possível compreender os limites e as competências de uma célula municipal viva. Neste espaço logístico, que preserva a memória desta célula municipal, irá emergir em especial a teleologia desta comunidade e que escapa aos indivíduos isolados. Conforme Ferrater Mora, (1994: 3457) o termo ‘teleologia’ foi empregado por Wolff para designar a parte da filosofia natural que explica os fins (teloz = fim) das coisas para diferenciá-la da parte da filosofia natural que se ocupa das causas e das coisas. Só o nome é novo. A ideia mesma de uma explicação por meio dos fins é antiga. Entre os filósofos gregos podem encontrar-se em Anaxágoras, Platão e Aristóteles. Com a proteção deste lastro logístico as lições sobre a célula viva de Maturana (1996 : 41)[14] são oportunas “a membrana da célula viva constitui ao mesmo tempo o seu limite e a abertura controlada das suas competência ao mundo externo”. O biólogo chileno evidenciou e reforçou algo antigo e evidente e fazem sentido nas guerras culturais entre outras células concorrentes e que buscam a hegemonia. A permeabilidade ao meio ambiente externo com o auxílio da membrana da célula, permite-lhe construir organismos complexos e funções diferenciadas.
O Brasil possui uma forma e um ponto de convergência que foi construído arduamente durante 500 anos. As suas células sociais vivas formadas pelas tribos indígenas e africanas, dos clãs orientais e dos gananciosos europeus.
- Qual a razão que o Brasil teria para jogar ao mar da inutilidade e do esquecimento este rico e diversificado patrimônio?.
Estas reflexões tornam-se desnecessárias se o cultivo EGO fosse realizado numa proporção adequada à realidade. Esta probabilidade foi vista por Arendt quando distinguiu (1983: 261) onipotência de potência, pois:
“se a potência fosse acima de tudo aquilo que é possível na coesão, se pudéssemos a possuir como a força, aplicá-la como a energia no lugar de depender de acordos incertos e tão somente temporários entre um grande número de vontades e de intenções, a onipotência seria uma possibilidade humana concreta”.
Esta desproporção à realidade brasileira tem por efeito desmanchar no ar os sempiternos pais do futuro e das riquezas inesgotáveis. O Brasil continua vítima dos EGOS onipotentes, oniscientes, onipresentes eternos o aprisionam, e nas suas concepções estreitas e distorcidas. Reduzem toda a grandeza do território e a cultura nacional para a proporção dos seus pequenos e inflados EGOS. O seu interesse mesquinho e imaturo pretende dominar uma nação inteira para cultivar os seus pequenos interesses pessoais.
4.04 - A PARTICIPAÇÃO, a COOPERAÇÃO e a INTERAÇÃO.
O processo de equilíbrio dos pequenos e inflados EGOS é longo e penoso, numa proporção adequada e coerente com a realidade. A ontogenia humana passa por diversos estágios. Cada pessoa e cada geração necessita percorrer os estágios descritos por Jean Piaget (1896-1980). Ele caracterizou uma série de estágios da ontogenia humana onde se verifica maior ou a menor velocidade, maior ou menor sucesso neste processo de busca deste equilíbrio do EGO. A ontogenia humana condiciona e se refletem na escolha de instrumentos avançados da cultura humana. O “ENTE no SER” na expressão síntese de Marin Heidegger (1889-1976). Por isto nesta cultura humana há necessidade de um mínimo de coerência, na construção da sociedade, na qual vive a espécie humana.
O cientista suíço Jean Piaget realizou uma revolução silenciosa. As suas observações podem ser colocadas numa via de dupla mão. Numa tira dos ombros da frágil criatura humana a sua onipotência em face dos processos vitais nos quais ele esta mergulhado desde a sua origem até o seu final. Revolução que de uma forma geral é para Kuhn (1997: 122) constituída por aqueles “episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo incompatível com o anterior”. O mesmo Kuhn continua “quase sempre, os homens que fazem as invenções fundamentais são muito jovens ou estão a pouco tempo na área de estudos cujo paradigma modificam”. A revolução silenciosa da qual Jean Piaget derrubou e venceu os mitos pedagógicos do bom selvagem ou do tipo ideal por natureza e do outro o mito de sua subordinação à ideologias, à crenças e predestinações alheias às competências e aos limites da criatura humana .
Neste mesmo caminho das descobertas de Piaget, recrudescem as responsabilidades morais, científicas e estéticas, desta mesma criatura humana. Responsabilidade consciente tanto nas suas interações com esta mesma vida. Interações tanto na sua origem, no seu desenvolvimento, na sua reprodução e também nos processos de sua entropia natural. Ele escreveu (1983: 38) em relação auto regulação:
“a fecundidade particular das interpretações fundadas na auto regulação é que se trata de um funcionamento constitutivo de estruturas e não de estruturas já feitas no seio das quais bastariam procurar aquelas que conteriam de antemão no estado pré-formado tal ou qual categoria de conhecimento”.
Piaget estabeleceu etapas gerais na gradativa transcendência (amadurecimento) da inteligência humana, observando diretamente o comportamento humano. Nos axiomas derivados desta sua observação objetiva da auto regulação o cientista estabeleceu cinco estágios definidos no âmbito deste evoluir contínuo e o desenvolvimento da inteligência humana auto regulada.
Na primeira etapa a criatura humana ordena o seu fazer no modelo animal, mostra a inteligência sensória-motora ou prática. A superioridade humana sobre o animal é a quantidade de neurônios disponíveis. A criatura humana, possui o potencial de 14 bilhões de neurônios (filogênese).
A inteligência humana eleva-se, na segunda etapa, do seu condicionamento animal, para atingir o mundo simbólico ou da fantasia do “faz-de-conta” e os símbolos substituem a realidade.
Na terceira etapa, a inteligência é intuitiva. Nesta etapa parece que passa para o lado oposto, pois os fatos são aceitos pela convicção afirmativa, numa visão unidirecional, sem exigência de prova empírica ou formal.
Na quarta etapa a inteligência torna-se operatória concreta. Os objetos percebidos, são capazes de serem classificados, organizados em conjuntos matemáticos lógicos. Conjuntos, séries, ordens, classes...atingindo assim a reversibilidade, desta lógica, para os objetos de sua origem.
Na quinta, a mais elevada das posições, está a inteligência operatória abstrata. As operações reais são substituídas pelo uso formal da linguagem. A criatura humana passa a operar através da “álgebra das operações” analisadas por Chomsky[15].
Apresenta-se, a seguir, um quadro, com base nas observações de Piaget, no qual analisam-se algumas destas relações da inteligência-socialização. É evidente que não se espera aplicar este quadro ao presente universo de estudo, mas ele não poderá ser omitido ou esquecido.
[2] - SOUZA Pedro Luiz Pereira de. ESDI: biografia de uma idéia. Rio de Janeiro : EdUERJ, 1996. 336p.
[3] - BENSE, Max. Pequena estética. São Paulo: Perspectiva,1971, 225p+(2.ed. 1975).
[4] - MONTEIRO, Maria Isabel Oswald. Carlos Oswald (1882-1971): pintor da luz e dos Reflexos. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2000. 229 p.
[5] - MARITAIN, Jacques (1882 – 1973). A Filosofia Moral. Rio de Janeiro : Agir, 1964. 509p
[6] SCHAEFFER, Jean-Marie . L’Art de l’Age Moderne. Paris : Gallimard 1992. 444p.
[7] - A norma científica serve para antídoto para desencorajar, e evitar acalorados inúteis discursos vazios. Para tanto é bem sempre ter a mão as normas para um texto como em https://en. wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Stub
VIDAL, Juan Carlos. « Le Goff: o desafio da mestiçagem» São Paulo:, Folha de São Paulo. ano 77 .nº 25.015, 28.09. 1999, cad. 5, p.8.
[9] - Texto iniciado em 15. de abril de 1994.
[10] - ECO, Umberto . Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1976, 284 p.
[12] - READ, Sir Herbert (1893–1968). A Redenção do Robô. Meu Encontro com a Educação através da Arte. São Paulo: Summus, 1986. 158 p.
[13] CORREIO do POVO «Detentos voltados a ações ambientais» Porto Alegre: Correio do Povo ano 117 nº 241 – 2ª feira 28 de maio de 2012 - Polícia p.2.
[14] CÈLULA VIVA MUNICIPAL: é possível transportar da biologia para a célula municipal a representação que “ a vida encontrou na organização da sua competência e os limites da membrana constituindo uma unidade. Essa unidade é capaz de se reproduzir e ao mesmo tempo constituir na arde de outras células um organismo coerente e que por sua vez forma outra unidade” (Maturana, 1996a : 41). O político possui sua unidade competência e os seus limites municipais, mas ao mesmo tempo possui a potencialidade de constituir um organismo institucional na qual soma e aumenta e sua autonomia”.
MATURANA R., Humberto (1928-) e VARELA. Francisco (1946-). El árbol del conocimiento: las bases biológicas del
conocimiento humano. Madrid : Unigraf. 1996a, 219p.
----- La realidad: ¿objetiva o construida?. Barcelona : Antropos, 1996b. 159 p.
[15] CHOMSKY Noam Os caminhos do poder: reflexões sobre a natureza humana e a ordem social. Porto Alegre : ARTMED 1998, 255 p
GLOSSÁRIO do PODER ORIGINÁRIO.
21/04/2013 07:20
A
Ação: os grupos humanos elaboraram, em todos os tempos, formas de comportamento que queriam uniformes nas suas ações coletivas. O PODER ORIGINÀRIO se expressa e age na objetividade dos sistemas e das instituições nas quais a ação encontra os seus dados com os demais agentes e constitui um elo e um repertório comum para expressar o sentimento de pertencimento a um determinado coletivo. A filósofa Hannah Arendt escreveu (1983 p.41) que “a ação é a única atividade que coloca em relação direta os seres humanos, sem intermediação dos objetos, da matéria, correspondendo à condição humana da pluralidade, pois são os seres humanos, e não o ser humano, que vivem na Terra e habitam o mundo”. Ladrière amplia (1977. pp.206 /7) este pensamento pois “a ação é ato de colocar numa obra efetiva o dinamismo essencial que caracteriza a vontade e a criatividade que a habita. Ela é o ponto de interseção de um fluxo de energia, de condições de efetividade e de uma destinação. O fluxo energético que a conduz, é precisamente a vontade, enquanto tensão auto constituinte: a vontade é um modo de ser caracterizado por uma relação a si mesmo feita ao mesmo tempo de uma distância originária e de uma exigência absoluta de coincidência. A distância que afeta constitutivamente a vontade e instaura nela mesma a tensão que a faz uma fonte viva de energia, separa, de uma certa forma, a vontade dela mesma; ela marca em si mesma uma diferença, entre o que ela é na sua efetividade e o que ela é como exigência, entre o que ela faz de si mesma - pela ação precisamente - e o que se apresenta nela mesma como sua própria realização, quer dizer como expansão máxima de seu ser e pelo faz também a assunção integral da tensão que ela é... Em toda a ação, mesmo a mais modesta, enquanto que ela verdadeiramente coloca em movimento a energia voluntária, há uma caminho que, em e pelas determinações concretas e limitadas que ela coloca, frente ao cumprimento integral da vontade, e cujo sentido é contribuir, por sua parte, para a chegada da realidade integral”. Ainda Ladrière resume e reitera (1977:206,304 e 308) “A ação coloca em obra a vontade. A ação coloca em contato a pluralidade dos seres humanos”. Contudo a ação possui um pressuposto que Schaeffer, assinala (1992, p.28) pois “a ação seria inútil se todos o homens fossem iguais, assim não haveria espaço para a arte”
Ação e Autonomia: a ação de acordar a Nação da escravidão assusta a qualquer um. Assusta tanto pela extensão como pelas consequências desta ação. Esta tarefa poderia redundar em mais uma demonstração de aprendiz de feiticeiro que ao não dominar a própria mágica. A improvisação pode chegar ao efeito final contrário ao projeto malogrado Esta tentativa frustrada poderia invocar todas as sanções morais, jurídicas e materiais sobre este aprendiz. Enquanto isto o Poder Originário é jogado na mais profunda heteronímia, e vez de mantê-lo acordado, vigilante e com voz ativa na sua neutralidade diante de eventuais desmandos provenientes dos tiranos sempre de plantão. Quanto a esta ação Ladrière escreve (1977: 207/8) que “se a ação, como iniciativa concreta, situada, e forçosamente também limitada, é necessária, é porque a vontade não pode se realizar sem se dar um conteúdo. Este conteúdo não pode vir-a-ser senão nas condições que ela encontra no mundo, na realidade objetiva das situações, na qual existem também determinações vindas da natureza que essas determinações de segunda ordem, que o homem se dá à si mesmo, nas suas instituições e nas suas culturas. É na objetividade dos sistemas que a ação encontra os dados substanciais sobre os quais ela deve se apoiar para dar a si mesma, essa materialidade sem a qual ela seria um desejo ilusório. Mas, ao fazer dos conteúdos sistemáticos sua própria substância, a ação se eleva à sua lógica interna, que vai em direção a sua autonomização, para os inserir na sua própria lógica, que é tornar-se senhora da vontade. Por aí, os retoma sobre a lei de sua autonomia e lhes confere uma finalidade que é aquela de sua própria destinação”.
Ação e linguagem: para Arendt (1983: 235) “sem a presença da linguagem, a ação não só perderia seu caráter revelador, ela perderia, por assim dizer, também o seu sujeito, pois não haveria mais seres humanos, mas robôs executando atos que, falando humanamente, ficariam incompreensíveis”
Acaso: Catão (Agatão apud Arendt 1983: 404) dizia que: ‘a arte ama o acaso, e o acaso ama a arte’.” Aristóteles afirmava (1973: 344 1140a 17) “diferindo o produzir e o agir, a arte deve ser uma questão de produzir e não de agir; e em certo sentido, o acaso e a arte versam sobre as mesmas coisas”. poder arcaico e tribal rebrota, ao acaso, em cujo modelo todos mandam e ninguém obedece. Para Kuhn, (1997: 35) “na ausência de um paradigma ou de algum candidato a paradigma, todos os fatos que possivelmente são pertinentes ao desenvolvimento de determinada ciência têm a probabilidade de parecerem igualmente relevantes. Como consequência disso, as primeiras coletas de fatos se aproxima muito mais de uma atividade ao acaso do que daquelas que o desenvolvimento subsequente da ciência torna familiar”..
Agente: o agente do PODER ORIGINÁRIO pode comparado ao artista que segundo Argan (1992: 40) “ele deve salvar-se com a sua ação”. Ou “como seu líder institucional” nas palavras De Mais (1997: 20). A forma preferida de atropelamento e desqualificação deste administrador e do servidor público é a “plantação” de meias verdades e com o bombardeio de noticias alarmante. O administrador é desqualificado como pessoa e como agente do bem publico.
Agir: Giulio Argan afirma (1992: 39) que “técnica da arte é ambígua na medida em que produz fenômenos sendo práxis e ritualidade quando produz fenômenos reveladores”. O mesmo historiador e prefeito da cidade de Roma, nas palavras de se os projetos reconhecem no agir no qual existe uma somatória dos esforços da práxis com a ritualidade. Para Aristóteles (1973: 344) “a arte está em quem produz e não no que produz”. O inovador PODER ORIGINÀRIO não podendo agir, governa e conceitualiza a produção na concepção de Arendt (1983: 286 e 404)
Agir distinto de fazer: se o governante é um tecnocrata ele quer trabalhar apenas para causar efeito com o seu “planejamento” e pautando o seu projeto com o FAZER em vez do AGIR coerente com o Poder Originário. Para evitar resvalar para o abismo do “governo é culpado de tudo” é preciso distinguir o executar (fazer) do agir . Hannah Arendt distinguiu (1983 p.286) “Executar (archein) e agir (prattein) podem tornar-se duas atividades absolutamente diferentes, e o inovador é um chefe (arhon no duplo sentido do termo) que «que não tendo como agir (prattein) governa aqueles que são capazes de executar”, “Nunqum se plus agere quam nihil cum ageret, nunquam minus solum esse quam cum solus esset... «Nunca fui tão ativo quando não fazia nada nunca fui menos só quando estava só»” Catão apud Arendt 1983 p. 404.
Alodoxia cultural: termo que Bourdieu usa para caracterizar a falsa legitimação dos bens simbólicos. Trata-se de erros de identificação bem montados para dar aos que deles são vítimas, tenham a ilusão de ortodoxia cultural. Para Bourdieu,(1987: 145) “a alodoxia cultural enfatiza a acessibilidade econômica e cultural dos produtos propostos, valendo-se de sua elevada legitimidade” O campo cultural é vitima constante desta alodoxia inclusive na universidade como Coli denunciou[1] a forma como a arte é tratada, mal entendida e o seu sentido corrompido em São Paulo. Na mesma linha Dacanal[2] denuncia esta mesma alodoxia universitária no Rio Grande do Sul.
Altruísmo: o filosofo francês Jean Jaques Rousseau defendeu o contrário nas suas obras e que a criatura possui uma tendência e sentimento natural de altruísmo nas civilizações. O chileno Maturana também percebe muitos pontos de altruísmo entre as espécies vivas reforçando o filósofo francês com o seu bom selvagem. Assim, apesar do mito em contrário, as espécies vivas praticam normalmente ações que vem em benefício coletivo. Maturana escreveu (1996: 170/1 e 209) que “os etólogos denominaram «altruísmo» ações que podem ser descritas com efeitos de benefício coletivo, escolhendo um nome que evoca uma forma condutual humana carregada de conotações éticas. Isto é assim, talvez, porque durante muito tempo receberam do século passado uma visão da natureza «vermelha nos dentes e nas garras» como disse um contemporâneo de Darwin. Muitas vezes se escuta que justamente o que Darwin propunha tem a ver com a lei da selva e que cada qual cuida por seus próprios interesses, egoisticamente, à custa dos demais, numa implacável competição. Essa visão do animal como egoísta é duplamente falsa. Primeiro é falsa porque a história natural nos diz que, para onde queiramos olhar que não é assim, que as instâncias de condutas que podem ser descritas como altruístas são quase universais. É falsa, em segundo lugar, porque os mecanismos que se podem postular para entender a derivação animal não requerem absolutamente essa visão individualista em que o benefício de um indivíduo requer o dano do outro, ao contrário, seria inconsistente com eles”.
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Amor: os agentes sociais tornam-se históricos apenas na medida em que conseguem propor um projeto para romper com a endogenia. Projeto que propicie ocasião para dar-se conta do papel do amor numa civilização. “Como humanos só temos o mundo que criamos com os outros. O ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo implica sempre numa experiência nebulosa, podemos chegar seja porque raciocinamos em direção a ele, ou então, e mais diretamente, porque devido a alguma circunstância nos leva a olhar o outro como um igual, num ato que habitualmente chamamos amor. Contudo, ainda mais, isto mesmo permite dar-se conta que o amor, ou se não queremos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a sí na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social: sem amor, sem aceitação do outro junto a sí não há socialização, e sem socialização não há humanidade. Qualquer coisa que destrua o limite da aceitação do outro junto a si, desde a ‘competência’ até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica. destrói ou limita que se dê o fenômeno social e, portanto, o humano, porque destrói o processo biológico que o gera. Não nos enganemos, aqui não estamos moralizando, esta não é um sermão de amor, só estamos destacando o fato de que biologicamente, sem amor, sem a aceitação do outro, não há fenômeno social, e que ainda se convive, vive-se hipocritamente a indiferença ou a ativa negação.’ Maturana e Varela, (1996: 209)
Análise: no caminho do pensamento da construção artificial do Estado Nacional, segue-se o caminho de Schiller quando afirmou (1963: 12) que “sabemos só aquilo que analisamos”.
Anomia coletiva: a anomia coletiva decorre da crescente fragmentação do mundo do trabalho à semelhança do que ocorre no mundo cultural pela multiplicação incontrolável de EGOS, que se dizem coletivos e universais, cujos caprichos necessitam serem satisfeitos muito antes do bem coletivo. Fragmentação acelerada pelo numero imponderável de caciques e de coronéis de sindicatos que se multiplicam sem a mínima logica de e respeito pelo Poder Originário de suas bases. Num determinado campo as condições para constituir uma vida autônoma foram satisfeitas. “A temporalidade de um campo cultural é tanto maior quanto maiores os efetivos de artistas e mais enraizada especialização temática e técnica decorrentes da divisão do trabalho, que assim cria sub-universos de referência e ajuda a desvanecer a ideia de movimento do conjunto. É preciso acrescentar aos fatores derivados do estado de ‘anomia estética’ do campo artístico dos países de capitalismo desenvolvido a circunstância de que o surto do mercado de arte no Brasil não foi contrabalançado por uma intervenção estatal mais decidida de subsídio à produção corrente ou montagem de acervos de museus” ANOMIA no PODER ORIGINÀRIO a multiplicidade de ações e progressiva divisão de trabalho desvanece a ideia de um movimento coletivo e unitário no campos das artes. Durand, (1989: 42 e 278).
Anormia: estado de impossibilidade de intuir ou seguir uma determinada norma. No estado de anormia a vida vai sendo regida pelo caos. Graças a entropia potencial qualquer construção artificial de uma civilização pode retornar para a anormia coletiva em qualquer tempo e lugar. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) percebeu esta tendência a anormia coletiva, pois, “a criatura humana só obedece por dois motivos: 1°- quando teme que alguém pode tirar algo - ou então - 2° - quando alguém pode dar algo que esta criatura aspira”. Para se contrapor a esta anormia coletiva ele imaginou o “Leviathan” (1651),
Anomia distinto de Anormia: as matrizes derivadas das concepções positivistas, comunistas, capitalistas, socialistas, anarquistas, nazistas, fascistas e existencialistas tentaram evidenciar para um hipotético Poder Originário. E, em seu nome, estas matizes tentam administrar um contrato oculto ou inexistente. As projeções derivadas destas matrizes geraram uma anomia social política e econômica. A superabundância de vetores, de lideranças e de grupo do mesmo campo consegue a anomia que neutraliza qualquer projeto, pois no âmbito da anomia não existem projetos factíveis e que possam descer ao mundo prático Os formuladores originais foram mitificados pelos seus mediadores ou atravessadores do poder. Ato contínuo e após a sua superexposição e uso intensivo pelo marketing e propaganda, passaram à condição de “culpados de tudo” inclusive de fracassos, da obsolescência precoce e a entropia das guerras e das revoluções. As projeções o escapismo criaram as condições da anormia generalizada na qual “ninguém é culpado de nada”. As imensas telas dos templos do cinema materializaram e capitalizaram a cultura da primeira era industrial. Aproveitaram-se do deserto de projetos autênticos inexiste, devido à anormia geral, as ações descoordenadas geraram a anomia de mais uma Torre de Babel pós-industrial. As condições, tanto anomia como a anormia resultaram dos trabalhos do Homo Faber, sem vocação para alguma permanência no tempo e no espaço..
Aparência: o voluntariado só pode ser levado adiante entre iguais e pessoas em perfeita autonomia para celebrar contratos antes, durante e após ação coletiva para a doação de suas energias e de seu tempo. O voluntariado pode ser comparado com a aparência e as condições necessárias para a existência de uma obra de arte na qual “a aparência é estética somente quando sincera (abdicando de qualquer pretensão à realidade) e quando autônomo (despojando-se do apoio da realidade)” segundo a concepção (1963 p. 124) de .Schiller,
Área: na concepção de Atcon (1974: 5) a área reúne vários campos afins do PODER ORIGINÁRIO e reunidos numa só atividade A coerência econômica deverá estar resolvida na medida em que tiver uma decisiva origem na área da sociedade civil organizada. Esta solução será possível na proporção direta em que a célula municipal se mantém efetivamente como originária dos três poderes.
Arquivo: os meios de informações fidedignas constituem um primeiro estágio prático de um projeto civilizatório compensatório ideal. Os atuais instrumentos, da era digital numérica, são perfeitamente plausíveis e factíveis para instituir, manter e reproduzir redes de BANCOS de DADOS ESTADUAIS, REGIONAIS e MUNICIPAIS. Bancos que podem receber mecanismos de sua própria sustentabilidade com arquivos confiáveis do Poder Originário. Percebendo o potencial do arquivo Chartier, escreveu (1998: 10 – 18) ”Diante do refluxo dos grandes modelos explicativos, uma primeira e forte tentação foi o do retorno aos arquivos, ao documento bruto que registra palavras singulares, sempre mais ricas e mais complexas do que o historiador pode dizer. Os historiadores perderam muito de sua ingenuidade e de suas ilusões. Eles sabem, contudo, que o respeito às regras e às operações próprias de sua disciplina é uma necessidade, mas não suficiente para estabelecer a história comum saber específico. É talvez seguindo caminho que leva do arquivo ao texto para a escritura ao conhecimento, que eles poderão vencer o desafio que lhes é lançado hoje”. Conhece-se uma instituição, uma universidade ou uma nação pelo conteúdo e pelo estado dos seus arquivos. Neste sentido a maioria dos trabalhos universitários está condenada `destruição, obsolescência, ou no máximo, a espaços grises. É o que se deduz da crônica de Élio Gaspari[3].
Arte: no caminho da obra de Arte a concepção, criação e manutenção do Estado também é artificial e distinto da Natureza. Esta humanidade realizou, através dos tempos, os seus maiores feitos por meio do Estado. Pensadores, de grande expressão, estiveram mergulhados na árdua tarefa de examinar o acúmulo que o Estado Nacional traz para a cultura e para a civilização. A Arte é tratada como um “ente primitivo” no presente estudo, como também as concepções de poder, origem e Estado. Manifesta e torna perceptível e de uma forma legível a ação humana. A vida questionada e compreendida por uma obra. “Toda arte visa à geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa, que tanto pode ser como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido” na concepção (1973: 343 - 1140ª10) de Aristóteles. Na concepção de Durkheim, (1983: 111), “distingue-se assim da natureza torna perceptível a ação humana”. Como tal pode ser tratada com “coisa” na concepção do pai da Sociologia. Ou ainda a Arte “ocupa-se em inventar e cuja origem está em quem, produz e não no que é produzido”, ainda, (1973: 343) em Aristóteles. Após Marcel Duchamp a arte retomou o seu referencial no própria artista, sem abdicar da sua autonomia e sem desconsiderar a sua longa caminhada onde revisita pilares como o filósofo Kant evocado por De Duve[4]
Arte e Ciência: a humanidade só se encontra aquilo que procura. Esta busca necessita de um projeto especifico fundado na Ciência e na Arte. Para Durkheim (1983 p.111) não existe barreiras “entre a Ciência e a Arte já não há um abismo, em vez disso, passa-se de uma para outra sem solução de continuidade”. Sensível e humano pela Arte e lúcido pela Ciência e Razão o Poder Originário pode decidir sobre o sentido que revelam as luzes destes projetos. Para Schiller (, 1963, p.102) “somente a estética conduz (o espírito) ao ilimitado. Qualquer outro estado em que possamos ingressar remete a um anterior e exige, para solucionar-se, um ‘subsequente’; somente o estético um todo em si mesmo, já que reúne em si todas as condições de sua origem e persistência. Somente aqui nos sentimos como arrancados do tempo; nossa humanidade manifesta-se com pureza e integridade, como se não houvesse sofrido ainda dano algum pelas forças exteriores”.
Arte e Politica semelhanças com Religião: elas constituem competências absolutamente distintas, campos reciprocamente autônomos e recorrentes excomunhões recíprocas. Porém existem semelhanças entre os três campos distintos, como e o caso a prática das mediações que as três eles toleram e de necessitam de certa forma. As práticas dos mediadores tanto na Arte, como na Politica e na Religião suscitam dúvidas, promovem continuas desconfianças, recriminações e evidentes corrupções. A doutrina do positivismo foi um caso exemplar da busca da mediação nos três campos. Os mediadores do pensamento do cidadão francês Isodore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1852) estiveram cercados de um mar de dúvidas, continuadas desconfianças, recriminações e que acabaram por alijá-los da Vida corrente. Um cortejo funesto de mediadores transformou o pensamento coerente de Karl Marx em comunismo e que se expressa nas mais contraditórias ideologias que obscurecem e corrompem os textos originais. O mesmo aconteceu com os textos do Corão, da Bíblia ou escritos religiosos de todos os tempos. Eles também oportunizaram o surgimento de outros tantos cortejos funestos de mediadores, de conflitos e de guerras de ortodoxia entre os ditos seguidores. Não se trata de fazer a distinção weberiana entre profetas e sacerdotes, mas do singelo fato de remeter aos textos originais a serem lidos pelos atuais observadores para que estes tirem as SUAS conclusões coerentes com o seu próprio tempo e lugar. Os três campos, pela sua elevada transcendência, permitem inúmeras leituras e emergências de profetas, políticos e artistas que modificam absolutamente os comportamentos e os conceitos face tanta a práticas religiosas, políticas como das instituições artísticas. As três formam agentes que reproduzem as revelações dos profetas, os programas dos partidos e as instituições dos artistas. As três, se levadas aos extremos, tornam-se ciumentas e exigem exclusividade de quem se dedica a uma delas, provocando acerbas excomunhões recíprocas. Especialmente as artes mais contemporâneas encontraram a sua aura e este vinculo interativo com a religião como escreveu Mersh[5] no início do século XXI.
Artes Visuais: o Estado como algo artificial a vista de todos, participa da mesma virtude da obra das artes visuais e que “não pode mentir” na concepção de Berenson. “É a própria natureza que eleva o homem da realidade à aparência, já que dotou de dois sentidos que somente pela aparência podem conduzi-lo ao conhecimento do real. Na visão e na audição o contato material fica afastado dos sentidos. O que vemos pelos olhos é diverso do que sentimos; pois entendimento salta por sobre a luz em direção dos objetos. O objeto do tato é uma força que experimentamos; o dos olhos e dos ouvidos é uma forma que criamos” Schiller (1963: 122/3). As artes visuais e o campo de forças que se desenvolvem ao redor dos seus signos estéticos fornecem preciosos índices para perceber como o Poder Originário circula neste âmbito. Assim as instituições da França tiveram em Gerar Monnier[6] e os agentes em Yves Michaud[7] atentos observadores de uma cultura que tomou foros internacionais como paradigma da arte de muitas outras nações. Porém são muito antigos os registros, como o de Aristóteles, que destacam que “os seres humanos sentem prazer em olhar para as imagens que reproduzem objetos. A contemplação delas os instrui, e os induz a discorrer sobre cada uma, ou a discernir nas imagens as pessoas deste ou daquele sujeito conhecido”[8]
Artista e político: em todos os tempos e lugares “a corrupção dos ótimos é péssima”. Esta sentença latina vale tanto para artistas, políticos como para todos os agentes que lidam com os mais elevados valores de uma civilização. Para Argan (1992, p.10) “o artista se situará no espaço que medeia entre o contingente e o universal, entre o presente e a profundidade sem fundo do tempo e do espaço; falará dos interesses essenciais do mundo ainda que esse não o escute e persiga, como sempre fez com os profetas” Na Inglaterra com a vinda da era industrial, a relação entre artistas o público modifica-se, o público é tratado de uma forma diferente em relação a era do artesanato, a produção artística torna-se uma entre as especializadas, a teoria da realidade superior da arte e o artista independente é um «gênio superior». De todas as categorias sócio-profissionais, a do artista é sem dúvida o mais definido na medida em que os critérios que podem servir são a herança multissecular. Antoine Prost observa que a organização de escolas para a formação de artesões e operários correspondeu a uma fase em que, com a destruição do artesanato pela indústria capitalista, e com a correlata desorganização das categorias de artesões através da aprendizagem nos ateliers dos mestres credenciados, abriu-se a necessidade de nova solução institucional. Foi somente no início do nosso século que os grandes artistas, com uma surpreendente unanimidade, começaram a protestar contra o nome «gênio» para insistir no ofício, da competência e nas relações entre arte e artesanato. O artista, mesmo quando empresta sua obra à autoridade constituída, exerce uma função de guia no interior da sua esfera social, a do trabalho. Nietzsche afirmava (2000, p.134) que “a arte não pode ter sua missão na cultura e formação, mas seu fim deve ser alguém mais elevado que sobre passe a humanidade. Com isso deve satisfazer-se o artista. É o único inútil, no sentido mais temerário”. O autêntico político reconhece esta mesma realidade sobre-humana e nem sonha em transformar o seu cargo público em algo do qual irá usufruir algum bem particular ou para os seus. O seu horizonte mesmo estético é conferir identidade e visibilidade inclusive ao espaço físico de sua comunidade como Bakos[9] percebeu e registro na ação dos ‘intendentes” de Porto Alegre
Atravessadores: no Brasil 80% dos pobres não possuem meios para chegar até o Estado. Evidente que uma sociedade complexa necessita a divisão dos trabalhos que a sustentam. As conexões entre as categoriais profissionais serão realizadas pelos mediadores estas divisões e parcelas profissionais que constituíram campos autônomos e herméticos para aqueles não iniciados. Os advogados de todos os tempos e lugares são trabalhadores que constroem as pontes que mediam o trânsito entre estas altas montanhas, mas próximas entre si. Porém quando estas funções de conexões são corrompidas surgem, os negociantes e atravessadores que cobram altos pedágios pessoais, se prevalecem e mitificam este ofício constituindo castas separadas.. Os atravessadores corrompem as instituições que deveriam, por natureza, possuir o papel de garantir uma escala, explicitar o seu projeto colocado entre o gigantismo do Estado e a figura do seu cidadão.
Autonomia: constitui um dos entes primitivos centrais do presente trabalho. Para elcidar este termo o jurista Clemente Mariani elucidou que “no conceito de autonomia há dois elementos essenciais: um é o das raias que limitam a ação; o outro, é o poder de agir livremente dentro dessas raias. Sem raias limitadoras, estaríamos em face, não da autonomia, mas da soberania ou do arbítrio. Assim entendido, seria ilógico falar-se em autonomia ‘absoluta’: o conceito é sempre relativo e a amplitude do círculo de liberdade pode sofrer infinitas variações” (in Nóbrega, 1952, p. 329) Para Kant (Crítica da Razão Prática. Livro I Teorema IV) “a autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres correspondentes as mesmas. Por outro lado, toda a heteronímia do livre arbítrio, não só deixa de fundamentar qualquer obrigação, como resulta contrário ao princípio desse arbitrário e moralidade da vontade” O teórico Schaeffer aponta (1992 p. 28).“a esfera estética é a subjetividade concreta e autônoma: na criação artística e nos julgamentos do gosto o indivíduo age livremente, sem se submeter a nenhuma heteronomia, seja ela teológica, conceitual ou ética.” Já os biólogas chilenos, Maturana e Varela, esclarecem ( 1996., p.41) “a pergunta pela autonomia do vivo é tão velha como a pergunta pelo vivo. São só os biólogos contemporâneos os que se sentem incomodados face a pergunta: - como pode compreender-se a autonomia do vivo? Desde nosso ponto de vista, ao contrário, esta pergunta transforma-se no fio conduto que nos permite ver que para compreender a autonomia do ser vivo devemos compreender a organização que o define como unidade. E isso é assim porque é o dar-se conta dos seres vivos como unidade autônomas o que permite mostrar como sua autonomia usualmente vista como algo misterioso e fugidio se faz explícita ao destacar que o que define como unidades é a sua organização autopoética, e que ela que simultaneamente se realizam e especificam a si mesmos.” Os mesmos partem do pensamento de Torres Nafarrate (in Maturana, 1996 pp XIII / XIV) quanto abrem parra a compreensão do termo “autopoiética” para eles na autonomia: “a célula expõe de forma manifesta a superação da correspondência ponto por ponto com respeito ao meio ambiente. A célula já não é só um componente constituído só de átomos ou moléculas, senão uma forma específica (autopoiética) de combinação dos ditos componentes. Essa forma-específica-de-combinação exige uma perspectiva de autonomia no sentido de que a célula requer da criação de distância em relação ao meio circundante. A autonomia do orgânico, em último termo, significa que só a partir da célula pode-se determinar o que é relevante e, sobretudo ,o que é indiferente: «Assim, diante dessa derivação natural celular, as membranas operam transportando íons de sódio e cálcio, e não outros”. Os mesmos perceberam e Varela descreveu (1995 p. 210 que “A chave da autonomia é que um sistema vivo encontra, em cada instante, o próprio caminho para o seguinte, graças à adequação dos seus recursos” No entanto Maturana e Varela não deixam de apontar (1996: 41) que esta autopoesis, supõe “na biologia o exemplo da célula viva que necessita da membrana para proteger a competência da vida. Só partir da célula viva é possível determinar o que é relevante”.
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Autonomia administrativa distinta de soberania: o Decreto da Proclamação Republica reconheceu como “soberanos” os estados regionais brasileiros. O resultado foi que estes estados regionais declarados soberanos comprometeram a unidade nacional brasileira, A soberania dos estados regionais levou á uma forma de anomia coletiva onde todos mandavam e ninguém obedecia. A revolução de 1930 e depois a Estado Novo nomeou interventores, queimou as bandeiras regionais e os seus demais símbolos Em 2013 o Brasil é reconhecido juridicamente soberano e os estados regionais receberam autonomia no âmbito da Constituição de 1988. Esta autonomia compõe-se de uma competência e os seus limites segundo Clemente Mariani ( in Nóbrega, 1952: p.329). A distinção entre autonomia e soberania foi explicitada numa consulta ao MEC e respondida por Edmundo Lins Neto no parecer nº 116/1952. “Alega-se que a Universidade da Bahia é autônoma e que V. Exª no caso poderia intervir. A Universidade tem, não há dúvida, autonomia administrativa, didática, financeira disciplinar, mas não possui soberania, porque a sua autonomia lhe foi concedida ‘nos termos da legislação federal sobre o ensino superior’ ” - In Souza Neves 1951, v. I p. 207 “No conceito de autonomia, há dois elementos essenciais: um, são as raias que limitam a ação; outro, o poder de agir livremente dentro das raias. Sem raias limitadoras, estaríamos em face, não da autonomia, mas da soberania ou do arbítrio. Assim entendido, seria ilógico falar-se em autonomia ‘absoluta’: o conceito é sempre relativo e a amplitude do círculo de liberdade pode sofrer infinitas variações”. Sampaio Dória – Clemente Mariani-1948, in Nobrega, 1952 p.333.
Autonomia do gosto estético: o projeto de querer fugir do fixo, do silêncio, do imponderável e da conivência com as corrupções e reducionismos de que padece a prática da Democracia. Neste âmbito é possível admitir uma espécie de autonomia proveniente da estética na que Rosenfeld comentando (1963, pp. 16/7) a partir da leitura de Schiller. “O feito de Kant é ter definido, com grande precisão, a peculiaridade e autonomia do gosto estético dos objetos a que se refere, diferenciando-os, de um lado, radicalmente do conhecimento e do julgar lógicos e, de outro lado, do aprovar moral e dos princípios morais. Kant concebeu entre a função teórica do nosso intelecto – que se refere ao conhecimento das leis morais, isto é, daquilo que não é mas deve ser – uma terceira função, inteiramente autônoma, intermediária entre as outras. Esta terceira função, numa das suas especificações, constitui o gosto estético que, portanto não pode ser reduzida nem a conhecimento lógico-científico, nem à razão enquanto determinadora do imperativo moral (isto é das normas da nossa vontade)”.
Autonomia e gênio: os conquistadores Cortez e Pizarro eram indivíduos vindos de baixo para cima e agiam como tais. A estes dois, e todos os seus semelhantes, pode-se atribuir-lhes as condições de “autonomia de gênio” na concepção derivada da cultura do Renascimento que ainda acreditava que “a criatura humana era medida de todas as coisas”. Pächt afirmou (1994, p156) “quanto mais importante é um artista, mais ele é o executor de uma vontade artística característica da tradição da qual ele saiu e na qual ele se insere, como da época na qual vive”. Estes indivíduos “gênios” agiam pessoalmente invocando como pretexto para a sua ação, o nome de um rei, um projeto e uma tradição que acreditavam serem coletivos e justos. Este rei não sabia o que estava sendo praticado em seu nome e muito menos concedeu a anuência para todas as ações destes “gênios”.
Autonomia e Universidade: o processo industrial da linha de montagem unívoca, em ciclos implacáveis e que arrastam a sociedade e a fecha na cultura da sua própria lógica. Desta lógica não escapam as instituições de ensino superior, que no Brasil se autonomearam de universidades no vácuo de antiga Sorbonne rediviva na França depois de 1816. As competências e os limites da autonomia destas universidades provisórias estão presos às rodas administrativas, ideológicas, sucessivas administrações e de regimes, estão identificadas em Fávero, (1980, p. 270) que escreveu: “ A Universidade é uma instituição que se apresenta, em geral, como um instrumento do sistema global, podendo em alguns momentos, viver em estado de tensão entre a necessidade de autonomia e o controle do Estado. A autonomia universitária, evidentemente, varia em função do regime político e do estágio de desenvolvimento da sociedade na qual a universidade está inserida” Esta concepção foi reforçado por Oliveira quando escreveu (1997 p. 12) que “autonomia não quer dizer soberania, portanto a Universidade deve estar subordinada à ordem jurídica e institucional do Estado, garantindo dessa forma, uma relação com a sociedade pela qual a autonomia universitária seja expressão da autonomia da própria sociedade na esfera da cultura e do saber”.
Autonomia semelhança com ética: os “Pig-Brothers” fuçam e retalham pátrias, assaltam Estados e controlam os currais feudais de uma forma absoluta custe o que custar. Esta safra já havia sido preludiado pelo Marquês de Sade em relação ao qual Freire Costa escreveu (1997, c,5, p. 14) “Sade mais do que do que um personagem é uma abreviatura; um «made in» perverso colado à montagem de redução do outro a objeto...O gozo sadeano é o da humilhação; é o de tornar o outro impotente, submisso e sem vontade. Importante é que agindo como sujeitos agimos moralmente, isto é, não concedemos a ninguém ou a nada o direito de manipular nossas vidas como meios à serviço de fins. Agir moralmente é fazer da vida ética seu próprio fim e não subordiná-la a nenhum outro propósito”.
Autonomia semelhança com lei: os sistemas abertos e com energias soltas são potencializadas melhor pela lógica formal da informática numérica digital do que pelo taylorismo da era industrial. A ferramenta desta nova era - de sistemas abertos e com energias soltas - encontra excelentes meios para aperfeiçoar toda a criação humana, combater a entropia e a racionalizar o caos. Caos eternamente no horizonte da potencialidade devido à imprevisibilidade inerente à ação humana. Neste caos as leis são impotentes e inúteis vistas pelo lado interno na ótica de Montesquieu, apropriado por Arendt ao registar (1983 p. 250) que: “As limitações da lei não oferecem garantias absolutas contra uma ação vinda do interior da nação, da mesma forma que as fronteiras do território não são salvaguardas seguras contra uma ação vinda do exterior... Se as limitações e fronteiras que se encontram em todos os estados podem oferecer uma certa proteção contra a infinidade, inerente a ação, elas são absolutamente impotentes contra a segunda característica (da ação), que é de ser imprevisível”.
Autonomia semelhança com individuação: as instituições possuem o papel de garantir uma escala, explicitado no seu projeto, entre o gigantismo do Estado - que se quer unitário - e as figuras a dos seus cidadãos que se querem absolutamente distintos entre si mesmos. A autonomia destes cidadãos sem a sua diferenciação e a sua individuação serio caminho direto para o “tipo” desejado pelos Estados totalitários que trabalha para comandar um povo com uma única cabeça. Este absurdo foi denunciado por Hannah Arendt ao escrever (1983 pp. 42 /3) que:. “A ação seria um luxo supérfluo, uma invenção caprichosa nas leis gerais do comportamento, se os homens fossem repetições reproduzíveis ao infinito de um e mesmo e único modelo, se a sua natureza ou essência fossem sempre a mesma, tão previsível como a essência ou natureza de um objeto qualquer. A pluralidade é a condição da ação humana, porque todos semelhantes, sem que jamais uma pessoa seja idêntica a um outro homem que já viveu, vivendo ou ainda por nascer”
Autopoiesis: a busca da proximidade à Natureza não é um retorno aos meios entrópicos. A constante atualização da Inteligência permite a interação entre o meio natural as maiores conquistas artificiais da humanidade. Esta circulação constante, entre Natureza e Inteligência, coloca a realidade em permanente mutação, afetando tanto a mentalidade humana como os meios tecnológicos. O próprio trabalho em rede numérica digital magnifica e materializa no meio técnico que toda célula viva praticou a partir da primeira célula viva no planeta conforme Maturana e Varela afirmam (1996:39) que “os seres vivos reproduzem-se a partir das suas potencialidades, produzindo redes de reações que por sua vez determinam potencialidade e os seus limites”. Os mesmos Maturana e Varela ampliam (1996, p.39/40) o seu pensamento “A característica mais peculiar de um sistema autopoiético e que ele se ergue pelos seus próprios limites, constituindo-se como diferente do meio circunstante por meio de sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas sejam inseparáveis. O que caracteriza o ser vivo é uma organização auto poética e distintos seres vivos se distinguem por que tem estruturas distintas, contudo são iguais enquanto organização” Maturana apropriam-se do pensamento de Torres Nafarrate quando escreveu (1996, p. XIII) que “a noção de autopoiesis serve para descrever um fenômeno radicalmente circular: as moléculas orgânicas formam redes de reações que produzem as mesmas moléculas nas quais estão integradas. Tais redes e intercessões moleculares que se produzem a si mesmas e especificam seus próprios limites são os seres vivos. Os seres vivos então definidos como aqueles cuja característica é que se produzem a si mesmos, o que se indica, ao designar a organização que os define, como organização auto-poiética: « A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que se levanta por seus próprios cordões e se constitui de maneira diferente do meio circundante através de sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis”.
Auto regulação: o cientista suíço Jean Piaget realizou uma revolução silenciosa. As suas observações podem ser colocadas numa via de dupla mão. Numa tira dos ombros da frágil criatura humana a sua onipotência em face dos processos vitais nos quais ele esta mergulhado desde a sua origem até o seu final. Na via oposta recrudesce a responsabilidade moral, científica e estética, deste mesma criatura humana. Responsabilidade consciente tanto nas suas interações com esta mesma vida. Interações tanto na sua origem, no seu desenvolvimento, na sua reprodução e também nos processos de sua entropia natural. Ele escreveu (1983, p. 38) em relação auto regulação: “A fecundidade particular das interpretações fundadas na auto regulação é que se trata de um funcionamento constitutivo de estruturas e não de estruturas já feitas no seio das quais bastariam procurar aquelas que conteriam de antemão no estado pré-formado tal ou qual categoria de conhecimento”.
Autoridade do manual científico: por mais neutro aparente ser o campo da própria Ciência, ela não escapa deste controle espúrio, legitimação duvidosa e validação externa à ela mesma. Submetem todo manual científico à sua autoridade de atravessadores e tutelares da Ciência. O teórico Kuhn, escreveu (1997 p. 174) que: “Grande parte da imagem que cientistas e leigos têm da atividade científica criadora provém de uma fonte autoritária que disfarça sistematicamente - em parte devido a razões funcionais importantes - a existência e o significado das revoluções científicas. Somente após o reconhecimento e a análise dessa autoridade é que poderemos espera que os exemplos históricos passe a ser plenamente efetivos” Kuhn, 1997 p. 174.
Avaliação: assim não há intenção nem vontade de enfrentar nenhum paradigma, que paira por cima e por fora, e se pretenda metafísico, onisciente, onipotente, eterno e onipresente. Busca-se expressar a realidade humana, pois qualquer “avaliação não existe e não se sustenta no abstrato” conforme Alves, (1999: 7). Para Bruyne (1977: 32) “a avaliação possui sentido na medida é sempre feita em relação à vida”. Diante do presente texto, parte-se do fato dele se constituir num projeto e ser o pressuposto de uma avaliação de uma construção humana. Acredita-se que não é possível uma avaliação sem o projeto graças ao qual vida humana tomou forma e decorrem, pautam e se reproduzem as suas ações.
Axiomática: o texto relativo ao Poder Originário constitui um dos numerosos esforços axiomáticos que se lançaram na busca de conhecimento, de vontade para que o cidadão usufrua este direito sem naturalizações, prejuízos e corrupções. Para tanto, estudam-se plataformas para a sua ação pública no exercício do seu poder no âmbito desta sociedade. O autor leva em conta, para este estudo, a circulação de informações e os inúmeros paradigmas de poder que estas informações trouxeram ao palco da Política pública. A axiomática constitui o “conjunto de axiomas de que se deduz uma teoria ou um sistema lógico ou matemático. Na arte erudita e pura a axiomática leva para a explicação por meio de tendências anteriores. Bourdieu: 1987: 113 Os entes primitivos que se admitem, sem uma existência física possível, como o ponto, a linha e o plano na Geometria, na axiomática são pressupostos que sustentam proposições ao exemplo dos termos Poder, Democracia, Arte ou Política e são aceitos como axiomas. Estes funcionam como normas e leis para gerar, sustentar e reproduzirem no meio de exercícios mentais de deduções e teoremas de um determinado campo do conhecimento. A axiomática confere as competências e os limites de uma determinada ciência. Bourdieu, (1987 p.113). “A integração axiomática constitui certamente a característica mais específica de todas as formas modernas de produção erudita. Neste sentido, a arte “pura” leva ao paroxismo as tendências inerentes à épocas anteriores, ao submeter a explicação e a sistematização os princípios próprios a cada tipo de expressão artística”.
B
Beleza: a diversidade e a riqueza da criação e a proporção humana oferece uma riqueza insuspeita. Esta riqueza permite aproximar-se, tanto da vida comandada pela Natureza do meio rural como se conjugar com a vida urbana comandada pela abstração do ideal e da mentalidade humana que viceja e se renova em todas as épocas e lugares. O poeta Schiller conferiu (1963, p. 103) esta conjugação de antagônicos ao campo das energias da Arte: “Se nos entregamos ao gozo da beleza autêntica, somos senhores, a um tempo e em grau idêntico, de nossas forças passivas e ativas, e com igual facilidade nos voltaremos para o grave e para o jocoso, para o repouso e para o movimento, para a brandura e para a resistência, para o pensamento abstrato ou para a intuição”. (O mesmo poeta Schiller afirma 1963, p. 89), ainda que “Pela beleza o homem sensível é conduzido à forma e ao pensamento; pela beleza o homem espiritual é reconduzido a matéria e recupera o mundo sensível”.
Bios: na busca de equilíbrio homeostático e de proporção entre o micro e macro poder, a vigilância é inadiável e perpétua. Esta vigilância não possui o objetivo de policiar, tutelar e extinguir esta tensão entre extremos. O critico da arte inglês, Herbert Read, escreveu (1986 : 32) que “No cerne da vida está o que as vezes é chamado de dialética, que simplesmente é uma contenda entre as forças positivas e negativas, entre o amor e a morte” Segue-se a distinção aristotélica que atribui ao bios uma práxis.
Bios distinto de zoe: a criatura humana é impulsionada para a cultura após suprir as suas necessidades básicas do alimento, da saúde e da habitação. Ela não nasceu preparada somática e psicologicamente para deflagrar, desenvolver e reproduzir este processo por si mesmo. No máximo necessitaria refazer, solitária, o acúmulo de milhões de anos de tentativas e erros da espécie toda. Como “a Vida é breve e a Arte é longa” , Aristóteles já distinguia a bios da zoe. Nas palavras de Hannah Arendt 1983 p.143 “É esta vida, bios em oposição ao simples zoè, que Aristóteles dizia que ela «era de alguma forma um espécie de praxis»”. Nesta práxis despontam, amadurecem e se reproduzem as sementes da cultura humana a serem desenvolvidas ao longo da existência humana.
Bondade: uma medida exclusiva necessita dos predicados da Bondade, especialmente no seu constante silêncio e na prática da suspensão de qualquer juízo (epoke) definitivo. Os biólogos chilenos, Maturana e Varela, advertem e recomendam (1996: 209) que “a Bondade deve fugir da aparência, caso contrário é outra coisa, a saber, tem por objetivo aparecer, mesmo que a descoberta venha do diálogo ente o EU e EU-MESMO”.
Bondade distinto de saber: admitir que a infraestrutura é determinante de tudo aquilo que é construída acima dele, é desconhecer as forças dispares que agem em cada ENTE humano no seu SER. Mesmo que estas forças se comportem dispares nas maneiras de SER e reagirem diante do poder que se acumula num grupo humano. A partir de deste ENTE humano Hannah Arendt não abdica, mesmo neste alto grau de desenvolvimento deste SER. Ela coloca (1983 p. 118) como pedra de toque a distinção do agir movido pela sensibilidade e pela convicção da vontade em contraste com saber pela inteligência: “Somente a bondade deve, sob pena de morte, se dissimular e fugir da aparência. O filósofo não tem necessidade de se esconder a si mesmo: ao contrário, sob o céu das ideias ele não só descobre a essência verdadeira de tudo aquilo que é, se descobre no diálogo entre o «eu e o eu-mesmo»”. Ao mesmo tempo ela distingue as divisões das funções sociais do altruísta daquelas do filósofo.
C
Campo: o pensador francês, Pierre Bourdieu, tratou (1996b. p. 159) de colocar exigências rigorosas para entender e depois respeitar a autonomia destes campos sociais, políticos e administrativos: “Todos os mundos sociais relativamente autônomos, que chamo de campos - campo artístico, campo filosófico, etc.,.. - exigem daqueles que neles estão envolvidos um saber prático das leis de funcionamento desses universos, isto é, um habitus adquirido pela socialização prévia e/ou pôr aquela que praticada no próprio campo”. Já o administrador escolar norte americano Rudolph P. Atcon é mais pragmático ao ser referir (1974: 3) ao conceito de Campo como: “ramo do conhecimento que reúne todas as matérias básicas, derivadas e aplicadas de sua competência”.
Campo axiológico: o cientista político ou o estudioso da administração pública esta impedido de atirar em qualquer um e a qualquer pretexto. O cientista Bruyne os coloca (1977, pp. 32 /2) no Campo axiológico especifico no qual onde agem respeitando “O campo axiológico é o campo dos valores sociais e individuais que condicionam a pesquisa científica. A própria persecução do esforço científico é sustentada por valores específicos. Os valores culturais inerentes a sociedade impõem ao pesquisador a escolha de suas problemáticas, dos temas que ele aborda. Assim Max Weber insistia sobre a ‘relação aos valores’; Marx dizia que os homens só se colocam os problemas que podem resolver, confessando, por conseguinte, as conexões da pesquisa com os contextos sociais, técnicos e culturais nos quais ela se inscreve. Ora, a escolha da problemática deve esforçar-se por ser explícita, sob pena de ceder à múltiplas influências das ideologias. Os interesses próprios ao pesquisador sugere-lhe igualmente orientações específicas.. isso não impede absolutamente que as pesquisas em ciências sociais, cujo objeto com muita frequência concerne o estudo dos valores, das normas, das dignificações, possam tratá-los como ‘fatos normativos’ sem cair no subjetivismo”.
Campo doxológico: o estudo da linguagem usada correntemente, sem que ela sofra edições, revisões, sistematizações ou profundas análises de discurso acadêmico, muito menos paire na estratosfera da metafísica. Em relação a este campo impuro da linguagem e sem apuro formal Bruyne escreveu (1977 p. 33) que: “O campo doxológico é o campo do saber não sistematizado da linguagem e das evidências da pratica quotidiana, de onde a pratica científica deve precisamente esforçar-se para arrancar suas problemáticas específicas. O campo doxológico é o suporte e o produto da linguagem comum, das práticas empíricas; pode determinar no pesquisador um a “certeza sonambólica” (Manheim) sobre a realidade que ele investiga. O pesquisador deve desprender-se das pré-noções do senso comum. Uma doxologia teria o papel de estudar a incidência do saber sobre as práticas cientificas; uma nosografia (Wittgenstein). Esta campo doxológico pode ser aproximada dos diversos graus de expressões humanas .O estudo da linguagem do jovem no âmbito dos recursos numéricos digitais ou das pichações dos muros urbanos, abre um novo e surpreendente campo doxológico. Apresenta um arsenal de estratégias, táticas e de logística dependem, a atual era da informática, das ideologias e dos projetos que os governantes remetem e decifram para o entendimento do seu próprio poder originário.
Campo epistêmico: no entanto é necessário insistir que as novas energias controláveis pelos instrumentos numérico digitais estão muito distantes de ser dominadas e remetidas para um único e mesmo campo epistêmico. Bruyne, alerta (1977 p. 34) para as condições que se exigirá na medida em que estas energias queiram transitar e ser julgadas com Ciência “ O campo epistêmico é o campo do conhecimento científico que chegou a um grau de objetividade reconhecido: estado das teorias, estado da reflexão epistemológica, estado da metodologia, estado das técnicas de investigação. A região epistêmica mais próxima de uma pesquisa específica é, evidentemente, a da disciplina do pesquisador na qual ele procede a escolhas teóricas, epistemológicas, técnicas, etc., no próprio seio do que a tradição dessa disciplina oferece.” Certamente existem dúvidas que queiram fazer este vestibular da Ciência e se submeter aos seus rituais de iniciação. Um índice desta dúvida é indefinição do mercado face aos profissionais da Informática e que, por sua vez parecem pender mais para o lado dos profissionais da Arte. No entanto, se exige destas energias novas intensos estudos, experimentações implementações para aproximar se do espaço da criatividade e do campo Arte. Contudo já é possível constar que o uso e a intervenção das ferramentas numéricas digitais são mais humanas e menos invasivas do que o bisturi do médico taylorista da era industrial.
Canon: Lei, em grego. Norma primitiva de um grupo humano. O poder indígena do México e do Peru pré-colombiano era uno, personalizado e havia se cristalizado num canon mitificado e onipresente em práticas cujos ciclos eram comandados pelo ciclos implacáveis da Natureza.
Caos: As energias mentais e físicas encontram no caos a matéria prima para os projetos possíveis e o espaço potencial para que a imaginação erga a sua criação, conforme Mazzocut-Mis escreveu (1994: 64) que: “a imaginação, compreendida a imaginação divina, deve se submeter ao princípio cósmico-construtivo, ordenador e criador, que lhe permite erguer-se para além do caos desagregador da matéria no estado nascente. Da mesma forma, o artista deve modelar através da ação seu próprio potencial criativo para que a incoerência torne-se um contraste sensível para o espírito humano. A arte é um caminho que começa no sonho caótico e que termina num cosmos acabado, uma viagem interpretativa e constitutiva num claro-escuro continuado no qual não faltam nem tempestades e nem abismos”.
Célula viva: é possível aplicar ao município, a menor unidade do Estado, muitos dos atributos que Maturana descreveu (1996a: 41) e que são perceptíveis numa célula viva: “transporto da biologia a representação que a vida encontrou na organização da sua competência e os limites da membrana constituindo uma unidade. Essa unidade é capaz de se reproduzir e ao mesmo tempo constituir na ordem de outras células um organismo coerente e que por sua vez forma outra unidade. O artista possui sua unidade competência e os seu limites mas ao mesmo tempo possui a potencialidade de constituir um organismo institucional na qual soma e aumenta e sua autonomia”. Contudo, possui o seu preço manter um país continental, por meio da política proveniente das pequenas células municipais. É possível transportar da biologia para a célula municipal a representação que o político possui sua unidade competência e os seus limites municipais, mas ao mesmo tempo possui a potencialidade de constituir um organismo institucional na qual soma e aumenta e sua autonomia”.
Cidadão: no renascimento italiano Maquiavel escrevia (O PRINCIPE capítulo V) ao “querer preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente, que por qualquer outro modo, se a conserva por intermédio de seus cidadãos”.
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Ciência: Aristóteles advertia (1972: 211) a quem busca a ciência para compreender o espaço empírico. Nesta busca dialética “é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da ciência. Nenhum deles é fácil de aprender, pois, nem o rigor matemático se deve exigir em todas as coisas, mas somente naquelas que não tem matéria”. A discípula de Heidegger, Hannah Arendt completa (1983: 337) que "pode-se cercar de uma rede matemática, não importa qual universo, contendo muitos objetos, o fato é que o nosso universo se presta a um tratamento matemático, mas isso não tem grande significação do ponto de vista filosófico” O Poder Originário possui matéria e circula nas ações dos seus agentes. Esta ação ganha o mundo da ciência pela difícil e escorregadia escada da linguagem como Chartier observou (1998: 11) ao escrever “Em todos os campos os saberes não reduzidos (ou elevados) ao estatuto de uma verdadeira ciência, o pensamento fica preso ao modo linguístico pelo qual se pretende apropriar-se das configurações dos objetos presentes no seu campo de percepção”. Existe um abismo entre o campo das ciências e as coisas deste mundo. Assim Bruyne afirma (1977: 51) que “a ciência não pode atingir as coisas, mas constrói, manipula, realiza, prediz os fatos, os acontecimentos efeitos que não existem fora das proposições que os exprimem. O que é próprio de toda operação de sentido, de linguagem”. No entanto a ciência necessita coordenar as energias de um determinado campo no qual Kuhn percebe (1997: 23) que “a pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter adquirido respostas seguras”
Circularidade e reversibilidade: O discurso por cima e por fora é uma destas prisões de uma criatura humana que nasce numa determinada cultura. A mentalidade e o pensamento, possíveis nestas prisões, segue a lógica da circularidade e da reversibilidade valendo a observação de Pierre Bourdieu quando afirma, (1987, p. 111) decorrerem “ das relações de produção e consumo culturais resultantes do fechamento objetivo do campo de produção erudita, estão dadas as condições para o desenvolvimento das produções simbólicas assuma o caráter de uma história semi-reflexiva”. A criatura humana quando deixa o útero materno e começa a colocar em cheque a sua experiência ontológica. Na sua trajetória, neste planeta, necessita refazer e re-elaborar toda a cultura formal em todos os tempos e em todas as culturas. Esta trajetória é realizada. a partir de um ponto singular e único no qual reinam soberana a lógica da circularidade e da reversibilidade. Sempre caberá a uma nova geração questionar a base sobre a qual esta cultural artificial foi construída pela cultura humana anterior e, se possível, alterá-la a seu favor.
Ciência e História a História não possui os instrumentos unívocos, lineares e reversíveis das demais ciências exatas. Marc Bloch possui razão ao afirmar (1976: 140) que a “nossa ciência (História) não dispõe, como as matemáticas ou a química de um sistema de símbolos separado de qualquer linguagem nacional. O historiador fala unicamente com palavras: portanto, com palavras do seu país” No entanto e apesar disto, a nova geração pode contornar obstáculos e armadilhas nas quais seus antepassados ficaram presos ao longo de gerações.
Civilização: supõe a existência de instituições. As instituições não pertencem ao âmbito do Estado e são distintas dele na medida em que materializam e representam o poder originário no município e na sua neutralidade não se confundem com o governo ou instâncias administrativas. As instituições sadias e coerentes com o Poder Originário facultam a escolha e legitimação de personagens cujas biografias são isentas de edições e manipulações do marketing e da propaganda. Nas instituições sadias e coerentes com o Poder Originário é possível motivar para esta escolha os agentes e líderes de instituições ativas e bases de qualquer civilização. Evidente que estas instituições existem porem deprimidas, sem visibilidade, sem voz e vez. O estudioso Mota, percebeu e registrou (1980: 179) em relação a “Faoro procura indicar que a principal consequência cultural do prolongado domínio do patronato do estamento burocrático é a frustração do aparecimento da genuína cultura brasileira”. Na sua analise desta obra Chaves de Melo, encontra (1974, p. 25) razões para que Raimundo Faoro não entre na discussão entre cultura e civilização. “Um dos méritos do estudo (de reside no fato de que, não entrando nos velhos debates sobre distinções entre ‘cultura’ e ‘civilização’“ No caso das deprimidas instituições das células municipais ganhariam visibilidade, voz e vez nas suas figuras proeminentes, seus líderes e agentes.
Coisa: ao pensar a construção artificial do Estado Nacional por meio de experiências que são causas de vertigens aos despreparados para pairar no espaço do tempo presente e sem a aparente gravidade do poder. No caminho deste pensamento da construção artificial do Estado Nacional, segue-se o caminho de Schiller quando afirmou (1963, p.12) de que “sabemos só aquilo que analisamos”. De outra parte nas Ciências Humanas esta análise supõe o que Durkheim afirma (1983, p. 94) que “a primeira regra e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisa”. Esta operação é necessária pois Argan, argumenta (1992: 38) que “ao colocar objeto como coisa o sujeito constitui-se como algo distinto na arte. A coisa é monossemântica enquanto o objeto é polissêmico”.
Competência a competência é aceita aqui como aquilo que está contido entre os limites ou, ainda, uma faculdade ou um direito concedido. No mundo da ação humana constitui a qualidade de quem é capaz. No mundo da axiologia pode ser um desafio ou uma luta pela verdade e ortodoxia.
Conduta cultural: na concepção de Maturana e Varela, (1996, p. 174) “entendemos por conduta cultural a estabilidade transgeracional de configurações adquiridas ontogeneticamente na dinâmica comunicativa de um meio social”. O escritor brasileiro Sérgio Buarque de Holanda[10] fixou um dos pontos de suas observações da ‘estabilidade transgeracional’ do homem brasileiro na sua ‘cordialidade’.
Confiança institucional: a confiança institucional não é gerada, mantida e reproduzida apenas pela mediação do marketing e da propaganda. Apesar de todo o seu poder e eficácia subliminar a sua energia do marketing e da propaganda é pontual e passageira. O exemplo é visível em tendências politicas, em nomes dos seus agentes. Historicamente está o exemplo da Contra Reforma com o seu instrumental político da Propaganda da Fé ou da instalação e manutenção do Regime Nazista. Entre os franceses percebe-se, em janeiro de 2013 a nítida tendência declinante da confiança do cidadão francês em relação ás suas instâncias e aparelhos estatais. Porém está nítido que este cidadão ainda confia predominantemente na sua célula municipal
Conflitos de geração: no interior da cultura, gerada pela informática numérica digital o “grande pai” perde o seu sentido e o seu poder totalitário. Este sentido de poder totalitário é dissolvido na concepção de Bourdieu anotou (1994 p.104 (nota)) em relação aos: “conflitos de gerações que não opõe classes de idades separadas por propriedades da natureza, mas habitus produzidos por maneiras de gerações diferentes, quer dizer através de condições de existência que, impondo diferentes condições do impossível, do possível ou do provável oferecem para provar, práticas ou aspirações, que para alguns parecem como naturais ou razoáveis e para outros como impensáveis ou escandalosos, ou inversamente” Nessa dissolução e naturalização o grande Leviatã estatal, cuja figura e forma emergiam, além do medo que ele impunha, da era industrial também seguem a lei da entropia e vão parar no museu da História.
Configuração: uma pseudo autoridade aniquila a vontade do poder originário pelo ritual do voto conduzido pelos sacerdotes e sacerdotisas do corporativismo interesseiro do seu continuísmo no poder pelo poder. Esta pseudo autoridade anula e corrompe todas as configurações como no caso de um jogo fraudado. Nesta configuração Chartier registrou 1998 : 244 que “os jogadores não incluem só o seu intelecto individual. Mas toda a sua pessoa, suas ações e relações sociais”. O jogo politico fraudado por uma pseudo autoridade corrompem-se e se esterilizam os contratos profundos e verdadeiros entre quem cede e quem recebe o poder como autoridade. Na Politica, no Esporte e na Arte não existe como pedir perdão pois estas ações resultam da livre aceitação da regras destes campos de forças e competências humanas.
Conhecer: dialética entre grande bem e grande mal necessita ser resolvido tanto no plano do seu conhecimento como na ação concreta do agir humano. Marc Bloch permanece na dívida se é a inteligência ou as mãos estão na origem das forças politicas quando afirma (1976) que “o homem coloca em ação a sua sede de busca através do uso das suas mãos. Enquanto o saber procura ficar ao nível da contemplação. Não há evidências se a tecnologia conduz a ciência ou é o contrário” A célula política municipal não escapa à esta dialética entre a contemplação da cultura intelectual ou se ela entrega a energia das forças tecnológicas.
Conhecer distinto de saber: a criatura humana é impulsionada para a cultura após suprir as suas necessidades básicas do alimento, da saúde e da habitação conforme as concepções de Abraham Maslow. Para Hannah Arendt esta criatura humana avança célere para o conhecimento depois de satisfazer as suas necessidades básicas. Ela escreveu (1983 p. 363) que “Seja o que for, a experiência fundamental na origem da inversão, da contemplação e da ação, foi exatamente que o homem não pode apaziguar a sua sede de conhecer senão depois de colocar a sua confiança na engenhosidade de suas mãos. Não foi porque a verdade e o conhecimento perdessem a importância, mas foi porque não se podia mais esperar que através da «ação» e não mais pela contemplação´. Porém esta dialética supõe um meio adequado e circunstâncias específicas para a criatura humana fazer surgir, desenvolver e reproduzir este potencial que lhe é imanente.
Conhecimento o histórico do Poder Originário não é evidente e ardilosamente camuflado entre as linhas das narrativas estatais. Conforme os autores Maturana e Varela afirmaram que as respostas irão depender das perguntas que dirigirmos a esta realidade camuflada. Escreveram (1996, p.148) “admitimos conhecimento cada vez que observamos uma conduta efetiva (ou adequada) em um contexto assinalado, quer dizer, um domínio que definimos como uma pergunta (explicita ou implícita) que formulamos como observadores.” O conhecimento que se busca descobrir e evidenciar estão relacionadas com as perguntas relativas às competências, às proporções e aos limites de circulação do Poder
Consciência: é necessário concordar com Piaget quando afirma (1983: 231) que “a tomada de consciência é sempre em parte uma reorganização e não uma tradução ou uma evocação” Apesar da objetividade desta consciência, proveniente da reorganização, as suas consequências e os seus subprodutos mentais sempre foram projetados subliminarmente no inconsciente coletivo como uma segunda natureza. Os grupos humanos reorganizam, elaboraram, em todos os tempos, formas de comportamentos coletivos que querem uniformes e gerais nas suas ações O brasileiro Raimundo Faoro, 1975 : 634 “Para aquele que se encontra submetido ao domínio pessoal, inexistente marcas objetivas do sistema de constrição a que sua existência está confinada: seu mundo é formalmente livre. Não é possível a descoberta de que sua vontade está presa à do superior, pois o processo de sujeição tem lugar como se fosse natural e espontâneo Anula-se a possibilidade de autoconsciência, visto como se dissolvem na vida social todas essas referências a partir das quais ela poderia se construir. Plenamente desenvolvida, a dominação pessoal transforma aquele que a sofre numa criatura domesticada: proteção e benevolência lhe são concedidas em troca de fidelidade e serviços reflexos” O poeta, dramaturgo e pedagogo Schiller também é categórico ao afirmar (1963, p. 95) que “Somente daquele que tem consciência de si pode-se exigir razão, isto é, coerência absoluta e universalidade de consciência; antes disto ele não é homem e nenhum ato humanidade pode ser esperado dele”.
Consciência e habitus: a escravidão, apesar das eleições, permanece ativa no Brasil e se renova em constantes formas subliminares devido ao habitus. Este termo habitus que o pensador Pierre Bourdieu associou (1996b, p. 144) com a concepção antiga de consciência quando afirmou: “O habitus preenche uma função que, em outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura a percepção desse mundo a ação nesse mundo”. Não existem mudanças possíveis ou significativas enquanto perdurar o império deste habitus no mundo das pseudo deliberações e nas decisões formais e externas.
Conservação: a lógica proveniente e estimulada pela linha de montagem deixou profundas sequelas e enormes lixões, a céu aberto, que concorre com a apregoada civilização urbana. Estas sequelas possuem por origem o que Hannah Arendt escreveu em relação à conservação Ela afirma (1983: 311) que “na cultura contemporânea é a conservação que causa a ruína, porque na conservação não há possibilidade de substituir os objetos que são criados para a obsolescência imediata”. Esta ameaça de ruina perpassa a produção material, imaterial, pessoas, instituições e projetos que se dobram a esta lógica da linha de montagem programada pela era industrial. Mais adiante (1983: p.320/1) a mesma Hannah continua “Nas condições modernas não é a destruição que causa a ruína, é a conservação, pois a durabilidade dos objetos conservados é em si o maior obstáculo ao processo da substituição, cuja aceleração constante é tudo o que sobrou de constante quando ela instalou a sua dominação. A prosperidade está ligada estreitamente a produção do «inutilidade» dos meios de destruição, dos bens produzidos para serem desperdiçados, tanto usando-as na destruição, como destruindo-os, porque saem da moda”. Deste processo da lógica industrial permaneceu uma consciência latente de que um Estado deveria ser administrado como uma empresa e os mesmos problemas para a sua conservação e reprodução
Contemplação: a simples identificação ou sua visão não possuem sentido maior para a criação das circunstâncias da Democracia. O dramaturgo, poeta e política Goethe já se havia dado conta (1945: 13) desta falácia da simples e pura contemplação: “O simples olhar não nos leva a parte alguma. Todo olhar transforma em considerar. Todo considerar em mediar, rodo mediar em relacionar, assim cabe dizer que o pouco que se olhe com atenção se está em plena atividade teorizante. Mas para faze-lo com consciência, conhecimento de si mesmo, liberdade e, para usarmos uma palavra atrevida, com ironia, eis aqui o que requer se a abstração temida deve ser inofensiva e o resultado empíricos, esperando, palpitantes e proveitosos”. Os resultados - desta simples e pura contemplação - estão sujeitos à entropia e ao caos como qualquer ferramenta. O grego Platão já distinguira: “Estudaremos a astronomia, assim como a geometria, por meio de problemas, e abandonaremos os fenômenos do céu, se quisermos aprender verdadeiramente esta ciência e tornara útil a parte inteligente de nossa alma, de inútil que era antes” (Platão,1985: 128, 2º vol)
Contrato: a informática numérica digital permite a dupla via de circulação do poder e, ao mesmo tempo, não quebrar a hierarquia originária da Nação. Poder Originário que circula envolvendo o pátrio poder, a célula municipal, passando pela região e dirigindo-se ao núcleo do poder central sempre em dupla via de ida e volta no âmbito da sua hierarquia. Hierarquia que emerge da soberania de um pacto nacional expresso, factível e aceito universalmente num contrato. Contrato que Hannah Arendt descreveu (1983 p. 311) como “a força que assegura a coesão, distinta do espaço das aparências nas quais se reúnem e do poder que conserva o espaço público, é a força das promessas mútuas, do contrato”. Arendt vale-se ainda do contraste com estágio anterior (1983 : 239) 311, 312) “a sociedade depois da retirada da coerção física (tirania) e espiritual (religião), estrutura-se, a partir do iluminismo, na esperança contratual celebrado nas promessas mútuas do contrato” . Contrato que permite a circulação continuada e que permite evidenciar, afastar e reduzir, ao mínimo, os filtros disfuncionais e mediações corruptas e corruptoras.
Contrato e Ciência: o vasto campo do mundo empírico, no qual age a Democracia, estende-se muito além deste modelo teórico. A atividade da própria Ciência que na concepção de Kuhn (1997 p. 25) segue contratos que “são denominados de revoluções científicas os episódios extraordinários nos quais ocorre a alteração de compromissos profissionais. As revoluções científicas são os complementos desintegradores da tradição à qual a atividade da ciência normal está ligada”. Respeitando esta oscilação o presente texto acalenta apenas o projeto de querer fugir do fixo, do silêncio, do imponderável e da conivência com as corrupções e reducionismos de que padece a prática da Democracia.
Controle: aparentemente uma tirania não atinge o pensamento e deixa livre o exercício de uma mentalidade. Este é uma meia verdade, pois o controle sobre o corpo impede, distorce e reduz a possibilidade da expressão desta mentalidade e pensamento. Na concepção Umberto Eco, numa divulgação de Calligari (1995 cad.5 p.6), denuncia “o controle físico afeta os valores espirituais. A referência ao corpo é importante porque nenhuma ditadura pode paralisar nossa possibilidade de pensar, mas ela pode impedir nossa possibilidade de expressar este pensamento com a língua.” Assim, no caso do voto eletrônico, todo o discurso do cidadão é silenciado e reduzido ao gesto de tocar alguma teclas e da qual não recebe outro feedback do que o “FIM”. Diante desta distorção e reducionismo das deliberações e decisões do cidadão pelo atual sistema de votar não é possível do que denunciar uma armadilha.
Cooptação: o Estado nacional soberano pode ser percebido como um poder teórico e abstrato. Como tal funciona apenas como um vértice isolado e desenraizado. Este vértice apresenta-se isolado e desenraizado. Este vértice isolado e totalitário distribui cargos e funções. Mas é impensável a distribuição do poder que fica preso ao vértice Esta operação é possível pela pura e simples cooptação que Fávero descreu, (1980, p. 48) este “mecanismo de cooptação requer, em geral, um controle sobre os elementos cooptados, a fim de evitar o perigo de ameaça à unidade de controle e decisão. Em decorrência por meio da cooptação pode haver uma distribuição de encargos, de trabalhos, mas nunca do poder em si”. O mecanismo de cooptação realiza a façanha e normalmente possui fortuna do pleno êxito em congelar todo o fluxo do poder. Fluxo do poder represado e procrastinado até o momento de uma nova primavera onde o fluxo de novo, porém tumultuado e destrutivo.
Corpus: no presente texto não há menor tentativa de constituir o que Bourdieu nomeia e que Argan descreve (1992: 62) como um “corpus que aspire a enumerar, catalogar, definir, fotografar e publicar tudo” no que ser refere ao Poder Originário. O presente texto não propõe constituição de um corpus até pelo fato da massa de novidades ser reduzida. De outro lado uma rígida sistematização poderia congelar a criatividade necessária neste estágio embrionário do projeto. Além do mais a era numérica digital está nos seus primeiros e titubeantes passos. Esta implementação será gradativa e na medida em estiverem em plena energia as forças que precedem esta etapa para implantar de forma definitiva e por tempo indeterminado.
Corrupção: a insensibilidade e pouca atenção, com a origem do seu poder, se acumula nas falcatruas, nos desvios e nas corrupções que mancham o conjunto do Estado Nacional e suas circunstâncias. Esta corrupção pode atingir os mais altos degraus da esperança do cidadão no seu estado ou arruinar a fé na religião que se pratica no seu domínio. Maquiavel já percebera uma mutua agressão e desqualificação recíproca nas pequenas e frágeis repúblicas italianas renascentistas. Nas palavras de Arendt (1983) “para Maquiavel, a alternativa colocada para o problema da dominação religiosa no domínio secular era inevitavelmente esse aí: ou o domínio público corrompia a religião e portanto se corrompia a si mesmo, ou então a religião permanecia intacta destruindo completamente o domínio público” . Os agentes tanto do domínio público como do religioso, podem desculpar-se diante desta catástrofe e evidenciar as complexas e incontroláveis instâncias do mundo material ou imaterial que tomaram livremente em suas mãos.
Crença representacional: buscam-se motivações para exercitar a potência humana na representação dos seus projetos. Crença que na concepção de Sperber e que Oliven registrou (1992 p.24) “é o que chamamos de ‘convicções’, ‘persuasão’, ‘opinião’. Para, decidir se alguma crença é racional, necessitamos saber não somente seu conteúdo, mas também em que sentido ela é acreditada”. Esta convicção coletiva cria, alimenta, circula e reproduz na opinião de que o ser humano é portador na sua nação, no seu povo e no seu Estado. Uma nação surge no lento e cumulativo aglutinando da sua vontade, e gerando um povo.
Criatividade um projeto que possui a virtude de busca do êxito em fazer funcionar uma arquitetura na qual este ENTE humano materializa o processo da socialização intencional do seu SER ao longo de tempo. Esta criação humana possui a necessidade de controle entre as causas colocadas no processo para atingir o efeito esperado pela eficácia desta socialização. O controle entre causa e feito não pode abdicar da criatividade. A competência humana da criatividade é colocada aqui na concepção que Hannah Arendt lhe confere (1983: 188) ao afirmar que “É somente porque nós fabricamos a objetividade, o nosso mundo, com aquilo que a natureza oferece porque nós construímos, inserindo-o no espaço da natureza e assim nos sentirmos protegidos, que podemos olhar a natureza como alguma coisa objetiva”. Esta concepção ganha os seus limites com os biólogos Maturana e Varela que lhe atribuíram (1996: 173) na forma na qual “o organismo restringe a criatividade das unidades porque elas existem para ele. No sistemas social humano amplia a criatividade humana, pois esse existe para estes” Esta construção criativa e única supõe, também no campo político, a informação fidedigna, um projeto coerente com estas informações e o exame permanente dos seus fundamentos e com novos desdobramentos. Os fundamentos da criatividade possuem etapas sucessivas e culminâncias descritas por Saunders[11] a partir das observações do psicólogo Guilford e do arte educador Lowenfeld.
Criatividade humana e linguagem: o continuo administrativo de uma nação exige que as infinitas partes que a constituem, possam agir para manter vivo este organismo composto de fractais coerentes com o todo. Esta coerência necessita enfrentar o desafio da criatividade linguagem humana intima e coerentemente associado à sua conduta. Este desfaio é apontado por Maturana e Varela quando afirmam (1996 p 173) que “a história evolutiva do homem, ao estar associada as suas condutas linguísticas, é uma história na qual foi selecionada a plasticidade condutual ontogenética que faz possível os domínios linguísticos, e na qual conservação da adaptação do ser humano como organismo requer de seu operar nos ditos domínios e da conservação de tal plasticidade De modo que ali onde a existência de um organismo requer da estabilidade operacional de seus componentes, a existência de um sistema social humano requer a plasticidade operacional (condutual) deles. Ali onde os organismos querem requerem um acoplamento estrutural no lingüístico entre os seus componentes, os sistemas sociais humanos precisam componentes acoplados estruturalmente em domínios lingüísticos, nos quais eles (os componentes) podem operar com linguagem e ser observadores. Em conseqüência, enquanto que para operar de um organismo, o central é o organismo e dele resulta a restrição das propriedades de seus componentes ao construí-lo, para o operar de um sistema social humano o central é o domínio linguístico que geram seus componentes e a ampliação das propriedades desses, condição necessária para a realização da linguagem que é o domínio da existência. O organismo restringe a criatividade individual das unidades que o integram, pois estas existem para este; o sistema social humano amplia a criatividade individual de seus componentes, pois este existe para este”. A íntima e coerentemente criatividade associação da linguagem humana com a sua conduta é também o campo dos vetores da informática numérica digital.
Crise: Accurso afirma (1990 p.21) que “de maneira geral, no Brasil, o encaminhamento de soluções não guarda escala com os problemas brasileiros”. Para construir uma escala deste gigantismo existem soluções. Estas soluções decorrem da imperiosa necessidade de entender as recorrentes crises e administrá-las no mundo contemporâneo. Uma crise na concepção de Kuhn ocorre, no âmbito da própria Ciência, ao escrever (1997, p.105 e p. 115) que “O significada das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos [...]Todas as crises iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o consequente relaxamento das regras que orienta a pesquisa normal”. As gerações que nasceram, se educaram, trabalharam e viveram ao longo de regime colonaial não podiams se represebtar o mundo de outra maneira. Algo semelhanto aconteceu para quem nasceu, se educou ao longo do Estado Novo ou do período da Ditatura Militar não podiam imaginar o mundo e ou cultura de outro modo. O momento de crise de um destes paradigmas inculcados veio quando houve necessidade de sair deste condicionamento por meio da Abertura Politica descrita na obra de Bernard Kusinskyi[12]. Com os atuais ferramentais da era numérica digital certamente estes condicionamentos de povos, nações e culturas parecem improváveis, mas não impossíveis. Para afastar este perigo é necessário permanecer atento de que aqui se aponta o potencial decorrente do uso deste ferramental e distinto da época anterior. Este ferramental potencializa e permite soluções preventivas para reconduzir a origem do poder. Especialmente se a tenção estiver voltada a para a administração municipal destas, após as sucessivas crise de um poder central.
Crítica: as meias verdades saltam aos olhos de todos e revelam seu completo embuste diante de qualquer tipo de crítica. O escritor italiano Umberto Eco faz o seu registro (in Calligaris, 1995 p. 09) que “nenhum sincretismo é capaz de suportar a crítica. O espírito crítico faz distinções, e ser capaz de fazê-lo é signo de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica elogia o desacordo como maneira de aprimorara o conhecimento [...] O espírito crítico é capaz de fazer distinções. O sincretismo não a suporta”. Mesmo que “a crítica de arte desenvolvida no romantismo existiram tendências conflitantes que polarizam de modo mais intenso com o surgimento das correntes de vanguarda: a crítica da arte ora reivindica o papel de complemento produtivos da obra de arte, ora o papel de advogados da exigência interpretativa do público em geral” apontado por Habermas em (1982: 118) e cuja distinção facilmente estendível à politica e às práticas administrativas contemporâneas. O suporte e as condições de receber, iniciar e elaborar críticas são preocupações constantes na Educação e na Psicologia. A maturidade da crítica é revelado nas condições e competências que uma vontade e uma inteligência humana é capaz de receber, iniciar e elaborar rupturas epistêmica e estética
Cultura: o conceito de cultura pode ser aquela do cidadão ou então aquela do ente publico. A cultura do cidadão o teórico Chartier resumiu (1998: 62) que “no plano individual pode ser um certo desenvolvimento de uma certa personalidade”. No concerne àquela de uma coletividade o intelectual Ladrière assinalou (1977: p.16 e p.77) que “a cultura de uma coletividade pode ser considerada como um conjunto formado pelos sistemas de representação, os sistemas normativos, os sistemas de expressão e os sistemas de ação desta coletividade [...] A cultura de uma coletividade é o conjunto dos sistemas de representação, normativas, expressão e ação”. A cultura de um cidadão converge com aquela do seu Estado na ocasião em que o poder público está na eminência de se esvaziar e o eleitor legítimo é convocado para preencher estre vazio por meio do seu voto. Na cultura brasileira o voto é um frágil e índice gasto de um frágil um contrato compulsório entre o indivíduo com a sua coletividade. Índice que pretende significar os vínculos de um cidadão com uma cultura gasta. Cultura na completa heteronímia de um eventual partido de plantão ou de uma pessoa que conquistou e se diz candidato num quadro cultural formal pré-existente. O termo cultura ganhou mais atenção de Ladrière, quando anotou 1977, p.77que “Pode-se tomar a palavra cultura no sentido amplo que lhe dá a antropologia cultural: tratar-se-ia como um conjunto de instituições, consideradas por sua vez no seu aspecto funcional e no seu aspecto normativo, nos quais se expressa uma certa totalidade social e que representando, pelos indivíduos pertencentes a essa totalidade, o quadro obrigatório que modela a sua personalidade, proscrevendo-lhe suas possibilidades e traçando de uma certa forma preliminarmente o esquema de vida no qual sua existência concreta poderá se inserir, e pela qual poderá tomar uma forma efetiva”. Em Porto Alegre o tema da cultura foi objeto dos estudos de Pedro Demo[13] e que o colocou entre a educação e a política. No aspecto da formação individual Ladrière escreve (1977: 77/8) que “pode-se tomar o termo cultura num aspecto muito mais restrito, como significando o conjunto de disciplinas que permitem a um indivíduo, numa sociedade determinada, atingir a um certo desenvolvimento de sua sensibilidade, de seu sentido crítico, de suas faculdades de conhecimento, de suas capacidades criativas, numa palavra, um certo desenvolvimento de sua personalidade”. O estudioso Teixeira Coelho Neto sistematizou um dicionário[14] da terminologia da politica cultural brasileira.
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Definição: Na busca teórica evita-se avançar em direção de uma definição única, linear e fixa do Poder Originário diante do amplo espectro de conceitos, de paradigmas e de axiomas que se levantam numerosas dúvidas, contradições e conflitos. Segue-se o conselho de Aristóteles 1973 p.135 - Tópicos VII 5 155a 5de que “o mais fácil de tudo é demolir uma definição. Porque, devido ao número de afirmações nela implicadas, a definição nos oferece o maior número de pontos de ataque, e, quanto mais abundante for o material, mais depressa surgirá um argumento, pois mais probabilidade de se insinuar um erro num grade do que num número pequeno”. Apesar de carecermos de uma definição unívoca e linear do Poder Originário, muito poucas pessoas, do mundo empírico atual, podem-se julgar isentas de alguma relação, ou mesmo, da tutela de algum Estado nacional.
Democracia: Entende-se a Democracia, no plano etimológico, como o governo do povo para o povo. Vista pelo lado da cidadania acompanha-se a concepção de Mary Follet (in Carvalho, 1979 :60) de que “só teremos democracia verdadeira quando os jovens não mais forem doutrinados, mas formados no caráter da democracia. Portanto o meu dever como cidadão não se esgotou naquilo que trago para o Estado. Meu teste como cidadão é quão plenamente o todo é expresso em mim ou através de mim”. No plano do projeto nacional Skinner coloca ( 1980 : 207) a Democracia como “ o povo planejando as contingências nas quais irá viver”. Num questionamento de Marilena Chaui de origem filosófica ela argumenta(1981, p.85) que “a interrogação acerca da democracia é uma indagação em que estamos todos implicados como sujeitos, sem que possamos reivindicar o lugar imaginário do saber separado”. Na direção comportamental o norte americano Wright Mills distingue (1975, pp.410/1) que “duas coisas são necessárias a uma democracia: públicos articulados e informados líderes políticos que, se não á homens de pensamento, sejam pelo menos razoavelmente responsáveis perante o público informado que exista. Somente quando públicos e lideres são responsáveis e de responsabilidade, podem as questões humanas ser submetidas a uma ordem democrática, e somente Quando o conhecimento tem importância pública é possível essa ordem. Somente quando o pensamento tem uma base autônoma, independente do poder, mas poderosamente ligada a ele, pode exercer sua força no condicionamento dos assuntos humanos”. Contudo se no plano teórico há imensa dificuldade de se aproximar de algum esboço de definição a dificuldades aumenta na sua prática. Neste mundo empírico para que este governo que se quer democrático, do povo e para o povo, possa existir, ele necessita admitir numerosos e variados componentes contrários ao fixo, ao único e ao fechado. O filósofo Platão foi implacável afirmando (1983 308) que “A democracia abriga um bazar de sistemas políticos”. A grande dificuldade surge não querer implantar a democracia no mundo prático em especial da era indústria onde o político Olivio Dutra sentiu a contradição (Correio do Povo, 11.12.1983) pois “Pode-se falar em democracia da porta da fábrica para fora. Da porta da fábrica para dentro, não pode”. Como também enfrenta a constante insegurança como afirma Chaui (in Lefort, 1983: intr.) que “a democracia possui a capacidade de questionar as suas instituições e abrir-se para história sem possui garantias previas”. Quando estes componentes são reduzidos a um ou outro componente fixo, tanto no campo teórico como no empírico, eles passam a se hostilizarem, contradizerem e não caberem nesta fórmula fixa, única e primária. Neste sentido o primeiro Ministro da Cultura Aluísio Pimenta[15] produziu um documento incontornável e que continua a incomodar muita gente. Na medida em que os variados componentes de Democracia deixarem de se hostilizarem e contradizerem ele se tornam complementares eles ganham sentido como polos de energias opostas. Estes polos opostos foram examinados por Weffort, outro ministro da Cultura do Brasil e cujos resultados foram publicados[16] no mesmo ano do que aqueles de Pimenta.
Descoberta:distinta de invenção Um hipotético “quarto poder” possui variadas formas, resistências e recusas em admiti-lo no mundo prático. Com calma e paciência é necessário pondera o que o pesquisador Kuhn nos faz distinguir (1997 p. 78) entre descoberta e invenção nos quais “devemos agora perguntar como podem surgir tais mudanças, examinando em primeiro lugar descobertas (ou novidades relativas a fatos), para então estudar invenções (ou novidades concernentes à teoria)” Nas descobertas iremos orientar-nos pelos recursos técnicos provenientes do mundo numérico digital recém-instaurado. Nas invenções adiantamos novas formas de perceber, cultivar e reproduzir o Poder Originário. Invenções de novas formas para fortificar suplementar os habituais e consagrados “três poderes”. Invenções que visam transformar as contradições, as resistências e as recusas ao mundo numérico digital que tomam forma diante da era pós-industrial. Nas invenções é logico que os lideres mais atilados percebem num hipotético “quarto poder” abastecido ainda nas concepções vigentes na era industrial, tanto na sua definição, no seu suporte institucional como na sua reprodução.
Desconstrução: se a maioria não tomar a decisão da mudança de um Estado injusto, este fato irá doer para todos e para sempre. Vai doer para os injustiçados. Uma desconstrução de um hábito, de uma cultura e de práticas ancestrais adquiridas subliminarmente sempre é dolorosa. Esta desconstrução está no que Mota registra (1980 : 222) ao constatar que: “Uma análise do romance de Antônio Callado que serve de marco para a época: QUARUP. Assinala por Ferreira Gullar, tem por subtítulo ‘Ensaio de deseducação para Brasileiro virar Gente’, sugerindo que a ‘afirmação implícita no romance de que é preciso ‘deseducar-se’, livrar das concepções idealistas alheias à realidade nacional, para encontrara” Mota, Desconstrução necessária para distinguir ENTE de SER e que Arendt aponta (1983: 244 e 304) quando escreve: “Quem é, ou quem foi alguém, não o sabemos a não ser conhecendo a história da qual ele é o herói- dito de outra forma – a sua biografia; todo o resto do que sabemos dele incluindo aí a sua obra que deixou, nos diz somente o que ele é ou o que ele era”. Hannah Arendt escreveu (1983: 304) que “não existe nada mais brilhante do que as tentativas da grandeza e da potência humana, que possui as suas fontes na capacidade de agir, e que, sem os remédios próprios da ação, inicia inevitavelmente à ultrapassar e destruir, não a criatura humana propriamente dito, mas as condições nas quais a vida foi dada ao homem”.
Descontinuidade: é aparente no mundo da linguagem que o fluxo do poder corre pelos mesmos canais de forma continuada e uniforme. No entanto, no mundo empírico está sujeito aos seus ciclos, interrupções e descontinuidades que a mantém em permanente vigilância para medidas preventivas. Sobre este fenômeno da descontinuidade o intelectual Chartier avisa (1998: 61) que: “a história intelectual não deve deixar-se prender no laço das palavras que podem dar a ilusão que os diversos campos dos discursos nos quais as práticas são constituídas de uma vez por todas, recortando os objetos dos contornos, como também dos conteúdos, são invariáveis: bem ao contrário ele deve colocar como centrais as descontinuidades que fazem com que se designem, arruínem e se dispersem, de maneiras diferentes ou contraditórios, segundo as épocas, saberes e atos. Na atualidade o Poder Originário nunca dispôs de tão numerosas formas culturais e técnicas para estudar as causas destas interrupções e crises do e tomar os meios para fazê-lo circular se solução de continuidade.
Descritivo distinto do prescritivo: Na era informatizada há necessidade de intensas e ativas mudanças de mentalidade, de hábitos e de comportamentos. Uma das mudanças é em relação ao mundo prescritivo da era industrial é penetrar e interagir com o mundo descritivo pós-industrial. No portal da pós-modernidade impõe-se transformar a aparente contradição entre o prescritivo em descritivo em produtiva complementariedade. Esta transformação é um dos projetos de De Duven ao escrever (1989, p.71) que “O que eu procuro é uma aliança entre o descritivo «pós-moderno» ( em termos da implosão, de simulacros, de esquizofrenização social, etc.. ) e o prescritivo «moderno» (que recorre ao marxismo, à teoria crítica e ao relatório da emancipação)”. O universo das severas prescrições da era agrícola e industrial é compatível com o universo as exaustivas descrições da era numérica digital informatizada. Estes dois universos mentais são complementares com os seus respectivos universos empíricos nos quais os seus poderes micro e macro potencialmente podem celebrar alianças, contratos e pacto..
Desenho: O jogo do poder de uma Nação, na ausência de uma educação formal, não conhece competências e limites da autonomia tanto do poder originário com a quem delega o exercício administrativo Diante desta perda preliminar a necessitaria acordar para conferir um desenho para o trabalho a ser enfrentado no mundo da ação e da prática da cidadania. Entende-se por desenho aquela operação básica pela qual mundo mental designa aquilo que deve acontecer no mundo material e empírico. No universo da Arte o desenho ou ‘disegno’, constituía a base dos mais diversos ofícios e que vinculavam as artes plásticas ao mundo das ideais através do ato da designação mental. Assim o desenho constituição transito necessário entre a materialização de um projeto e daquilo de que ele realizar no tempo e no espaço. Segundo Pevsner (1982, p. 53) os artistas da época de Miguel Ângelo qualificavam o ‘disegno’ como ‘ún signo de dio in noi’. Pevsner resumiu a importância que a Academia de Vasari dava Desenho, ao registrar que era a disciplina que reunia os mais diversos profissionais, trabalhando em materiais diferentes e que procuravam infundir nesses materiais os conceitos e ideias que os animavam. Pevsner resumiu (1982, p 45) a importância do desenho na «Accademia del Disegno» de Vasari onde “os seus membros trabalhavam materiais muito diversificados, e portanto pertenciam a diferentes grêmios, mas o que o que era importante para todos era o «disegno» e que acima de qualquer outra coisa era «esprezione e dichiarazione del concetto che sia nell’animo».
Diacronia distinta de sincronia: A informação proveniente no atrito dos incontáveis objetos - na sua tensão com os objetivos humanos - constitui uma fonte da luz que orienta para o funcionamento do Estado. Este atrito alimenta-se das energias provenientes das tensões resultantes das percepções históricas entre a diacronia e a sincronia. Na simultaneidade e do acúmulo do presente (sincronia) interferem poderosamente as lembranças e heranças de um passado imutável e os receios, incertezas de um porvir sem garantias (diacronia). No seu Dicionário de Filosofia Ferrater Mora resume (1994: 860) diacronia como o “termo usado por Ferdinand Saussure (1857-1931) para a evolução no tempo da linguística”. Esta tensão pode ser representados pelos eixos XY e que Hansen traduziu (1998 : 99) “A extensão horizontal do olhar é épica, pois pressupõe o tempo do percurso e o recitativo do ir a Tróia e volta para Ítaca. No eixo vertical situa-se o imaginário da experiência propriamente trágica: linha onde a máxima ascensão atingida pela potência já começa a desabar, transcendência vertical do destino irreversível, tal a flecha que cai quando atinge o auge do voo”. A tensão é gerada pelo acumulo vertical das diversas infraestruturas que se acumulam sincronicamente no atual Poder Originário. Estas luzes são essenciais e necessárias para a evolução diacrônica da origem, presente e futuro de um projeto e seus respectivos contratos. Contudo estas luzes não possuem significado algum se não estiverem focados em projetos e contratos específicos que se prolongam no tempo (diacronia). São meros relâmpagos ou fogos fátuos resultantes de energias acumuladas pontualmente (sincronia) e que se desfazem na instantaneidade de eventos pontuais.
Dialética da distinção cultural diferente do construtivismo: As classes, as categorias e as instituições do Poder Originário podem ser surpreendidas e jogadas na heteronímia pelo formalismo e construtivismo de um desenho meramente formal. De um lado o Poder Originário caminha na busca de sua emergência, da sua distinção. Para Habermas (in Grespan, 1997: 8) “em vez de “dialeticamente”, como até agora, a esquerda deveria pensar “construtivamente”, mesmo que isso possa ser incomum. Nós precisamos é de modelos ou de projetos, como se fosse possível uma compensação global de interesses no quadro de uma comunidade de Estados que pensasse, digamos, uma “política interna mundial”. Só em tais modelos podem se inflamar as fantasias e formar os motivos necessários para que se configure uma vontade política nas sociedades civis ... Crise sem dialética: de certa forma você tem razão. De qualquer modo, aquele modelo de constelações de interesse e de relações de poder, com as quais Marx ainda contava, modificou-se fundamentalmente na segunda metade do século 20, tanto nacional quanto internacionalmente. Os marginalizados e pauperizando-se, pauperizados formam hoje “subclasses” impotentes, a quem falta um potencial ameaçador. Não há um “braço forte” que possa “deter engrenagens”. As classes dominantes conseguiram dialeticamente desenhar ou projetar um outro mundo no qual foi riscada qualquer ameaça das classes depauperadas. A ação de acordar a Nação desta alienação induzida e da escravidão assusta a qualquer um. Assusta tanto pela extensão como pelas consequências desta ação.
Dialética da totalidade. Não se pretende retomar os teóricos e pesquisadores que aceitaram, seguiram ou contestaram este relação determinante entre infraestrutura e superestrutura. Determinismo bebido e aceito num marxismo vulgar, divulgado à saciedade e experimentado na carne viva humana. Evidente que a mentalidade que defende o Poder Originário em oposição ao discurso por cima de um Estado central, fixo e unitário, abre as portas para o reducionismo de uma pretensa dialética da totalidade na concepção de Fávero ao registrar (1980, p. 19) que “a dialética da totalidade concreta não é um método que pretende reproduzir todas as implicações, fatores, mecanismo e efeitos sociais que interferem na produção de um evento, fato ou processo social. Ao contrário na explicação dialética, o conceito de totalidade é empregado como recurso interpretativo pelo qual visa compreender não a identidade, mas as diferenças em uma unidade, tal como se apresentam em determinada totalidade”. O que se pretende aqui é situar o estudo empírico do Poder originário com as suas circunstâncias do início do terceiro milênio. Buscam-se eventos empíricos e pensa-los na construção artificial do Estado Nacional
Diversidade distinta de ecletismo O perigo é embarcar na “nau dos insensatos” do ecletismo. A multiplicidade e a diversidade no Brasil provoca tentação permanente do formalismo eclético que aparentemente soluciona e acaba com o problema. O populismo, o marketing e a propaganda busca esta solução provisória e pontual sem atingirem o âmago, a fonte e a raiz da causa do problema, nesta direção Pernoud advertia (1997: 60 c.3) que “Diversidade não quer dizer ecletismo”. Mario da Andrade era bem rigoroso quando, em 1938, na época do Estado Novo fustigava (1955, fl. 13) como “acomodatício e máscara de todas as covardias”.
Diferenciação (processos de) O filósofo Platão foi implacável afirmando (1983 308) que “a democracia abriga um bazar de sistemas políticos”. Esta diversidade favorece a possibilidade um trabalho teórico separado devido à diversidade empírica que apresenta cada tenda deste bazar. A possibilidade da construção teórica da Democracia separada a partir da multiplicidade das suas tentativas no mundo empírico possibilita cultivar o processo que de foi escrito por Pierre Bourdieu quando afirmou (1987 p.103) que: “devido aos progressos da divisão do trabalho, a diferenciação da obra de arte, como mercadoria e a aparição de uma categoria particular de bens específicos destinados ao mercado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura de arte. Instaurada na dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação.” Se este mundo teórico da democracia ainda está disperso nas múltiplas versões e experiências, maior é a dificuldade ao querer implantar a democracia no mundo prático:
Dinâmica social linear: Insistir num progresso linear permanente é um mero formalismo de marketing. O sociólogo Oliven expõe este fato no âmbito da dinâmica social linear quando afirma (1992 p. 20) que “esta tendência - que aparece sob várias formas como ideia da evolução, da possibilidade de um progresso ilimitado, do desenvolvimento, da crescente racionalidade, da modernidade - se depara frequentemente com evidências que a contrariam.” Especialmente quando os marqueteiros, atravessadores e pretensos mediadores insistem num progresso linear permanente sem apresentar um rumo definido, sem proporções, sem contratos e descartando todas as bases culturais consolidadas.
Discurso: O município opera na interação por meio dos contratos celebrados na célula política com a fonte e a origem mais próxima da cidadania. Neste âmbito municipal o discurso humano possui mais elementos comuns entre o Poder Originário e as eventuais autoridades para materializar os termos de qualquer contrato. Esta interação necessita buscar a significação que na concepção de Durham (in Oliven,1992, p. 21) para a sua eficácia “é necessário que um discurso ao interpretar sujeitos veicule uma mensagem verossímil, pois, para que uma ideologia se realize como tal, ‘capture’ os sujeitos, provoque adesão, é preciso que as significações produzidas pelo discurso encontrem eco no imaginário dos indivíduos aos quais se dirige, isto é, é preciso que se dê uma certa adequação entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos.” Neste discurso é possível um repertório comum e próximo que favorecem a busca de forças e bases competentes no paradigma - que ora se apresenta - para celebrar contratos postos em exames continuados e em tempo real.
Discurso de segunda ordem: Um exercício coerente com o Poder Originário necessita prever um contrato único para o antes, o durante e o depois de um evento governamental e contrário a todo projeto corrupto pelo personalismo. Contrato único, coerente e factível que necessita aceitar o fato de que o Estado realiza discursos de segunda ordem, diferente daquele de grupos populares. Esta distinção entre os planos na concepção de Ortiz (in Oliven, 1992, p.20) caracteriza “a memória coletiva dos grupos populares é particularizada, ao passo que a memória nacional é universal. Por isso o nacional não pode se constituir como prolongamento dos valores populares, mas como um discurso de segunda ordem”. No entanto este contrato, coerente com o Poder Originário, não cabe num voto. Nele se materializa a discurso de segunda ordem e cujo objetivo se traduz e destina primordialmente à etapa da conquista do cargo.
Disposição ávida e ansiosa em relação à cultura: pelo mestre de Alexandre Magno ao descrever esta cilada e aconselhava: “não se deve argumentar com todo mundo, nem praticar argumentação com o homem da rua, pois há gente com quem toda discussão tem por força que degenerar”. Aristóteles –Tópicos – [Penúltimo aforismo]. Aristóteles fez esta observação após apresentar todo o seu arsenal lógico e capaz de sustentar uma argumentação no interior de uma Retórica civilizada. Não se trata de julgar, discriminar ou desqualificar o “homem de rua”. Trata-se de perceber que ele facilmente pode ser vitima da sua própria disposição ávida e ansiosa em relação à cultura. Pierre Bourdieu caracterizou (1987, p.144) esta ânsia e avidez como “boa vontade pura, mas vazia e destituída de referências ou de princípios indispensáveis à sua aplicação oportuna, conduzem os pequenos burgueses a todas as formas de falso reconhecimento que definem a alodoxia cultural”. Evidente que os corruptores percebem esta ávida e ansiosa disposição do homem de rua em relação à cultura. Investem nesta falta de referências colocando neste vazio as suas próprias meias verdades que lhes interessam e as corruptos como algo para preencher o seu vazio conceitual.
Distinção realidade e aparências: O conhecimento é proveniente, não só de sua história, mas das cinzas e das dores do presente. As cinzas e dores do presente, causadas pela sua queima de etapas e pelas frustrações, são simétricas com as esperanças que causaram quando eram meras utopias. Mas a História não se repete a não ser como farsa. Toda Ciência, Arte e Politica, coerentes com suas forças que as sustentam, possui numa das suas metas a busca para distinguir a realidade das aparências. Esta disposição geral foi evidenciada por Schiller quando escreveu (1963 pp123/4) que: “o direito humano de domínio ele o exerce na arte da aparência, e quanto mais severo for no distinguir entre o ‘meu’ e o ‘seu’, quanto mais carinho puser em separar a forma do ser, quanto mais autonomia der a ela, tanto mais chegará não só a ampliar o reino da beleza, mas a preservar também os limites da verdade; pois é impossível purificar a aparência dos resíduos de realidade sem libertar, ao mesmo tempo, a realidade das aparências” Esta busca para distinguir a realidade das aparências está presente no universo das forças dos campos da Política, da Educação, da Religião, da Justiça, do Comércio e da Indústria cultural. As aparências escamoteiam e escondem-se em eventos pontuais avaliações e macro análises favoráveis à natureza das grandes utopias dos séculos XIX e XX e sem que estas tenham muito claros e objetivos dos projetos que lhes deram origem e pelas quais buscam se reproduzir.
Distinções culturalmente pertinentes: O gradativo acúmulo e a crescente complexidade levam estas energias a um estado crítico no qual é possível praticar distinções culturalmente pertinentes. Neste acúmulo Pierre Bourdieu encontrou (1987, p.109) as razões da formação deste estado crítico, pois: “quanto mais o campo estiver em condições como campo de competição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca das distinções culturalmente pertinentes em um determinado estágio de um dado campo por serem capazes de fazer existir culturalmente os grupos que os produzem, vale dizer, de conferir-lhes um valor propriamente cultural, atribuir-lhes marcas de distinção (uma especialidade uma maneira, um estilo) reconhecidas pelo campo como culturalmente pertinentes, suscetíveis de serem percebidos e reconhecidos enquanto tais, em função das taxionomias culturais disponíveis em um determinado estágio de um dado campo”. As energias vivas que buscam um ponto de equilíbrio homeostático das taxionomias culturais disponíveis da autoridade no meio das antigas, atuais e aspirantes ao governo. Homeostase a ser mantida enquanto persistir a vida, a força e a reprodução dos conceitos de sua origem.
Diferenciação: Os grupos humanos reorganizam, elaboraram, em todos os tempos, formas de comportamentos coletivos que querem uniformes e gerais nas suas ações. Inconsciente coletivo que controla mentes e corações dos grupos humanos que adota um repertório comum. Inconsciente coletivo que Pierre Bourdieu concebeu (1987: 103) com resultado material proveniente do mundo da ação comum, na qual “progressivamente, com a divisão do trabalho aparece uma categoria de objetos apenas como pura significação”. Seguindo esta pura significação, estes grupos humanos estão à vontade para seguirem caminhos e comportamentos diferentes conforme as suas circunstâncias de Tempo (Zeitgeist), de Lugar (Weltgeist) ou do Grupo Social (Volksgeist) a que pertencem.
Discurso O pior percalço para o poder legislativo é constituído por uma série de discursos equivocados dos seus agentes e que não respondem à um repertório político, social e econômico do seu próprio Poder Originário. Uma das características da eficácia de um autêntico discurso, conforme Oliven o concebe (1992: 21) necessita “capturar os sujeitos provocando a sua adesão. Para tanto é necessário que haja coerência entre as significações desse discurso e as representações dos sujeitos”. As representações do Poder Originário estão muito distantes da coerência daqueles que pretendem chamar sobre si mesmos a máxima atenção possível. Para tanto convocam e seduzem pessoas do povo que não possuem, e nem podem ter, um projeto e um contrato comum entre eles mesmos. Esta sedução está presente nos mais altos propósitos com o discursos de Getúlio Vargas[17] diante dos legisladores em 1931.Estes agentes nem ao menos estão conscientes dos percalços de uma glória repentina e fugaz. A súbita e fugidia celebridade é encoberta pelo sentimento que os envaidece e os estopins da onipotência, onipresença, onisciência e uma falsa eternidade ascendem e explodem em suas próprias mãos. Um cargo passageiro, que lhes pertence temporariamente é transformada em trampolim para o nada.
Distinções: o ente moral necessita ser coerente com seus limites no controle, que um grupo pode exercer sobre a parcela considerada. A criatura humana é competente para realizar distinções dos limites entre o fundo e forma. Esta operação e possível e Maturana e Varela escreveram (1996: 34) ela se realiza na medida em que: “o ato de assinalar qualquer ente, objeto, coisa ou unidade, que está associado ao fato de alguém poder realizar um ato de distinção que separa o assinalado como distinto do fundo. Cada vez que fazemos referência a algo, implícita ou explicitamente, estamos especificando um critério de distinção que assinala aquilo de que falamos e especifica suas propriedades como ente, unidade ou objeto. Essa é uma situação inteiramente quotidiana e não única, na qual estamos submergidos necessária e permanentemente” Na origem do Estado Nacional esta distinção é definida por grupos que se conhecem, interagem por meio de contratos implícitos ou explícitos. Estes se distinguem do fundo daqueles que são outros, estrangeiros e inimigos.
Distinções culturalmente pertinentes: Quando se projeta evidenciar o “quarto poder”, a partir da célula municipal, há necessidade de pensar minuciosamente como este processo possa evoluir em todos os patamares de um Estado, sem meias verdades e geração de equívocos implementados pelos mediadores de sempre. Inclusive no plano material não é possível ignorar, desleixar ou desqualificar qualquer distinção que é culturalmente pertinente ao Poder Originário. Neste sentido Pierre Bourdieu escreveu (1987:109) que “na medida em que uma área é capaz de competição pela legitimidade, tanto mais devem ser percebidas e reconhecidas distinções culturalmente pertinentes em função das taxionomias culturais disponíveis” Para reforçar esta percepção e evitar equívocos, não se prega a destruição nem mesmo a substituição das hierarquias funcionais existentes e coerentes com os três poderes.
Documento e a endogenia do poder: O Brasil cultiva as cortes e as retóricas presidencialistas, parlamentaristas ou jurídicas com o objetivo de ocultar esta contradição entre o Estado e a Nação. As normas pétreas das práticas jurídicas, favoráveis à circulação do poder entre o Estado e a Nação são rompidas, na sua prática, para dar lugar a um presidencialismo ou parlamentarismo divinizado e oportunista. Normas pétreas que se sustentam em documentos divinizados e mitificados entre milhões de outros. Neste cortejo de documentos, evidenciados pela indústria cultural, entram autobiografias, panegíricos e narrativas, que se louvam nas mais ridículas e estonteantes alodoxia ideológicas. A discípula de Heidegger, Hannah Arendt, escreveu (1983: 251) que: “Todos os relatos escritos pelos próprios atores do fato histórico, ainda que em raras ocasiões possam expor de uma forma digna de crédito as intenções, os objetivos e os motivos, nas mãos dos historiadores não são mais que documentos úteis e não atingem jamais nem a significação e nem a veracidade do relato histórico. O que o narrador diz é necessariamente escondido ao ator, ao menos na medida em que está envolvido na ação e nas consequências, pois para ele o sentido do seu ato não reside na história que segue. Mesmo se as histórias são os resultados inevitáveis da ação, não é o ator, é o narrador que vê e que ‘faz’ a história”. O resultado desta alodoxia estonteante é que brotaram infinitos poderes individuais que se alimenta destas divinizações descalabros e rupturas com a realidade. Cada um destes milhares de pequenos poderes julga-se divino nos seus interesses. O poder arcaico e tribal rebrota, ao acaso, em cujo modelo todos mandam e ninguém obedece.
Domínio linguístico: Os candidatos são transformados em “santinhos” pela graça do marketing e a propaganda eleitoral. Os olhos dos potenciais eleitores são bombardeados por arsenal interminável de ícones, os seus ouvidos são saturados até o limite pelos sons os mais estridentes de jingles repetitivos e do mau gosto mais horroroso possível. Muito poucos percebem quais as reais fontes dos fundos partidários e os interesses determinantes do marketing e a propaganda eleitoral. Empresas, escritórios, agências bancárias aguardam e necessitam destes eventos para movimentar consideráveis somas de cuja natureza e fluxo e destinatários o eleitor permanece muito distante. A distância entre o domínio linguístico e os campos da Filosofia e da Psicologia é perceptível na separação intencional pelo campo de forças marketing e da propaganda eleitoral. Esta clivagem contraria o Lyons ao escrever (1976: 95) que “a linguística não pode ser separada da filosofia e da psicologia”. Por sua vez Maturana e Varela descrevem (1996: 180) a lógica do domínio linguístico ao “designamos como domínio linguístico de um organismo ao domínio de todas suas condutas linguísticas. Os domínios linguísticos são, em geral, variáveis e mudam ao longo das ontogenias dos organismos que os geram”. Este domínio das condutas linguísticas do cidadão autônomo é jogada, violentamente, na heteronímia pelo marketing e pela propaganda eleitoral. Estes necessitam impostar, não só uma nova linguagem, mas modificar aos genes do repertorio do eleitor, violando e adulterando o centro da vontade das ontogenias dos organismos que os geram.
Doxia: Tanto na política como na administração, as mediações desastradas, amadores ou de pura e simples tutela do bem público e universal, interpõem mais como ruídos, filtros inúteis ou obstruindo e atulhando de ruinas o exercício da autoridade nestes campos. Como tais provocam mais aversões no mal estar natural de qualquer civilização. Os candidatos a conquistar este poder central, apresentam-se como “os salvadores da pátria” e aparentando “candura” para seduzirem os seus eleitores. Como tais prometem transformar o tabu das aversões, ruídos e catástrofes do passado, em totens da mudança para o bem querer universal, paz e progresso continuado. Bem querer, paz e progresso linear uniforme subsumido em violenta ‘doxia’ avassaladora que Pierre Bourdieu descreveu (1996: 144) acontece: “quando as estruturas incorporadas e as estruturas objetivas estão de acordo, quando a percepção é constituída de acordo com as estruturas do que é percebido, tudo parece evidente, tudo parece dado. É, a experiência dóxica, pela qual atribuímos ao mundo uma crença mais profunda do que todas as crenças já que ela não se pensa como crença”. Crença na qual o seu próprio portador esconde o projeto real desta “candidatura” mesmo que esteja consciente que ela tenha apenas e tão somente a conquista do poder, pois suscitaria e espalharia a insegurança, a desconfiança e o medo
Duração: repertório comum. Inconsciente coletivo que Pierre Bourdieu concebeu (1987: 103) com resultado material proveniente do mundo da ação comum, na qual “progressivamente, com a divisão do trabalho aparece uma categoria de objetos apenas como pura significação”. Seguindo esta pura significação, estes grupos humanos estão à vontade para seguirem caminhos e comportamentos diferentes conforme as suas próprias circunstâncias de Tempo (Zeitgeist), de Lugar (Weltgeist) ou do Grupo Social (Volksgeist) a que pertencem. Zeitgeist que conforme Bloch na qual estes grupos encontram a duração quando afirma (1976: 29) que: “o historiador não pensa apenas o humano. A atmosfera que seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duração”. Enquanto nos grandes discursos hegemonistas planetários do Weltgeist encontram saberes que são assumidos e convergem para núcleo da Ecologia que os recebe e os projeta de forma planetária para os mais variados campos. Já a Sociologia encontram acumulados relativos Volksgeist e provenientes de uma imensa gama de campos das Ciências Humanas. As concepções que suportam e são a base do Estado Nacional são, em si mesmas, o resultado da criação humana no âmbito desta tripla dimensão.
Dúvida e a derrota do espírito: Dúvida que desafia não pela incerteza, derrota dos projetos humanos e falta de rumo. A gênese da dúvida inicia no mundo helênico e ganha foros centrais na contemporaneidade conforme Arendt afirma (1983: 345) que “Descartes instala a dúvida e somos instados a segui-la em todas as ramificações. Como é possível aceitar o argumento da superioridade do espírito sobre os sentidos, quando ele reconhece que para triunfar deve se apoiar sobre os sentidos”. O mundo moderno teve seu caminho civilizatório aberto pelas concepções do mundo grego clássico. Porém a dúvida em relação ao espírito e das suas chances para se impor aos sentidos, estava bem presente em ambos conforme Arendt afirma (1983: 345/6 que.“a filosofia moderna, depois de Descartes, consiste em sistematizar a dúvida e a segui-la em todas as suas ramificações.. Se o Ser e a Aparência se separam para sempre, pois esse é o postulado da ciência moderna, então não existe mais nada a aceitar na confiança; é necessário duvidar de tudo. Já Demócrito havia predito que a vitória do espírito sobre os sentidos não poderia terminar do que com a derrota do espírito.”. A derrota do espirito ocidental precipitou-se através de uma janela que se escancarou repentinamente através do uso concreto e audacioso da informática por redes de terrorismo revelou outra face pouco aguardada.
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Ecletismo distinto de Diversidade A “diversidade não quer dizer ecletismo” conforme Pernoud sentenciava (1997: 60 c.3). Na época do Estado Novo, em 1938, Mario da Andrade era bem mais rigoroso ao afirmar (1955, fl. 13) que o ecletismo é “acomodatício e máscara de todas as covardias”.
Ecologia. A Vida, como a Arte, é gratuita. A liberdade, de pensar e de expressar o pensamento, não pode ser subjugada ou conspurcada por répteis e contrafações da política, da economia ou da mistificação Os bens materiais foram a tônica dominante da Ecologia. O que deveria significara triunfo do espirito sobre a matéria foi direcionada para a naturalização. No extremo oposto desviou-se imediatamente do espirito e buscou o seu triunfo na pura, absoluta e singela mitificação. Para esta mitificação valeu-se dos instrumentos dos grandes e pontuais discursos hegemonistas planetários expressos em pomposos e inúteis tratados. No lado obscuro, e longe destes discursos e tratados, os problemas ambientais foram se naturalizando e se infantilizando pelo marketing e propaganda. A violenta oscilação entre a naturalização e o reducionismo para o extremo oposto da mitificação hegemônica, espantou qualquer vestígio do espírito dos seus pioneiros como Ciência. Ao buscaram o poder central e procurarem alojar-se nos núcleos dos poderes estatais de todo planeta passaram o emitir discursos por cima e por fora sem resolver os problemas pontuais dos quais se esqueceram completamente. Apesar da responsabilidade de quem espalha poluição e degradação ambiental ultrapassar as suas fronteiras, esta degradação ambiental não pode ser controlada pelos seus efeitos á não ser nas suas origens pontuais, identificados e controlados na sua origem. No plano empírico qualquer responsabilidade esta origem é localizável na célula municipal e do seu respectivo Poder Originário. Os meio numéricos digitais permitem rastrear, corrigir e tomar providências profiláticas, proporcionais e manter uma homeostase de poderes no âmbito da Ecologia se nela triunfar o espirito sobre a matéria.
Editorial: O Poder Originário, que se apregoa aqui, possui infinitos paradigmas e é constituído politicamente pela sociedade civil organizada. Contudo este mesmo Poder Originário deverá ser considerado de forma permanente pelo outros três poderes que nascem, representam e agem em seu nome. Um destes instrumentos pode ser constituído pelos editoriais dos jornais e periódicos. Entende-se os editoriais dos jornais como textos fundamentais de cada periódico e que explica, argumenta e justifica as razões da criação, circulação e manutenção de um órgão jornalístico publico. Um jornalístico possui os seus apoiadores e que os sustentam como assinantes. Estes assinantes e leitores contribuem o seu Poder Originário. Cabe á direção ou proprietário do periódico legitimar e expressar, nos seus editoriais, as razões e para coerência entre o seu pensamento e dos seus leitores e assinantes que mantem circulando este periódico. Se tal acontecer de fato este periódico merece toda a atenção dos poderes públicos municipais e conhecimento do poder central Os textos destes editoriais podem ser remetidos, sem custo, por meio de e-mails e ordenados pelo CEP no qual se localiza a sua redação. Os textos destes editoriais, reunidos, ordenados pelos respectivos CEP’s podem circular em todas as instâncias governamentais e trazendo as premências e o pensamento vigente no amplo território nacional.
Educação formal institucional: no possível pacto nacional coletivo da era da informática numérica digital, não se trata de um contrato arbitrário e inconsequente com o objetivo de pulverizar o poder e a autoridade. Contrato que no campo de forças e energias da educação formal escolar é dialético, mas que permite contornar a pulverização do poder e da autoridade. Nas palavras de Hegel (1980: 133) esta dialética da educação formal institucional “deve impor-se como mediadora a razão que exige unidade enquanto a natureza solicita a diversidade”. Pulverização que Schiller evitava e sanava (1963: 86) quando “a razão e a espiritualidade ficam despojados do abstrato unindo-se a natureza da qual toma sangue e carne, sendo que a tarefa da educação estética é fazer das belezas a Beleza”. União dialética entre a Razão e Natureza potencializada na era da informática numérica digital pelos seus meios técnicos. Meios técnicos que são ferramentas potenciais para abrirem canais pelos quais circulam as energias de sangue único de um poder nacional. No Brasil a relação entre a Educação formal e institucional está muito longe de um projeto e de um pacto nacional em relação a este tema. Talvez por esta falta ela foi objeto constante de preocupações e de grandes nomes em todos os tempo. Dos que se projetaram nacionalmente ao longo do século XX podem ser destacados, entre os já falecidos, ao pedagogo Fernando Azevedo[18] devido ao volume e constâncias de produções a respeito do tema e as conexões com a cultura. O fundamental Anísio Teixeira[19] O atento e ativo Florestan Fernandes[20]. O antropólogo e criador da Universidade de Brasília Darcy Ribeiro[21]. Paulo Reglus Neves Freira (1921-1997)[22] projetou-se no plano internacional
Educador O ENTE humano realiza a socialização visível na escola formal na continuação da daquilo que está difuso no meio social. O ENTE humano evolui - neste meio social e na instituição escolar - em direção à sua maturação do SER social, intelectual e cultural. Rubens Alves propõe (1984: 14) que o seu agente e o seu docente seja um educador em quem “habita em que a interioridade, visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos fazem a diferença. Muitas vezes o educador é um mau funcionário”. Esta tensão passa entre o professor funcionário e o educador como pessoa. A instituição escolar foi projetada, moldada e funciona na cultura da era industrial para a lógica unívoca da linha de montagem típica. Em instituição escolar com esta característica, o professor é funcionário e muito distante e em conflito com o educador como pessoa. Com a era numérica digital surge uma outra maneira técnica de o educador agir como escreveu Read[23]. Por estes meios técnicos a interação entre estudante e docente educador tornou-se potencialmente muito produtiva, se cada parte entender e praticar as novas competências e também os seus limites.
Educador distinto de professor: Na cultura ao modelo da linha de montagem - com prévio planejamento e gerido em sucessivas e rigorosas séries cumulativas - o ENTE humano evolui nesta mesma direção. O mesmo Rubens Alves é mais explicito (1984: 14-15) quando amplia o seu pensamento: “O educador, pelo menos o ideal que minha imaginação constrói, habita em um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos. O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir de interesses do sistema. Frequentemente o educador é mau funcionário, porque o ritmo do mundo do educador não segue o ritmo do mundo da instituição”. Os agentes da instituição escolar e a cultura difusa do meio social realizam, nesta linha de montagem, todos os esforços que visam construir um SER social numa arquitetura intencional que tende ao erro zero. Esta modalidade de socialização do ENTE humano busca lograr a eficácia controlável e reversível à sociedade de sua origem unívoca da linha de montagem. Assim a instituição escolar e a cultura difusa caem num processo de endogenia da era industrial.
Eidos: Um enxame de mediadores, de intrusos e de mediadores que impõe alinhamento com as suas mentalidades corrompidas, pois afirmam conhecer a tudo e ameaçam, a todos, de fazer revelações surpreendentes e estonteantes. Mediadores, usurpadores de tutela e atravessadores que se valem do aspecto exterior (eidoz) e se prende o olhar, o observar, o imaginar, o fingir, o poder ( eidw) e que Arendt, descreve (1983, 193/4) manifestando-se: “através do aspecto exterior (eidos), a ideia da projeção ao mundo interior (ideien), se liga a da fabricação (poiesis) A imagem de permanência, antes da fabricação, e que subsiste, depois de sobreviver a todas as formas de uso possíveis, esta mesma imagem contribuiu poderosamente sobre a qualidade da doutrina platoniana das ideias eternas. Na medida em que essa doutrina se inspira na palavra ideia ou eidos («aspecto», «forma»), e que Platão foi o primeiro a usar num sentido filosófico, repousa sobre experiências de poiesis, de fabricação”. Fabricação que mal disfarçam os “Pig-Brothers” que riscaram do seu dicionário as palavras moral e ética.
Eficiência: As projeções derivadas das matrizes socialistas, anarquistas, nazistas e fascistas criaram uma anomia social política e econômica. No centro de cada uma delas residia o projeto subliminar da eficiência. Este projeto de eficiência, quando passou a reger os contratos no mundo prático, tornou-se imediatamente totalitária. O teórico que Greenberg percebeu e descreveu (1996: 49) a força implacável da eficiência que “no momento em que se aceita como valor absoluto a eficiência, nunca se é eficiente de forma absoluta como nunca se é absolutamente virtuosos, passando a infernar e pesar como um sentimento de culpa”. Esta implacável busca pela eficiência percebeu rapidamente o seu limite se continuasse presa ao relógio e à linha de montagem. Constrangidos os mediadores ou atravessadores do poder, mitificaram os formuladores originais e os levaram aos museus e sem deixar de transformá-los simultaneamente em “culpados de tudo” como os “grande tiranos” de sempre. Esta mitificação de eficiência foi para as imensas telas dos templos do cinema e que projetavam a cultura da primeira era industrial. Estes templos foram apenas um dos índices e uma das projeções deste escapismo de uma anormia generalizada e capitalizações da impossível eficiência total.
Emoção e regra: Na práxis despontam, amadurecem e se reproduzem as sementes da cultura humana a serem desenvolvidas ao longo da existência humana. Estas sementes, maduras e férteis, são transportadas para se reproduzirem em espaços novos e por tempo indeterminado. No sentido inverso, uma vez adquirida a cultura, permite lhe usar o potencial para realizar o diálogo diferenciado com a macro Natureza, recomeçando e ampliando o ciclo do crescimento. A criatura humana vale-se da Arte para expressar o estágio deste crescimento. De Masi percebe (1997: 13) a emoção é competente para ativar “a arte permite tanto amar a regra para corrigir a emoção (Braque) como amar a emoção que corrige a regra( Gris)” A Arte é distinta da cultura. Porém as duas juntas fornecem um espaço de base universal para se constituir um índice de avaliação
Empirismo: Os atenienses concediam um ano para o exercício do poder. Eles acreditavam que qualquer um dos seus cidadãos, educados nas suas leis e seguindo as práticas diárias da cidade, poderia ser guindado para qualquer um dos cargos criados por eles e, o escolhido, saberia e cumpriria as funções destes cargos. Os seus teóricos tinha esta convicção a partir da íntima conexão entre empeiria e techné que o filósofo e educar Aristóteles remetia (1972, p. 212 Metafísica - I cap. I (7) )..para a consideração dos seus leitores, pois: “nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, e consideramos os homens de arte mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e outros não. Com efeito os empíricos sabem o ‘que’, mas não ‘porque’: a passo que os outros sabem o ‘porquê’ e as causas que os artistas conhecem. Por isso há mais saber na arte (techné) do que na experiência (empeiria). “ Nas suas concepções atuais como aquelas que Leonardo da Vinci afirmou que “tudo o que é contínuo pode ser dividido em infinitas partes”, os meios e ferramentas numéricas digitais vieram em boa hora. Vieram inclusive para reconectara a obra física de empirismo com o mundo mental.
Enigma A nova era da informação numérica digital encontra condições e uma ocasião única para fazer refluir esta compulsão concentradora da era industrial. Inclusive ela joga enigmas recorrentes e desestabilizadores como resultado do que De Masi escreveu (1997: 228) ao afirmar que: “na medida em que se admite que a criatividade é modernidade e decadência, não acumulação mas explosão emocional, afirmação de valores ao mesmo tempo a sua dissolução e desmoronamento de valores, o enigmo torna-se explicação”. Para estes desafios, enigmas e urgências a nova era da informação numérica digital oferece notáveis meios tecnológicos para fazer refluir estas energias acumuladas nestas metrópoles, para as sadias células municipais espalhadas em todos os recantos do imenso território brasileiro.
Ensinamento de arte: Os novos meios numéricos digitais permite reconstruir que a vida, os ambientes e as mentalidades por meio dos quais seria possível constituir um círculo de amizades sem patrulhamentos ou por intromissões indevidas de ideologias fechadas e mortas. Liberdade que promete uma vida em ambientes nos quais seja possível um constante pertencimento sem constrangimentos e a fuga do anonimato cinza urbano. Este ideal Schiller buscava (1963, p.105) na por meio dos ensinamentos da Arte e da educação estética, pois: “existe uma bela arte da paixão; mas uma bela arte apaixonada é uma contradição, pois o efeito inescapável da beleza é a liberdade das paixões. Não menos contraditório é o conceito de bela arte com ensinamento (didática) ou corrigidora (moral), pois nada é tão oposto ao conceito de beleza quanto dar ao espírito uma certa tendência”. Nesta paixão pela liberdade existe o longo caminho do ‘ensinar’ e do ‘aprender’ que significa APRENDER na medida do ‘compreender’ e o seu efeito do ‘ter compreendido’. Nesta compreensão encontras a impossibilidade da volta ao campo e nem o fim das metrópoles
Ente primitivo: Admite-se como ‘entes primitivos’ de uma narrativa os termos e os conceitos sem pretender esgotar significados e tornar o seu significado unívoco, linear, reversível e tornar simétrico o seu sentido. As Ciências exatas. estão próximas deste reversibilidade, pois todo polígono de três lados, como todo polígono de três lados é um triângulo. Concebe-se como ‘ente primitivo’ como algo sobre o qual se fala, que está na origem de uma ciência e admitido sem definição Ponto, linha e plano são impossíveis de definir, mas com eles constrói-se a Geometria. Palavra cuja definição torna-se muito ampla, mas constitui a base de uma teoria. Na geometria é impraticável uma definição e sua transferência unívoca para o mundo real como de um ponto, de uma linha ou de uma superfície. Constituem entes primitivos desse estudo, e ao redor dos quais gira toda a construção da teoria sem que seja possível delimitar a sua natureza e a essência, muito menos a sua aplicabilidade unívoca. A maioria das histórias nacionais constrói as suas narrativas a partir do referencial e guia dos entes primitivos discursivos simplesmente delimitados pela cultura política dos governos centrais ao estilo das narrativas das dinastias dos faraós egípcios. O histórico do Poder Originário não é evidente e ardilosamente camuflado entre as linhas das narrativas estatais carentes de análise do discurso de suas próprias versões. No presente texto, poder, a autonomia, a democracia, a educação, a história, a liberdade. ...constituem entes primitivos desse estudo, e ao redor dos quais gira toda a construção da teoria sem que seja possível delimitar a sua natureza e a essência, muito menos a sua aplicabilidade unívoca. Goethe escreveu (1945: 11) que “definitivamente tratamos em vão expressar a essência de uma coisa. Percebemos efeitos sim, e uma história completa dos efeitos abrangeria melhor a essência da dita coisa. Esforçamo-nos em vão em descrever o caráter de um homem; mas se recolhermos seus atos e ações surgirão deles uma imagem do caráter”: Trabalha-se com elementos essenciais dos quais pressupõe-se uma suspensão (épokhé) da definição. O tempo dado e o julgamento suspensos da épokhé encontra na skholé seu espaço privilegiado de desenvolvimento. Esta suspensão de juízo possui um lugar, uma instituição no qual os juízos particulares são suspensos para se abrigarem no juízo geral do grupo humano, Bourdieu escreveu (1996 p.206) em relação a este ambiente separa como “Skolé é uma forma especial, como situação institucionalizada de lazer estudioso. A adoção desse ponto de vista escolástico é o preço de entrada tacitamente exigido por todos os campos do saber: a disposição ‘neutralizante’ (no sentido de Husserl), que implica suspender qualquer tese sobre a existência e qualquer intenção prática, é a condição - pelos menos igual à posse de uma competência específica - de acesso ao museu e à obra de arte.”
Entropia a entropia e o caos andam de mãos dadas em todos os horizontes humanos e da Natureza. Arendt escreveu (1983: 313) que “a vida humana precipita-se em direção à morte e a ruina”. Na perspectiva oposta Max Bense afirma (1975 :118) que “a sua ação permite lembrar que ainda que o homem deva morrer, não nasceu para morrer, mas para renovação” . Esta ação que Schiller traduziu (1963, pp. 120/1) como:“a disposição é a fonte da liberdade, não podendo, portanto, dela nascer e ter origem moral. ... A semente [da estética] irá ter pouco desenvolvimento onde a natureza pobre irá roubar ao homem o lazer. Onde, [a Natureza for] perdulária e o libertar de qualquer esforço, é onde a sensibilidade embotada não experimenta desejos e onde a violenta avidez não encontrar alimento. A planta amorável não irá nascer do homem troglodita, oculto em cavernas, eterno isolado que nunca encontra a humanidade fora de si, nem irá nascer nos grandes exércitos nômades, em que o homem é número e nunca encontra a humanidade em si”. No domínio desta liberdade e humanidade os sistemas abertos e com energias soltas são melhor potencializadas pela lógica formal da informática numérica digital do que pelo taylorismo da era industrial. As energias mentais e físicas encontram no caos a matéria prima para os projetos possíveis e o espaço potencial para que a imaginação erga a sua criação. Mesmo as instituições mais sólidas desmancham no ar. A história do colapsos, falências e a deterioração atingem o que Giron[24] descreve o triste estado de uma instituição paulista onde se formou e lecionou Mário de Andrade.
Entropia e ação humana: O ENTE humano necessita construir um SER social a partir deste potencial fundo natural e da sua própria ação. Pelo seu lado natural o ser humano não nasce social. Do outro lado morte é certa. O que o salva é a sua ação e sua renovação continuada. É o que Arendt escreveu (1983, p.313) ao afirmar que: “a vida humana precipitando-se em direção à morte levaria inevitavelmente para a ruína, para a destruição, tudo o que é humano, se não fosse permitido interromper essa corrida e de começar tudo de novo, permissão que é inerente à ação, como para lembrar constantemente que os homens, ainda que devam morrer, não nasceram para morrer, mas para a renovação”.O longo e o enorme e continuado esforço da ação humana na busca da sua adequação à sociedade, a sua e a potencialização intencional e as constantes renovações necessária, foram comprovadas cientificamente por Jean Piaget.
Epistemologia: Nesta História, na autêntica Ecologia nas Ciências humanas desenvolve-se uma epistemologia que Bruyne como “um polo essencial da pesquisa no qual se situa a lógica da descoberta, como o da prova. Os pesquisadores estão na base enquanto os filósofos estão no vértice, analisando os resultados dos pesquisadores”. Resultados que iluminam as concepções que suportam e que conferem a base do Estado Nacional como resultado da criação humana no âmbito da tripla dimensão do Zeitgeist, Weltgeist e do Volksgeist. Bruyne Continua (1977 pp. 42 /3) “A epistemologia, de qualquer modo que seja definida, coloca, de certa maneira, que uma ciência da ciência é possível. Mas isso não significa absolutamente que essa ‘metaciência’ tenda para uma compreensão absoluta das ciências; deve-se antes dizer que um certo saber ligado à produção científica torna-se possível a partir da reflexão epistemológica. A epistemologia assim concedida, enquanto polo essencial da pesquisa, situa-se portanto, de imediato, tanto numa lógica da descoberta quanto num lógica da prova, o modo de produção dos conhecimentos interessa-lhe tanto quanto seus procedimentos de validação.” Ainda Bruyne (1977: 41/2) afirma que “A epistemologia estabelece as condições de objetividade dos conhecimentos científicos, dos modo de observação e de experimentação examina igualmente as relações que as ciências estabelecem entre as teorias e os fatos.. Para discernir o papel e contribuição de uma instância epistemológica no processo de pesquisa, convém distinguir duas funções de própria epistemologia. Pode-se qualificá-la de metaciência na medida em que vem após e diz respeito às ciências: reflexão sobre os propícios, os fundamentos, a validade das ciências. Mas ao lado desse caráter metacientífico, a epistemologia revela também um caráter intracientífico e, como tal, representa um pólo intrínseco à pesquisa científica.”. Por sua vez Ladrière, citado por Bruyne (1977: 16 /17), sustenta: “se a epistemologia é possível, é porque a ciência já funciona e, em seu próprio funcionamento, uma certa ideia reguladora já se manifestou parcialmente. Não é possível encerra num fórmula a ideia de cientificidade, mas essa ideia já funciona e pode-se pelo menos indicar em que direção ela nos orienta. O que já aparece bem claramente é a figura de um saber que não apenas é capaz de crescimento mas que regula as condições de seu próprio crescimento e consegue aperfeiçoar métodos de regulação cada vez mais eficazes. Estamos diante de um processo evolutivo caracterizado pela auto-organização: o que é produzido num dado momento não vem simplesmente acrescentar-se ao que já foi produzido anteriormente, mas cria condições novas que tornarão possível uma produção qualitativamente superior no futuro. O que importa, então, bem mais do que o crescimento do saber, é sua transformação qualitativa e portanto, o aperfeiçoamento dos mecanismos graças aos quais o saber se constitui.”
Épokhè:. Os agentes políticos do Poder Originário encontram um apoio inédito na era numérica digital. Estes oferecem instrumentos poderosos para desmontar os interesses fundados sobre meias verdades. O objetivo claro e avaliável ao longo da prática por meio dos instrumentos numéricos digitais é desmascarar as meias verdades semeadas pelos corruptores e os corruptos. Reagir e frontalmente contra corruptores e os corruptos, na mesma medida e intensidade gera tensões e resultado imprevistos e frequentemente lastimáveis. O pensamento sábio e prudente recorreu em todos os tempos e lugares a aquilo que a cultura grega denominava de “épokhé”. Para Bruyne (1977: 75c) nesta “parada reflexiva” antes da ação “trabalha-se com elementos essenciais dos quais se supõe uma suspensão de juízo, não se procura o núcleo de sua definição mas os fenômenos que pertencem ao objeto da nossa atenção distinguindo-os do fundo”. Outros pensadores, como Arendt, (1983 : 215), Ricœur (1999: 5), Greenberg, (1996: 244) e tantos outros reconhecem esta mesma estratégia em outras palavras. Antes deles o poeta Schiller já havia escrito (1963 pp. 97/8) que: “o homem não pode passar de modo imediato da sensação ao pensamento; ele precisa retroceder um passo, pois somente quando uma determinação é negada surge lugar para outra que lhe seja oposta. É preciso portanto, para substituir a receptividade pela espontaneidade, a determinação passiva pela ativa, que o homem, por momento, esteja livre de qualquer determinação, atravessando um estado de pura determinabilidade”. O mesmo Schiller também escreveu (1963, pp. 101 / 2 (nota)) em relação ao tema: “a disposição estética – como estado intermediário, de plena liberdade lúdica – restitui-nos as virtudes humanas enquanto meras virtualidades, pelo fato de anularem-se mutuamente as oposições da necessidade natural e da necessidade moral. Esta descrição de estado de ‘indiferença’, de neutralização mútua e indeterminação importa numa negação de feitos ou intenções imediatos de ordem moral ou religiosa, ou de qualquer outra espécie, no uso da arte. Mas ao mesmo tempo atribui à arte altíssima função educativa, ainda que indireta, visto ela restituir a liberdade de tornar-se aquilo que ele cabe tornar-se” Em geral ao longo desta suspensão de juízo (epokhé), nesta “parada reflexiva” as meias verdades e os ecletismos forçados, não se sustentam com os seus recursos falso e saltam aos olhos de todos e expões o seu completo embuste diante de qualquer tipo de crítica.
Equilíbração: As energias mentais e físicas encontram no caos a matéria prima para os projetos possíveis e o espaço potencial para que a imaginação erga a sua criação. Esta elaboração é possível ao ENTE humano na medida em que o seu SER possui um núcleo solido e equilibrado e que Piaget verificou suas pesquisas e descreveu (1983 p.74) como confirmação das suas crenças: “Eu tinha chegado a duas ideias centrais segundo meu ponto de vista, que aliás nunca mais abandonei depois. A primeira é que todo organismo possuindo uma estrutura permanente, que se pode modificar sob influências do meio mas não se destrói jamais enquanto estrutura de conjunto. Todo conhecimento é sempre assimilação de um dado exterior a estrutura do sujeito. A segunda é que os fatores normativos do pensamento correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por auto-regulação: assim a lógica poderia corresponder, no sujeito, a um processo de equilibração”. Esta “equilibração” deriva do fato de que todo o organismo possui uma estrutura permanente que o meio modifica. O escritor mineiro, Guimarães Rosa acrescenta (1963 : 62) que “o real não está nem no início nem no final”,
Equilíbrio: coloca-se o equilíbrio entre o “EU” o “TU”. Equilíbrio que não significa um ponto médio fixo de um “NÓS” emergente entre as variadas forças e energias que compõe o campo de energias críticas do Poder Originário. Se aceita a concepção de equilíbrio do poeta Schiller, ao escrever (1963: 98) que “os pratos da balança equilibram-se quando vazios e também, quando suportam pesos iguais.” O mesmo poeta e educador Schiller avança (1963, p. 52) em direção à excelência do equilíbrio ao humano e ao seu objetivo de pertencer à uma época, lugar e grupo humano onde “a tensão de forças espirituais isoladas gera homens extraordinários, mas apenas a temperatura uniforme delas os faz felizes e perfeitos”. Esta “temperatura uniforme” pode ser aceita como uma metáfora do clima gerado pela Democracia. Este equilíbrio e esta temperatura uniforme - gerados pela Democracia - agem de forma homeostática. Não possuem a esperança de um único ponto médio fixo imutável e imponderável em todos os tempos e lugares.
Escola: o mundo da instituição da educação formal normalmente responde pela palavra escola Aristóteles a percebe (1973: 212) como o “lugar e forma institucionalizado do lazer estudioso”. (scolh’ lugar do ócio) é o lugar ideal para a prática da suspensão dos juízos (epokhé). O francês Pierre Bourdieu livra a escola de uma série de parasitas e sedimento culturais que se acumularam em cima dela quando a livrou (1996b: 206) do fato de “não visar nem ao prazer nem a necessidade”. Já Hannah Arendt afirma (1983: 182) que “a escola não é um lugar de consumação, mas de abstenção da atividade do trabalho e consumo. A frugalidade é sua característica”. O mundo do educador no conjunto dos agentes da instituição escolar buscam neste mundo da instituição é superar as suas contradições e transforma-las em complementariedades. O julgamento e a fortuna dos seus contratos afeta diretamente a cultura difusa do meio social do poder originário da nação. No entanto esta balança dos julgamentos ainda possui por fiel a linha de montagem, todos os esforços que visam construir um SER social numa arquitetura intencional que tende ao erro zero. Esta modalidade de socialização do ENTE humano busca lograr a eficácia controlável e reversível à sociedade de sua origem unívoca da linha de montagem. Assim a instituição escolar e a cultura difusa caem num processo de endogenia da era industrial. Na leitura ampliada de Aristóteles percebe-se (1973 pp.212/3 Metafísica I cap.I (11) que “constituídas as [ciências] outras se descobriram que não visam nem prazer nem necessidade, e, primeiramente, naquelas regiões onde [os homens] viviam no ócio. É assim que, em várias partes do Egito, se organizaram pela primeira vez as artes matemáticas, porque aí se consentiu que a casta sacerdotal vivesse no ócio.” Na ampliação do pensamento de Bourdieu é possível ler (1996b p.206) que “Um ponto de vista muito específico sobre o mundo social, sobre a linguagem ou sobre qualquer tipo de objeto do pensamento, que se tornou possível graças à situação de skholé, de lazer, da qual a escola - palavra também derivada de skholé - é uma forma especial, como situação institucionalizada de lazer estudioso”. Enquanto isto Arendt amplia (1983 p. 182) para “os lazeres tais como são concebidos atualmente não são a skholé antiga, que não era um fenômeno de consumação, evidente ou não, como também não resultava de um ‘tempo livre’ tomado do trabalho, pois se tratava ao contrário de uma «abstenção» consciente de todas as atividades ligadas à existência, atividades de consumação tão bem como atividade de trabalho. A pedra de toque desta skholé, em oposição ao ideal moderno de lazeres, é a frugalidade bem conhecida, e muitas vezes descrita, da vida dos gregos da época clássica”. No Brasil a relação da escola com a concepção da democracia foi objeto de Dermeval Saviani[25] e escrita sob a ótica da Abertura Politica que se seguiu ao período da Ditadura Militar(1964-1979).
Escola e indústria a mudança é particularmente visível na instituição escolar que ainda se move na mentalidade agrícola. Aa escola como instituição contemporânea visível, fez a sua estreia na passagem da era agrícola para a industrial a. Durand escreveu (1989 : 59) que a escola, na linha industrial, foi: “a nova solução encontrada depois da destruição do artesanato e aprendizagem em guildas e atelieres na prática dos ofícios . Antoine Prost observa que a organização de escolas para a formação de artesãos e operários correspondeu a uma fase em que, com a destruição do artesanato pela indústria capitalista, e com a correlata desorganização das categorias de artesãos através da aprendizagem nos ateliers dos mestres credenciados, abriu-se a necessidade de nova solução institucional”: Porém o mais grave foi que “ o vínculo entre Industria e Escola não aparecia aos olhos ingênuos do liberalismo como aquilo que é: uma forma de reprodução planejada do sistema social” na observação reveladora de Bosi ( in Mota, 1980 : III Durand, 1989 p.59 nota 9). O processo geral foi examinado no seu aspecto histórico por José Antônio Tobias[26] Os agentes tornam-se históricos apenas na busca de um equilíbrio na medida em que conseguem propor um projeto para romper com esta ingenuidade e a endogenia subliminar e que arrasta, por tempo indeterminado, estes projetos de bases mecanicistas e behavioristas. Caso contrário eles passa a categoria da obsolescência programada e destinados ao descarte como o professor foi percebido por Rubem Alves[27].
Espaço psíquico diferente do espaço relacional: uma construção criativa e única supõe, também no campo político, a informação fidedigna, um projeto coerente com estas informações e o exame permanente dos seus fundamentos e com novos desdobramentos. Este exame espelha-se permanentemente na origem de seu projeto e retorna para as razões e as etapas da sua construção. Nesta construção os biólogos Maturana e Varela distinguem (1996, pp. 60 /1) o ESPAÇO PSÌQUICO é diferente O ESPAÇO RELACIONAL que não é suficiente para explicar o psíquico, pois: “Todo o ser vivo existe num espaço psíquico. Essa é uma afirmação ousada- Por que não dizer simplesmente: cada ser vivo existe num espaço relacional? Utilizo a expressão espaço psíquico porque quero sublinhar três coisas, a saber: as dimensões invisíveis do espaço relacional e também a extensão em todos os aspectos da maneira de viver do organismo; que os seres humanos diferem de outros seres vivos só nas muitas dimensões de seu espaço relacional o qual está completamente centrado em conversações; e que nada daquilo que chamamos psiquê humana esta de fato fora do ordinário. Se eu fosse fazer a afirmação contrária, dizendo que cada ser vivo existe em um espaço relacional, sem dúvida me perguntariam sobre o caráter evasivo da psiquê humana como se esta pertencesse a um domínio formal diferente, e para responder a essa pergunta iria referir-me ao que eu disse anteriormente” . O problema da diferença entre o ESPAÇO PSÌQUICO é O ESPAÇO RELACIONAL é perceptível na incoerência do projeto enunciado pela mentalidade e a competência da autoridade no espaço administrativo. É espantoso o abismo entre aquilo que autoridade sonha, enuncia e faz que acredita contraposto com aquilo que ela pratica e é perceptível no seu fazer pelo fazer para marcar o se espaço.
Esquecimento: Um dos processos mais subliminares para anestesiar o Poder Originário é exibir, evidenciar a fazer reproduzir a alodoxia construída com fragmentos brilhantes dos quais um povo se orgulha e que ele próprio exibe como conquista única e definitiva. Porém o objetivo último desta alodoxia é substituir e fazer esquecer o presente monótono, chato e aversivo. Freitas descreve (1996, p.24) este processo de que: “ao invés de se empenhar na conquista do futuro, refugiou-se no passado idealizando-o como uma perdida idade de ouro em que todos eram livres e felizes. Percebe-se a vantagem do mito, as novas elites urbanas dele se apropriaram e promovem através dos seus aparelhos ideológicos, o folclore, a literatura a historiografia, a poesia. Desta forma embevecidos na contemplação e recordação de um passado mítico, os homens se conformam com o presente, e deixam de sonhar com o futuro” .Denunciar e inverter este processo constitui uma das primeiras mudanças necessárias.
Estado: Obcecado por uma visão administrativa, central e totalitária que o filosofo Hegel escreveu 1980 : 133 que é “o Estado é que faz a nação e não a nação o Estado”. mO seu contemporâneo e conterrâneo Schiller foi mais prudente (1963: 41) na dúvida ““Será ainda muito imperfeita uma constituição de Estado que só saiba alcançar a unidade pela negação da multiplicidade. “O Estado não deve respeitar apenas o caráter objetivo e genérico dos indivíduos, mas também o subjetivo e específico; não deve, pela instauração do reino da moralidade, despovoar o reino da aparência”. Após dois séculos de duras experiência com o Estado hegeliano Foucault registrou (1995: 292) que “o homem contém o germe do Estado. Toda nação tende a um Estado. Funde os sujeitos indivíduos apesar das múltiplas diferenças. O Estado provoca amor ou horror; o primeiro gera o monstro frio, o segundo o reduz a algumas funções”. No entanto no Brasil Buzzar enuncia (1997: 129) o equilíbrio homeostático entre estes polos extremos das forças antagônicas que oscilam entre “a ênfase em um desses polos cria a sístole e diástole nacionais. A Primeira República coloca a ênfase na Nação. Depois da Revolução de 1930 o enfoque é sobre o Estado intervencionista”. Porem esta oscilação possui o seu preço que Foucault apontou (, 1995, p.292) que “Sabemos que fascínio exerce hoje o amor pelo Estado ou o horror ao Estado: como se está fixando no nascimento do Estado, em sua história, seus avanços, seu poder e seus abusos, etc.. Esta supervalorização do problema do Estado tem uma forma imediata, efetiva e trágica: o lirismo do monstro frio frente aos indivíduos; a outra forma é análise que consiste em reduzir o Estado a um determinado número de funções.” A oscilação entre a culpa (ditadura Militar) e perdão (Abertura Política) só é possível na medida da concepção de que o povo é sinônimo de pobre e de desqualificado para receber a informação integral e fidedigna. O Poder Originário é bola da vez neste jogo mortal entre culpa e perdão e sem a menor chance da estabilidade permanente de sua consciência política. Nesta concepção desqualificadora o povo é pobre de corpo e de alma. O homem contém o germe do Estado. Toda nação tende a um Estado. Funde os sujeitos indivíduos apesar das múltiplas diferenças. O Estado provoca amor ou horror; o primeiro gera o monstro frio, o segundo o reduz a algumas funções. Foucault, ‘1995 : 292
Estado estético: a Democracia, no plano etimológico, como o governo do povo para o povo. Vista pelo lado da cidadania acompanha-se a concepção de Mary Follet (in Carvalho, 1979: 60) de que “só teremos democracia verdadeira quando os jovens não mais forem doutrinados, mas formados no caráter da democracia. Portanto o meu dever como cidadão não se esgotou naquilo que trago para o Estado. Meu teste como cidadão é quão plenamente o todo é expresso em mim ou através de mim”. No plano do projeto nacional Skinner coloca (1980: 207) a Democracia como “ o povo planejando as contingências nas quais irá vive”. Esta mesma esperança é perceptível em Schiller no texto em descreve (1963, p. 102) as virtudes agregadores do fundo e da forma presente num estado estético:
“não se pode chamar injustos aqueles que declaram o estado estético o mais fértil com vistas ao conhecimento e à moral. Tem plena razão, pois uma afirmação do espírito que abarca em si o todo da humanidade não pode deixar de abarcar também, virtualmente, qualquer manifestação isolada; numa postura do espírito que afasta todos os limites da totalidade da natureza humana afasta-os também, com necessidade, de todas as exteriorizações individuais. Por não proteger de modo exclusivo nenhuma das funções da humanidade, ela favorece todas, sem exceção, e se não favorece nenhuma isoladamente é por ser condição da possibilidade de todas elas”. As virtudes agregadoras do fundo e da forma, presentes num estado estético, possuem características muito semelhantes ao questionamento e às interrogação acerca da democracia.
Estado industrial: Na origem do Estado Nacional esta distinção é definida por grupos que se conhecem, interagem por meio de contratos implícitos ou explícitos. Estes se distinguem do fundo daqueles que são outros, estrangeiros e inimigos. Neste ambiente distinto do Estado como algo artificial a vista de todos, ele participa da mesma virtude da obra das artes visuais e que “não pode mentir” na concepção de Bereson. O Estado contemporâneo não pode mentir quanto á sua origem industrial. Neste sentido Arendt escreveu (1983: 375) que “na medida em que processos servem de modelo ao homo faber na época moderna, o Estado é reinventado para dar uma forma a esses modelos dos processos”. Na medida da consciência da origem e do processo industrial o Estado Nacional guarda guardar a sua proporção e espelhar-se na célula municipal efetiva esta concepção de limite e de competência.
Estado industrial e escola mesmo que se queira desmentir esta utopia - bem urdida pelo marketing - a escola e a educação formal sentem-se muito bem e continuam a funcionar nos princípios cartesianos, positivista e no behaviorismo programado de Taylor. Para Arendt (1983, p.375) “os processos, e não as ideias, modelos e formas das coisas futuras, servem de orientação as atividades do homo faber da época moderna”. O Estado, nascido dentro do contexto da era industrial, emergindo do poder da burguesia industrial, construiu uma escola nos interesses e nas práticas dessa burguesia industrial. Em contraposição ao Estado do ‘Regime Antigo’, com raízes de poder nas alianças da era agrícola feudal e dominada por castas de privilégios de sangue, e que precisava de uma escola para reproduzir essa nobreza, a escola do Estado industrial privilegiava os processos industriais sobre a nobreza das ideias puras. O Estado Industrial assume a educação formal, antes a serviço do ideal da nobreza, para transformá-la em escolas nas quais são privilegiados os processos, expressos nos currículos e administrados na linha de montagem serial Há de se convir que toda nova geração necessita justificar a tomada do poder por meio de uma utopia que ela forja, alimenta e busca meios para reproduzir. Esta nova geração, quando chega ao cenário do poder do seu tempo, deseja distinguir-se da geração que a precedeu. Na Arte, o Estado Industrial assume as Academias Imperiais, a serviço do ideal da nobreza, para transformá-la em escolas nas quais são privilegiados os processos, expressos nos currículos e administrados na linha de montagem serial.
Estado patrimonial: foi necessário recomeçar tudo a partir do Poder Originário. Os pequenos feudos medievais recomeçaram da base na busca de um vértice comum em o objetivo de reconfigurar o mosaico multicolorido que formavam. A monetarização das culturas levou estes pequenos estados a perceberem este vértice em comum era um Estado patrimonial. Isto é o Faoro percebeu (1975: 15) e escreveu que: “A realidade econômica, com o advento da economia monetária e a ascendência do mercado nas relações de troca, dará a expressão completa e este fenômeno, já latente nas navegações comerciais da Idade Média. A moeda – padrão de todas as coisas, medida de todos os valores, poder sobre os poderes – torna esse mundo novo aberto ao progresso do comércio, com a renovação das bases de estrutura social, política e econômica. A cidade toma o lugar do campo. A emancipação da moeda circulante, atravessando países e economias até então fechadas, prepara o caminho de uma nova ordem social, o capitalismo comercial e monárquico, com a presença de uma oligarquia governante de outro estilo, audaz, empreendedora, liberta de vínculos conservadores” Ao acompanhar a História de Longa Duração é possível perceber que as diferentes moedas ganharam formas de mediação nas respectivas alfândegas entre estes feudos com rígidas fronteiras guarnecidos de assustadores castelos. Estas rígidas fronteiras gradativamente estabeleciam formas de comunicação e celebração de contrato. Assim é possível perceber com os Estados Nacionais, se reencontraram após um milênio da queda do Império romano.
Estágio anterior: na pergunta pela origem também é possível especular em relação ao “estado anterior” de uma determinada etapa O axioma do “estado anterior” pelo qual Alan Turing é considerado o pai das máquinas numéricas digitais e permitiram lhe decifrar o código da máquina ‘Enigma’ nazista. Este momento significou uma interrogação até onde poderia progredir a tecnologia da era industrial e qual a direção deveria tomar a nova era numérica digital. A “queima de etapas” da era industrial foi seguida pelas “reciclagens” da era numérica digital. Contudo esta pergunta pelo “estágio anterior” é ampla se coloca para toda a interrogação em relação a uma determinada etapa de uma civilização. Esta civilização torna-se mais evidente para a inteligência humana ser for considerada a etapa que a precedeu e o significada para o repertório de quem realiza a pergunta.
https://www.ufrgs.br/alanturingbrasil2012/presentation-RuyQueiroz-ptBR.pdf
Estamento. é forçoso admitir que qualquer contrato entre o País, a Nação e o Estado Brasileiro nunca existiu, ou se existe, ele é ignorado. No seu lugar instauram-se os rígidos estamentos que nenhuma razão consegue explicar muito menos entender. Neste ambiente os rígidos estamentos, vinculados apenas pela apropriação pessoal simples do poder estatal, substituindo as classes sociais. Nesta apropriação do poder geram, alimentam e reproduzem conflitos permanentes com as categorias sociais e ignorando solenemente o Poder que lhes origem os mantém. A partir de Max Weber Raimundo Faoro resumiu (1975: 46/6)que estamento “primariamente uma camada social e não econômica, embora possa repousar, em conexão não necessária real e conceitualmente, sobre uma classe. O estamento político constitui sempre uma comunidade, embora amorfa: os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um mesmo grupo, qualificado para o exercício do poder. O estamento supõe distância social e se esforça pela conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas. Os estamentos governam, as classes negociam. Os estamentos são órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (econômicas)”. Um estamento, na sua permanente metamorfose existem, provoca muitas dificuldades em percebê-lo e o conceituar uma forma unívoca e linear. No entanto ele é absolutamente autônomo, e vive em função de si mesmo. Assim uma vez instalados no cargo os integrantes de um estamento, passam a funcionar de forma autônoma.
Estrutura: Processo industrial da linha de montagem unívoca, em ciclos implacáveis e que arrastam a sociedade e a fecha na cultura da sua própria lógica. Visto pelo lado do estruturalismo o contínuo de um processo indústria é distinto das suas partes. Durkheim afirma (1983: 129) que “um todo não é idêntico à soma das partes que o constituem. É algo diferente cujas propriedades diferem do que revelam as partes de que é composto.” Nisto Piaget acompanha (1983: 38) permitindo preciosas distinções no processo evolutivo humano bem distinto das etapas escolares formais e decorrentes do processo industrial da linha de montagem unívoca.
Estudante o projeto que tenha a virtude de busca do êxito em fazer funcionar uma arquitetura na qual este ENTE humano materializa o processo da socialização intencional do seu SER ao longo de tempo. Este processo se instala quando ENTE humano coloca no seu projeto SER estudante. Este modo de SER impõe-se como centro e culminância do processo educativo e a razão de existência da instituição escolar se ela aspirar a alguma coerência um elemento fundamental do Poder Originário. É o que afirmava Olinto de Oliveira o primeiro médico pediatra com tese defendida. Ele escreveu (1912: 40) o “aproveitamento dos alunos em uma escola de belas artes, mais do que nas de outros ramos, depende do talento e da aptidão de cada um”. Souza Campos registrou (1940 pp.287/8 e 1954, p. 85) a frase pronunciada pelo Dr. Olinto em 1928 “o estudante está acima de todas as organizações escolares”. Na América Latina o estudante universitário foi objeto de estudos específicos[28] ou de instituições que viu de fato na sua frente[29]. As causas colocadas pela escola formal no processo para atingir esta socialização e qualificação do seu estudante constituem elementos fundamentais para o Poder Originário. A criação humana da escola formal constitui um suporte para esta eficácia. Ela atingirá esta eficácia esperada não só pelo controle, como pela liberdade, autonomia e dignidade que ela exigir do seu estudante. O controle entre causa e o efeito não pode abdicar da criatividade.
Etapas ao Brasil não adiantou desfazer-se do Regime Colonial lusitano ou imperial. Estes regimes foram substituídos pelo conceito de etapas ao longo do Regime Republicano. Estas etapas segundo Mota, (1980: 239) levaram ao: “dualismo, a visão em etapas do processo econômico e cultural, a rigidez dos conceitos para entender as variações de uma sociedade de massas, que veio a substituir os quadros de oligarquia, não bastam e não bastaram para enfrentar tão complexo tema” Apesar deste dualismo subliminar, o que se propõe, aqui, é o protagonismo do político para transformar as contradições e complementariedades. Protagonismo que se competente para enxergar por cima das muralhas das contradições e das grades das mansões dos encastelados nos bens materiais. Protagonismo que se faz solidário com quem vive no isolamento físico e sob os pobres tetos das favelas
Eternidade: tutelas, mediações e intermediações invadem todos os campos e saberes humanos que ignoram suas próprias competências e limites. Pior: naturalizam ou mitificam estas observações empíricas ou projetando utopias sem pé nem cabeça. Na mitificação somos convidados para a heteronímia da simples contemplação. Contemplação que admite o conceito e a prática da eternidade. Hannah Arendt coloca (1983 p.56) neste conceito e prática de eternidade “o que importa, é que a experiência do eterno, em oposição aquela da imortalidade, não corresponde e não pode dar lugar a nenhuma atividade: mesmo a atividade mental que se segue em nós com a ajuda das palavras é incapaz de exprimi-la, ao contrário só serviria para interromper e arruinar a experiência (do eterno) em si mesma”. O trabalho e ação humana buscam superar esta contradição entre Natureza e o ideal da Eternidade De um lado a Eternidade não abdica das exigências rigorosas para entender o ideal inatingível. No mundo atingível a autonomia dos campos sociais, políticos e administrativos não pode retornar às exigências da Natureza implacável nos seus vorazes ciclos que devoram a tudo e a todos.
Eternidade distinta de imortalidade: acredita-se que não é possível uma avaliação sem o projeto graças ao qual vida humana tomou forma e decorrem, pautam e se reproduzem as suas ações. Ações consequentes com projetos e sem o escapismo da eternidade, na qual a “teoria ou «contemplação» designa a experiência do eterno, diferente de outros que podem , mais ou menos, dizer respeito a imortalidade”. Na concepção expressa (1983: 56) por Hannah Arendt. Concepção de eternidade distinta do conceito de imortalidade que é buscada pela polis, sendo que a ruína da polis a joga para a eternidade Trabalha-se no plano político para adiar o mais possível a ruinas da polis. Nesta convicção o autor trabalha para que os novos e potenciais equipamentos disponíveis tenham êxito no reforço do tecido social para que este ganhe consistência e corra menos riscos de se romper. No Brasil o tema da busca da imortalidade foi tratado por Abreu(1996)[30]
Ethos: os próprios portugueses tiveram casos em que os colonos lusos, que se fixaram no Brasil, aderiram aos costumes indígenas, chegando às raias da antropofagia ritualística. Costumes que agem no interior de hábitos. Esta palavra que Aristóteles descrevia (1973: 267) “o “hábito (e q w z) dá origem a palavra ética (h q i k h)” . Hábitos antigos que necessitam ser atualizados, os disfuncionais descartados, os necessários e coerentes para o novo tempo e lugar adotados pelas gerações nascidas, que se criaram no Brasil e que naturalizaram as suas culturas Desconhecer e passar por cima desta realidade e também insistir um mero hábito de formalismo de marketing a ser repetido por tempo indeterminado num progresso linear permanente.
Ética (hqikh’): Enquanto perdurar apenas a quantificação numérica, o Estado jamais irá chegar até um grau mínimo de cidadania. O indivíduo condicionado e abastecido por esta política populista passará o resto da sua vida na mais absoluta e confortável heteronímia e dependência. Como resultado a criatividade e o potencial do indivíduo estarão destinados ao cemitério. De outra parte o populismo e rebanho atropela a ética ((hqikh’) para quem Varela reserva (1995: 13) o papel de “ estar mais próxima da sabedoria do que da razão, mais próxima da compreensão de que coisa deve ser o bem do que da formulação de princípios corretos” esta concepção que Shusterman transfere( 1992: 223) para a Arte na qual “essa reflexão deve incluir o outro para gozarmos uma perspectiva mais abrangente. Essa virtude é adquirida mediante o exercício tal qual sucede como na arte”. Aristóteles reforça (1973: .267) “a virtude é adquirida como resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome (hqikh’) por uma pequena modificação da palavra e q o z (hábito). As coisa que nos vêm por natureza, primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Com as virtudes dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, como também sucede com as artes.” O altruísmo não exclui etnia, idade, condição social, cultura e econômica. O filho do cidadão abastado não precisa ser excluído da escola ou da saúde pública quando indivíduo for pensado a partir dele em direção ao Estado. Este trânsito entre Estado o cidadão singular Maturana e Varela o remete (1996: 209) para a linguagem, pois “Todo ato humano tem lugar na linguagem. Todo ato na linguagem leva pela mão o mundo que se cria com os outros no ato de convivência que dá origem ao humano; por isso todo ato humano tem sentido ético. Essa vinculação do humano ao humano é, em resumo, o fundamento de toda ética como reflexão sobre a legitimidade da presença do outro” Em outro lugar do mesmo texto (1996:.208) Maturana e Varela afirmam que, “na ética o central é que o verdadeiro assumir a estrutura biológica e social do ser humano equivale a colocar no centro a reflexão de que este é capaz, e o que o distingue Equivale buscar as circunstâncias que permitem tomar conhecimento da situação na qual está - qualquer que esta seja - e olhá-la a partir de um perspectiva mais abrangente,, com um verto distanciamento. Se sabemos que o nosso mundo é sempre aquele mundo que temos na mão junto com o outro, cada vez que nos encontramos em contradição ou oposição com outro ser humano, como qual queremos conviver, nossa atitude não pode ser a de reafirmar o que vemos desde o nosso próprio ponto de vista, senão o de verificar que o nosso ponto de vista é o resultado de um acoplamento estrutural no domínio experimental tão válido como o do nosso oponente, ainda o dele nos pareça menos desejável. O que então caberá, será a busca de uma perspectiva mais abrangente, de um domínio onde o outro também tenha lugar e no qual poderemos construir um mundo com ele”. Os mesmos Maturana e Varela afirmaram (1996 : 206) “equivale a colocar no centro da reflexão o que o ser humano é capaz e o que o distingue”. A palavra final merece ser dada para Aristóteles quando afirmou (1973 : 267) que “todo ato humano tem sentido na ética na medida em que se cria o mundo com os outros”.
Ética semelhança com estética: Os agentes do executivo, legislativo e judiciário, possuem referencias nesta temática coletiva para ordenar o funcionamento dos respectivos mecanismos do Estado nacional. A ética do seu funcionamento se parece em muitos com a estética pois tanto a arte como a ética possuem o mundo como cenário. Ambas remetem ao «místico». Ambas buscam a felicidade. O teórico Richard Shusterman amplia (1992 pp. 233/4) esta semelhanças a partir de Wittgenstein “numa breve observação entre parênteses, na proposição 6.421 do Tractatus Lógico-Philosophicus, Wittgenstein afirma que « ética e estética são uma só». A identificação de ética à estética ali parecem efetuados em nome de três considerações: Primeiro, as duas olham as coisas sub specie-aetrenitatis: «do exterior», « de tal maneira que elas possuem o mundo inteiro como cenário». Na estética, « a obra de arte é este objeto visto sub specie-aeternitatis. Segundo, a ética e a estética remetem ao reino do «místico», não só porque suas asserções (que não são proposições nem empíricas nem lógicas) remetem a o indizível, mas porque elas adotando essa perspectiva global que Wittgenstein associa ao domínio do místico. Terceira, todas as duas se ocupam principalmente da felicidade. Da mesma forma que «o ponto de vista estético sobre o mundo consiste essencialmente na contemplação do mundo por um olhar feliz» pois «arte é serena», da mesma forma a ética pode se reduzir a ser «feliz ou infeliz: eis tudo. Pode-se dizer: não existe nem bem nem mal» .Apesar de um texto soar como um mundo de contradições com os argumentos desenvolvidos até aqui, o dito acima permite também permite complementariedades. Porem é necessário afasta o perigo maior que é o da estetização da política e o fatal populismo marqueteiros e proselitista. Contrariando o misticismo e estetização o Poder Originário, que se apregoa aqui, possui infinitos paradigmas e é constituído politicamente pela sociedade civil organizada.
EU: a tendência comandada pela Natureza que conduz os projetos e os esforços humanos dos vetores do “EU” e do “TU” ao caminho da entropia e ao caos universal, que dissolvem as condições e as circunstâncias da Democracia. A concepção naturalizada do EU para Habermas é um erro quando argumenta (1973: 56) que “a noção de que o pensamento pressupõe a unidade transcendental do EU é tão falha, ontologicamente, quanto a suposição de que a geração de objetos estéticos implica a unidade criativa do sujeito”. Nesta concepção Hannah Arendt escreveu (1983: 322) que “uma tendência persistente da filosofia moderna, depois de Descartes, talvez a sua contribuição a mais original para a filosofa, é o cuidado exclusivo do EU, por oposição à alma, à pessoa, ao homem em geral, a tentativa de redução total das experiências que se desenrolam entre o homem e seu EU.. Não é a alienação do EU, como acreditava Marx, que caracteriza a época moderna, é a alienação em relação com o mundo” Os biólogos Maturana e Varela elucidam (1995:.4) e distinguem “o que chamamos ‘EU’, nós mesmos, pode analisar-se como resultante das habilidades linguísticas recursivas do homem e da sua capacidade única de autodescrição e narração... Se o ‘EU’ narrativo se constitui necessariamente através da linguagem, consegue que o Si mesmo pessoal esteja ligado à vida, ao passo que a linguagem só pode operar como fenômeno social” Nesta direção linguística uma das muitas façanhas do artista poeta Fernando Pessoa (1888-1935) foi realizar o transito poético ente o EU UNO para o TU MÚLTIPLO através dos HETERONÔMIOS. A grande contribuição do artista criador foi ser capaz, de no seu LIRISMO, contornar tanto o NÓS como a EPOPÉIA descritiva de outro. Com estas estratégias poéticas o criador lusitano manteve a autonomia e coerência entre o EU, o TU e o NÓS. Porém nenhum deles é estático, fixo, definitivo e incomunicável. Isto foi observado também pelos cientistas Maturana e Varela, ao escreverem (1995: 4) que “olhando os fundamentos do nosso ser vivo podemos observar os fenômenos sociais e retornar ao núcleo do EU”.
Expressão: a conexão entre poder central e célula municipal passa pela expressão humana que é potencial sem idade e ultrapassa códigos falados e escritos. A criatura humana pode-se valer desta expressão em qualquer, cultura tempo e lugar. O poeta Goethe escrevia (1945: 11) que: “definitivamente tratamos em vão expressar a essência de uma coisa. Percebemos efeitos sim, e uma história completa dos efeitos abrangeria melhor a essência da dita coisa. Esforçamo-nos em vão em descrever o caráter de um homem, mas se recolhermos os seus atos e ações surgirá deles, uma imagem do caráter”. Esta imagem se tornará particularmente viva e nítida, se observarmos esta criatura, ou coletividade, mergulhada e reagindo perante dificuldades. Chartier constata (1998: 96) isto quando “a tensão inventiva dos indivíduos ou comunidade face aos constrangimentos, normas e convenções revela o que lhe é possível pensar, enunciar e fazer”. Basta prestar atenção ao papel dos editoriais dos jornais que tratam normalmente de constrangimentos, normas e convenções de uma coletividade. Os editorais dos periódicos, podem serem apropriados e potencializados na era da informática numérica digital.
Executivo: muitas vezes o executivo é parte mais visível e é acusada como o “culpado de tudo”. Ele funciona como o segmento do poder do governo na interação com o seu Poder Originário No regime republicano a figura do presidente possui o seu similar e, muitas vezes, a própria sua origem nos partidos que adotara o presidencialismo como principio. Assim a pessoa do seu presidente também é potencialmente o vértice da autoridade partidário. O fórum destes presidentes nacionais de partidos representaria a convergência da sociedade organizada e se configuraria o espaço natural de interlocução do povo e da nação. Na sua conexão este fórum apontado, aqui, como o vértice qualificado com o qual o executivo, o legislativo e o judiciário nacionais teriam uma sólida plataforma permanente se atualizarem e para negociar. A maioria das instituições republicanas age neste ideal.
F
Fake-lore x Folclore: toda nova geração necessita justificar a tomada do poder por meio de uma utopia que ela forja, alimenta e busca meios para reproduzir. Pode-se pensar num autêntico “Fake-lore” que Oliven descreve (1992: 23) como “a palavra folk, isto é povo, é substituída por fake, isto é ‘falso’. O Fake-lore aparentemente preenche uma necessidade psíquica nacional, a saber: afirmar nossa identidade nacional, especialmente num tempo de crise, e instilar orgulho nessa identidade”. Caso esta nova geração, quando chega ao cenário do poder do seu tempo, mesmo que não outro argumento inventado o disseminado no “Fake-lore”, no mínimo deseja distinguir-se da geração que a precedeu. O pesquisador Vilhena[31] precedeu uma amarga varredura por meio de uma visão crítica no sentido das autênticas buscas do Folclore como Ciência e o sentido atual destas buscas.
Fatos:, tutelas, mediações e intermediações invadem todos os campos e saberes humanos que ignoram suas próprias competências e limites. Pior: naturalizam ou mitificam estas observações empíricas ou projetando utopias sem pé nem cabeça. “Os fatos em si mesmo não possuem sentido e são como pedras no caminho” escreveu Luís Fernando Veríssimo (1998: 12). Fatos neutros, mas passiveis de mitificados e assim somos convidados para a heteronímia da simples contemplação.
Fazer: a memória da desqualificação é infensa a qualquer mudança quando colocada no vértice de uma sociedade corrompida no seu cerne. A permanência desta desqualificação é mais forte na medida em que o novo grupo no poder disseminar, na cultura do seu povo, a convicção ingênua de que o FAZER consiste em que “governar é andar a cavalo pela fazenda”. Hannah Arendt percebe (1983: 194 /5) que “o processo do fazer é em si mesmo inteiramente determinado pelas categorias do fim e dos meios. O objeto fabricado é um fim neste duplo sentido, que o processo da produção ali se conclui e apenas existe que um único meio de produzir esse fim” No seu FAZER o novo grupo instaura a tradição de que o espaço do poder é a sua herança e o seu fim. Este FAZER gera, mantem e reproduz o mito herdado da autoridade e, que, na maioria das vezes acaba apenas “FAZENDO BESTEIRA”.
Felicidade os regimes totalitários realizaram trabalhos gigantescos, mas também causaram desgraças monstruosas. As pirâmides egípcias ou a muralha da China foram frutos de imensa coerção social provocada pelo gigantismo desmesurado do Estado, e que, no seu final, arruinou os seus próprios criadores. Com as lanças ou as baionetas, dá para fazer tudo, menos ficar sentado confortavelmente em cima das suas pontas. No contrário “a felicidade é a formação equilibrada de todas as forças humanas” nas sintéticas e sábias palavras de Schiller, o autor da ode à Alegria da Nona Sinfonia de Beethoven.
Fetichismo na lógica de circulação do sistema de dominação acumulativa completa, a era industrial desativou e desqualificou qualquer proporção humana construída ao longo da era agrícola. No seu lugar instalou, fez funcionar e reproduzir um vigoroso fetichismo. O pensador brasileiro Ianni resumiu (1992: 11 /2) afirmando que: “depois de mostrar como o valor de-uso esconde o valor-de-troca e ambos escondem o valor-de-trabalho, de mostrar, por tanto. que a mercadoria é trabalho social cristalizado e alienado, Marx se dedica a examinar o seu fetichismo. Isto é, se queremos encontrar uma analogia com este fenômeno, precisamos elevar-nos às regiões nebulosas do mundo da religião, onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria de existência independente, mantendo relações entre si, como com os humanos”. A linha de montagem e as máquinas, com esta “aparente vida própria” trabalhando em escala industrial, destruíram esta proporção construída do contato humano íntimo do ritmo da Natureza.
Ferramenta distinto de máquina: A linha de montagem e as máquinas, com esta “aparente vida própria” trabalhando em escala industrial, destruíram esta proporção construída do contato humano íntimo do ritmo da Natureza. Esta distinção também é de Hannah Arendt ao escrever (1983 p. 200) que “a ferramenta a mais refinada permanece ao serviço da mão que não pode nem guiar nem substituir. A máquina, a mais primitiva, guia o trabalho corporal e eventualmente pode substituí-lo de fato”. A ferramenta é típica da criatura humana ainda próxima da Natureza incluindo o agricultor. Já a máquina exige uma “aparente vida própria”.
Filosofia e Literatura: A leitura restrita ao mínimo das necessidades básicas, impede qualquer ruptura epistêmica e incapaz de deixar um espaço conceitual para um autêntico e coerente Poder Originário. O conceitual apropriado necessita preparação e correção para produzir algo de útil. O intelectual Danto afirma (1993: 204) que “a filosofia é pois literatura tanto mais que entre as condições da verdade figuram aquelas pelas quais ela é lida: ler tais textos supõe revelar o que nós somos em virtude da nossa leitura”. As buscas desta literatura tendo por objeto a Filosofia e usando como ferramenta a sua História no Brasil resultou numa das obras de Vita[32].Afinal somos aquilo que lemos.
Força diferente de violência: Neste cenário desolado de anormia individual e coletiva é necessário distinguir o conceito de violência daquele de força. Segue-se Hannah Arendt no seu caminho (1983, p. 263) para distinções: “Coisa assaz curiosa, a violência destrói mais facilmente a potência do que a força, e se a tirania é sempre caracterizada pela impotência dos sujeitos, que perderam a sua faculdade humana de agir e falar em conjunto, ela não é caracterizada obrigatoriamente pela fraqueza e pela esterilidade, ao contrário as artes e os ofícios podem se expandir, se o tirano é assaz «benevolente» para deixar seus súditos tranquilos nos seus isolamentos”. Para agir na desqualificação deste povo e se apropriar dos seus valores este predador vale-se de envolventes sistemas subliminares. Joga o Poder originário do seu isolamento físico em células habitacionais invioláveis, o cerca de uma parafernália da aparente conforto físico ao corpo e para a mente exausta oferece todo lixo e kitsch cultural coletivizante.
Forma: Antes de qualquer busca de proporção, há necessidade visual do conceito de forma. Forma é o terreno permanente das artes. Nelas o teórico Wölfflin percebe (1990: 874) duas concepções distintas. Para ele “a forma é uma noção ambígua nas artes visuais: ela designa ali tanto a configuração do objeto representado como elementos e o sistema do qual se serve para dar conta dos objetos”. Assim a forma do Estado pode-se materializar no seu tamanho físico e todo Estado luta para demarcar fisicamente, possuir e manter o espaço da sua ação. Esta ação vale-se de todo o sistema humano e ideológico para atingir os projetos da nação que se encarnou físico e relacional humano possível nesta forma.Todos conhecem os nefastos estragos das escolhas equivocadas da proporção realizadas a partir do espaço físico e relacional humano possível nesta forma do Estado.
Fractal: Nesta era da informação numérica digital a pessoa humana possui uma visão e uma percepção planetária diferentes dos seus antepassados. Neste novo meio numérico digital a concepção de fractal de um todo é mais fácil. Conforme Leygonie escreveu (1994: 142) que a concepção de fractal foi: “descoberta em 1903 por Von Koch e redescoberta em 1975 por Mendelbrodt. Na topologia, o desenho do litoral (exemplo Grécia) e manchas reproduzem e sugerem essas características. Uso o conceito fractal na história no sentido de que não existe uma linearidade possível nos fatos observados e que cada fato institucional repete características do todo. Esta curva não mensurável pelo método da retificação. Nenhuma das suas partes é diferençável. Constitui-se, entre outra propriedades, de uma dimensão não inteira entre 1 e 2. Assim fica entre uma linha e uma superfície”. Esta percepção e aplicação do fractal permite expressar inclusive as lições provenientes do mundo de alguém que se criou e viveu nas cidades italianas do Renascimento.
Franquia no discurso é possível usar um repertório comum e próximo que favorecem a busca de forças e bases competentes no paradigma - que ora se apresenta - para celebrar contratos postos em exames continuados e em tempo real. De certa forma pode-se falar numa ‘franquia’ no sentido que lhe imprime Hannah Arendt diante da política da Grécia Clássica quando ela escreveu(1983, p. 291) que “na República, o rei-filósofo, aplica as ideias como o artesão suas regras e medidas; ele «faz» a sua cidade como o escultor sua estátua; e para finalizar, as ideias na obra de Platão, tornam-se leis que apenas é necessário colocar em prática”. Certamente é possível valer-se do termo contemporâneo ‘franquia’ e fazer conexões entre os conceitos atuais e os bem mais antigas como da Grécia Clássica e aplicações do que este termo é portador. No entanto não se aceita aqui franquia no sentido que lhe confere uma organização concorrencial. Esta concepção não cabe, segundo Marilene Chauí, pois ela defende (2001: 2.) a concepção de que uma instituição possui outra teleologia imanente do que uma organização concorrencial comercial do mundo capitalismo adiantado. A célula municipal apresenta agilidade e viabilidade para examinar o acervo das potencias franquias legais institucionalizáveis, realiza contratos, controla e avalia em tempo real. Estes contratos ágeis, sob olhar de todos e avaliação continuado na sua execução, são significativos, pois materializam as aspirações da sociedade civil organizada do município.
G
Genealogia, arte e política: Uma sociedade organizada exibe uma bela genealogia e que se evidencia no contraste das mazelas, das recorrentes corrupções e na mentalidade apenas atenta para socializar prejuízos e embolsar lucros. Para perceber este contraste é indispensável um paradigma no qual está inscrito o código genético da liberdade, da civilização e da coerência com o aqui e agora. Nas artes o esteta Pächt escreveu (1994: 123) que “da mesma maneira que na biologia existe uma ontogênese e uma filogênese, as relações entre indivíduos, que participam de uma evolução estilística, são considerados como relações de parentesco; traçamos a genealogia de uma arte ou de uma personalidade artística, de um ponto de vista biológico, com antepassados e posteridade artística, A pesquisa genealógica, sob a forma habitual de uma dedução genética das correntes artísticas, torna-se uma das preocupações essenciais de nossa disciplina, principalmente porque a história da arte e de sua «evolução» não há distinção ou exceção ao princípio de causalidade que faz depender uma obra da arte de uma outra, desconhece o fenômeno da partogênese e considera que as criações artísticas, as mais originais podem constituir o objeto, apesar das simples transformações progressivas, de uma dedução genética’. Com pouco esforço é possível ampliar este projeto, para a política e administração pública e particular. Sem qualquer determinismo preliminar - fundado em férreas grades de causalidades ideológicas - é possível suscitar motivações individuais e coletivas para empreender e a sua execução e uma avaliação coerente com o projeto com o seu tempo e o seu lugar numa cultura de uma sociedade organizada.
Gênero, arte e política: na segurança e estabilidade é necessário colocar a Politica acima de partidos. Estes por sua vez, vindo do Poder Originário, prosperam neste horizonte no qual seja possível ter um panorama do bem geral. Como Arte está em quem a pratica e não naquilo que produz, a autêntica Politica está em quem a a cria, conduz e reproduz e não em gêneros que Aristóteles configura (1973, p. 14 Tópicos-I.5 [102]) como “ gênero é aquilo que se predica na categoria de essência, de várias coisas que apresentam diferenças específicas”. Este mesmo conceito Willy Corrêa de Oliveira (in Barbosa, 1993: 37) transfere para a Arte na qual “hoje os gêneros já não causam desavenças. Decisivo é o ato de fazer: o gosto, não o discutimos mais. Imersos no irenismo os autores do Organon são complacentes com todas as vocações-limites. Importa a arte e não o gênero no qual a arte vai se expressar”. Importa a Politica e não com a política irá se expressar. Na medida em que coloca a Politica acima de partidos, qualquer contrato não pode incluir ingerências indevidas. Nem mesmo das fontes do financiamento destes partidos. Um partido necessita a fonte do Poder Originário para a sua autonomia econômica e sem favorecimentos ou contrapartidas governamentais de qualquer um dos três poderes. Se examinarmos os vôos curtos dos partidos brasileiros, certamente irão despontar os seus conluios obscenos com governos transitórios.
Gênio: A mitificação do nome individual possui uma longa história na cultura ocidental. Ganhou notoriedade e estatuto no Renascimento Italiano. Estra fabricação dos “gênios” Hannah Arendt descreveu (1983: 271/2) a forma mais visível nas artes “a frustração da pessoa humana, inerente a uma coletividade de produtores e ainda mais a uma sociedade de comerciantes, encontrou sua melhor forma de expressão no fenômeno do gênio que, do renascimento ao fim do século XIX parecia o ideal supremo dos tempos modernos. Foi somente no início do nosso século que os grandes artistas, com uma surpreendente unanimidade, começaram a protestar contra o nome «gênio», para insistir no ofício, na competência e nas relações entre arte e artesanato”. Porém não bastou a voz uníssona, mas solitária, dos artistas contra este alfinete nas suas costas identificando-os como “gênios”. nas paredes dos museus e nas gavetas e prateiras. Este protesto foi abafado pela voz e o alarido das multidões e que vinha a encontro dos interesses dos mediadores, tuteladores e atravessadoras das obras destes “gênios”. Na política a aconteceu o algo semelhante. Existem os candidatos com um nome forte e bons de voto popular. Diante destes cenários é forçoso admitir que um contrato sério e coerente entre País, a Nação e o Estado Brasileiro nunca existiu, ou se existe, ele é ignorado a favor do nomes fortes e bons de votos, mesmo que o nome fosse de bicho famoso ou de palhaço engraçado e simpático para crianças.
Guardiões da memória: os grandes teóricos passam soberanos e impávidos sobre, ou ao lado, destas “miudezas” confrontadas com as gloriosas e universais doutrinas que fazem e programam as suas mentes. Reproduzem o centralismo e a iniciativa já consagrada e coroada por prêmios metropolitanos. Estes soberanos e impávidos guardiões da memória, em permanente conflito e excomunhões reciprocas em relação ao que “o que bom para o povo” foram identificados por Oliven, quando ele escreveu (1992:.20) que “a construção de uma memória nacional e uma identidade nacional, longe ser consensual, está ligada aos grupos que são vistos como detendo o poder e autoridade para se erigirem nos guardiães da memória.” A única e a mais eficaz alternativa - que resta o Poder Originário - é libertar-se destes soberanos e impávidos guardiões da memória e contrapor-lhes a instauração de um sentido próprio de identidade. Na medida em que o Poder Originário ingressa numa cultura decorrente da era da informação eletrônica numérica digital, o imenso território abandonado - ou degradado pela era industrial - volta a ter sentido e qualidade de vida.
H
Hábito (e q o z ): a fortuna da travessia ou as eventuais tragédias, e as perdas decorrentes, se traduzem em ganhos ou perdas. Elas resultam das deliberações, decisões e escolhas realizadas na “arte do piloto” (kupernites) e autonomia da vontade de um comandante ou de um piloto solitário. Estes rochedos entre a opinião alheia, petrificada pelo hábito, e dura realidade da Natureza implacável exige a perícia da “arte do piloto” (kupernites) para achar a rota entre estas duas muralhas irregulares e cheias de surpresas. Aristóteles percebeu (1973: 243.Metafísica II cap. III (3). A “arte do piloto” (kupernites) no próprio discurso humano e a necessidade de tomar decisões autônomas que contrariem os dois lados “A força que possui o hábito, (e q o z ) mostram-no as leis, nas quais o fabuloso e o pueril têm, pela força do hábito, maior poder do que o conhecimento das mesmas. Assim, uns, se alguém não emprega uma linguagem matemática, não aceitam as suas afirmações; outros, se não se serve de exemplos; outros querem tudo rigorosamente [demonstrado] e outros não querem saber de rigor, ou por não o poderem compreender, ou pelo receio do palavreado. O rigor, tem, com efeito, um pouco disto, por forma que se afigura a alguns como menos próprio, quer nos contratos, quer nas discussões.” Ninguém manda em ninguém na hierarquia primitiva do bando cuja cultura está muito distante destes requintes retóricos e metafísica. A falta distinções e de hierarquia dispensa qualquer projeto coletivo unívoco e linear do exercício administrativo de um governo com a “arte do piloto” (kupernites).
Habitus: O administrador público, ou particular, bem intencionado busca o bem comum. Para tanto presta intensa atenção, faz cumprir e avalia os contratos coletivos antes, durante e após qualquer ação. Ele age num campo que o “habitus” insiste em condições nas quais fluem as energias diferenciadoras e libertárias e em condições próprias e distintas dos contratos coletivos pontuais. A sabedoria do administrador é aproveitar estas energias do “habitus” para dar um sentido a esta força coletiva, inclusive para constituírem um grande organismo nacional, sem se confundir com ele. Neste organismo nacional no qual terão de conviver, modificar e qualificar. Organismo nacional no qual persiste o que Pierre Bourdieu denominou (1994:.99) “habitus não é outra coisa do que a lei imanente, lex insita inscrita nos corpos por histórias idênticas, que á condição não só da harmonização das práticas mas também das práticas harmonizadas” A lógica formal da concepção de cidadania, da democracia e do trabalho pede mais flexibilidade neste “habitus”. No grande organismo nacional as ações diferenciadas do “habitus” nacional impõe atenção, tempo e lógica para a convivência, eventuais modificações e para qualificações da era numérica digital, coerentes com o espaço e com o tempo.. Bourdieu, amplia a concepção “habitus” quando escreveu (1996b: 158) que ele é 0 “princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição, em um estilo de vida unívoca, isto é, num conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens e de práticas” Bourdieu aproxima (1994 pp. 88/9) a concepção “habitus” aos “condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem os habitus, sistema de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer enquanto que princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptados ao seu objetivo sem supor a representação consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingir, objetivamente «reguladas» e «regulares» sem ser absolutamente o produto da obediência a regras, e, tudo isso, sendo orquestrado coletivamente sem ser o produto da ação organizadora de um regente de orquestra” Bourdieu em outro texto (1996b: 158) elucida a etimóloga da palavra “habitus é o que foi adquirido, do verbo habeo, devia significar muito concretamente que o princípio das ações ou das representações e das operações de construção da realidade social, pressupostas por elas, não é um sujeito transcendental, envolvendo categorias universais[...}. É o habitus, como estrutura estruturante, que engaja, nas práticas e nas ideias, esquemas práticos de construção oriundos da incorporação de estruturas socais oriundas, elas próprias, do trabalho histórico de gerações sucessivas.” Para o mesmo Bourdieu (1996b, pp. 21/2) o efeito do “Habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoca, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens e de práticas”.
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Habitus e História: os ardis que encobrem o Poder Originário geram os mistérios que ocultam o seu fluxo, a sua potencialidade e a sua natureza. Porém eles se evidenciam para a História naquilo que Pierre Bourdieu denominou de “habitus”. Ele escreveu (1994: 91) que o “produto da história, o habitus produz práticas, individuais e coletivas, portanto história, conforme esquemas engendrados pela história; ele assegura a presença ativa de experiências passadas que, depositadas em cada organismo sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação, tendem, mais eficazmente do que todas as regras formais e de todas as normas explícitas, garantir a conformidade das práticas e sua constância através do tempo”. Para redescobrir, e evidenciar o Poder Originário impõe-se enxergar por cima da “escravidão voluntária” inculcada pelo “habitus” seculares de uma heteronímia e um dos obstáculos subliminares.
Herói: Necessita de um projeto que tenha a virtude da busca do êxito em fazer funcionar uma arquitetura na qual este ENTE humano materializa o processo da socialização intencional do seu SER ao longo de tempo. No entanto esta arquitetura social não possui o menor êxito e sentido de o SER revelar o seu ENTE, mesmo que sejam expostos os seus atributos no espaço publico como herói ou imortal ao olhar de todos. Isto Hannah Arendt registrou (1983: 244) como. “Quem é, ou quem foi alguém, não o sabemos a não ser conhecendo a história da qual ele é o herói- dito de outra forma - a sua biografia; todo o resto do que sabemos dele, incluindo aí a sua obra que deixou nos diz somente o que ele é ou o que ele era”. Este processo esta em cheque continuado quando o ENTE humano coloca e instala o seu projeto de SER estudante. Diante da gravidade desta escolha este modo de SER estudante impõe-se como centro e culminância do processo educativo e a razão de existência da instituição escolar. Parte-se do pressuposto de que esta instituição, possua, honra e aplique o seu projeto pedagógico. Especialmente no ponto do seu projeto no qual se ela aspira a alguma coerência um elemento fundamental do Poder Originário.
História: os fatos que chegam ao conhecimento coletivo são aqueles mais dramáticos aos sentidos humanos. Dai a importância da Arte como índice sensorial dos objetivos e dos objetos de uma civilização dada da cultura humana. Arte em companhia da História, que Marc Bloch (1976 : 30, 60) “situa-se entre o tempo que continua e ao mesmo tempo muda gera problemas de investigação”. Mar Bloch (1886-1944) esteve na origem da renovação de um paradigma novo de perceber, representar-se, narrar e reproduzir narrativas históricas. Este paradigma foi objeto de estudos de Peter Burke [33]. E que para Hannah Arendt representa (1983, p. 297) o: “conceito central das duas ciências verdadeiramente novas da época moderna, a ciência natural e histórica, é o conceito de processo, que está fundada sobre uma experiência humana: a da ação. É apenas porque nós sabemos capazes de agir, de nos destacar do processo, que nós podemos conceber, e a História e a natureza como sistemas de um processo”. Arte e História que produzem, recolhem e divulgam informações provenientes no atrito dos incontáveis objetos na sua tensão com os objetivos humanos. Informações fidedignas e coerentes com o aqui e agora constituindo uma fonte da luz que orienta para o funcionamento do Estado. Este atrito alimenta-se das energias provenientes das tensões resultantes das percepções históricas entre a diacronia e a sincronia. Na simultaneidade e do acúmulo do presente (sincronia) interferem poderosamente as lembranças e heranças de um passado imutável e os receios, incertezas de um porvir sem garantias (diacronia). O arquiteto e historiador de Arte e prefeito comunista de Giulio Argan escreveu (1977: 7) que “o pensamento histórico nos leva a emitir juízos que nos permitem enfrentar o tumultuoso presente com a força que nos dão as experiências racionalizadas; ainda que o juízo enquanto tal, dando o fato passado como totalmente acabado, o fixa no seu tempo e seu espaço, diferente do aqui e do agora do presente. A história é «catarquica» na medida em que nos assegura que o passado é o passado e não pode repetir-se ou retornar, não existindo razão alguma para refazer seu espírito, dando-nos a experiência, contudo liberta-nos da complexidade do passado, confirma a plenitude da nossa responsabilidade para com o presente”. Este distanciamento também esta presente em Hannah Arendt quando escreveu (1983: 297) que “pelo fato de sabermos capazes de agir, separar-nos do processo, nos podemos conceber, a história e natureza como sistemas de um processo” . Para Chartier a História não é uma mera contemplação externa do passado do outro lado de um cristal, pois, segundo ele (1998: 104) “a história produz um discurso, mas ao mesmo tempo possibilidade de estabelecer regras permitindo controlar operações proporcionais à produção de objetos determinados”.
História da Arte: O universo das severas prescrições da era agrícola e industrial é compatível com o universo as exaustivas descrições da era numérica digital informatizada. Exaustivas descrições que sempre formaram as narrativas da História da Arte. Heidegger esclarece (1992: 62) “como instauração, a arte é essencialmente histórica. Isto não significa apenas: a arte tem uma história, no sentido exterior de ela ocorrer também nas mudanças dos tempos, ao lado de muitos outros fenômenos, e de aí se ver sujeito a transformações e perecer, oferecendo à história aspectos mutáveis. A arte é histórica, no sentido essencial de que funda a História e, mais propriamente, no sentido indicado” Estes dois universos mentais são complementares com os seus respectivos universos empíricos nos quais os seus poderes micro e macro potencialmente podem celebrar alianças, contratos e pacto. Neste Giulio Argan percebe (1992: 40) que “a História da Arte e a única história do agir humano tanto no aspecto da contemplação como no do trabalho” . Esta contemplação aliada e complementar do trabalho. Contemplação e trabalho que se reforçam- na era informatizada. Contemplação e trabalho complementares que potencializam e são o conteúdo das potencialidades e dos vínculos que ligam às células micros (municípios) ao macro da cabeça nacional e internacional (Brasília- Blocos - ONU). Como toda atividade humana a sua natureza está em que produz as suas narrativas, imagens e textos. Assim cada época e cultura possui a sua História da Arte cuja origem, evolução e reprodução necessita ser acompanhada como o fez Belting[34] para o seu tempo e lugar. Inclusive esta narrativa pode ser realizada sem a presença das obras de arte como escreveu Bianchi[35]. O perigo, neste caso, é a proximidade do campo da Estética e da Filosofia. Por isto as Histórias Gerais das Artes sempre são provisórias e destinadas aos não iniciados.
História e biologia: Primordialmente insiste-se para que as energias diferenciadoras e libertárias tenham condições para fazer fluir as suas energias coletivas, inclusive para constituírem um grande organismo nacional, sem se confundir com ele. Estas energias primordiais mostram uma unidade espantosa quando aceitamos as observações do biólogos Maturana e Varela quando escreveram (1996: 48) que “nós, como seres vivos temos uma história: somos descendentes, por reprodução, não só dos nossos antepassados humanos, mas de antepassados muitos diferentes que se estendem no passado até três milhões de anos. A outra é que, como organismos, somos seres multicelulares e todas as nossas células são descendentes por reprodução da célula particular que se formou ao unir-se um óvulo com um espermatozoide e nos originou. A reprodução está, por tanto, intrometida na nossa história em relação a nós como seres humanos e em relação a nossos componentes celulares individuais, o que curiosamente, faz de nós e nossa células seres da mesma idade ancestral. Mais ainda, desde um ponto de vista histórico, o anterior é válido para todos os seres vivos e todas as células contemporâneas: compartilhamos a mesma idade ancestral”. A espécie humana possui uma origem, um rumo e uma possível ancoragem num patrimônio comum nesta mesma idade ancestral comum. Apesar de todo o aparente caos e desorientação que o individuo, entregue a si mesmo possa perceber no mundo pontual que o cerca aqui e agora. Inclusive o organismo nacional no qual este ser humano aparentemente isolado e único, possa sentir, conviver, modificar e qualificar o seu pertencimento esta História da espécie.
Historiador: No entanto o autor está bem consciente daquilo que Aristóteles advertia (1972: 211) a quem busca a ciência para compreender o espaço empírico. Nesta busca dialética “é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da ciência. Nenhum deles é fácil de aprender, pois, nem o rigor matemático se deve exigir em todas as coisas, mas somente naquelas que não tem matéria”. O Poder Originário possui matéria e circula nas ações dos seus agentes. Ao apresentar matérias e ações este autor vale-se do pensamento de Marc Bloch quando ele afirma (1976: 29) que “o historiador pensa tanto o humano como o tempo”. Neste pensar, tanto o humano como o tempo, Cabral de Melo distingue (1995:14) “os amadores discutem estratégia, mas os profissionais preferem falar de logística, bem se poderia dizer que os historiadores preferem falar de documentos, deixando a outros o cuidado de descobrir o sentido da história”. Sem discutir ou avaliar, se o autor é amador ou profissional, ele busca, nos seus limites e parcas competências, um conhecimento e uma vontade para que ele como cidadão usufrua também o seu direito ao seu poder, sem subterfúgios ou corrupções. Devido aos limites das suas competências, este autor, pede ao seu leitor que este lhe conceda três das suas qualidades que Nietzsche também solicitou (2000: 27) ao leitores do seu texto ‘o futuro das nossas escolas “espero do leitor três qualidades: 1) - deve ser tranquilo e ler sem pressa; 2) - não deve fazer intervir constantemente sua pessoa e a sua cultura, e 3) - não tem direito de esperar – quase como resultado – projetos”.
Homem ético: Para a existência efetiva do estágio desta interação para a discussão dos contratos necessários o locus privilegiado é o município. Neste micro espaço público o agente governamental e o seu Poder Originário possuem condições para discutir e estabelecer contratos antes de AGIR. Para tanto deliberam e decidem em relação aos eventuais perdas e lucros durante e após o trabalho coletivo. Podem discutir a natureza dos contratos, readequá-los ao longo da sua realização e serem avaliados imediatamente após o trabalho coletivo. Este estágio adiantado de uma civilização possui a sua simetria e fonte em cada cidadão que a compõe. O esteta Schiller apontou (1963: 53.) que este cidadão é: “o homem ético deverá estar primeiramente acalmado o conflito dos elementos, dos impulsos cegos, e a contraposição grosseira deve ter cessado antes que possa ousar o favorecimento da multiplicidade. Por outro lado, antes de submeter sua multiplicidade à unidade do ideal é preciso que a independência de caráter esteja assegurada e que a submissão a formas estranhas e despóticas tenha cedido lugar ao decoro da liberdade” Este o favorecimento da multiplicidade cidadã se evidencia na interação humana no micro e macro universo. O homem ético realiza contratos fidedignos e consequentes tanto na micro célula municipal, como, também, no macro espaço público do Estado nacional. Evidente que a circulação do poder é mais eficiente na micro célula municipal.
Homeostase diversos termos agem num homeostase que busca um equilíbrio entre forças contrárias sem que existe um ponto central, fixo, único e definitivo de equilíbrio. Esta homeostase que Aristóteles descreveu (1973: 278 Ética a Nicômaco, livro II, 1108 23-29) “em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de destingir o meio termo e o que é certo” . Esta homeostase Compagnon recomendou na relação entre autor e o se leito, quando escreveu (1996: 65/9) que: “instituir um novo modelo de relação entre o sujeito e o objeto, entre o autor e o livro, modelo que, integrando de algum modo as condições de receptibilidade do texto fornecesse por si mesmo o principio de sua regulação,, como um homeostato.. A escrita só é possível quando um sujeito a sustenta, ela e as suas consequências.” Esta busca homeostática entre criatura humana impulsionada para a cultura após suprir as suas necessidades básicas da Natureza, como o alimento, aa saúde e a habitação está conforme as concepções de Abraham Maslow. Esta criatura humana avança célere para a interação dos três anteriores depois de satisfazer as suas necessidades básicas
Homo academicus: Caberia aos cientistas jurídicas estudar as possibilidades e as potencialidades do Poder Originário possui nesta interação simultânea com os três poderes de um Estado. Depois de obter um padrão desta interação efetiva, ampliar este estudo aos diversos países soberanos das Américas. Após verificar como Poder Originário e os Estados realizaram estudos dos processos de interação e autônomas das pressões econômicas, políticas partidárias e ideológicas. Os cientistas jurídicos constituem uma das categorias profissionais mais organizadas e com a tradição proveniente de Oxford, Salamanca e Coimbra. As sociedades evoluídas o são na mediada em que é possível distinguir o “Homo Academicus” na concepção de Bourdieu. Este escreveu (1996b: 206 /7) que “o homo academicus, é alguém que pode jogar a sério, porque seu estado (ou Estado) lhe assegura todos os meios de fazê-lo, isto é, o tempo livre, liberando-o das urgências da vida; a competência, assegurada por um aprendizado específico com base na skholé, e, por último, e de maneira especial, a disposição a investir, a envolver-se nas relações fúteis, pelo menos aos olhos das pessoas sérias.” No o Brasil este “Homo Academicus” de Bourdieu é ainda temporão. No entanto seria ainda uma Colônia Escravocrata se tivesse se orientado pelas tradições, pelas mentalidades e pelas visões legais forjadas nos moldes de Coimbra.
Homo faber: apropria-se da alma deste povo por meio da exibição marqueteira dos resultados imediatos e impactantes do seu FAZER. Este FAZER é do “Homo Faber” que Hannah Arendt (1983: 212/ 3) pois “se permitirmos que as normas do homo faber governem o mundo acabará como elas governando a criação do mundo. O homo faber se servirá um dia de tudo e irá considerar tudo o que existe um simples meio para o seu uso. Ele classificará todas as coisas entre os chremata, os objetos de uso, e, para retomar o exemplo de Platão, não se compreenderá o vento como força natural, e o considerarmos exclusivamente em relação as necessidades humanas de respiração ou de aquecimento - o que evidentemente significa que o vento como coisa objetivamente dada foi eliminada da experiência humana.” Arendt distingue o “Homo Faber” do “Animal Laborans” que tenta prolongar a vida, tornando-a mais fácil. O “Homo Faber”, ao se apropriar da alma do povo, reivindica o cargo e a função como mediador universal e definitivo. O “Homo Faber” está interessado, de fato, no poder pelo qual sente-se no direito de deliberar e decidir em nome deste “pobre povo” do qual julga se fiel depositário de seu ânimo e que ele interpreta na sua própria lógica.
Homo faber distinto do animal laborans: Arendt distingue (1983: 267) o “Homo Faber” do “Animal Laborans” que tenta prolongar a vida, tornando-a mais fácil. Porém possuem algo em comum: “o homo faber e o animal laborans são apolíticos no sentido estrito da palavra; em geral eles julgam as atividades públicas segundo a sua utilidade a respeito dos fins supostos mais altos neste caso o homo faber embeleza o mundo o torna mais utilizável, no caso do animal laborans tenta prolongar a vida tornando-a mais fácil”. Ao se apropriarem da alma do povo, reivindicam o cargo e a função como mediadores universais e definitivos como qualquer outro tirano totalitário. Mas de fato estão interessados no poder, como qualquer outro produto. Na sua posse sentem-se no direito de deliberar e decidir em nome deste “pobre povo” do qual julgam se fiéis depositários de seu ânimo e que eles interpretam na sua própria lógica pragmática.
I
Ideia: a origem da palavra “ideia” - mitificada e remetida e enjaulada no mundo da metafísica – possui uma origem e uma etimologia bem prosaica no mudo do FAZER. Arendt explica (1983: 229) que “Platão.. havia emprestada a palavra-chave de sua filosofia, a «ideia», da vida do artesão: antes a percepção da imagem, ou forma (eidos) do futuro produto, depois a organização dos meios e depois a execução Para Platão o artesão possui na sua mente a imagem de uma mesa universal que ele realiza no mundo em objetos diferentes”. Nas próprias palavras de Platão (1985: 2º vol, 221) “há três espécies de camas: uma que existe na natureza das coisas e da qual podemos afirmar, penso, que Deus é o autor, de contrário quem seria?..-Ninguém mais a meus ver.- A segunda é do marceneiro. –Sim - E a terceira, a do pintor, não é/- Seja Assim, pintor, marceneiro, Deus, são três que presidem a fatura das três espécies de camas” Neste sentido esta concepção de “ideia”, colocada no mundo prático, ganha um vigor reprodutivo intenso. Por esta ótica a ‘ideia de república’ ganhou uma analise erudita de Nicolet [36] a partir do vigor com que este regime surgiu se manteve e se reproduziu na França entre 1789 e 1924.. De Masi percebe esta força no âmbito institucional quando afirmou (1997: 396) que “uma instituição é tanto mais eficiente quanto mais eficiente for a sua ideia”. O mesmo vigor reprodutivo também foi percebido por Chartier, quando ele afirmou (1998: 31) que “a instituição colocada no lugar da ideia a faz desdobrar numa rede de fatos sociais, produzindo milhares de ações e de reações”. O contrario também é verdadeiro quando esta ideia é pulverizada numa multiplicidade caótica querem subir simultaneamente ao palco publico e da História. A cacofonia, o ruído e entropia são generalizados quando todos os caciques e coronéis disputam simultaneamente as mentes, os corações e os braços de poucos e exauridos índios da sua plateia.
Identidade: os aparelhos de formação da identidade na opinião pública estão nas mãos das elites que desqualificam e zombam de qualquer poder político e social proveniente de uma cidadania saudável e republicana. É esta mesma elite que impõe a identidade. A sua hegemonia irá durar enquanto esta mesma dominar “o processo de construção da identidade nacional se fundamenta sempre uma interpretação” conforma Ortiz escreveu (1985: 139). Esta – também a interpretação de Chartier, quando observa (1998: 78) que a identidade existe – “ 1- a partir da exibição de uma unidade um grupo se atribui a partir do crédito de uma representação ou então a – 2 -identidade e imposta por aqueles que possuem o poder de classificar, nomear de definir”. Para Arendt (1983: 280) “a segunda torna-se perigosa quando os classificados podem usar os índices de sua identidade para se reconhecerem como tais” Foi proposto ao Senado decretar o uso de um uniforme para os escravos, para que fossem imediatamente identificados entre os cidadãos livres de Roma. A proposta foi considerada como perigosa, pois os escravos ao se reconhecendo poderiam tomar consciência de sua potencialidade virtual. “O que o instinto político dos romanos julgava perigoso, é a aparência como tal, independente do nome das pessoas”. Opiniões semelhantes poderão ser encontradas em Buzzar (1997: 397) e Maturana (1996: 14)
Identidade nacional brasileira: Para a libertação desta pasteurização geral da cultura, desponta a necessidade imperiosa da busca de sua identidade. Esta busca da identidade nacional também é crucial para a cultura brasileira. Contudo a sua busca está distante do Poder Originária. As classes dominantes dominam o campo de forças desta ‘fabricação da identidade nacional’. Na história da cultura brasileira Buzzar descreve (1997: 397) um contínuo de dominação de sua elaboração, que: “segundo Marilena Chaui, a busca da identidade nacional mostrou-se como uma preocupação constante das classes dominantes e da intelectualidade a partir de meados do século XIX. Essa busca perene expressou-se de forma diferenciada ao longo dos anos em função das questões político-sociais que a conjuntura de cada período determinava. Durante os anos 30 tal busca poderia ser sintetizada sob o slogan construir a nação, o que ainda segundo Chaui, teria permitido a absorção de todas as manifestações culturais pelo Estado.” Já o teórico Ortiz dedica duas obras[37] a esta identidade brasileira. Contudo de fato o Poder Originário brasileiro é o destinatário compulsório deste destilado proveniente das classes dominantes e consumindo o objeto editado e do qual é o sujeito. Para tanto esta classes valem-se dos aparelhos governamentais do Estado. Por meio deste Estado instrumentalizado absorvem e se recobrem com todas as manifestações culturais da nação. O contraponto deste hegemonia é possível conferir naquilo que o cidadão brasileiro lê. Certamente não faltam obras fundamentais como Nelson Werneck já apontara[38] além do que os novos meios técnicos numéricos digitais oferece. Fora do Brasil a era industrial concentradora - como sinônima da felicidade urbana sob a proteção de um poderoso Estado instrumentalizado - teve um aviso sinistro em Nova York.
Identidade social: as múltiplas discussões procedentes dos mais diversos paradigmas presentes em cada célula municipal podem ser ordenadas por meio desta temática única, circulando em todas as instâncias. Isto não impede o surgimento de outras diferentes, urgentes e até contrárias e contestadoras do poder central que funciona como coordenador e as enviam para as instâncias específicas. Nestas instâncias estão as identidades sociais que Maturana, caracteriza (1996: 14) com a sua respetiva origem biológica e os potenciais dali derivados “em cada sistema social conserva-se a identidade da classe de seres vivos que o integram. Assim, se os componentes de um sistema social são formigas, a identidade que se conserva na dinâmica estrutural do sistema social é a identidade formiga. Se os seres vivos componentes de um sistema social são médicos, a identidade conservada nos seres vivos componentes de um sistema social são médicos, a identidade conservada nos seres vivos componentes desse sistema social durante a dinâmica estrutural é a de médico. Por essa razão, nossa individualidade como seres humanos ‘invólucro’ a conservação da nossa vida na conservação de tantas identidades como sociedades as quais pertencemos. Por isso mesmo podemos deixar de pertencer a um ou outro sistema social sem necessariamente nos desintegrarmos como seres humanos”. A atenta consideração e o efetivo respeito a estas identidades evita os discursos vazios de um país vazio e utópico.
Ideologia: de uma teleologia imanente não é possível afastar o trabalho da ideologia seja de que tendência que for. As suas forças e as suas energias foram identificadas e descritas por Oliven quando afirmou (1992: 21) que “uma ideologia é bem sucedida na medida em que consegue dar a impressão de unificar os interesses de diferentes grupos. Na medida em que uma ideologia se mede pelo seu poder de produzir discursos que repercutem no imaginário social, isso significa que se uma determinada ideologia é eficaz ao trabalhar com noções aparentemente obsoletas, na verdade a anacronia está apenas na mente do pesquisador e não na dos agentes sociais. Permite dar a impressão de unidade de interesse de diverso grupos. Mede-se pela sua capacidade de produzir discursos que repercute, no imaginário social. Inclusive permite desqualificar como obsoletos discursos concorrentes.”. A relação entre ideologia e os aparelhos que um Estado cria para a sal administração foram o objeto da preocupação de Louis Althusser (1918-1990)[39]. No Brasil o tema da ideologia foi tratado de forma sucinta e didática por Marilene Chaui[40]. A força da ideologia positivista no Rio Grande do Sul foi objeto das pesquisas e conclusões de Boeira[41]
Imagem. na época de mídia eletrônica é necessário admitir que o Poder Originário não possui uma imagem, ou então de uma imagem positiva de si mesmo. O poder da imagem é inconteste para Goethe, ao afirmar (1945: 11) que ela “desce ao coração da matéria penetrando ali na realidade do mundo”. De outra forma Mazzocut-Mit acredita (1994: 64) que “a imagem possui poder pois opera a substituição de uma força exterior na qual uma força não aparece a não ser para aniquilar uma outra força numa luta de morte, signos de força nos quais sinais e índices, que não possuem necessidade de serem vistos, constatados, mostrados depois contados e recitados para que as força, dos quais eles são o efeito, seja acreditada e com a imagem não se discute” No plano da pesquisa e da identificação de uma agente, Bourdieu mostra (1996: 206) que “se recolhermos atos e ações de ator social surgirá uma imagem de sua imagem”. O mesmo sentido e vigor da imagem podem ser encontrados em Arendt (1983: 193) e Chartier (1998: 179). As classes, as categorias e as instituições do Poder Originário, carentes da sua imagem identificadora, podem ser surpreendidas e jogadas na heteronímia pelo formalismo e construtivismo de um desenho externo e mediado e alheio aos seus interesses. Especialmente se estas imagens são da natureza daquelas que Sergio Miceli[42] estudou da elite brasileira entre 1920 e 1940.
Imaginação: aa “equilibração” deriva do fato de que todo o organismo possui uma estrutura permanente que o meio modifica. A partir desta “equilibração” se aproximar e modelar o caos, conforme Mazzocut-Mis escreveu (1994: 64) que: “a imaginação, compreendida a imaginação divina, deve se submeter ao princípio cósmico-construtivo, ordenador e criador, que lhe permite erguer-se para além do caos desagregador da matéria no estado nascente. Da mesma forma, o artista deve modelar através da ação seu próprio potencial criativo para que a incoerência torne-se um contraste sensível para o espírito humano. A arte é um caminho que começa no sonho caótico e que termina num cosmos acabado, uma viagem interpretativa e constitutiva num claro-escuro continuado no qual não faltam nem tempestades e nem abismos”. Esta imaginação também Marc Bloch destaca (1976: 128) que “deve-se submeter ao princípio-cósmico – construtivo, ordenador e criador, que lhe permite erguer-se para além do caos desagregador da matéria no estado nascente”. A mesma energia Mazzocut-Mis (1994: 64) percebe como aquela com a qual “o artista modela através da sua ação o seu próprio potencial criativo para que a inconstância torne-se coerência de imaginação e para que a contradição torne-se contraste sensível ao espírito humano”. A imaginação, aliada às ferramenta desta nova era numérica digital, encontra excelentes meios para aperfeiçoar toda a criação humana, combater a entropia e a racionalizar o caos. Imaginação e ferramentas aliadas em sistemas abertos e com energias que operam aquém e além dos rígidos receituários da linha de montagem
Imanência: tanto é necessário admitir limites á esta competências para estar seguro de sua autonomia no seu próprio voo da imaginação. Nesta busca dos limites o poeta Schiller foi exemplar. Ele afirmou (1963: 35) como seu projeto: “não quero viver noutro século, nem quero ter trabalhado para outro. O cidadão do Estado é também cidadão do tempo; e se é indecoroso ou mesmo proibido furtar-se aos hábitos e costumes do círculo em que se vive, por que não seria um dever, ao escolherem-se os próprios atos, considerara a voz do gosto e da necessidade do século?” O filósofo Kant nos socorre na compreensão do que significam os limites para as competências no âmbito da autonomia ao coloca-los face ao conceito de imanência quando afirmou (in Ferrater Mora, 1994, p.1845) que “chamaremos imanentes aos princípios cuja aplicação se restringe por inteiro dentro dos limites da experiência possível e transcendentes aos princípios que pretendem passar tais limites”. A filósofa Hannah Arendt também é sintética ao afirmar (1983: 240,247) que “imanência restringe princípios cuja aplicação se restringe por inteiro no interior dos limites da experiência possível”. Negri recupera um extenso repertório filosófico para colocar (1995, cad.5, p.7) que “a mim mesmo tentava explicar: o campo da imanência saber mundo, não se opõe à globalização, ao contrário a deseja; opõe-se à transcendência, a qualquer forma de poder que se coloque fora do homem e da comunidade, isto é, à ideologia e a prática da globalização capitalista. A oposição fenomenológica de Heidegger (o saber distinto) e às filosofias analíticas (autonomia da linguagem como impotência ontológica) clarifica a direção da filosofia no campo da imanência: constituição do verbo, produção das livres singularidades, reapropriação do «espaço público», renovação perene da resistência contra qualquer forma de poder que transcende o movimento real.” No caso brasileiro, não se prega a destruição nem mesmo a substituição das hierarquias funcionais existentes e coerentes com os três poderes. Isto para evitar equívocos entre competências e limites do projeto do Poder Originário. O conceito e o uso coerente de imanência permite a resistência perene contra qualquer forma de poder que transcenda o movimento real. O tema da imanência foi desenvolvido por Ferrater Mora, (1994: 1845), por Negri (1995: 7), por Heidegger (1992: 43) por Marcuse (1981: 79)